Nadja Claudino
O cangaço desperta paixões. Sempre. Ontem e hoje. Algumas pessoas não conseguem entender como homens e mulheres que desafiaram as leis, cometeram crimes podem ser tratados com admiração pelos estudiosos do tema. Por isso são comuns os questionamentos. Polêmicas são levantadas. Livros e folhetos de cordel sobre o cangaço se esgotam nas livrarias. Todo mundo tem uma opinião sobre os cangaceiros. A favor ou contra, para o bem ou para o mal.
Muitos são os fatores para isso. O modo de vida, ações de forte crueldade, os aspectos místicos, a indumentária dos cangaceiros. E mais, a atitude de homens que, mesmo sem tomar parte nos combates, lançaram um olhar poético sobre a vida no cangaço. O olhar do cordelista. Cangaceiros como Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Jesuíno Brilhante e muitos outros foram cantados em versos. Suas proezas valorizadas pelos cordelistas, que davam à vida de aventuras dos cangaceiros o sabor da valentia, da anedota, do inusitado. E do heroico.
Já o discurso oficial, representado pelos jornais do litoral, enxergava no cangaço um retrocesso em um mundo em busca da modernização. Assim, palavra de ordem no começo do século XX era: civilização. Nos jornais do sul do país e do litoral nordestino os cangaceiros tinham seus crimes enumerados, a crueldade exacerbada numa linguagem jornalística cheia de adjetivos nada elogiosos: feras, bandidos, facínoras, bestas, irracionais, famigerados assassinos. Nos versos populares, muito ao contrário, os cangaceiros apareciam fortes, lutando por justiça, vingando a família ofendida, a honra, o esbulho da propriedade, massacrados, românticos. Viravam heróis na literatura de cordel.
Os cordelistas contemporâneos ao fenômeno do cangaço viviam no campo de operações, onde os cangaceiros se movimentavam, ouviam as histórias protagonizadas por eles e suas vítimas. O sertão era um lugar conhecido, próximo. Era o seu lugar. O cangaço para os versejadores populares não assumia o aspecto apenas da violência irracional. Para esses poetas do verso popular, o cangaço aparecia como mais uma faceta da violência do homem nordestino. O cordel é uma escrita com um discurso intrinsecamente ligado à violência, pois elege assassinos, cabras, jagunços, capangas como representantes da valentia e da masculinidade, símbolos de um Nordeste insubmisso.
O cordelista criava histórias de coragem, valentia, destemor e honra quando procurava as especificidades de cada cangaceiro. Ao inventá-las davam vida e identidade a pessoas que longe do território do cordel eram representadas como seres desviantes, socialmente inadaptados ao mundo, selvagens que precisavam ser extintos para que o sertão se libertasse de suas mazelas.
Ao usar linguagem artística em versos rimados e ritmados, o cordel trabalha com elementos como o heroísmo, a religiosidade, com presença muito forte na vida do sertanejo. O conhecimento oriundo do cordel não ficava restrito somente a pessoas letradas. Um folheto podia ser lido por uma única pessoa e transmitido a muitas outras através da recitação dos versos. O conhecimento irradiava-se, por esse meio, para as populações carentes de acesso fácil à informação.
Da integração do cordel com a população nordestina, o cangaço e os personagens que o compõem, principalmente os mais famosos como Lampião e Maria Bonita, foram tantas vezes descritos em versos impregnando diversas imagens que calaram fundo no imaginário do povo nordestino. O cangaço, através dos folhetos de feira, tomou assim uma dimensão romântica e poética.
Nadja Claudino
Licenciada em História pelo CFP/UFCG
Ficou ótimo professora
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