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Morrer na Terra: Cangaceiros de Poço Redondo que foram mortos em sua Terra Por:Rangel Alves da Costa

O cangaço percorreu quase o Nordeste inteiro. De Pernambuco ao Ceará, foram muitos os estados que sentiram no chão e na pele, nos ódios e nos afetos, as marcas e as consequências da presença cangaceira. Homens do mundo, sem lar nem parada certa, o cangaceiro vivia à mercê da força da caminhada ou do encalço do inimigo. Num repente, e tudo já se modificava, o coito era levantado, o passo era apressado, o mosquetão começava a cuspir fogo. Daí as mortes também serem ao largo das vinditas, em qualquer terra, em qualquer chão.

Cangaceiro nascido num lugar, acaso encontrasse a morte como desfecho, esta poderia acontecer nas mais distantes lonjuras de seu berço de nascimento. Virgulino Lampião, por exemplo, veio ao mundo em Vila Bela, Pernambuco, e dele se foi no então distrito sertanejo e sergipano de Poço Redondo. Muitos se foram assim, distantes dos lares, das famílias, de tudo o que haviam deixado para trás. Mas noutras situações o destino, com suas forças e mistérios, acabou levantando na própria terra as cruzes daqueles que nela haviam nascido.

Rangel Alves da Costa, Conselheiro Cariri Cangaço

Poço Redondo, no Alto Sertão Sergipano do São Francisco, (localidade sertaneja da Gruta do Angico, do Fogo da Maranduba, das Cruzes dos Soldados, do Coito da Pia das Panelas, e muito mais), também foi destino de morte de muitos de seus filhos que um dia deixaram seus lares para seguir os passos de Lampião. Canário, Enedina, Diferente, Mergulhão, Elétrico, Moeda, Alecrim, Rosinha, todos, após as carrasquentas andanças debaixo de distantes luas e sóis, acabaram retornando para o repouso final na própria terra.

Todos estes poderiam ter dado seus últimos suspiros em terras distantes. Por situações de perigo haviam passado, pelo fogo da morte haviam cruzado, na direção da matadeira haviam estado. Mas não, saíram ilesos para, já dentro da terra natal, terem suas vidas ceifadas. E tendo a vastidão sertaneja como último leito, vez que nenhum dos mortos foi velado pelos parentes e amigos nem teve sepultura minimante digna. Entre mandacarus e xiquexiques, os gravetos em cruzes e seus epitáfios sem nada dizer.

Canário

Canário (Bernardino Rocha) foi morto em 06 de setembro de 38, após a Chacina de Angico, na Fazenda Coruripe, nos arredores da sede de Poço Redondo. O companheiro da também poço-redondense Adília, foi morto à traição, com um tiro pelas costas, desferido pelo também cangaceiro Penedinho (que era primo de sua companheira Adília). Mesmo tendo sido morto tão próximo da sede, jamais teve digno sepultamento. Sua cabeça foi posteriormente decepada e levada por Zé Rufino (comandante de volante sediado na baiana Serra Negra), e o restante do corpo enterrado acerca de cem metros do local da traição.

Rosinha, no contexto cangaceiro mais conhecida como Rosinha de Mariano, havia nascido na região poço-redondense da Maranduba, sendo filha da afamada família Soares, irmã da também cangaceira Adelaide e prima de Áurea de Mané Moreno (o da Bahia). Após a morte de seu companheiro, Rosinha pediu permissão para se afastar temporariamente do cangaço. Permissão concedida, mas não retornou no prazo dado pelo Capitão. Após seu intempestivo retorno, sua sina já estava traçada: seria morta. A incumbência foi dada aos cangaceiros Zé Sereno, Juriti, Balão e Vila Nova. Assim, ao lado do Coito da Pia das Panelas, nas beiradas do Riacho Quatarvo, na região das Areias, em Poço Redondo, a cangaceira tombou sem vida.

Bando de José Sereno

Por sua vez, Mergulhão (Gumercindo Braz, irmão da cangaceira Sila e também dos cangaceiros Novo Tempo e Marinheiro, filhos de Paulo Braz São Mateus), Elétrico (filho de Pedro Miguel), Moeda (João Rosa, da região da Guia), Alecrim (José Rosa, irmão de Moeda) e Enedina (Enedina do Nascimento, esposa do também cangaceiro Cajazeira), todos estes foram mortos na Chacina do Angico de 38, nas beiradas poço-redondenses do São Francisco, na região ribeirinha do Cajueiro. E todos, tão próximos de suas moradias e de suas famílias, mas tão distantes de qualquer retorno, tombando sem vida no próprio chão onde um dia nasceram. Os túmulos destes, contudo, jamais foram abertos em cemitérios locais. Alguns, como Canário (enterrado sem a cabeça) e Rosinha, sepultados na solidão do meio das matas fechadas, espinhentas, assim como foram suas vidas nas desvalias cangaceiras. Já outros, aqueles do Angico, enterrados ao desvão do tempo, tiveram suas cabeças cortadas e levadas como provas da derrocada de Lampião. E de um Cangaço que jamais foi vencido.

Rangel Alves da Costa, junho de 2020

Escritor, Conselheiro Cariri Cangaço

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