Acrílico, de JBatista
É curioso observar como o cangaço continua a despertar o interesse dos pesquisadores
Homem
duro, implacável com os inimigos, ninguém jamais se atreveria a colocar em dúvida
sua hombridade e nunca pairou a menor sombra a respeito de sua condição de
homem-macho. Mas eis que de repente, quando menos se esperava, e, ao que
parece, inspirado pelo antropólogo Luís Mott, surge o livro “Lampião, o Mata
Sete”, de autoria do magistrado aposentado Pedro de Morais, onde o autor
sustenta que Lampião foi afeminado desde mocinho e teria sido homossexual, além
de manter uma “ménage a trois” com Maria Bonita, sua mulher, e Luís Pedro,
integrante de seu grupo, em plena caatinga. Não bastasse isso, sustenta que
Maria Bonita manteve relações com outros homens na vigência do casamento. As
teses do autor se baseiam em indícios e informações que, segundo ele, comprovariam
os fatos, ainda que contrariando a imensa bibliografia sobre o assunto, a
opinião dos estudiosos e o testemunho de incontáveis pessoas em diversas
épocas. O livro vem provocando verdadeiro terremoto, uma vez que, na opinião
geral, Lampião pode ter sido tudo, ou quase tudo, exceto um homossexual.
A reação não tardou e começaram a surgir
manifestações em contrário, avultando entre elas o livro-contestação “Lampião
contra o Mata Sete”, de autoria de Archimedes Marques (Info Graphics Gráfica e
Editora – Aracaju – 2012). Estudioso do assunto de muito tempo, leitor
aficionado da bibliografia existente e com pesquisas realizadas in loco, o autor se debruçou sobre a
obra de Pedro de Morais, examinando-a capítulo a capítulo, página a página,
parágrafo a parágrafo em cotejo com as opiniões de numerosos outros autores
para concluir que as teses nele defendidas são improcedentes e não encontram
qualquer amparo em provas, mesmo indiciárias, tudo não passando de verdadeira
ficção. Para tanto, buscou subsídios em numerosos autores de várias épocas,
desde aqueles que foram contemporâneos de Lampião até os mais modernos, sem
esquecer os ensaístas consagrados cujas obras constituem referências. Numa
espécie de operação desmonte, tudo foi submetendo a uma análise crítica
implacável, muitas vezes contundente, rebatendo as afirmações com cerrada
argumentação. Ao longo de 550 páginas densas e pensadas, esmiuçou a obra em
questão de tal forma a não deixar pedra sobre pedra, recolocando tudo nos
devidos lugares e devolvendo a Lampião a masculinidade que jamais lhe fora
negada.
Embora não seja
especialista no assunto, tenho lido bastante sobre o cangaço e Lampião e até
escrito a respeito. Nessas leituras nunca deparei com qualquer insinuação sobre
a homossexualidade do chamado Rei do Cangaço, suas relações com outros homens
ou a triangulação com Maria Bonita e o
cangaceiro Luís Pedro. Em livro recente, denominado “De olho em Lampião: violência
e esperteza”, de autoria de Isabel Lustosa, pesquisadora titular da Fundação
Casa de Rui Barbosa, não encontrei qualquer referência ao assunto. Como se
trata de obra visivelmente contrária ao cangaceiro, não creio que silenciasse
sobre o fato caso houvesse sustentação para tanto. Também na obra “Lampião –
Entre a espada e a lei”, de autoria do magistrado potiguar Sérgio Augusto de
Souza Dantas, trabalho criterioso e exaustivo sobre a vida e os feitos de
Lampião, nada encontrei a respeito. Como não seria possível esconder essa
pretensa homossexualidade de todos e por tão dilatado espaço de tempo, ainda
mais em se tratando de personagem histórico tão estudado, acredito que tudo não
vai além do terreno da mera suposição.
Enéas Athanásio
A par do debate sobre o
tema em todas suas minúcias, o autor Archimedes Marques fornece inúmeras
informações a respeito de Lampião, seu grupo, o cangaço em geral e o meio
sócio-econômico onde se desenvolveu. Apenas esse conjunto de elementos
paralelos já faria do livro “Lampião contra o Mata Sete” uma grande obra.
Enéas
Athanázio; Contista, crítico, biógrafo com extensa bibliografia, é um dos
escritores mais publicados e conhecidos de Santa Catarina. Reside em Balneário
Camboriú e é dos fundadores de Literatura – Revista do Escritor Brasileiro,
na qual tem colaborado assiduamente.
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