Virgulino Ferreira sempre à frente de seu tempo...
Parece estranho falarmos de cangaço e termos que recorrer a conceitos próprios do ambiente empresarial moderno; mas, nos aprofundando um pouco mais na história intrigante de Virgulino, não nos parece exagero considerar que já naquela época o engenhoso bandido das caatingas conhecia muito bem o valor do Marketing Pessoal, a Política da Boa Vizinhança, Lobby e Tráfico de Influência, até mesmo noções de Logística Empresarial; na verdade não conseguimos conceber um reinado tão extenso de uma vida fora da lei em circunstâncias tão adversas, sem que boa parte desses conceitos não fizesse parte da mente prodigiosa de Lampião.
Desde cedo pela própria profissão da família, Virgulino e os irmãos passaram a conhecer toda a região e fazer um grande ciclo de relacionamentos, que mais tarde, unido a ingredientes como o medo e o favor, seriam de muita valia. Sem falar que essa espetacular rede de “apoiadores”, formada de gente miúda e graúda, foi fundamental para a sobrevivência por tanto tempo do famoso grupo.
As condições inóspitas e hostis da caatinga exigiam, além da extrema capacidade física, um exagerado instinto de sobrevivência. Comida, água, descanso, dormida, eram luxos muitas vezes esperados por dias a fio. Andanças intermináveis, muitas vezes em círculos, passando por vários estados em poucos dias carecia de um mínimo de organização e senso de direção.
Um líder sempre atento à seus próprios movimentos
Outro fator preponderante era o acesso à munição. Até os mais próximos do grande chefe do grupo, não sabiam de onde vinha tamanha carga de armamento, inclusive recebendo o que havia de mais moderno na época, exclusividade que nem as forças policiais recebiam.
Penso que o maior de todos os diferenciais entre Lampião e os outros grandes chefes do cangaço, como Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino e mesmo Sinhô Pereira, sem dúvidas era o seu cérebro privilegiado. Mesmo compreendendo a posição de amigos pesquisadores quando defendem a desconstrução do mito de que Lampião não tinha nada de estrategista militar e que seu sucesso e longevidade na vida cangaceira se deveu a uma “mistura de incompetência e corrupção, por parte dos governos, e instinto de sobrevivência da parte dele, Lampião”; as espetaculares técnicas desenvolvidas para a “guerrilha” na caatinga, muitas vezes foram determinantes para salvar vidas e vencer batalhas, muitas delas beirando ao absurdo do desequilíbrio de forças, como a de Serra Grande onde uma força volante de perto de 400 homens não conseguiu dá cabo do grupo cangaceiro com pouco mais de 70 cabras, que se valiam desde o ousado enfrentamento em nítida desvantagem, à retirada estratégica quando lhe era conveniente, muitas vezes o bando simulava o abandono do embate e voltava pela retaguarda e encontrava a força volante totalmente desprevenida.
No cangaço de Virgulino, cada peça se encaixava em seu lugar...
Na verdade, o próprio estilo de vida cangaceira; uma espécie de nômade das caatingas, o profundo conhecimento da região e suas sólidas redes de apoio logístico, lhes conferiam um grande poder de mobilidade, como também maiores condições de escaparem da polícia.
Um dos maiores cuidados do grupo era evitar o movimento pelas estradas, e mesmo dentro da caatinga tomavam cuidados excessivos com relação aos rastros. O ato de andar em fila indiana, todos seguindo na mesma pegada, o fato de calçar alpercatas com o salto na frente e o último do grupo apagar as pegadas com galhos de plantas eram providências costumeiras para dificultar o trabalho dos rastreadores das volantes, o cuidado em acender o fogo para a comida e até mesmo em enterrar os restos de animais sacrificados e restos de comida eram costumais, além do uso de cães para a sentinela e um entrançado de fios e chocalhos ligados entre si pela catinga, para denunciar a presença indesejada. Ao invadir os lugarejos o primeiro alvo eram sempre os fios do telégrafo.
Um líder consciente do poder de sua própria imagem e mito...
Outra tática que visava confundir o trabalho das volantes era não deixar os corpos de seus companheiros abatidos em combate, quando era inevitável, cortavam as cabeças dos mesmos para evitar que fossem identificados. O grupo também possuía o hábito de para os novos membros adotar a alcunha ou apelido de outro companheiro morto, também na intensão de confundir a polícia, perpetuando o personagem abatido.
Dessa forma não seria exagero nenhum, declinar Virgulino Ferreira como um dos cérebros mais privilegiados de sua época, razão sem dúvidas que permitiu seu “reinado” por quase vinte anos; de sua simpática Vila Bela em 1918 até o fatídico julho de 1938, em Angico.
Manoel Severo - Cariri Cangaço
Caro Mestre Severo,
ResponderExcluirprimoroso e lúcido, tanto o texto, espetacularmente bem escrito, como as reflexões, todas elas extremamente oportunas.
A cada dia que passa visitar o blog do Cariri Cangaço tem sido um exercício maravilhoso, que já se tornou rotina obrigatória, tanto pela beleza estética, como pelo grande número de colaboradores e em especial, pela oportunidade de rever a família do cangaço.
Abraço a vc e a todos da SBEC.
Professor Mario Hélio.
Muito bom, valeu pelas reflexões.
ResponderExcluirRita de Cássia - Fortaleza
Realmente Lampião era um bandido diferente, um fora da lei que soube explorar a própria imagem, desde Pedro Maia em 1926 em juazeiro até os dias de Benjamim. o Homem era um marketeiro de primeira.
ResponderExcluirfeliz natal a toda família da SBEc
Assis.
Muito bom!!!! Parabéns pelo o artigo, além de muito bem escrito a lógica presente na dissertação foi primorosa. Cada visita ao blog significa um acréscimo para nossa bagagem intelectual. Eu diria que além de feliz na escolha do tema e da proposta, fostes um Virgulino na dissertação.
ResponderExcluirJuliana Ischiara
Quixadá-CE
A lógica de quase todos com quem converso sobre o cangaço é que Lampião realmente não tinha nada de herói e que esse mito se fortaleceu mesmo foi pela sua genialidade, "para o mal" essa é que é a verdade, e o senhor Severo nos traz um pouco dessa vertente. Seria isso...
ResponderExcluirRoberval e Rute - Casal amante do cangaço (Brejo)
Caros Roberval e Rute, concordo com vcs, nao tenho procuração do Severo, mas acho que o texto dele, acima, nos mostra um pouco disso.
ResponderExcluirAssis.
Caros amigos muito obrigado pelo carinho.
ResponderExcluirManoel Severo