“O vento que bater na Pedra do Reino há de espalhar tristeza e dor duas léguas em redor”, disse o padre José Antônio de Maria Ibiapina tempos depois da tragédia sebastianista do Reino Encantado. Com suas palavras, o missionário apenas quis impor medo nas pessoas para que novamente outro possível movimento de fanatismo fosse evitado. Porém, a sentença do piedoso vigário teria contribuído para aumentar a fama de região amaldiçoada que por muito tempo perseguiu o local. Todavia, a maldição de ontem transformou-se na tradição de hoje. Não há mistérios. Pelo contrário, a Pedra do Reino agora é um símbolo forte da história do município de São José do Belmonte, no sertão de Pernambuco.
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Homem culto, o padre José Antônio de Maria Ibiapina, nascido José Antônio Pereira em Sobral no dia 5 de agosto de 1806, realizou um importante trabalho, que, apesar de não ter cunho partidário, mostra as potencialidades de uma política carismática. O pai de Ibiapina fora fuzilado pela sua participação na República do Equador, e seu irmão mais velho morrera na ilha de Fernando de Noronha, onde cumpria prisão por também ter militado no movimento de 1824. Parece que sua mãe já havia falecido, pois o futuro padre passou a cuidar das três irmãs e do irmão mais novo. Em 1827, ingressou na primeira turma do curso de Direito de Olinda e, em 1832, bacharelou-se.
Foi professor da faculdade durante alguns meses, mas já no ano seguinte era nomeado juiz de direito da comarca de Quixeramobim, no Ceará, onde residia o garoto Antônio Vicente Mendes Maciel, futuro Antônio Conselheiro. Já em 1834, foi eleito deputado geral, porém, quando sua noiva, filha de ilustre família, fugiu com um primo, abandonou as carreiras de deputado e de juiz, passando a dedicar-se às atividades de advogado, com banca em Recife, mas tendo também trabalhado algum tempo em Brejo de Areia, na Paraíba. Frequentador assíduo da igreja, em 1853, contando 47 anos, foi convidado a se ordenar sacerdote, sendo dispensado de cursar seminário, devido à sua formação, que incluía o direito canônico. Em seguida, o bispo de Olinda o nomeou vigário geral e provisor da diocese. Ele, porém, optou por trabalhar em missões pelo interior dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí.
Poucos foram os missionários que realizaram tantas obras quanto o padre Ibiapina. Segundo um de seus biógrafos, em Santana do Acaraú, por exemplo, em 1862 ou 1863, concitou a população a construir, em apenas 73 dias, uma grande casa de caridade, que contava com 15 portas de frente, além de um cemitério junto à matriz e um canal de navegação, entre os locais denominados Armazéns e Espera do Negro, que reduzia a distância fluvial em uma légua. Em Picos, no Piauí, em apenas 11 dias, promoveu a construção de “uma igreja com adro e cruzeiro”. No entanto, além de estradas e açudes, padre Ibiapina promoveu a construção de nada menos que 22 casas de caridade, destinadas a atender órfãos e inválidos, nas quais trabalhavam as irmãs de caridade de uma espécie de ordem que ele instituíra.
Existe mesmo um processo em prol da canonização do padre Ibiapina. Em 1876, ele sofreu um acidente vascular, que o forçou a encerrar o trabalho missionário e levou ao seu falecimento, aos 77 anos, na tarde de 19 de fevereiro de 1883, na Casa de Caridade Santa Sé, na Paraíba. Seu exemplo, contudo, celebrado nos sertões, influenciou a atuação dos também cearenses padre Cícero e Antônio Conselheiro.
Valdir Nogueira,Pesquisador e Escritor
Conselheiro Cariri Cangaço
São José de Belmonte-PE
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