Fazenda Tipi, em Aurora
Em
julho de 1909, Dom Manuel Antônio de Oliveira Lopes, Bispo Coadjutor de
Fortaleza, em visita pastoral ao sul do Ceará, ficou pasmo e indignado com os
desmandos que ocorriam em Aurora. Com a autoridade moral e religiosa que
lhe era peculiar, Dom Manuel Antônio ponderou aos novos chefes políticos de
Aurora que os homens armados deveriam desocupar a cidade, deixando seus
habitantes em paz. No que foi imediatamente atendido. Após a destituição de
todas as autoridades de Aurora, assumiram tais funções parentes, amigos e
correligionários indicados por vó Marica. Coronel Cândido Ribeiro Campos,
como Intendente Municipal; José Francisco Sales Landim, irmão de vó Marica,
como Primeiro Suplente de Juiz; Antônio Landim de Macêdo, seu filho, foi
agraciado com a função de Segundo Suplente de Juiz, sendo que, em 1918, exerceu
o cargo de Primeiro Suplente de Substituto do Juiz Federal e, de 1919 a 1921, o
de Prefeito Municipal.
A
Delegacia de Polícia foi confiada a João Cândido Ribeiro, filho do Coronel
Cândido. De 1914 a 1918, administrou Aurora o Coronel Manuel Teixeira
Leite, sogro de Antônio Landim de Macêdo. O Coronel Cândido Ribeiro Campos
voltou a ocupar a administração municipal no período de 1921 a 1926.O filho
mais velho de vó Marica, Raimundo Antônio de Macêdo (Mundoca) foi nomeado
Delegado de Polícia de Aurora em 1921. Como podemos observar, o nepotismo
vigente atualmente na administração pública brasileira, já existia em Aurora no
início do século XX, como em todo o Brasil.
Dom Manuel Antônio de Oliveira Lopes
Sobre
o poderio de vó Marica no município de Aurora, transcrevo o que diz Joaryvar
Macêdo, no seu livro Império
do Bacamarte, pág. 104: “Cessada a questão de 8 e entronizado o
Coronel Cândido do Pavão no poder, iniciou-se, em Aurora, o período oligárquico
dos Ribeiros Campos, conhecidos como os Cândidos, e dos Macêdos do Tipi,
liderados por Marica Macêdo. Saindo ela do anonimato, tornou-se figura de prol
no município. Investida de poderio e enroupada das características do
coronelismo, firmou-se legítima mandona, exercendo, inquestionavelmente, até 1924,
ano do seu passamento, profunda influência na política municipal, decidindo,
lado a lado do Coronel Cândido, para quem sua palavra era lei.”
Lampião
no Tipi. A fama da coragem e bravura de vó Marica corria além dos limites
de Aurora, espalhando-se pelo Cariri e adjacências. Em uma das incursões
pelo Município de Aurora, Lampião mandou avisar a minha avó que gostaria de
visitá-la. Ela respondeu afirmativamente, desde que ele viesse em paz e
não praticasse nenhum ato contra sua gente no Tipi. Caso contrário, ele,
Lampião, seria recebido à bala. Ele passou pelo Tipi, visitou vó Marica e
foi embora em paz.
Aquarela Aurora Antiga por Enoque
Das
histórias sobre Lampião que ouvi de meu pai, minha mãe, parentes e outras
pessoas que residiam no Tipi, guardei na minha mente duas relativas à passagem
de Lampião pela nossa região. A primeira a que acabei de mencionar e
a outra, já após minha avó ter falecido. Essa segunda passagem de Lampião
pelo Tipi ocorreu da seguinte maneira. Lampião e seu grupo, em torno
de trinta pessoas, chegaram ao Sítio Jerimum, que pertencera a vó Marica, a
mais ou menos 1 km distante da casa de meus pais, ali pararam e o chefe mandou
chamar meu pai.
Meu
pai atendeu ao chamado e, em companhia de seu homem de confiança, Pedro
Ribeiro, foi ao encontro de Lampião. Chegando ao Sítio Jerimum, papai foi
recebido por um homem, o Corisco, que, quando viu papai, perguntou quem
ele era, papai respondeu ser Silvino Macêdo, então ele disse: “o chefe quer
falar com o senhor.” E imediatamente perguntou a papai. “Quem é este que
está em sua companhia?” Papai respondeu ser uma pessoa de sua confiança.
José Cícero, Adailton Macedo e Manoel Severo no Cariri Cangaço 2013 em Aurora: Marica Macedo, com Vicente Landim de Macedo
Corisco
levou papai até Lampião. Os dois se cumprimentaram e Lampião falou para papai
que precisava passar uns oito ou dez dias em um lugar reservado, uma vez que
necessitava reformar seus bornais e uniformes e que, durante esses dias, lhes
fosse fornecida alimentação. Papai, então lhe perguntou quem iria arcar
com tais despesas. Lampião respondeu que pagaria tudo. Papai confiou
no que ele estava dizendo e disse-lhe que iria mandar uma pessoa, também de sua
confiança, para levá-lo juntamente com seu grupo para um local reservado,
bem distante da estrada.
Ao
voltar para casa, papai mandou chamar João Inácio, seu vizinho, amigo e
compadre, contou-lhe o ocorrido e solicitou que ele conduzisse Lampião e seu
grupo para a represa do açude de sua propriedade, que ficava a 1 km da estrada,
lugar de difícil acesso, pois era composto por um juremal. Neste local,
Lampião e seu grupo permaneceram durante 10 dias, onde reformaram seus bornais
e uniformes. Eles possuíam máquinas de costurar e o material necessário à
execução das tarefas.
Diariamente,
João Inácio levava para eles carne, arroz, feijão e demais mantimentos
necessários ao sustento deles. Terminado o período previsto, Lampião mandou
chamar papai e lhe reembolsou todos os gastos ocorridos, indo embora e deixando
todos em paz. O parente e amigo Joaryvar Macêdo na página 232 do seu livro Império do Bacamarte narra uma passagem de Lampião pelo
Tipi, também após o falecimento de vó Marica, isto é, após 1924. Não sei
se esta passagem é a mesma que acabei de lhes falar.
Pedro Luiz Camelo, Vicente Landim Macedo e Manoel Severo, em Juazeiro do Norte
Acredito
que não. Uma vez que Joaryvar nessa sua narração fala de meus tios Mundoca e
Joaquim Furtado de Macêdo, não fazendo nenhuma menção ao meu pai, Silvino, que
foi quem atendeu a Lampião na passagem pelo Tipi de que lhes
falei. Imagino que Lampião tenha passado outras vezes pelo Tipi, já que
Aurora ficava num dos caminhos que ia do Cariri para Lavras da Mangabeira e
para a Paraíba.
Papai
herdou a coragem e disposição de sua mãe, vó Marica, não temendo Lampião que
amedrontava muitos coronéis e proprietários, mas que contava também com a
amizade de muitos outros, entre eles, parentes de meus avós, como os coronéis
Antônio Joaquim de Santana, de Missão Velha, e Raimundo Macêdo (Joca do
Brejão), de Barbalha.
Vó
Marica transmitiu para seus filhos e vários descendentes, principalmente para
as mulheres, aquele temperamento encorajador, destemido, decisivo, justiceiro e
muitas outras qualidades que lhe eram peculiares, inclusive traços
fisionômicos.
Morte
de vó Marica. Falei que vó Marica foi ouvida por Deus em sua solicitação de não
passar outra vez pela grande dor de assistir à morte de um
filho. Realmente, no dia 6 de janeiro de 1924, vó Marica foi a Aurora
visitar sua única filha mulher, Joaninha, que estava muito doente. Lá
chegando, encontrou a filha acamada e cuidando dela a sua neta Soledade, filha
primogênita da tia Joaninha, e a senhora dona Maria. À noitinha, minha avó
tomou uma xícara de café, acendeu o cachimbo, sentou-se em uma cadeira ao lado
da filha e disse para a neta Soledade e para dona Maria que fossem dormir, pois
ela ficaria cuidando da doente.
As
duas, como estavam muito cansadas, foram para o quarto ao lado. Poucos
minutos depois ouviram um barulho no quarto da doente. Correram para lá e
encontraram vó Marica no chão, chamaram imediatamente o médico Dr. José Dias e
o padre Vicente Augusto Bezerra, vigário de Aurora, que constataram
que vó Marica, com 59 anos, estava morta. A causa-mortis atestada foi enfarte do miocárdio.
Anos depois, ao exumarem os seus ossos para os recolherem na Capela da família
Macêdo, construída pelos filhos no cemitério da cidade, verificou-se que a sua
chapa dentária estava na garganta, ficando a dúvida, se vó Marica morrera,
realmente, de enfarte ou de asfixia.
Vicente Landim de Macedo e João de Zeca na fazenda de Marica Macedo, Tipi
Caravana Cariri Cangaço 2013 no Tipi em Aurora
Tia
Joaninha faleceu dois dias depois. Portanto vó Marica não viu a filha
falecer. Nós da família Macêdo nos orgulhamos por termos como ascendente essa
mulher com as características do juazeiro, árvore própria do sertão cearense,
resistente às intempéries da natureza.
Sobre
o assunto que acabo de expor há uma vasta bibliografia, entre as quais
menciono: Joaryvar Macêdo – Império
do Bacamarte; Otacílio Anselmo – Padre
Cícero, mito e realidade; Edmar Morél – Padre
Cícero, o Santo de Juazeiro; Amarílio Gonçalves Tavares – Aurora, História e Folclore;
Rachel de Queiroz e Heloísa Buarque de Holanda - num opúsculo sobre Matriarcas
do Ceará e, a obra Marica
Macêdo, a brava sertaneja de Aurora, de minha autoria.
Aurora,
20 de setembro de 2013.
Vicente
Landim de Macêdo
Conferência do Cariri Cangaço 2013
Parabéns, Manoel Severo, por seu trabalho histórico-cultural à frente do Cariri Cangaço. Há um bom tempo nao visitava o site, e hoje ao fazê-lo deparo-me com esse excelente texto de meu parente Vicente Landim, o qual gostaria muito de conhecer. Apenas um questionamento: há aqui uma afirmação de que os coronéis Santana e o meu bisavô Joca do Brejão eram amigos de Lampião. Quanto ao primeiro, Cel Santana, não se discute, porém, quanto à amizade com o coronel Joca, não tenho visto evidência contundente (inclusive assinalei isso em texto que escrevi para esse site). O Cel. Joca residia numa área densamente habitada, que era o Brejao, bem próxima a Juazeiro, onde Lampião só esteve uma única vez, em 1926. O cel. Joca faleceu em 1922. Talvez tenha tido apenas algum contato eventual, mas não amizade ou atuado como coiteiro. Que acham vocês? Grande abraço. João Macedo Coelho Filho (Fortaleza-CE)
ResponderExcluirCaro amigo Dr João Macedo, realmente o amigo Dr Vicente Landim de Macedo nos traz de presente esse texto magnifico sobre sua vó Dona Marica. Concordo plenamente com vc; havia uma ligação clara entre o Cel Santana e Virgulino Ferreira, mas o mesmo não podemos dizer sobre o Cel. Joca do Brejão, eu mesmo, não encontro evidências que indiquem alguma ligação do mesmo com o rei dos cangaceiros.
ResponderExcluirGrande abraço,
Manoel Severo