Lampião por Eduardo Lima
As datas sobre alguns eventos de sua vida são tão discordantes que até parecem se tratar de pessoas diferentes. Igualmente com relação à sua infância, ao seu batismo, à sua criação. Para muitos até Lampião já nasceu cangaceiro.
Vários, muitas pessoas, num só ser humano. Assim com Virgulino Ferreira da Silva, mas principalmente com Lampião. O herói, o bandido, o religioso, o facínora, o covarde, o estrategista, o líder, o dominado, o carrasco, o comedido, tudo isso numa só pessoa.
Tudo isso numa só pessoa, num só Lampião, por que é assim que sua imagem é propagada, segundo a intuição da pessoa que de um modo ou outro o concebe. O mais espantoso é que dificilmente Lampião é visto a partir dele mesmo.
Comumente, a história trata o homem pela sua saga e não pela sua sina. Desse modo, Lampião é quase sempre estudado e definido como o cangaceiro. Apenas. Lampião cangaceiro, líder de bando, carrasco, a frieza peçonhenta das matas.
Rangel Alves da Costa e Manoel Severo
Mas também como o injustiçado, como o ferido desde o seio familiar, como o odioso levado pela vingança. Ainda neste sentido, o homem já gestado em meio à violência e, portanto, o cabra marcado a se eximir de si mesmo para conviver com outra realidade.
Daí uma indagação: Quantos pesquisadores, estudiosos do cangaço e pesquisadores, já se voltaram mais para Virgulino, o homem, e não priorizaram tanto Lampião, o cangaceiro? A verdade é que a história do mito de vez em quando se esquece da origem.
E assim por que além do Lampião em si, o cangaceiro das caatingas, existia um homem chamado Virgulino Ferreira da Silva. E somente se conhecendo a história do homem é que se pode chegar ao desvendamento daquilo que o destino lhe reservou.
A construção da história do homem através da história do mito, invariavelmente provoca a construção de identidades diferentes, contraditórias, até que se negam a si mesmas. Uma hora Lampião é o devoto e temeroso dos castigos de Deus, outra hora é o que observa passivamente crianças sendo lançadas ao alto para serem apanhadas pela ponta do punhal.
Lampião, 1º á direita, em foto de 1926 em Juazeiro do Norte
Nada de exagero. É assim que dizem, seja mentiroso ou não. O Lampião devoto de Padre Cícero e de Nossa Senhora, mas ao mesmo tempo aquele que consentiu com as maldades de Zé Baiano, o carrasco ferrador.
Então, quantos Lampião existiram? Há o Lampião que foi morto na chacina do Angico, há o Lampião que foi envenenado, há o Lampião que sequer estava no coito sangrento naquele alvorecer sertanejo, há o Lampião que fugiu, há o Lampião que morreu já centenário lá pelas Minas Gerais. Então: quantos Lampião existiram?
Dizem até que Lampião foi comunista. Dizem e tentam provar. E também aquele Lampião “amulezado”, segundo a insanidade de alguns. Contudo, o mais difícil mesmo parece mesmo é conhecer aquele Virgulino antes de se tornar Lampião.
Afirmar simplesmente de seu banditismo é prova maior do total desconhecimento de sua história, principalmente familiar. Afirmar de seu heroísmo é igualmente desconhecer das maldades consentidas e pactuadas enquanto líder maior de seu bando.
Então, quantos Lampião existiram? Tal resposta certamente jamais será obtida. Prova maior é que todo dia surge um novo livro contando a história de um Lampião diferente.
Rangel Alves da Costa, Pesquisador, escritor, poeta
Poço Redondo, Sergipe
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário