Coronel Izaias Arruda
O sul do Ceará é considerado um verdadeiro oásis no sertão, convergência de migrantes fugidos das secas há tempos imemoriais e palco de lutas sangrentas entre facções políticas e disputas inter familiares no século passado. As intermináveis lutas interpartidárias que explodiram nesta região sertaneja firmaram a repulsa entre os clãs Arruda e Paulino, nucleados, respectivamente, nos municípios de Aurora e Missão Velha, ambos localizados no Estado do Ceará. O cenário das contendas não se diferenciava dos anos que antecederam a restituição da oligarquia Accyoli, o qual firmou a arraigada disputa pelo poder entre os “coronéis” do cariri cearense.
Um pacto firmado entre os mandatários caririenses na então vila de Joazeiro, elevada à categoria de cidade no ensejo desse bizarro acordo, tentava selar a paz entre os estamentos superiores da sociedade sertaneja agro-pastoril da área de exceção correspondente ao cariri cearense. Discórdias políticas denotaram a instabilidade entre os dois clãs, resultando em desarmonias envolvendo o “coronel” Izaías Arruda, famoso coiteiro de Lampião, inclusive responsável pela trama que redundou na tentativa de ataque a Mossoró, e o “coronel” Manuel Ribeiro Dantas, a quem os Paulino eram ligados.
A beligerância teve seu ápice no ano de 1925, quando “em meio a uma áspera disputa política que já durava meses, ferem-se vários tiroteios em Missão Velha entre os “coronéis” Izaías Arruda (dos mais fortes coiteiros que Lampião possuía no Ceará) e Manoel Ribeiro Dantas, o Sinhô Dantas, este último, chefe político municipal” (MELLO, 1985, p.100). Durantes meses a questão política se desenrolou de forma mais ou menos inconstante, resultando em violento tiroteio nas ruas de Missão Velha, ocasionando ferimento à bala em um dos filhos do “coronel” Manoel Ribeiro Dantas. No entanto, o mais encarniçado ataque desferido pelo “coronel” Izaías Arruda se concentrou ao sítio Barreiro, reduto de seu desafeto. Entre os defensores encontrava-se um sertanejo valente e destemido de nome João Paulino, membro de uma família guerreira, tarimbada na luta armada sertaneja dos séculos XIX e XX.
Prestigiado pelos governos Federal e Estadual, o resultado lógico para a política de época foi a ascensão do “coronel” Izaías Arruda à política regional. O encaminhamento “natural” dos fatos redundou na sua dominação efetiva, chegando a ocupar o cargo máximo do poder executivo em sua área de influência. Os dissabores, contudo evidenciariam a essência da complexa relação inter-social existente no sertão. Em maio de 1926, João Paulino investiu contra um correligionário de Izaías Arruda, de nome Jose Gonçalves. Novamente Missão Velha estava em pé-de-guerra, denotando o insustentável grau de ebulição entre os clãs em luta armada, agora concentrado entre Arruda e Paulino. O desafio custaria caro, principalmente ao mais exaltado de todos.
Kydelmir Dantas, Mucio Procópio, Manoel Severo, Romero Cardoso e Antonio Vilela
A revanche aconteceu a 11 de junho de 1926. Jose Gonçalves e inúmeros jagunços fornecidos por Izaías Arruda desalojaram os inimigos entrincheirados na povoação conhecida por Ingazeira. Os vencidos buscaram refúgio em Aurora, recebendo a proteção do “coronel” Cândido Ribeiro Campos, parente dos Paulino. Formou-se um contingente considerável de capangas, visto que a ameaça de um ataque era iminente. Este não se concretizou graças à oportuna intervenção do “coronel” Antônio Luís Alves Pequeno, chefe político do município do Crato, definindo normas para amainar os ânimos exaltados. Dentro do acordo firmado, houve a transferência dos Paulino para o extremo oeste do Estado da Paraíba. Estacionam na cidade de Cajazeiras do Padre Rolim, em um sítio conhecido por Lagoa do Arroz, propriedade de um sertanejo de nome João de Brito.
Cerca de quarenta e oito camaradas de armas, incluindo familiares, acompanharam João Paulino neste êxodo forçado pela violência da política caririense. Durante várias oportunidades, forças volantes cearenses adentraram o território paraibano à caça dos desafetos do todo poderoso “coronel” Isaías Arruda. O alvo principal era João Paulino. Violência extrema era a característica maior dessas tropas formadas por policiais e jagunços, ambos pouco diferenciados no modus operandi. Novamente é firmado um acordo de convivência salutar, embora fosse parte da trama arquitetada pelo imperdoável Arruda. Achando que tudo havia se normalizado em sua região de origem, resolveu João Paulino seguir viagem à localidade das Antas, município de Aurora, intuindo recuperar algumas cabeças de gado de sua propriedade que haviam ficado por lá quando da retirada forçada.
Homens de Jose Gonçalves e Izaias Arruda
A esposa de João Paulino, que atendia pelo nome de Tapuia, verificou quando da partida do esposo que o patuá de rezas fortes, ostentado por cangaceiros e homens que se envolviam em questões, havia sido esquecido, como prenúncio da tragédia que estava preparada por Arruda. João Paulino, conforme nos contou a Sra. Ângela de Brito Lira, filha do proprietário do sítio Lagoa do Arroz, fazia uso de um rosário de quinze mistérios e cento e cinqüenta Ave-Marias com um saquinho repleto de orações fortes e mandingas. Segundo se propalava, o objetivo era “fechar” o corpo contra balas e armas brancas.
Corria o mês de setembro de 1926. O regresso ao Ceará foi feito na companhia de um irmão, de nome José Paulino, e um cunhado conhecido por Bidoza. A tocaia armada pelo “coronel” Izaías Arruda fora preparada no lugar Serrota. João Paulino foi alvejado por mortífera descarga, atingindo em cheio a veia femural. O requinte de crueldade da traição foi completado quando seus algozes obrigaram seu cunhado a terminar de matá-lo. Após o martírio de João Paulino, Izaias Arruda ainda figurou destacadamente nas crônicas da violência regional.
Exercendo influência sobre o cangaceiro Massilon “Benevides” Leite, instigou e organizou o ataque do bando de Lampião a Mossoró, em 13 de junho de 1927. O resultado foi o fracasso vergonhoso diante da decisão da população mossoroense em cerrar fileiras com o prefeito Rodolfo Fernandes na defesa da cidade ameaçada.
Sousa Neto, Manoel Severo, Bosco Andre e Jose Cicero na Estacão da RVC em Aurora, palco do assassinato de Izaias Arruda
Quando da retirada vexatória dos cangaceiros em direção ao cariri cearense, confiantes na “neutralidade” do Estado onde se localizava a “Meca sagrada” dos sertanejos, apressa-se em por em prática suas táticas de traição, tentando envenenar o “rei dos cangaceiros”. Em 1928, embora desfrutando prestígio efetivo em dois municípios – Missão Velha e Aurora – Arruda tombou morto no trem, quando transitava pelo município de Aurora (MELLO, 1985, p. 101). Os autores, Francisco e Antônio Paulino, agiam movidos pelo desejo de vingança. Cangaço e política se articulavam em uma só expressão da realidade forjada conforme os parâmetros definidos pela inflexível moral sertaneja que marcou o tempo das contendas entre os chefes políticos de outrora.
Jose Romero Cardoso
Pesquisador, Escritor - Mossoro, RN
BIBLIOGRAFIA CITADA/CONSULTADA:
CHANDLER, Billy Jaynes. Lampião, o “rei dos cangaceiros”. Trad. de Sarita L. Barsted. Rio de Janeiro/RJ: Paz e Terra, 1980.
MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol: O banditismo no Nordeste do Brasil. Recife/PE: FUNDAJ: Ed. Massangana, 1985.
PINHEIRO, Irineu. O Joazeiro do Padre Cícero e a Revolução de 1914. Rio de Janeiro/RJ: Irmãos Pongetti Editores, 1938.
Entrevista:LIRA, Ângela de Brito. João Pessoa/PB, 15 de outubro de 1990.
Muito bom seu texto. Parabéns.
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