Uma imagem, uma feição, uma presença que não sai da memória: Alcino, de havaiana nos pés, caminhando pelas ruas de seu Poço Redondo; Alcino, ao entardecer, sentado na praça de seu Poço Redondo; Alcino, com um livro à mão ou manuscrito por ele mesmo esboçado, recebendo amigos no seu Poço Redondo.
Alcino cantarolando baixinho a Tristeza do Jeca: “Nestes verso tão singelos, minha bela, meu amor, pra você quero contar o meu sofrer e a minha dor. Eu sou que nem sabiá, quando canta é só tristeza desde o galho onde ele está. Nesta viola eu canto e gemo de verdade, cada toada representa uma saudade...”.
E também o Alcino do sertão inteiro, da imensidão nordestina. Alcino de suas brenhas matutas e também do mundo. Alcino da viola caipira, de Tonico e Tinoco, do seu “Sertão, viola e amor”, da voz ecoando pelo rádio a dolência do verdadeiro canto sertanejo. E falando do presente com uma saudade imensa do sertão antigo.
Alcino no passo de Lampião e Maria Bonita e de toda cangaceirada, nas veredas das histórias tantas de coiteiros, coronéis, jagunços, beatos, missionários, fanáticos, sertanejos valentes. Ele que fez da história nordestina uma razão de viver e da saga lampiônica um prazer de compartilhar.
Alcino que quando jovem, moço tecendo segredos com luas e janelas, colocava sua radiola à pilha no banco da pracinha e chegava à madrugada ouvindo velhas e apaixonadas canções caipiras. E ele mesmo um caipira apaixonado pela terra, pela vida em meio a um povo simples e humilde quanto ele.
Alcino que quando prefeito tornou sua Poço Redondo num jardim florido, construiu praças para o convívio sertanejo e nelas espalhou bancos confortáveis para os enamorados. E tanto fez pelo seu rincão. Havia uma fonte luminosa que mais parecia outra lua sertaneja encantando o povo em admiração.
Alcino Alves Costa, Patrono do Cariri Cangaço
Alcino que fez chegar ao sertão o que de melhor havia no forró nordestino. De uma vez só, num festejo de fim de ano, reuniu num só palco de caminhão Elino Julião, Pedro Sertanejo, Gerson Filho e Clemilda, João do Pife, Abdias, Messias Holanda e tantos outros. E mais tarde o Trio Nordestino chegaria a Poço Redondo.
Alcino o apaixonado pelo sertão e sua gente, o fascinado pela sua história, causos e proseados. Um bandeirante em busca do tesouro histórico, um garimpeiro cavando as reminiscências, um andante em busca das raízes primeiras, da grandiosa saga. E depois tudo revelado como a história do sertanejo.
Alcino o pesquisador, o questionador, o incansável homem em busca de respostas. E foi catando grão a grão, juntando semente a semente, que legou à história uma contribuição inestimável. Foi, indubitavelmente, um dos mais respeitados estudiosos do cangaço e seus livros ainda hoje servem como referência obrigatória para o estudo do tema.
Alcino, o filho de Seu Ermerindo e Dona Emeliana, nascido em 1940 debaixo do sol que tanto amou e da lua que tanto abraçou. Alcino, o pai de imensa prole e irmão de uma infinidade de gente, pois todos os sertanejos como seus irmãos.
Alcino o poeta da vida agrestina, dos amores matutos e da singeleza cabocla. O compositor do Velho Chico, da natureza, de toda inspiração sertaneja. O pesquisador, o homem amigo de ex-cangaceiros e coiteiros. O escritor da saga do homem e da terra, das lutas e das inglórias. O radialista nas tardes de sábado na Rádio Xingó. Alcino, o deslumbrado pela história de Zé de Julião, do seu tio Zabelê, do cangaço e principalmente Lampião.
Alcino, aquele nos deixou há precisamente dois anos, eis que neste sábado, 1º de novembro, completam dois anos do seu falecimento, ocorrido no início da noite da mesma data, em 2012, aos 72 anos, na capital sergipana, após uma enfermidade que não deu mais trégua. E se vivo estivesse certamente que logo mais, na tarde deste sábado, as janelas sertanejas se abririam para que os radinhos melhor ecoassem a sua voz no “Sertão, viola e amor”. Mas já são dois anos sem a sua voz, sem a sua poesia matuta. Mas jamais estará ausente. Sua presença será sempre sentida e assim se eternizará pelos rincões sertanejos.
Lá no alto, no sertão florido do firmamento, sob inspiração divina, escrevendo um poema para Dona Peta. Assim a vida meus pais, assim também a eternidade...
Poeta e cronista
Rangel, só você, como poeta e cronista, mas em especial como filho, para traçar uma síntese tão bela e comovente do nosso querido Alcino. Ele se foi. Porém, mais forte que a tristeza de sua perda, impõe-se agora o orgulho que todos nós sentimos por termos conhecido um personagem de tamanha relevância naquilo que foi o seu traço característico: o estudo das coisas do cangaço em Sergipe. Aproveito aqui o trecho em que você se refere a Alcino como "o pesquisador, o questionador, o incansável homem em busca de respostas". É nesse ponto que Alcino se eleva acima da maioria esmagadora dos estudiosos do cangaço, formada por talentosos pesquisadores, sem dúvida, mas que não têm, como Alcino, o dom de saber questionar e garimpar o passado em busca de respostas confiáveis. Foi Alcino quem mais se empenhou na busca de explicações para os mistérios de Angico. A versão "oficial" da morte de Lampião só pode ser aceita por quem apenas repete como papagaio tudo o que ouve. Alcino entrevistou ex-soldados das volantes, entrevistou os canoeiros que levaram a tropa até a Forquilha, entrevistou coiteiros, cotejou textos de diversos autores. As questões levantadas por Alcino sinalizam pistas para quem se dispuser a analisar com senso crítico e método científico os fatos ocorridos naquele longínquo 28 de julho de 1938. Um forte abraço, amigo Rangel!
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