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1926 - O Filme "Joaseiro do Padre Cícero" em Recife Por: Rostand Medeiros

 

 Rostand Medeiros, Manoel Severo e Múcio Procópio

Nos primeiros dias do mês de junho de 1926 as colunas informativas sobre cinema, exibidas nos inúmeros jornais da capital pernambucana, traziam a notícia que em breve seria exibido um “film” eu era considerado pelos jornalistas especializados como “diferente” e “interessante”.  Era a apresentação de “Joaseiro do Padre Cícero”, um documentário que apresentava para a população de Recife a mítica figura do padre Cícero Romão Batista.

Durante as décadas de 1910 e 1920, fotos tradicionais do padre Cícero, com a sua inconfundível batina negra e seu cajado, freqüentemente eram estampadas na imprensa recifense, mas normalmente estas imagens vinham acompanhadas de uma pródiga quantidade de críticas e comentários ácidos sobre a figura e a trajetória política do conhecido “Padim Ciço”. Não faltavam nas páginas dos jornais adjetivos como “líder de fanáticos”, ou “comandante de um valhacouto de facinorosos”. Com este fluxo de noticias, associado ao interesse do público local pelos acontecimentos da cidade cearense de Juazeiro, a notícia desta película nos cinemas da cidade chamou atenção de muitas pessoas.


 
Realizado em 1925, a película foi rodada em 35 m.m., sendo dividida em cinco partes e a direção coube ao cearense Adhemar Bezerra de Albuquerque.  Sua primeira exibição ocorreu no Cinema Moderno, em Fortaleza, no mesmo ano de sua produção. Depois de seu lançamento, a película peregrinou por várias capitais brasileiras, através da ação de Godofredo Castro, então deputado estadual no Ceará e do presidente da Associação de Jornalistas de Fortaleza, Lauro Vidal. A intenção destas apresentações era criar uma propaganda positiva em relação à ação política e social do padre Cícero e o crescimento da cidade de Juazeiro. 

Em Recife “Joaseiro do Padre Cícero” foi apresentado ao público local na última semana de maio de 1926, ficando em cartaz durante dois dias, no tradicional Cinema Royal, na Rua Nova e no dia 2 de junho foi exibido no Cinema São José. Segundo a edição do jornal recifense “A Província”, de 3 de junho de 1926, em uma reportagem sobre o filme, os propagandistas Castro e Vidal afirmaram que este projeto teria custado a soma avultada de “40 contos de réis”. Para se ter uma idéia do que significava este valor naquela época, na mesma edição deste matutino, temos um anúncio da loja “Oscar Amorim e Cia.”, localizada na Rua da Imperatriz, número 118, oferecendo o modelo mais barato da linha de automóveis da marca Ford, por cinco contos e seiscentos mil réis.  


Já a crítica se apresentou positiva em relação à obra de Adhemar Albuquerque (foto acima) e esta aparentemente chamou a atenção da elite cultural recifense, a ponto do então diretor do jornal “A Provincia”, Diniz Perilo de Albuquerque Melo ter ido assistir a película e tecer comentários. Para o conceituado jornalista “Joaseiro do Padre Cícero” foi apontado como sendo um filme “nítido”, que servia para mostrar positivamente o “expoente da admirável feição moderna de Juazeiro, da sua vida intensa e dos seus aspectos naturais”. Entretanto ele não considerou “admissível o fanatismo” que era apresentado.

Os jornais mostram que “Joaseiro do Padre Cícero” não foi classificado como um filme cansativo, onde várias foram as cenas que surpreenderam os jornalistas, como as que mostravam o imponente açude do Cedro, as cidades de Juazeiro em dia de feira, Crato, Barbalha, as paisagens da região do Cariri, a capital Fortaleza com o seu porto, o passeio Público, o Parque da Liberdade, entre outros locais. Mas figura mais destacada era o padre Cícero Romão Baptista. Ora o popular sacerdote era aclamado pelo povo, ora era apresentado na sua casa, mostrando seu trabalho como prefeito de Juazeiro e sempre junto aos seus fiéis seguidores, conforme vemos nas páginas do jornal “A Notícia”, de 3 de junho de 1926.

Não conseguimos apurar o roteiro de “Joaseiro do Padre Cícero” pelas capitais brasileiras, mas têm-se notícias que ela foi exibida no Cinema Politeama, no dia 30 de novembro de 1926, em Manaus. Outra exibição confirmada por pesquisadores da história cinematográfica brasileira mostra que esta película foi exibida na então Capital Federal, em setembro daquele mesmo ano, em sessão dupla na Sala Parisiense e teria recebido fortes críticas da revista carioca “Cinearte”.

Houve uma exibição posterior em Recife. O Jornal do Comércio, na sua edição de 2 de dezembro de 1926, informa um interessante detalhe que não fora comentado por nenhuma das colunas cinematográficas dos jornais recifenses de junho daquele ano. Aparentemente haviam sido inseridas para a segunda exibição algumas fotos do grupo de cangaceiro do chefe Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Se esta informação é correta, estas fotografias certamente seriam as chapas obtidas em março de 1926, pelo fotógrafo Pedro Maia, da cidade cearense do Crato, quando da polêmica passagem do bando pela cidade de “Padim Ciço”.

Independente desta questão, observando as notas dos jornais recifenses sobre o filme, não se pode negar que aparentemente este projeto alcançou o resultado que era desejado pelos seus idealizados e financiadores; a de desmitificar para as classes dirigentes e formadoras de opinião dos principais centros urbanos do Brasil da segunda metade da década de 1920, que o padre Cícero era sim um líder carismático, que tinha um grande número de seguidores, mas ao mesmo tempo um homem inteligente, sério, cumpridor das leis, que buscava tão somente o desenvolvimento de sua querida Juazeiro, em meio a uma região carregada de problemas.

Já Adhemar Bezerra de Albuquerque, o diretor de “Joaseiro do Padre Cícero”, possui o justo reconhecimento como um dos principais pioneiros e expoentes do cinema cearense, que produziu muitos documentários em 35 milímetros, onde são principalmente apresentados aspectos e acontecimentos da capital Fortaleza e de outras cidades do Ceará. A este homem empreendedor se deve a criação da famosa empresa ligada ao ramo fotográfico “Aba Film”, até hoje em funcionamento e pertencendo a seus descendentes.

Sobre esta empresa, não podemos deixar de comentar o famoso episódio ocorrido em 1936, que envolveu o emigrante Benjamin Abrahão Botto e a filmagem do bando de Lampião em plena caatinga.Com o apoio de Adhemar Albuquerque, o libanês de Zahelh, esteve em duas ocasiões com o “Rei do cangaço”, realizando uma proeza inédita e que se mostrava promissora. Mesmo gerando toda uma expectativa entre o público, em pouco tempo é confiscado por ordem do governo de Getulio Vargas. O Brasil se encontrava então em pleno período da ditadura do Estado Novo, que desejava exterminar definitivamente Lampião e o cangaço. Assim o filme de Abrahão seguia totalmente na contramão das ações governamentais, criando uma possível propaganda favorável aos cangaceiros e todo o projeto foi sumariamente encerrado. Logo depois, em maio de 1938, Benjamin Abrahão seria morto a facadas em uma pequena cidade do interior de Pernambuco e poucos meses depois Lampião caia fulminado de balas, junto com sua Maria Bonita e outros companheiros, em território sergipano, as margens de um pequeno grotão, próximo ao “Velho Chico”.

Do filme original pouco restou, entretanto se não fosse à iniciativa do libanês Abrahão e o apoio correto de Adhemar Bezerra de Albuquerque, não existiria nenhuma imagem cinematográfica de Lampião e seu bando.

Rostand Medeiros
Pesquisador

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