No mapa: Sousa, cenário de um dos ataques de maior repercussão do bando de Lampião
Conversas a boca
miúda diziam que os mandantes da morte do “Coronel” João Pereira eram
pessoas importantes da sociedade sousense, como o destacado e influente
cidadão de nome Otávio Mariz.Em um dia de feira em Sousa, Otávio
Mariz notou animada conversa entre um bodegueiro de Nazarezinho, de
nome Chico Lopes, e um cabra da inteira confiança de Chico Pereira, de
nome Chico Américo. A duração da conversa despertou a desconfiança de
Otávio Mariz. Nas bancas da feira procurou uma chibata para
comprar, indo ao encontro dos dois palestrantes. Encontrou apenas Chico
Lopes. Aplicou-lhe uma surra magistral e pediu-lhe para ir à fazenda
Jacu, reduto dos Pereira Dantas em Nazarezinho, avisar a Chico Pereira
que tinha outra prometida para ele.
Romero Cardoso
No Jacu, Chico Lopes detalhou
todo acontecido. A família do “Coronel” assassinado perguntou-lhe o que
ia fazer, tendo Chico Lopes respondido estar decidido ir até Princesa,
conversar com Lampião sobre o melindroso e humilhante assunto. Havia um
irmão de Chico Lopes que integrava o bando de Lampião há alguns anos.
Isso facilitou a decisão do chefe supremo do cangaço em enviar dezessete
homens de sua confiança para Nazarezinho. Antônio e Levino Ferreira,
bem como Meia-Noite e Sabino Gório, também integravam o grupo que iria
se responsabilizar pela mais aviltante ação cangaceira no Estado da
Paraíba.
Notícias corriam céleres, dando conta dda aproximação do
grupo cangaceiro. Em Sousa alguns aventavam a hipótese de organizar
defesa, mas como não acreditaram na possibilidade de tamanha ousadia,
relaxaram completamente. Ao chegar ao Jacu, os dezessete homens
foram recepcionados efusivamente. O número final de bandidos prontos a
atacar Sousa, aumentado com muitos da região, somava oitenta e quatro
quadrilheiros dispostos.
Ângelo Osmiro, Jorge Remígio e Narciso Dias, na visita do Cariri Cangaço ao Jacu, fazenda do cel. João Pereira e seu filho; Chico Pereira.
Antes do amanhecer do dia 27 de julho de
1924, os bandidos cortaram a linha do telégrafo e invadiram Sousa, cuja
maioria da população foi pega totalmente desprevenida. Pequena
resistência partiu da residência de Otávio Mariz, principal alvo dos
atacantes. Experiente e tarimbado sertanejo, Otávio Mariz escapuliu
quando viu que não poderia resistir ao implacável ataque.
Tudo em
Sousa virou alvo de saque, os cangaceiros roubaram o comércio,
residências, tudo, prejuízo incalculável que marcou indelevelmente a
história sousense.Feras endiabradas davam vazão a todos os instintos
selvagens possíveis e imagináveis. O destacamento local, comandado pelo
então Tenente Salgado, não conseguiu realizar qualquer ação de defesa em
Sousa, verdadeiro suicídio se tivesse havido consumação.
Grupo
composto de quase duas dezenas de bandidos, liderados por cangaceiro
conhecido por “Paizinho”, teve como alvo principal a residência do juiz
local, de nome Dr. Archimedes Soutto Mayor. “Paizinho” tinha queixas
pessoais contra o magistrado, a quem acusava de tê-lo condenando
injustamente. Retirado ainda com roupas de dormir, o Juiz foi submetido a
todo tipo de suplicia e humilhação, sendo forçado a andar de cangalha e
em posição vexatória pelas ruas de Sousa. O ato final seria o
assassinato do magistrado, mas Chico Pereira interveio e evitou a
consumação do ato extremo.
Mesa de abertura do Cariri Cangaço em Sousa, junho de 2013
Manoel Severo, Bismarck Oliveira e Jorge Remígio em Sousa
O magistrado, depois de tudo, no
ensejo dos desdobramentos do audacioso ataque cangaceiro à cidade de
Sousa, assumiu a responsabilidade de fazer merecida justiça contra
àquelas feras que o atacaram.
A rede de informações montada por
Lampião era impecável e precisa. Logo ele ficou sabendo dos estragos em
Sousa e, principalmente, do que fizeram com o juiz. Rodopiava nos
calcanhares, ainda sentindo dores terríveis, empunhando Parabellum e
raciocinando sobre o futuro dali para frente. Homem de raciocínio
rápido, Lampião sabia que em breve enfrentariam duras batalhas contra as
forças volantes paraibanas, extremamente tolerantes devido ao respeito
ao “Coronel” José Pereira Lima e a Marcolino Pereira Diniz.
Lampião
estava certo. A providência inicial do recém instalado governo de João
Suassuna foi a instalação do segundo batalhão da Polícia Militar
Paraibana na cidade de Patos das Espinharas, com absoluto aval para dar
caça ininterrupta aos cangaceiros. A responsabilidade pela iniciativa
maior de efetivar a campanha paraibana contra o cangaço liderado por
Lampião coube, naturalmente, ao “Coronel” José Pereira Lima.
Não
obstante a proteção que Lampião desfrutou em Princesa, seria
inadmissível que o chefe político das terras da lagoa da perdição
tolerasse tamanha afronta, principalmente em razão da forma como o
magistrado sousense foi humilhado pelos cangaceiros.
Lampião e Antônio Ferreira no ano de 1926
No ensejo da
caçada movida contra os bandoleiros, há fato digno de registro,
referente à resistência efetivada pelo cangaceiro Meia-Noite em uma casa
de farinha no sítio Tataíra, fronteira entre os estados da Paraíba e de
Pernambuco. Na companhia da esposa, Meia-Noite, embora a mulher não
tenha participado do combate, enfrentou combinado de volantes,
comandados pelo então Tenente Manuel Benício, e tropa de cachimbos
(civis em armas) contratada pelo “Coronel” José Pereira. Meia-Noite
lutou contra oitenta e dois homens, ferindo dezoito. Escapuliu do
tiroteio, mas a esposa ficou no local em que se entrincheirara, sendo
depois conduzida à cadeia de Princesa. No local, conforme Érico de
Almeida, primeiro biógrafo de Lampião, autor do livro “Lampeão, sua
história” (1926(1ª ed.), 1996( 2ª ed.), 1998(3ª ed) ), foram encontradas
quatrocentas e noventa e duas balas de fuzil mauser DWN, modelo 1912.
Em
seguida, devido às volantes paraibanas estarem assanhadas com a ordem
capital de darem combates violentos aos cangaceiros, inúmeros
enfrentamentos foram registrados, como a batalha do Tenório, no ano de
1925, quando Levino Ferreira foi assassinado pelo volante Belarmino
Morais, comandado pelo então cabo José Guedes. Como forma de se vingar
do “Coronel” José Pereira, a quem culpava pela morte do irmão, Lampião e
seu bando invadiram humildes propriedades em princesa, como a do
Caboré, assassinando diversas pessoas, incluindo entre essas um ancião
de provecta idade de noventa e dois anos e um garoto de apenas doze
anos.
Cel Zé Pereira de Princesa
O governo paraibano invocou o convênio anti-banditismo,
firmado no ano de 1922 em Recife (PE), obtendo permissão para que suas
forças de segurança pública em perseguição aos bandoleiros adentrassem
os territórios de outros estados nordestinos. O grupo cangaceiro,
em certa ocasião no ano de 1925, foi localizado na região de Serrote
Preto. Desprezando as mais elementares táticas militares, os volantes
paraibanos atacaram irresponsavelmente o valhacouto de Lampião. As
estratégias guerrilheiras foram implementadas impecavelmente pelos
cangaceiros, resultando em horrível carnificina, na qual pereceram os
comandantes Tenentes Joaquim Adauto e Francisco de Oliveira, além de
mais de uma dezena de soldados.
Abalado com a perseguição tenaz
que as volantes paraibanas realizavam, Lampião evitou a Paraíba, pois
seus antigos protetores não estavam mais propensos a desafiar as ordens
do governo paraibano, bem como a decisão irredutível do “Coronel” José
Pereira Lima em buscar erradicar o cangaço liderado por Lampião, pelo
menos em terras paraibanas.
Chico Pereira
Para Chico Pereira não houve outra
saída, em razão da gravidade dos fatos ocorridos em Sousa, a não ser
acompanhar o grupo de Lampião pelas adustas plagas sertanejas. Travou
combate em Areias do Pelo Sinal, entre Princesa e o distrito de Alagoa
Nova (Hoje Manaíra), depois, vítima de picada de cascavel, em território
pernambucano, amargou provações inenarráveis.
O extenso processo
elaborado pelo Dr. Archimedes Soutto Mayor mostrou-se simpático a Chico
Pereira, eximindo-o de algumas culpas e louvando diversas
interferências realizadas quando do ataque cangaceiro do dia 27 de julho
de 1924 à cidade de Sousa.
Perseguido, embora tolerado
discretamente, Chico Pereira era, no entanto, alvo de olhares
vingativos, sobretudo em razão de suas práticas donjuanescas. Sedutor,
Chico Pereira desafiava importante elemento da moral sertaneja. Ao que
tudo indica, houve a sedução de uma sobrinha do governador
norte-riograndense Juvenal Lamartine, em Serra Negra (RN).
Wescley Rodrigues na abertura do Cariri Cangaço em Sousa
Provavelmente
houve um conluio entre Juvenal Lamartine e seu colega João Suassuna
para eliminar Chico Pereira. João Suassuna, através de irmão de nome
Antônio, empenhou a palavra sobre a total liberdade do homem que foi
obrigado a se tornar cangaceiro devido à morte do pai, motivada pela
política acirrada dos turbulentos anos da década de vinte do século
passado.
Na festa da padroeira de Cajazeiras, no ano de 1928,
Chico Pereira foi detido por oficiais da polícia militar paraibana.
Manuel Arruda de Assis foi o responsável pela prisão. Conduzido a
Pombal, onde tinha praticado crime, quando do cerco ao velho casarão de
Antônio Mamede no sítio Pau Ferrado, Chico Pereira ia ser transferido
para Princesa, onde havia assassinado soldado de nome Pierre. A
escolta que o conduzia rumou em direção a Santa Luzia. Havia um crime
atribuído a ele em Acari (RN), referente a um roubo praticado contra o
velho “Coronel” Quincó da Ramada. Era parte do esquema
estruturado por Juvenal Lamartine para liquidá-lo. Joaquim de Moura,
famanaz executor de bandoleiros, foi o responsável pela morte de Chico
Pereira.
O ataque do bando de Lampião à cidade de Sousa foi um
dos mais ousado ato praticado pelos bandoleiros das caatingas, cuja
marca indelével permaneceu por tempos e ainda resiste na memória de
poucos que tiveram a infelicidade de presenciar a verdadeira baderna que
os cangaceiros fizeram na simpática cidade sorriso no longínquo dia 27
de julho de 1924.
José Romero Araújo Cardoso
http://omundocomoelee.blogspot.com.br
http://omundocomoelee.blogspot.com.br
José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor Adjunto do Departamento
de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia
e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre
em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA – UERN). Contato:
romerocardoso@uol.com.br
Matéria muito boa, que retrata um fato histórico importante, e imortalizado por escritores e pesquisadores como Romero Cardoso e outros abnegados.
ResponderExcluirMas talvez o título esteja inadequado pois Lampião não estava no episódio. Para ser mais autêntico, e justo, poderia reformular para O ATAQUE DE CHICO PEREIRA A SOUSA.
Tem como saber quem era o irmão de Chico Lopes que fazia parte do grupo de lampião ?
ResponderExcluir