Fronte em Canutos, foto de 1897
O estopim que acendeu a guerra de Canudos foi mesquinho e abominável, revelando personalidade doentia e escandalosa de quem perpetrou calúnia hedionda
contra os membros
da comunidade mística fundada
no adusto sertão baiano,
cujas características quanto
às conquistas humanas
impressionam devido ao grau de organização, tendo beneficiado a todos que lá se acomodaram, fugindo da fúria do latifúndio e da prepotência dos senhores
de braço e cutelo que vicejavam
de forma proeminente no sertão nordestino daquela época.
Arlindo
Leone, juiz de direito de Juazeiro
(BA), forjou mentira
de que os conselheiristas estavam prestes a invadir a cidade,
em razão que não havia sido entregue lote de madeira, comprado
e pago regiamente, o qual estava
destinado para o término
da construção da igreja nova. Havia antiga rixa entre o magistrado e o líder carismático-religioso de Canudos.
Conselheiro, certa vez, tinha passado reprimenda no juiz devido vida pregressa levada por Arlindo Leone, sobretudo com relação
ao adultério. Colocando a população, as autoridades e a imprensa em polvorosa, Leone criou as condições
necessárias para a futura
destruição do arraial
que mudou a vida de muitos
excluídos nordestinos, pois abrigava gente de várias procedências, ávida
por melhores condições
de sobrevivência material e espiritual em um sertão extremamente marcado pela opressão.
A igreja católica, que também não via o Belo Monte com bons olhos, cerrou fileiras nas denúncias contra o “reduto
fanático”. Anteriormente, relatório elaborado pelo Frei Monte Marciano,
altamente desagradável e cheio de adjetivos
caluniosos, profuso na quantidade de violência
verbal inaudita contra os habitantes do arraial conselheirista, alimentou ainda mais a raiva nutrida pelo clero contra Antônio Conselheiro e seus seguidores.
A expedição comandada pelo Tenente Pires
Ferreira foi ao encontro do povo de Antônio
Conselheiro, atacando e sendo rechaçada
violentamente com as toscas armas carregadas pelos sertanejos, não obstante o número de mortos
ter sido maior entre os seguidores do Bom Jesus Conselheiro. À frente,
antes do ataque covarde,
devoto carregava a bandeira do Divino,
sinal de que vinham em paz,
apenas querendo exigir o que
lhes era de direito. Os principais jornais do país começaram
a estampar matérias
cada vez mais estapafúrdias contra
os conselheiristas. Logo foi organizada outra expedição, dessa vez mais forte, comandada
pelo Major Febrônio
de Brito. Nova derrota
militar foi conquistada pelos conselheiristas, sendo que esta resultou na aquisição
de certa quantidade de armas e munição
para a luta dos agora guerrilheiros do Belo Monte.
Mentiras,
calúnias e difamações começaram a ser exponencializadas contra o arraial, agora considerado mais que maldito,
pois entre as muitas inverdades divulgadas estava referente
que a luta em Canudos estava ligada à tentativa
de restituição do regime monárquico. Apenas
uma voz respeitada se levantou
contra a histeria coletiva
que se formava
em torno do caso Canudos. Através de espaço que lhe era reservado
na imprensa, Machado de Assis pediu,
com profundo humanismo, para que deixassem
em paz a gente de Antônio Conselheiro. Por outro lado, artigo inflamado, disfarçado em profunda
cientificidade, sobretudo com relação ao quadro natural, era escrito por Euclides
da Cunha, intitulado “Nossa Vendéia”.
Indubitavelmente, o artigo de Euclides da Cunha ajudou a inflamar os ânimos
exaltados, pois Vendéia
foi o último reduto de defesa da monarquia
francesa, tendo resistido por anos ao assédio militar que representava a nova ordem na França pós- revolucionária. Euclides da Cunha foi um dos catalisadores da ênfase
à necessidade da destruição de Canudos,
não obstante depois,
no ano de 1902, ter lançado livro-denúncia, por título “Os Sertões:
Campanha de Canudos”,
o qual peca em pontos essenciais, como o antropológico, tendo lançado
difamações e conceitos
racistas e maledicentes contra os sertanejos, mas que muito serviu para bradar contra o massacre, bem como para o reconhecimento científico do quadro natural
do semiárido nordestino.
Havia pouco que tinha terminado o violento governo de Floriano
Peixoto. Entre os ícones
da república da espada estava Coronel
carniceiro chamado
Moreira César, o monstro que havia sufocado as lutas no sul do país com extrema
crueldade.
A capital
catarinense, que antes
se chamava
Desterro, teve
o
topônimo mudado
para
Florianópolis. A terceira
expedição foi confiada
a Moreira César. De forma arrogante, o corta-cabeças, como ficou conhecido o famigerado oficial, chegou
com sua tropa nas imediações de Canudos,
destilando desdém contra os conselheiristas. Logo a guarda católica
mostrou que não era de brincadeira, pois comandados por Pajeú, infringiram vergonhosa derrota à expedição que havia propalado com alarde a fácil destruição de Canudos, de
forma imediata
e fulminante, tendo divulgado na imprensa
que não haveria chance alguma para àqueles “lombrosianos” sertanejos, incapazes de fomentar qualquer estratégia de guerra Era essa a errônea e distorcida concepção do homem que era tratado como estrela
pelos militares aliados de Floriano
Peixoto.
Moreira Cesar
Moreira
César subestimou os conselheiristas, pois pensava
encontrar raquíticos e desnutridos sertanejos, estereotipados imemorialmente pelos brasileiros da porção
mais abastada
do país. Na verdade, o povo do Belo Monte era forte e saudável
devido às conquistas alcançadas com o trabalho
desenvolvido na “terra prometida” estabelecida às margens do rio Vaza-Barris.
Erraram grosseiramente, pois Pajeú e a guarda católica fustigaram a expedição
Moreira César de forma impressionante, matando
os principais oficiais
do Exército Brasileiro e humilhando a república
recém-instaurada. A proporção gigantesca assumida pela guerra contra
Canudos se deve em parte ao verdadeiro arsenal que a expedição Moreira César deixou na fuga do que restou da coluna arrogante comandada pelo animal de estimação da república da espada.
Não obstante o governo
brasileiro quando da guerra de Canudos
ser civil, o poder dos militares era incontestável, pois logo houve pressão de todos os quadrantes para que fosse organizada poderosa
coluna militar intuindo destruir Canudos e vingar o massacre
da expedição
Moreira César. A opinião da sociedade
era quase unânime contra Canudos,
recrudescendo os brados de revolta contra a heróica “Tróia Sertaneja”, sendo que um dos cavalos-de-pau foi poderoso
canhão withworth 32, trazido com esforço
invulgar com o objetivo de causar as mais impressionantes baixas na população
do Belo Monte.
A quarta expedição, comandada pelo General Arthur Oscar, levou desvantagem nítida quando dos combates, razão pela qual foi engrossada por uma quinta expedição vinda de todos os Estados
brasileiros.A chegada
da participação militar paraense
em Canudos demonstrou o grau de decisão
do povo do Conselheiro. O beato já tinha morrido, mas, incansáveis, os guerrilheiros continuavam impávidos defendendo o território no qual encontraram sonhada felicidade.O comando militar
paraense não entendeu a razão por que o General Dantas Barreto se encontrava em posição
de espera.
General Arthur Oscar
Foi ordenado fulminante ataque aos “guerreiros do norte” em direção ao arraial
bombardeado e dilacerado. Foram recebidos com verdadeira saraivada de balas, pois os conselheiristas, os paraenses
não sabiam disso, tinham aberto trincheiras por baixo das casas e de lá se comunicavam e desferiam
ataques violentos
contra quem ousasse
adentrar os domínios
sagrados fundados por Antônio
Conselheiro. Euclides da Cunha imortalizou os momentos
finais de Canudos,
afirmando que não houve rendição,
exemplo único em toda história,
quando seus últimos
defensores foram mortos pela fúria de cinco mil soldados.
Canudos
é
exemplo de uma sociedade
alternativa de grande importância para a história das lutas do povo brasileiro, pois o maior de todos os méritos
do Conselheiro foi ter sido responsável pela
ênfase à significativa melhoria da qualidade de vida de parcela de um povo que há tempos
imemoriais vem sendo tratado pelos intransigentes donos do poder como animais
e como sub-raça de quinta,
sexta ou sétima categorias.
CARDOSO,
José Romero Araújo. Notas para a História do Nordeste. João Pessoa/PB:
Editora Ideia, 2015. P. 26-29.
José Romero Araújo
Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte.
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