Universidade de Castilla La Mancha em Toledo
Hoje trazemos a segunda parte de entrevista concedida pelo curador do Cariri Cangaço, Manoel Severo, por ocasião de Conferencia na cidade de Toledo, em Castilla La Mancha, na Espanha, no último dia 26 de Fevereiro do corrente, concedida ao jornalista Pirro de Nijon.
Dom Quixote de La Mancha, de Castlla e de Cervantes
S: Certamente. O cangaço foi um dos fenômenos mais fortes acontecidos no nordeste do Brasil, é pura história, é um recorte que vale a pena não apenas ser contado, mas acima de tudo ser compreendido em toda a sua dimensão, capilaridade e repercussão; sem desejar fazer apologia ao banditismo ou à violência, mas acima de tudo, saber a verdadeira natureza de tão abrangente acontecimento. Então o Cariri Cangaço nasceu com o desejo de dá essa contribuição ao aprofundamento desse debate e levar para outros países, notadamente da América Latina e Península Ibérica, seria muito importante. Quem sabe não iniciamos pela Espanha, por Toledo? Os Cangaceiros invadiriam as terras do Cavaleiros Templários (risos).
Pirro de Nijon, Manoel Severo, Dom Marciano Silva e Dom Adalberto
PN: Vamos torcer para ter o Cariri Cangaço na Europa (risos) . Dr Severo o senhor em uma resposta passada falava de Mito. Aqui mesmo em Castilla de La Mancha temos um personagem mundialmente conhecido e consagrado que é Dom Quixote, Lampião também poderíamos dizer que viria a ser considerado um mito?
S: Dom Quixote de La Mancha. Encontrei inúmeros e maravilhosos monumentos em vários lugares aqui na região de Castilla, simplesmente sensacional; fruto do talento incomum deste que é um dos maiores escritores da historia da Espanha e do mundo: Miguel de Cervantes. Nem sei se vou conseguir responder sua pergunta sem me ater ao seu complemento. Lampião tornou-se um mito sim. Sem dúvidas perpetuado por todo o nordeste e Brasil; um personagem real que acabou povoando a mente e a imaginação de um cem numero de pessoas, inicialmente no sertão, principalmente a partir dos cantadores;uma espécie de menestrel ;e dos poetas de cordel, que eram poetas populares que se apresentavam em pequenas feiras das cidades e vilarejos, e depois a partir da vasta literatura sobre o mesmo; para você ter uma ideia, Lampião certamente está entre os três sul-americanos mais biografados do planeta, é algo realmente incrível. Então poderia concluir minha resposta dizendo que Dom Quixote sem dúvidas sai das paginas dos livros para encantar o mundo através da arte de Cervantes; já Lampião faz o trajeto inverso; de existência real, de uma vida cruel e violenta passa a personagem mítico da história.
PN: Voltando aos acontecimentos sobre a vida de Lampião que o senhor tão bem discorreu em sua conferência nessa tarde: Como se dava a relação desses cangaceiros com as mulheres, e o que dizer de Maria Bonita, sua companheira ?
Maria Bonita
S: As mulheres sempre estiveram presentes na vida dos cangaceiros. Na verdade esses homens pertenciam ao mesmo estrato social da maioria esmagadora dos jovens daquela vasta área rural brasileira; então esses cangaceiros eram os mesmos jovens que labutavam na agricultura, que cuidavam dos rebanhos de gados, que trabalhavam nos pequenos comercios, enfim. Depois de entrarem no cangaço, apesar da contínua vida de combates e fugas, mantinha ainda laços, embora esporádicos, com essas mesmas pessoas, e aí se encontravam os relacionamentos com as mocinhas do sertão. As mulheres entraram no cangaço em 1930, com a chegada de Maria Bonita ao bando, como companheira do líder maior, mas antes disso, haviam cangaceiros com namoradas, amantes, e as andanças nos bordéis de então... rsrsrs. Enfim...E Maria Bonita, a primeira dama do cangaço, encantou Lampião que acabou cedendo e a levando consigo, abrindo o espaço para que outros líderes de bando também pudessem acolher suas companheiras no grupo. Fala-se de quase quarenta mulheres que devem ter passado pelos vários bandos cangaceiros daquela época.
Dom Marciano, Pedro e Gabriel Barbosa em Toledo, Universidade Castilla La Mancha
PN: Maria Bonita era realmente digna desse cognome ?
S: As fotografias mostram uma morena de traços firmes , corpo bem desenhado, sorriso farto e bonito, a meu ver uma sertaneja como muitas outras sem encantos que chamem a atenção, mas sem dúvidas uma mulher de forte personalidade, basta ater-nos ao fato de ter "dominado" a fera que era Lampião.
PN: Dr. Severo, e o fim de Lampião e o fim do cangaço, como poderíamos analisar ?
Grota do Angico em Sergipe, nordeste do Brasil: local onde morreu Lampião
PN: Morreu Lampião na Gruta do Angico no rio São Francisco ?
S: É. Na verdade o correto seria na "grota do Angico" e não "gruta", Angico é o nome de um afluente do Rio São Francisco, e que também dava nome à fazenda onde Lampião e seu bando estavam "acoitados" no final do mês de julho de 1938, às margens do Rio São Francisco, no estado de Sergipe, hoje município de Poço Redondo, onde se deu o último ato do Rei do Cangaço e sua companheira Maria Bonita. Na madrugada do dia 28 de julho de 1938, as volantes comandadas pelo tenente João Bezerra haveriam de cercar boa parte do bando e ao nascer do dia o tiroteio intenso de 49 homens das volantes dariam fim a vida de Lampião, Maria Bonita e mais 9 componentes de seu bando, como também perderia a vida nesse episódio um soldado das forças públicas de nome Adrião. Ali havia sido dado o golpe fatal para o fim do cangaço; depois desse fatídico dia muitos outros líderes e membros de outros bandos acabaram se entregando até que em 1940 com a morte do segundo homem na hierarquia cangaceira; Corisco, o cangaço deu-se como findo.
PN: 20 anos de luta numa região tão árida e sob intensa pressão, pode se ter uma idéia do que pode ter sido o cangaço.
S: É verdade. Temos um grande pesquisador e documentarista brasileiro, Aderbal Nogueira que nunca perde a oportunidade de com muita lucidez nos lembrar que existem dois cangaços: Um muitas vezes exageradamente explorado de forma romântica pela literatura e um outro; real, duro, penoso e perverso, que muito sofrimento acabou trazendo para todos os envolvidos e principalmente para o povo ordeiro daquela região. O cangaço foi um fenômeno verdadeiramente marcante, pela sua longevidade, por suas origens, por suas repercussões e ainda por sua grande capilaridade, para você ver, atravessei o atlântico, chegamos até o velho mundo, e aqui estamos a falar sobre ele, sem dúvidas o cangaço é impressionante.
Manoel Severo e a Catedral de Toledo
S: O tempo passou rápido, estamos falando de cangaço desde as 16 horas, (risos), primeiro na conferencia e depois nessa nossa conversa, mas nenhum cansaço, parece que quanto mais dissecamos o tema, mais temos a falar, e isso você pôde comprovar hoje. Quero agradecer a você, a todos os nossos anfitriões, aos estudantes, aos professores, ao público que com muita atenção; apesar de algumas dificuldades na tradução; nos acompanharam desde o inicio, enfim, e dizer de nossa grande satisfação em estar aqui e reforçar o que disse no inicio de nossa conferencia: Não sou um pesquisador nem tão pouco um historiador, sou um "curioso de carteirinha" que ao lado de uma grande família de amigos conseguimos construir esse Seminário chamado Cariri Cangaço. A você Pirro, o meu abraço e reconfirmo o convite a todos para estarmos juntos numa grande expedição Cariri Cangaço pelo sertão de Lampião.
PN: Dr Severo, o prazer foi nosso e vamos ver se conseguimos receber a liberação para ir ao Brasil conhecer de perto as terras de Lampião. Boa noite ao senhor e retorne sempre a Espanha.
Manoel Severo - Cariri Cangaço
Castilla de La Mancha, Toledo, Espanha
Sensacional divulgação da história do Nordeste brasileiro na Europa em terras de Cervantes, e sem dúvida um grande impulso na divulgação do fenômeno cangaço além-mar. Parabéns incansável Severo por levar a nossa história ao conhecimento do velho mundo.
ResponderExcluirGrande abraço.
Narciso Dias
Conselheiro do Cariri Cangaço.