o
Muito já se escreveu sobre Antônio Conselheiro,
o personagem central e emblemático da Guerra de Canudos – episódio dos mais
sangrentos da história do Brasil. Durante muito tempo, como asseverou o grande
pesquisador José Calassans, o peregrino ficou preso com a pencha de fanático - “gnóstico bronco” ou “grande homem pelo
avesso” - na “gaiola de ouro” que lhe colou Euclides da Cunha, no clássico
maior de nossas letras, Os Sertões, de
1902.
Com
o passar do tempo, sobretudo, após a década de 50 do século passado, vários de
seus biógrafos fugindo a leitura euclidiana trouxeram à luz dos fatos, um
Conselheiro de boa paz, manso, humilde, quase um ermitão, após a edificação da
cidade santa do Belo Monte - que num massacre hediondo viria a ser
completamente destruída pelo exercito brasileiro. Agora já se sabe que o beato
era versado em boas leituras, escrevia razoavelmente bem, citava filósofos e
transcrevia uma bíblia para uso próprio. Era um homem “biblado”, como definiu o
professor Pedro Lima Vasconcelos, importante pesquisador do tema.
Foi partindo dessa forma outra de narrar à
saga de Antônio Conselheiro, com um olhar distante da “gaiola de ouro”
euclidiana e com uma prosa poética muito particular – embebido dos universos
estéticos de Guimarães Rosa e Manoel de Barros – que Osvaldo Costa escreveu o
romance infanto-juvenil Antonino
Peregrino. Um texto potente, enriquecido pelas vivas ilustrações da talentosa
Luci Sacoleira. O sertão bonito pintado em cores, mesmo quando seco e sem vida.
O resultado é um livro daqueles que a gente tem vontade de morar dentro.
Osvaldo Costa e Luci Sacoleira
Osvaldo
Costa souber manter com maestria na obra o equilíbrio entre o caráter histórico
e a ficção. É um livro para todos – gente pequena e gente grande. Para os que
nada sabem sobre o Conselheiro, para quem o pesquisa de muito tempo; e, claro,
para quem quer apenas encontrar boa literatura. Tudo isso sem cair na armadilha
ardilosa do sentimentalismo, na imagem idealizada, devocional que muitos caem
quando se propõem a tal empreitada.
Antonino
Peregrino é narrado em primeira pessoa. É o Conselheiro que se conta através da
escrita quase mediúnica do autor. “Minha
chegança se deu no sertão, no pedaço de um campo maior, chamado de Quixeramobim.
Lá a cor do mundo se derrama diferente, o sol grita luz e as sombras das
árvores são afagos que a natureza faz nas gentes”. É assim, como um afago
por entre ruinas, que Antonino nos convida a viajar nas páginas de sua
história, para junto dele reconstruir a peregrinação de suas dores, dramas e
sonhos – a grande utopia revolucionaria do Nordeste – que ainda hoje teima em
viver, porque também é a utopia de muitos, coletiva e plural.
Com
engenho, como num convite a calçar as alpercatas, o autor nos faz penetrar no
mundo interior de Antonino, e segui-lo na sua peregrinação tanto física quanto
espiritual partindo de Quixeramobim até os dias finais no Belo Monte: suas
dúvidas, alegrias, decepções, temores e esperanças.Antonino
Peregrino é, por fim, um livro sobre o existir e o lutar no sertão.
Resistência!
Bruno Paulino, poeta e escritor.
09 de Dezembro de 2019 - Quixeramobim, Ceará
Cariri Cangaço
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