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Vivia-se a segunda metade do ano de 1918. Obedientes ao Padre Cícero Romão Batista, Sinhô Pereira e Luiz Padre decidiram deixar o Nordeste para o norte de Goiás. Eram muito jovens e tinham toda a vida pela frente. Todos aconselhavam a viagem. Só assim a família Pereira poderia levantar a cabeça e recuperar o seu prestígio social, político e econômico seriamente abalado por tantas lutas e tanto sangue derramado em vão!
Manoel Pereira Lins, “Né da Carnaúba”, promoveu vários encontros de família em sua fazenda estruturando a saída dos primos do cenário nordestino conflagrado pelas lutas de famílias, sobretudo pelas lutas entre Pereiras e Carvalhos.Depois de marchas e contra-marchas, a viagem foi decidida. O roteiro foi traçado, segundo orientação do Padre Cícero Romão Batista que certa vez recebeu Luiz Padre e o aconselhou a abandonar a luta por uma vida de paz no Brasil Central onde ninguém soubesse da vida pregressa dos dois vingadores da família Pereira. Segundo foi planejado, os dois Pereiras deixariam o sertão, beirando o sopé da Chapada do Araripe, lados de Pernambuco, buscando o Piauí de onde deveriam demandar o norte de Goiás.
Atravessar os sertões de Pernambuco era uma temeridade para eles que seriam impiedosamente perseguidos. Naquele tempo cada polícia só perseguia cangaceiros até a fronteira do seu Estado! Atravessar os limites de um Estado para outro era considerado agressão! Assim, entrando no Piauí, seria mais fácil para Sinhô Pereira e Luiz Padre fazerem a difícil travessia sem obstáculos.
Por isto os dois primos deixaram o Nordeste com o seguinte roteiro: Fazenda do major Zé Inácio, no Barro, Ceará. Fazenda Olho d’Água do Araripe, lados de Pernambuco até o Piauí, pelos municípios de Serrita, Exu e Araripina. Simões, de Jaicós, no Piauí. Foi esta a primeira etapa da viagem feita por Sinhô Pereira e Luiz Padre, a cavalo e levando seis cabras de confiança escolhidos a dedo. Iam armados de revólveres e com as carabinas desmontadas nas pequenas malas. Em Simões, já distante do Pajeú, decidiram se separar para despistar possíveis perseguidores, marcando um reencontro no sul do Piauí, em Correntes, próximo à fronteira com Goiás. Luiz Padre, com dois cabras, tomou o rumo de Uruçu, mais para o centro do Piauí, pelo Vale do Gurguéia.
Napoleão Tavares ao lado de Severo e Paulo Brito
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Sinhô Pereira, com quatro cabras, seguiu na direção de Correntes por São Raimundo Nonato, em roteiro paralelo à fronteira de Pernambuco. Com ele iam os homens de confiança: Cacheado, Coqueiro, Raimundo Morais e Gato. O trajeto planejado evitava a travessia do Rio São Francisco que ainda não tinha pontes e a perseguição policial de Pernambuco. A meta de ambos era uma só: sul do Piauí e daí, norte de Goiás, por caminhos diferentes. Luiz Padre ia mais pela direita e Sinhô Pereira mais pela esquerda, não muito distante um do outro, de tal modo que não fosse tão difícil o reencontro planejado no sul do Piauí. Ambos levavam cartas de recomendação para famílias amigas do Piauí: família do Barão de Paranaguá, do Marquês de Santa Filomena e Marquês de Paraíso, já que Luiz Padre era neto do Barão do Pajeú, coronel Andrelino Pereira da Silva. Os barões sempre se entendiam muito bem. A viagem ia sendo feita com marcha de 6 a 10 léguas por dia, mais durante as noites para serem menos percebidos.
Ao atingir Nova Lapa, município piauiense de Gilbués, Luiz Padre soubera que Sinhô Pereira fora cercado pela polícia do Piauí nas proximidades da cidade de Caracol. É que as autoridades do Piauí receberam precatória contra os dois e o tenente Zeca Rubens ia no encalço de Sinhô Pereira com 20 homens, sendo três soldados e os demais civis, jagunços a serviço da polícia! A casa em que Sinhô Pereira e seus homens dormiam foi cercada pelo pessoal do tenente Zeca Rubens. As carabinas de Sinhô Pereira estavam desmontadas, mas depois de um tiroteio de uma hora, Sinhô Pereira e o seu pessoal fugiram, deixando dois soldados feridos levemente e carregando Cacheado quase nos braços, gravemente ferido. Sinhô Pereira nunca abandonou cabra ferido, sendo muito solidário a seus homens!
Sinhô Pereira ficou visivelmente irritado com a perseguição. Seus inimigos do Pajeú não queriam que ele encontrasse a paz em Goiás e o perseguiam tenazmente! Luiz Padre resolveu prosseguir a viagem e perdeu por completo o contato com Sinhô Pereira que ficou por quatro dias na Fazenda Mulungú, com Cacheado muito ferido, até que o tenente Zeca Rubens, através de um seu irmão mandou lhe dizer que não o perseguiria enquanto ele tivesse tratando do cabra ferido! Foi um gesto muito nobre, indiscutivelmente.
Cangaceiro - Aquarela por, CARYBÉ, Hector (1911 - 1997)
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Somente em março de 1919 Luiz Padre chegou no Duro. Sinhô Pereira ficou por 57 dias, quase dois meses, tratando de Cacheado para além de Caracol. Não abandonaria o ferido, custasse o que custasse, disse ele, de viva voz, ao escritor Nertan Macedo e ao pesquisador Luíz Lorena, de Serra Talhada, seu primo. Cacheado não resistiu à gravidade dos ferimentos e morreu. Sinhô Pereira reiniciou a viagem, mas em Jurema, encontrou o cabra que ferira Cacheado, João de Bola, que foi morto por um dos seus homens. A partir deste episódio a perseguição policial recrudesceu, com o tenente Zeca Rubens à frente de 40 soldados seguindo as pegadas de Sinhô Pereira que ia trocando de animais cansados substituindo por animais tomados ao longo das fazendas percorridas. Novamente cercado pela polícia quando dormia 40 léguas para além de Caracol, Sinhô Pereira e seus homens conseguiram furar o cerco policial, mais uma vez, depois de meia hora de tiroteio, morrendo um soldado e saindo ferido um rapaz da casa onde estavam arranchados. Em Tocoatiara Paulista, perderam os animais: um cavalo e três burros. Em Sete Lagoas tomaram novos animais que foram trocados novamente em Barra de São Pedro. Foi aí que Sinhô Pereira decidiu voltar ao Pajeú e lutar com os seus inimigos até um dia, já que não o deixaram buscar a paz e o esquecimento em terras distantes, como era o seu desejo..
Foi uma decisão nervosa, mais em oito dias Sinhô Pereira estava novamente nas barrancas do Pajeú até 1922 quando conseguiu deixar o Nordeste, desta vez em definitivo, saindo da Fazenda Preá, Serrita propriedade do coronel Napoleão Franco da Cruz Neves, casado com Ana Pereira Neves, prima de Sinhô Pereira e Luiz Padre, além de madrinha de batismo deste último.Com a volta de Sinhô Pereira, de Caracol (PI), foi que Lampião, passou a integrar o seu bando. Por outro lado, a segunda e definitiva viagem de Sinhô Pereira para Goiás, será objeto de outro trabalho oportunamente. Só em março de 1922 foi que ele pôde chegar ao Duro!
Napoleão Tavares Neves
Médico, escritor,sócio da SBEC.
FONTE: lentescangaceiras.blogspot.com
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Severo parabens por nos presentear com essa verdadeira aula do Mestre Napoleão Tavares Neves. Grande figura humana e grande historiador e escritor.
ResponderExcluirProfessor Alberto Rodrigues
Parabem ao escritor Napoleão Tavares Neves, pelo seu excelente trabalho sobre a desistência de Sinhô Pereira e Luiz Padre do cangaço.
ResponderExcluirNada melhor do que estes maravilhosos textos que os senhores entregam a nós, estudantes do cangaço.
Tenho certeza que assim como eu, todos alunos ficam fartos com esses bons artigos.
José Mendes Pereira - Mossoró-RN.
O dr Napoleão Tavares Neves é uma das principais reservas morais de nosso cariri, um médico humanitário e um grande carater, além de ser um espetacular memorialista.
ResponderExcluirAbraços ao Manoel Severo e sua esposa Danielle.
Francisco de Assis Santos
Juazeiro do Norte
Ninguém melhor do que o Dr Napoleão para dissertar sobre o único chefe que lampião conheceu: Sinhô Pereira.
ResponderExcluirDr Napoleão ainda parente do célebre Sebastião Pereira nos traz um dos episódios marcantes do cangaço nordestino e das brigas do Vale do Pajeu, peço aos amigos que nos mostrem também um pouco da grande epopéia de São josé do Duro, terras do poderoso Abilio Wolney, ali também Sinhô Pereira teve grandes histórias.
Grande abraço.
Professor Mario Helio
É uma alegria ler qualquer trabalho, sempre impecável, do nosso mestre Dr. Napoleão Tavares Neves.
ResponderExcluirPor outro lado, que saga, a de Sinhô Pereira!
Quanto não há, ainda, a se escrever acerca dos titãs que construíram o Sertão do Nordeste do Brasil...
Que dizer diante de tão espetcular texto?... Uma narrativa de fatos que só alimenta e engrandece a verdadeira história dos oprimidos, como uma autêntica saga dos grotões sertanejos encenada com sangue, coragem, suor e lágrimas pelos artífices/protagonistas do cangaço nordestino.
ResponderExcluirO nosso Napoleão, nos brinda com mais esta taça transbordante de história e de verdade. Uma pérola... Um resgate historiográfico de grande valia para todos os que almejam aprender um pouco mais acerca da história dos sertões tendo como foco o fenômeno do cangaço e todas as sua variantes.
Abraços fraternos e lampiônicos ao mestre, historiador-mor do Cariri Dr. Napoleão Tavares Neves.
- José Cícero
Aurora - CE.
www.prosaeversojc.blogspot.com
Amigos do Cariri Cangaço, dr napoleão foi muito feliz e como um grande escritor que o é, nos presenteia com detalhes da vida deste que segundo o proprio lampião, foi o homem mais valente do sertão: Sinhô Pereira.
ResponderExcluirsds
Marcos Assunção
Dr Napoleão Tavares Neves, o que mais me chamou a atenção em seu artigo; sobre a saida de Sinhô Pereira para além sertão do Pajeú; foi a tenaz perseguição movida pela policia do Piauí, através de tenente Zeca, fato que para mim era totalmente desconhecido, uma vez que nunca tinha ouvido falar em cangaço no estado do Piauí, e daí está surpreso com esse episódio.
ResponderExcluirParabenizo ao senhor pelo grande artigo e pelas informações importantes que nos traz.
Aldenor Aguino
Pessoal; Sinhô Pereira continuou enfrentando as mesmas dificuldades do Pajeú, talvez muito maiores até, em São José do Duro.
ResponderExcluirPedro
Parabens por tão belo texto,mais é preciso que o mestre me deixe fazer um aparte no seu nobre texto.
ResponderExcluirQuando resolvir fazer um livro contando como foi a morte do Cel.Delmiro Gouveia,aprofundei estudos a respeito dos implicados na morte do mesmo,visto que Sinhô Pereira e seu Primo Luis Padre nas minhas pesquisas são os responsaveis pela execução do afamado Coronel,vamos por parte.
A fuga para Goiás nada é mais do que uma retirada da região pelo fato da prisão do Capitão Firmino que vem a ser o mandante e primo dos afamados cangaceiros,os mesmo ao saber da prisão do primo em Maceio,temendo que o mesmo abrisse o bico e os delatasse empreenderam fuga para Goiás.
A segunda fuga foi pelo mesmo motivo,a morte do Cel Coronel Delmiro Gouveia,veja que quando um dos supostos assassino do Cel Delmiro,o Inácio Pia,vulgo jacaré que vem a ser irmão do cangaceiro Moreno,morto recentemente,é preso no momento em que procurava emprego na faz. do Coronel Inácio do barro,prisão essa por coicidência feita pelos cangaceiros de sinhô Pereira,como jacaré já conhecia sinhô Pereira lá de Pedra(Delmiro)o mesmo deduz que quando chegasse a maceio o mesmo o entregaria para as autoridades de lá.
Sabendo SinhÔ Pereira que a viagem de volta do prisioneira demoraria meses,o mesmo resolve assaltar a casa da Baronesa de Água Branca junto com Lampião,o mesmo espera o grupo fora da cidade,por que?simplesmente a trama da morte do Cel DElmiro Gouveia foi feita na aludida casa ou seja as pessoas residentes o reconheceria tanto pela sua presença na casa quando foi feito os acertos para a execuçao do Cel Delmiro,como o parentesco com o Capitão Firmino,amigo da família da Baronesa,após o assalto é que sinhô Pereira foge juntamente com um dos principais mandantes do crime o Cel José Gomes de Jatobá,vindo os mesmos a morar na mesma cidade juntamente com Luis Padre que já se encontrava morando na região,veja que tudo encaixa em relaçõa ao crime do Cel Delmiro Gouveia.
Conclusão,a história da carta e do pedido de Padre Cicero foi uma invenção dos mesmos para encobrir um crime maior que era a morte do Cel Delmiro Gouveia.
Quer saber mais alguma a respeito do aludido crime?compre o livro que será lançado aí no caricangaço 2011,abraços Gilmar Teixeira.
Excelente trabalho -parabens ! Alfredo Bonessi - GECC-SBEC
ResponderExcluirDr Napoleão é um dos maiores memorialistas do cariri, parabens pelo belo trabalho e quanto ao pesquisador Gilmar, simplemente sensacional. Quando do Cariri Cangaço aqui em Juazeiro com certeza teremos mais subsídios com seu novo livro sobre a morte de Delmiro Gouveia. parabens.
ResponderExcluirRafael Moura
Falta agora o dr. Napoleão relatar a definitiva retirada de Sebastião Pereira e Luiz Padre da vida cangaceira, em que foi passado o comando da luta para Lampião e isso se deu na Fazenda Preá-Pe, de propriedade dos avós paternos do dr. Napoleão (Napoleão Franco da Cruz Neves e esposa)
ResponderExcluirParabéns, ao meu primo, Napoleão Tavares Neves, pelo excelente trabalho acerca de Sinhô Pereira. Como neto de "Ioiô Maroto", sei que o entrevero que o protagonizou Com Luiz Gonzaga Gomes de Ferraz, teve como causa a abordagem truculenta do Tenente Peregrino Montenegro, da polícia do Ceará, em 22 de abril de 1922. Neste ano e mês, Sinhô Pereira ainda encontrava-se na Região, em Pernambuco. Fato é que, logo que soube da "desfeita" sofrida pelo primo, em sua Fazenda Cristovão, Belmonte, acorreu até lá, mesmo estando de viagem marcada para o Duro, Goiás. Ofereceu-se ao primo para resolver a parada, ou seja, praticar a vindita sobre "Gonzaga". Logo, conclui-se que a sua segunda partida rumo ao Goiás, aconteceu logo após abril de 1922. Segundo meu avô Ioiô Maroto, após o episódio, Sinhô Pereira chegou à Fazenda Cristóvão, e assim falou: Ioiô, soube que você sofreu uma agressão, amando de Gonzaga? Já estou de saída para minha viagem, mas antes de ir, quero resolver essa "parada". Meu avô, respondeu-lhe: não. Vá sua viagem. Você já está de saída. Sinhô retrucou-lhe: assim é covardia, você sofrer uma desfeita e ficar por isso mesmo? Ioiô respondeu-lhe: não adianta eu sofrer uma desfeita e você querer resolver por mim. Vá sua viagem que, se um dia eu tiver coragem, eu mesmo resolvo. Sinhô disse: assim vou partir, mas vou recomendar a Virgulino pra que um dia, se você precisar, ele possa lhe ajudar a resolver isso. Diz-se ser fato uma das, “algumas brasas acesas” que Sinhô Pereira deixou prá Lampião apagar. Como se sabe, logo depois, Sinhô partiu rumo ao Duro, hoje Dianópolis onde reencontrou o seu primo, Luiz Padre. Ademais, todos sabem que em outubro de 1922, aconteceu o desfecho em Belmonte.
ResponderExcluirUm fraternal abraço ao primo Napoleão Neves.
Valdenor Neves Feitosa
( filho de Otacília Neves de Araújo)
Agradeço penhorado todos os comentários sobre a epopéia da retirada de Senhor Pereira e Luis Padre das terras nordestinas para Dianópolis,em tocantins.Epopéia também de igual grandeza foi a saída de Dianópolis para Patos de Minas,em seguida para Presidente Olegário TAMBÉM EM MINAS onde Senhor Pereira faleceu como caridoso boticário cercado do respeito e da admiração de todos,inclusive gozando de prestígio junto ao governo do Presidente Olegário Maciel.Qanto a versão novelesca do senhor Gilmar Marciel,apenas tenho a disser o seguinte:''não concordo com uma só palavra do que dizeis,mas defendo,intransigentemente vosso direito de dize-lo ''fique com a sua versão que eu carregarei a minha colhida nas mais puras fontes familiares ao longo de meio século.
ResponderExcluirGostei do Blog...
ResponderExcluirRogério Ribeiro - Jaicós - Piauí