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O Guerreiro que corria atrás do vento Por: Raul Meneleu Mascarenha

Lampião cumprimenta Benjamim Abrahão em foto de 1936

Alguns historiadores em suas dissertações a respeito de Virgulino Ferreira, O Lampião, procuram mostrar que ele não era um guerrilheiro enquanto pensamento político e têm razão, pois se tornou cangaceiro pelas circunstâncias de rixas familiares e não por política partidária e alguns chegam a afirmar a maldade dele já estava no sangue desde jovem. O que quero demostrar aqui, é que ele poderia até não ser um militante político que partiu para a luta armada, mas que era um guerrilheiro estrategista de primeira, ninguém pode duvidar.

Chegou até mesmo a ser reconhecido por um oficial combatente seu, onde desde a primeira batalha entre os dois, narrada por Frederico Bezerra Maciel em sua sextologia ‘Lampião, Seu Tempo e Reinado’ no segundo livro ‘A Guerra de Guerrilhas’ onde o Tenente José Lucena e Lampião ficaram temendo-se mutuamente . 


Lampião, segundo da esquerda para a direita, de quem olha. foto de 1922


De sua parte José Lucena temendo  e receando a sagacidade de Lampião e da parte do temível cangaceiro, respeitando a força do Tenente pelo poderio bélico  e também sagacidade, pois nunca andava fora das estradas reais, usando dessa tática para não aventurar-se ‘no mato’, território do cangaço. O relato abaixo se encontra no referido livro e dará a você leitor, uma visão das estratégias do Rei do Cangaço em batalha real com seu grande inimigo, José Lucena. Vamos visitar a história, lendo o relato:
ISCAS DE FOGO PARA LUCENA...

"Acompanhado de seus irmãos Antônio e Livino, deixou Lampião, mais uma vez, a sepultura de sua estremecida mãe, no cemitério de Santa Cruz do Deserto. Com lágrimas nos olhos e ódio no coração. Uniu-se, com seus dois irmãos, aos Porcinos, aos Marcos, a Antônio Fragoso e a seu tio Antônio Matilde, formando, com mais outros dois cabras do coronel José Abílio, um grupo de treze homens. Subiu o vale do Moxotó, cortando seus areais frouxos e escaldantes de semi-deserto, e a 1de junho de 1921, atacou Santa Clara (Tupanatinga), no município de Buíque. Em seguida, desceu o mesmo vale, passando pelo povoado de Caboclo e pela vila de Pau Ferro (Itaíba), e atravessou a fronteira alagoana do município de Mata. Grande acrescentado de mais quatro homens, agora num total de dezessete, cada qual armado de rifle e punhal e municiado com 450 cartuchos nutrindo as cartucheiras e amojando os bornais. A 5 de junho deu combate aos tenentes Optato Gueiros e Eutíquio na fazenda Pilão do Gato, sem prejuízos de parte a parte, a não ser de objetos. 


Depois atacou a residência de Firmino Brandão e levou o terror às populações sertanejas de Capiá, Maravilha e outras localidades e fazendas que, de sobrosso, corriam para Santana de Ipanema. Tudo isto Lampião fazia por estratagema, com o fito de atrair o tenente José Lucena para um ajuste de contas: — "Quero quebrar e sujicar o sedém deste peste de Zé Lucena".
Arte de Cmarti

Entrementes, em Jatobá de Tacaratu (Petrolândia), reunidos quatro oficiais de Pernambuco, capitães Teófanes Torres e José Caetano e tenentes Carneiro e Campos, e um oficial alagoano, tenente José Lucena, para consertarem, em ação combinada, combate eficaz a Lampião, com o acordo simultâneo das fronteiras interestaduais. De volta a Santana de Ipanema, saiu Lucena com uma volante de sessenta praças para ôlho Dágua do Chicão (Ouro Branco), ausente dez léguas a noroeste. Tendo disto notícia, frechou Lampião, com mais de vinte homens, numa disparada para ali. E a 9 de junho o atacou furiosamente quiném onça faminta. Foi apenas um golpe de mão. 


O todo-poderoso Lucena, acostumado a correr atrás de cangaceiros, que dele se sumiam apavorados, ficou estarrecido com o atrevimento do ataque e a afoiteza da ofensiva inusitada. Por desforra, matou, em caminho, o pacato José Porcino, que não havia participado da luta. E, temeroso face às perspectivas de rumos desconhecidos e novos, que parecia a luta contra o banditismo tomar, requisitou destacamentos e volantes por perto, perfazendo sua força um total de cento e vinte praças bem equipadas. Por seu turno, Lampião arrebanhou mais gente, perfazendo um grupo de mais de quarenta cabras e com muita privinição de armas e munições.
A PRIMEIRA GRANDE BATALHA...

No rumo de Poço Branco
Passou Lampião pelo Espírito Santo (Inajá), deixando para Lucena pista visível e fácil. Vadeou o leito seco do rio Moxotó a uma légua de distância, e fez arranchação de pernoite na casa de seu amigo José Mandu, no Poço Branco, posição estratégica que escolheu para dar combate. Casa grande essa do Mandu, de varanda na frente, olhando para o sul. Na frente, o terreiro ligando-se com o caminho largo, variante da estrada real, que passa ao nascente, unindo Espírito Santo à Mata Grande, localidades separadas entre si por cinco léguas. Atrás, o rio Moxotó, largo, margeado de frondosas caraibeiras e graciosas palmeiras catolé, com suas flabelas farfalhantes encobrindo pejados cachos de pequeninos cocos amarelos. Um dos belos espetáculos daquela ribeira. 

Base da emboscada
O despertar cedo, naquela madrugada fusca e fria de 20 de junho. Depois do café gordo, reforçado com muita carne-seca para dar sustança, distribuiu Lampião o seu pessoal por trás de pés de-pau, de pedras, de barrocas e cercas, as emboscadas para O combate. A casa com o curral, ponto mais difícil, porque perigoso, decerto seria o primeiro alvo visado pelo inimigo. Essa posisição reservou ele para si. A direita da casa, oculto pela serroteira, seu irmão Antônio, com o bote pronto para dar retaguarda, operação esta de que me tornaria, depois, exímio mestre. A esquerda da casa, por trás das cercas de pedra, seu irmão Livino, vanguardeiro, peitudo, indômito. E, mais adiante deste, também camuflado no mato e atrás de pedras, Antônio Matilde.

A cada um coube dez a doze homens.

Larnpiãó fez privinição quiném experimentado cabo de guerra: - "Os macacos não vêem todos juntos, não. Antônio Matilde, sustente no fogo os que chegarem no coice. A gente só faz fogo quando os primeiros chegarem na frente da casa. Espero o sinal meu. Não gastar munição à toa. Se a gente tem de fugir é por detrás, pelo rio. Mas esperem eu dar o sinal".


Tenente Lucena

Cabreirices de Lucena
Em desde o Espírito Santo, vinha Lucena no rasto claro, certo e seguro, deixado por Lampião, na estrada de Tacaratu, paralela à margem direita do rio Moxotó. Mas, quando os rastos entraram no mato, em direção do rio, desconfiou de cilada ao mesmo tempo, assuntou que Lampião, tudo indicava, havia tomado o rumo da fazenda Poço Branco. Apiançando dar um golpe de surpresa pela retaguarda — a hora do dia cedo era favorável para pegar na desprivinição os cangaceiros —, mais que depressa voltou, vadeou o rio, tomando a estrada real que vai para Mata Grande e penetrando na boca do desvio que chega a Poço Branco. Mais uma vez desconfiando, fez alto. Por segurança, saiu caminhando por entro do mato, beiradeiando a variante.
A batalha

Todos os cálculos de Lampião deram certo. Lucena não o atacaria pelo outro lado, a retaguarda. Teria sua tropa dizimada no atravessar do leito seco e arenoso do rio. Acertou também: a tropa veio dividida. Na frente, Lucena com bem oitenta homens. Atrás, pouco distante, o tenente Enéias Barros com uns quarenta. Logo que a cabeça do pelotão de Lucena chegou defronte da casa, fez alto, a modo de observar, através do mato, aquele misterioso silêncio e de ganhar posição. Antes que isto acontecesse, Lampião deu o sinal convencionado com um tiro de pistola, rompendo o tiroteio da casa e do curral contra a tropa. Esta, num sufragante, deitou corpo e tratou, arrastando-se, de logo se mofumbar e entrincheirar para responder ao fogo. O pelotão de Enéias acelerou o avanço, mas foi detido pelo fogo de Antônio Matilde. A peitada não foi de graça, não. Parecia um ridimunho dos infernos! Na tiroteiação, balaços açoitavam as pedras num baticum enervante, ou assobiavam doidamente no meio do panavueiro chamando a morte, ou barbavam o mato, torando as folhas, estalando os galhos... Os cangaceiros, animosos, lançavam, no parraxaxá, desafios, insultos e xingos... gargalhavam sarcasticamente de mangação... rinchavam e zurravam feito animais...

Infuleimado o sangue com a quentura das armas cuspindo fogo e escoceiando nas detonações, as gargantas torturadas de sede com a abafação da atmosfera produzida pela pólvora queimada, os olhos zaros e ardendo e a vista alazã, sem trégua para tomar alento, depressa ficaram os combatentes bebos de raiva virando feras. Lampião levava vantagem dentro de melhores emboscadas, cuidadosamente escolhidas. 
Frederico Bezerra Maciel


Sob as ordens de Lampião, rápido deslocou-se seu irmão Antônio, com seus homens, bem agachados, para atacar, de retaguarda, o flanco esquerdo da tropa de Lucena. Ao impacto inesperado e violento, a parte atacada se desatou do grosso da tropa e recuou com cerca de trinta soldados.

Para salvaguardar a perigosa situação, destacou Lucena imediatamente uns quarenta soldados em contraofensiva. Nesse quando, chamando seu irmão Livino, tentou Lampião o envolvimento do flanco direito da parte da tropa de Lucena que ficara na linha de fogo. Oficial instruído em curso de caserna,  compreendeu Lucena o jogo tático de seu adversário: aniquilar ou afugentar sua tropa para, ao depois, cair sobre a do tenente Enéias. Realmente, muito tempo adiante, narrando a amigos aquela batalha, confirmou Lampião a sua intenção no momento. Isso, porém, não teria passado de mera tentativa se na ocasião tivesse ele, pelo menos, outro tanto do efetivo de Lucena e um poder bélico muito superior. Mesmo assim, saliente-se, nesse movimento de cerco dentro da batalha, talvez tivesse de sacrificar muita gente. Ademais, enquanto a polícia usava carabina-fuzil de longo alcance, semiautomático, e bala de aço de grande poder perfurante; Lampião utilizava rifle papo-amarelo* ou cruzeta, arma de repetição, que esquenta muito após quarenta tiros, de muito menor alcance, e bala calibre 44, de chumbo, chata, de poder antes rompedor que penetrante. Refez e uniu Lucena sua tropa fragmentada e, num trancão impetuoso de fogo cerrado, empurrou Lampião e seus irmãos para as linhas primitivas. Durante a contra ofensiva, houve um corpo-a-corpo, desesperado e sangrento: engalvinharam-se o valente cangaceiro Cavanhaque e um "macaco", rapidamente passando os dois apronto. 


O sol se incrisava.
Lampião verificando a munição ficando escassa, deu sinal de retirada — cinco tiros secos de pistola para o ar. Correndo agachados e atirando, os cangaceiros cruzaram o lençol de areia enxuta do rio e fizeram pousada num arredado perto, embiocados. Lucena não saiu na inculca deles. Voltou, com a 'tropa em muxibas, trambecando, para Santana de Ipanema. Além dos dois mortos na luta corpo-a-corpo, não foi possível obter-se informação exata do resultado da batalha. A tarde se arriara, por coincidência, sombria e triste, envolta em tons arroxeados. E com ela, a catinga começava a adormecer, toda desarranjada e destroçada pelo espasmo da luta, parecente, de mesmo, um espojeiro de monstros anti-diluvianos...

Oficial do Exército?
A seu amigo, Padre José Bulhões, vigário de Santana de Ipanema, comentou Lucena a batalha do Poço Branco: — "Figurei, em dado momento da luta, que Lampião queria mesmo acabar comigo, Depois, diante de seus estratagemas, me veio uma dúvida: Não é possível! Seria mesmo Lampião o comandante? Ou esses cabras estão sendo comandados por  algum oficial estrategista de alta patente, egresso do exército?!...” Classificou também ele, a retaguarda de Antonio Ferreira de “manobra magistral”.

Raul Meneleu Mascarenhas
Blog Caiçara do Rio dos Ventos
FONTE:http://meneleu.blogspot.com.br/2014/10/lampiao-o-guerreiro-que-corria-atras-do.html

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