Chico Pereira
O foco do livro é
conhecido. Chico Pereira entra no crime
para vingar a morte do pai, João Pereira, comerciante, proprietário rural e
político em Sousa, com atuação no distrito de Nazaré e em São Gonçalo. O filho prendeu e entregou à polícia o
executor da morte do pai, mas com pouco tempo o viu impune, andando livre pelas
ruas, em feiras e festas. Um acinte. Depois de muita tocaia, “Zé Dias foi
achado morto no meio da estrada. Estendido no chão. Só ele e a morte. E ninguém
mais por testemunha”, escreve padre Pereira.
Francisco Frassales Cartaxo
A partir daí,
desencadeia-se o processo de formação de bando de cangaceiros. Chico Pereira planeja
assaltar Sousa, ajudado por Lampião, que manda dois irmãos, Antonio e Livino
Ferreira, dividir o comando das operações. Em 27 de julho de 1924, à frente de
84 homens, o grupo invade Sousa. Houve saques, cenas de humilhação do juiz de direito
e outros fatos narrados com sutileza para não reabrir feridas, penso. O livro
repassa, também, episódios que envolvem padre Cícero Romão Batista, políticos
paraibanos e o advogado Café Filho; fugas, esconderijos, a morte vestida de
cobra venenosa; o descumprimento de acordos com autoridades, a prisão sem
resistência em Cajazeiras, em plena Festa da Padroeira, e levado para a cadeia
de Pombal. A viagem para a morte na estrada de Currais Novos, nas mãos da
polícia, na madrugada de 28 de outubro de 1928. Tudo isso Francisco Pereira
Nóbrega narra em 20 capítulos, afora nota explicativa, uma foto e um croquis
das andanças do pai em terras da Paraíba, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do
Norte.
Quarenta e cinco anos
depois de publicada, a obra virou peça de teatro e já poderia ter-se tornado
filme. É livro perene, um depoimento original, nascido de dentro para fora.
Explico. Centenas de livros versam acerca do cangaço, escritos por sociólogos, memorialistas,
historiadores, jornalistas, enfim, estudiosos, mas poucos existem como
“Vingança, não”. O autor não vivenciou a maioria dos fatos narrados. Ouviu-os
da boca de parentes e amigos. Cresceu a escutar as versões familiares. Não se contentou
com isso, porém, e durante dois anos checou datas, nomes, lugares e episódios
em consultas a processos judiciais, testemunhas e jornais da época.
O livro encerra
aspectos relevantes para as pesquisas históricas, sociológicas e políticas da
fase final da República Velha, auge do coronelismo, o intricado sistema de
relações de poder que nascia no interior dos municípios, propagava-se pelas
capitais dos estados e chegava ao centro das decisões políticas e
administrativas do País. Essa teia de relações de poder aparece despida no
livro, envolta em simplicidade narrativa de fazer inveja. Como se forma um
bando de facínoras? Lá está, passo a passo, sob o influxo das injunções
políticas interferindo nas atividades comerciais, envolvendo o judiciário, o aparelho
policial, as autoridades do executivo estadual, numa promiscuidade que era a
própria essência do poder na Primeira República.
Nem a religião escapava
dessa urdidura. O autor descreve a esperança que era ir a Juazeiro em busca das
benções do padre Cícero. Pereira Nóbrega produz uma síntese quase perfeita do
messianismo e a exploração política que o cerca, ao referir-se ao mandachuva,
deputado Floro Bartolomeu: “Sem ser beato nem cangaceiro, será o ângulo onde se
encontram ambos. Sobre essa dupla força se firmará para atingir alturas que
jamais suspeitou.” Para quem nada era e nada tinha, isso foi tudo. Enfeite de
ficcionista? Que nada, realidade pura.
Floro Bartolomeu e Padre Cícero
Tudo isso está escrito
com singeleza, sem rebuscadas técnicas literárias, de permeio com o desenrolar
de laço amoroso nascido entre “manso e pacato contratante de cal” e uma
menina-moça de 12 anos, órfã de pai, assassinado, que casa por procuração aos
14, e enviúva aos 17 anos, com a herança de três filhos e o estigma de mulher
de cangaceiro. “Vingança, não” transpira amor em meio à tragédia
sertaneja.
Esta
crônica, publicada no jornal Gazeta do
Alto Piranhas, Cajazeiras, nº 325, de 04 a 10/03/2005, foi revisada e
ampliada para divulgação no www.cariricangaco.com
P S – Francisco Pereira
Nóbrega deixou a batina, casou-se, teve filhos. Fez-se professor, escritor,
cronista. Afastou-se do ministério, mas continuou a obra de evangelização. Sua última
missão foi dedicar-se ao Catecumenato. Morreu em João Pessoa, em 22 de janeiro
de 2007.
Francisco Frassales Cartaxo
Recife - Pernambuco
Trata-se do melhor livro para entender a realidade daquele tempo (e muito do que acontece ainda hoje no Nordeste).
ResponderExcluirNa minha família contam que no século passado um parente nosso por nome Chico Dias teve a sua barriga talhada por um facão em uma briga no distrito de Nazarezinho, então municipio de Sousa PB. Nessa narrativa Zé Dias foi encontrado morto e imagino que isso esteja relacionado ao que houve à Chico Dias. Meu pai (já falecido) que é da família Pereira,antes de se casar com minha mãe (já falecida)que é da Família Dias, houve certa resistência devido esse ocorerido. Acabo de comprar o livro Vingança Não, a fim de me inteirar mais sobre esse tema.
ResponderExcluirTudo bem Anthonio?? Me chamo João Izidro Pereira. Sou da família PEREIRA e DIAS. Conheço a história é já li o livro. Onde você mora???
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