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Os Quintos dos Infernos Parte II Por:Rostand Medeiros


As lutas políticas em São Miguel e o cangaceiro Moita Braba

Alguns anos depois da união com a família Carvalho, Manoel Joaquim de Amorim alcança o poder de uma das facções políticas da cidade serrana, o que significava criar ou entrar em confusões, e decide montar uma espécie de guarda para sua proteção. Entre os membros do seu séquito de segurança está um cangaceiro que todos chamam de Moita Braba (7).

Para Luis da Câmara Cascudo ele se chamava Antônio Moita Braba, já Raimundo Nonato informa que ele seria Manuel Joaquim Moita Braba. Mas os dois escritores potiguares concordam que este cangaceiro era perigoso, violento, astuto e valente. Teria nascido na Paraíba, mais precisamente na cidade de Sousa, era mameluco, tinha em torno de trinta anos e desde os dezesseis já era um “homem de armas”, tendo praticado em torno de quinze mortes. Desde o início da década de 1880 circulava entre Sousa, Uiraúna, e as vilas da região do Rio do Peixe, na Paraíba, passando por Luis Gomes, Pau dos Ferros e São Miguel, no Rio Grande do Norte, até o Pereiro e Icó, no Ceará. Sua área de atuação sempre foi pequena, bem como o número de membros do seu bando. Quando uma região estava fe rvilhando de soldados a sua procura, passava a fronteira e buscava esconderijo em outra região. Era sempre protegido pelos poderosos do lugar, trabalhando para quem melhor lhe pagasse, sendo útil para impor a lei dos mais fortes nas épocas eleitorais e assegurando o poder aos seus chefes, entre eles Manoel Joaquim de Amorim. Contudo, nunca foi um vassalo que se prendia exclusivamente a quem lhe pagava, era fiel até o momento em que ele achava que valia a pena ser fiel. (8).


Pesquisador Rostand Medeiros ao lado da Dra. Francisquinha


Apesar da sua “extensa ficha” já ser certamente conhecida das autoridades, somente em 1892, Moita Braba passa a chamar a atenção dos mandatários do governo em Natal. Eram dez da manhã de uma segunda-feira, dia 14 de novembro, quando o rico fazendeiro José Bezerra de Medeiros, conhecido como “Bezerra matuto”, acompanhado de dois advogados e alguns seguranças, chegavam à sede da intendência da vila de São Miguel para participar de uma audiência. Antes de entrar no local estas pessoas são atacados por um grupo de dez homens, mas apenas o fazendeiro é sumariamente alvejado e morto. Os matadores seguiam ordens de Amorim em pessoa, tendo Moita Braba como o segundo em comando (9).
As razões da morte de “Bezerra matuto” são as de sempre; terras, lutas pelo pode r local, demonstrações de força, etc.


O mandante Amorim é pronunciado em março de 1893, mas em flagrante ato de desrespeito a justiça, continua a viver tranquilamente na sua fazenda Quintos, localizada a dezessete quilômetros de São Miguel. Amorim gozava da proteção de políticos do lugar, além de contar com a falta de empenho das autoridades judiciárias de Pau dos Ferros em cumprir com suas obrigações, no caso o juiz Paulino de Araújo Guedes e o delegado de São Miguel e grande “defensor da legalidade”, o controverso alferes Francisco Moreira de Carvalho (10).

“Os Quinto dos infernos”

Entretanto o crime é a gota d’água para o governador potiguar Pedro Velho. Este passa a exigir mais empenho das autoridades para dar um basta à situação de desordem e intranqüilidade na região (11). Somente no fim da tarde de 31 de julho de 1894, oito meses após a morte de “Matuto bezerra”, o alferes Carvalho parte de São Miguel para a fazenda Quintos. Junto à “autoridade” seguem Firmino José Bezerra de Medeiros, conhecido como “Néo Bezerra” e filho de “Bezerra matuto”, além de outros nove homens que “vão cumprir a lei”.

Estas pessoas possuíam um histórico um tanto estranho para a função, entre eles Joaquim Avelino, pronunciado por crime de defloramento, outros tidos como desordeiros e o próprio Moita Braba. Seja por alguma desavença com seu agora “ex-patrão” Amorim, por esperteza, ou outra razão, o certo é que este cangaceiro fez parte do grupo que sitiou a fazenda Quintos e tentou prender seu proprietário. O mais estranho é que o cerco da fazenda Quintos põe lado a lado o filho do assassinado “Bezerra matuto” e alguns membros do mesmo grupo que perpetraram o assassinato do seu pai. Já é noite quando “os homens da lei” cercam a propriedade e intimam o velho Amorim a se entregar. Mesmo cercado ele não se intimida, manda chumbo como resposta a ordem de prisão e o tiroteio est oura, seguindo por toda à noite. Pela manhã outras dezessete pessoas se juntam ao grupo do alferes Carvalho, cresce então o conflito e o cerco à propriedade ganha força. Lá dentro Amorim busca proteger uma filha, uma neta, dois netos, um genro e um empregado. Os homens válidos fazem fogo através das “torneiras” existentes nas paredes (12).

O pipocar das armas ecoa pelas serras, a população da região fica irrequieta para saber o que está acontecendo, é o assunto em voga. Dentro da casa os defensores fazem fogo ao menor sinal do surgimento de algum atacante na sua alça de mira. Amorim possui estoque de munição e mantimentos para lhe assegurar alguns dias de resistência, um túnel oferece acesso à água de um açude próximo. Já os atacantes têm todo tempo do mundo. Atiram em toda casa, nas grossas janelas e portas de madeira. Buscam alvejar algum defensor que se mostre de alguma forma e a troca de ofensas e impropérios é constante.


Casa da Fazenda Quintos


Literalmente a fazenda Quintos se transforma nos “Quintos dos Infernos”.

Acredita-se que Amorim contava com a possibilidade de algum aliado atacar o pessoal do alferes Carvalho pela retaguarda, mas o próprio fato do seu ex-segurança Moita Braba está ao lado dos atacantes, aponta como provavelmente o valente Amorim já não possui o mesmo poder de outrora. O certo é que depois de cinco longos dias após o início do cerco, com a munição escasseando e a tensão no limite, Amorim e outros companheiros fogem pelo dito túnel, alcançando um local onde aparentemente existia um engenho de rapadura e de lá, encobertos pela vegetação, conseguem fugir. Os que permaneceram na casa gritam solicitando garantia de vida ao alferes Carvalho. Este concede o salvo conduto, mas como se acompanhava de homens motivados tanto pela vingança, quanto pelo desejo da rapin agem, a sede da fazenda Quintos é invadida. Objetos são então roubados, baús são arrombados, móveis quebrados e outras coisas destruídas. Até as alimárias existentes na propriedade são utilizadas para o transporte dos produtos do saque e finalmente o grupo de atacantes incendeiam a sede da propriedade. Entre os prisioneiros de destaque estão Ismael José de Carvalho e Olympio Cesário de Moura, respectivamente genro e neto do proprietário dos Quintos.

Amorim busca abrigo em uma fazenda nas imediações do município potiguar de Luís Gomes, provavelmente sob a proteção de algum poderoso do lugar. A população desta cidade limítrofe com a Paraíba fica assustada com a sua presença, este então segue para o estado vizinho e as autoridades desconhecem o seu paradeiro. Firmino Bezerra, um irmão e outros que participaram do cerco, talvez até acompanhado de Moita Braba, partem armados para várias localidades da região com um recado bem claro; aqueles que fornecerem abrigo ao assassino do seu pai e seus asseclas vão ter que enfrentar a fúria de suas armas. A região está vivendo um clima de terror. Vários buscam armas para a defesa de suas propriedades, já outros que vivem mais isolados buscam juntar-se a parentes em sítios mais povoados ou nas pequenas vilas e cidades (13).


Continua...


7 - Sei que no livro “Flor de Romances Trágicos”, de Luís da Câmara Cascudo, no capítulo onde ele comenta sobre a morte deste cangaceiro, ele nomeia este celerado como “Moita Brava”. Entretanto, em janeiro de 2007, quando estive na região buscando garimpar alguma informação sobre estes episódios, mesmo depois de 113 anos, só escutei os moradores locais nomeando-o “Moita Braba” e assim preferi mantê-lo. Ainda durante as pesquisas na região, pude perceber que poucas pessoas conhecem sobre os episódios ocorridos na Fazenda Quintos e sobre a morte de Moita Braba. As informações que consegui, através do relato de poucas pessoas idosas, muito pouco, ou quase nada acrescentaram ao que as antigas fontes escritas me proporcionaram.


8 - As informações mais detalhadas sobre este cangaceiro se encontram nos livros de Nonato, Raimundo. “Os revoltosos em São Miguel (1926)”. Rio de Janeiro, Ed. Pongetti, 1966, págs. 19 e 22 e Cascudo, Luis da Câmara. “Flor de romances trágicos”. Natal, EDURF, 1999, págs. 85 a 90.


9 - Na Mensagem do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão apresenta em 1893, na sua página 4, informa que o tiroteio ocorreu no dia 10 de novembro, uma quinta-feira. Contudo o relatório do então Chefe de Polícia Interino, Olympio Manoel dos Santos Vital, apresentado praticamente um ano depois, na primeira página da edição de “A Republica”, de 10 de novembro de 1894, comenta que a data do incidente foi o dia 14. Em minha opinião sigo o relatório do Chefe de Polícia, pois o mesmo esteve apurando os fatos na região dos conflitos. Já os protetores de “Bezerra matuto”, segundo Nonato, R. Op. Cit., pág 20, eram cangaceiros cearenses do grupo do chefe “Peixoto”.


10 - Nonato, R. Op. Cit., pág 20, informa que Manoel Joaquim de Amorim chegou a ir a julgamento, que o mesmo não resultou em nada. Entretanto, o então Chefe de Polícia Interino, Olympio Manoel dos Santos Vital, em seu relatório ao governador Pedro Velho e apresentado em “A Republica”, de 10 de novembro de 1894, nada comenta sobre este possível julgamento. Igualmente as edições dos jornais editados em Natal na época, tampouco fazem alusão a este fato. Já a pífia atuação das autoridades judiciárias no caso Amorim é igualmente comentada e fortemente criticada no mesmo relatório de Olympio Vital. Na Mensagem que Pedro Velho apresenta em 1893, na relação dos delegados de polícia designados pelo governador Pedro Velho, consta o nome do alferes Carvalho como titular na cidade de São Miguel.


11 - Quase dois meses depois da morte de Moita Braba, quando os ânimos na região estavam mais tranqüilos, os jornais publicam uma nota emitida pelo governador Pedro Velho, informando que desde setembro de 1894, a população da região solicitava um maior empenho por parte do governo para pôr fim ao clima de medo que imperava na vila de São Miguel. A população estava particularmente apreensiva com a “presença de cangaceiros, circulando livremente pelas ruas, em grupos e fortemente armados”. Ver o jornal “A Republica”, edição de 16 de fevereiro de 1895, p. 01.


12 - Na época do tiroteio Amorim já contava com 73 anos. As chamadas “torneiras” eram aberturas feitas, ou “broqueadas” como se dizia, nas paredes das antigas propriedades dos coronéis do sertão, onde se destinava a se obter um campo de visão para parte externa, visando realizar disparos contra os adversários com uma arma de fogo.

13 - Sobre o cerco, a conseqüente depredação da fazenda Quintos e a fuga de Amorim, ver principalmente Nonato, R. Op. Cit., págs. 20 a 23 e o relatório de Olympio Vital publicado em “A Republica” em 10 de novembro de 1894.



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