O cangaceiro “Mormaço” fez a polícia do Crato, minuciosa descrição de sua vida, e de par com ela, trouxe abundantes elementos para a história do combate ao banditismo no Nordeste. O seu depoimento é impressionante. Porém, serão verdadeiras as informações do bandido? Ninguém mais pode assegurar. Em todo caso, o seu longo relato foi publicado em jornais da época. O “Jornal do Recife” publicou o curioso depoimento em duas edições seguidas. A edição desse jornal de nº 211 de 13 de setembro 1927, publicou a primeira parte do depoimento, sendo que em um dos trechos, o bandido desassombrado contou: “que o coronel Pedro da Luz, morador na fazenda Barrinha, município de Belém de Cabrobó, e próximo a Serra do Umã, cerca de uma légua, muito protege Lampião, fornecendo munição e ocultando o grupo na mesma serra, em lugar dele conhecido, desviando por todos os meios a pista do grupo; que o mesmo coronel recebe de Lampião dinheiro a título de gratificação pelos serviços prestados...”
Diante dessa tremenda acusação, e em decorrência também de outros boatos maldosos contra o tenente-coronel Pedro Alves da Luz, prefeito do Município de Belém de Cabrobó, que diziam ser o mesmo mais um protetor e coiteiro de Lampião, em 1928, o Conselho Municipal daquela cidade votou uma honrosa moção de solidariedade ao dito coronel e que foi publicada no jornal “A Província (PE)”, Ed. 128, do sábado, 2 de junho de 1928:
“Aos dezenove dias do mês de maio do ano de mil novecentos e vinte e oito, às 10 horas da manhã, no Paço do Conselho Municipal desta cidade de Belém de Cabrobó em sessão extraordinária, sob a presidência do tenente-coronel Jerônimo Pires de Carvalho, compareceram os cidadãos Inácio de Sá Araújo, Odilon Alves de Carvalho, Licínio Lustosa de Carvalho Pires e Aristides Alves de Carvalho Barros, conselheiros municipais, e sendo primeiro exposto o motivo da presente sessão que é apresentar ao Sr. Prefeito deste município o tenente-coronel Pedro Alves da Luz uma moção da mais inteira solidariedade erguendo assim o mais cabal protesto contra as infâmias e baixas calúnias que em torno do seu honrado nome se tem levantado ao foro de Vila Bela onde segundo consta, se lhe tem dado como coiteiro e protetor de Lampião, e por isto este Conselho não podendo e nem devendo absolutamente calar-se diante de tão torpe e revoltante injustiça feita ao Digno Chefe do Poder Executivo Municipal, apressa-se em vir por todos os seus membros, abaixo assinados, e satisfeitas as formalidades do estilo, dar o necessário e conveniente desmentido a tão aviltantes e injustas calúnias, obra sem dúvida de algum ou alguns mesquinhos desafetos do digno prefeito.
Para quem conhece de perto o tenente-coronel Pedro Alves da Luz, não há necessidade de dizer quem ele o seja, pois as suas maneiras de fino trato e relevantes serviços prestados a sociedade em geral, o tem sempre desde muito, revelado como um dos cidadãos mais digno, respeitável e útil deste município que muito lhe deve; umas como em outras localidades onde não é ele ainda conhecido, pequenos e injustos desafetos se lhe tem feito caluniosas acusações, cumpre para melhor desmentido a tais acusações que se põem em relevo o seu proceder, relacionando em síntese ao menos uma pequena parte dos seus serviços que tão abnegadamente pelo bem geral tem prestado à causa pública, fazendo para isso referência dos mais recentes, afim de que as pessoas de bem possam julgar como merece, assim verificar que se trata de um cidadão prestimoso e não um coiteiro e protetor de bandidos, vem pois o Conselho Municipal pela voz de seus membros, apresentar a presente moção para assim repelir as baixas calúnias que lhe tem injustamente assacado, se sente também no dever sagrado de reunir a esta, embora em resumo alguns traços da vida de tão conspícuo cidadão
O tenente-coronel Pedro Alves da Luz, desde sua mocidade prestou relevantes serviços não só de natureza material como moral, a sociedade, quer aqui quer em outros municípios onde anteriormente residiu, sendo porém suficiente relembrar dentre os méritos que tem prestado a este município como simples cidadão ou como homem público, em cujo caráter se acha atualmente investido, e nesta qualidade tem sido a sua administração uma das mais fecundas e prósperas conforme se ver dos diversos melhoramentos do município, o que não vem a caso enumerar. Quando há anos veio fixar sua residência neste município, vindo de Triunfo, onde exerceu com brilho o cargo de delegado de polícia, procurou a zona que mais se prestasse a agricultura e ai, conseguiu com um trabalho assíduo e inteligente converter as suas terras em fontes de riquezas para o Estado e o Município.
Dizer-se então que o tenente-coronel Pedro Alves da Luz protege a Lampião é uma calúnia, pois muito pelo contrário ele procurou auxiliar sempre a ação do governo contra o tão terrível grupo, como prova disto se deduz de muitos fatos, como por exemplo, do seguinte: Somente depois que Lampião aumentou o seu grupo foi que teve que entrar 3 vezes neste município, passando por duas vezes na Barrinha, residência do tenente-coronel Pedro Alves da Luz, isto porém ligeiramente, sendo que da primeira vez por ali passara no caráter de capitão de um “Batalhão Patriota do Ceará” e em tal caráter chegou a 3 léguas de distância desta cidade, de onde mandou passar telegrama; e da segunda vez, tendo as suas ordens 89 bandidos, e então por isso o tenente-coronel Pedro Alves da Luz para não se expor às iras de tão temível facínora, uma vez que em coisa alguma se achava disposto a compactuar com ele, e por sua vez, não tendo elementos para reagir contra numeroso grupo, imediatamente retirou-se para esta cidade, de onde transportou-se para o povoado de Abaré do Estado da Bahia, só voltando a sua fazenda depois que passou o Estado de Pernambuco a ser governado pelo exmo. Sr. Dr. Estácio Coimbra, quando começou também mais ativa a perseguição ao banditismo, e desde então o tenente-coronel Pedro Alves da Luz, decidiu-se com mais ânimo, a auxiliar neste sentido a ação do governo, e uma das provas disto, está nos meios que facilitou ao volante Domingos Nogueira, para com outras pessoas de Riacho Pequeno, dar combate a Lampião se este com seu grupo tentassem atacar aquele povoado como sucedeu, e de que então resultou a morte de dois bandidos devido a tática e coragem do mesmo Domingos Nogueira, que neste tempo ainda não estava incorporado como praça, e os recursos de que dispunha para a luta lhe era fornecido pelo mesmo tenente-coronel Pedro Alves da Luz.
Quando após a chacina de Favela em Floresta, Lampião fingindo-se subir para atravessar neste município, voltou na direção do norte passando em Conceição das Crioulas, e indo abater gados no Olho d’Água, no pé da Serra do Umã, município de Floresta.
Foi o tenente-coronel Pedro da Luz quem logo ao saber da sua estada naquele local, veio a auto avisar ao delegado de polícia, tendo além disso posto a disposição seu carro ao cabo Manoel Ribeiro para este ir ao encontro do cabo Manoel Neto, comunicar o paradeiro do mesmo Lampião, e como este, muitos outros fatos poderíamos citar.
Nada mais se precisa adiantar para a demonstração cabal da completa falta de fundamento de espíritos perversos ou irrefletidos, tem injustamente assacado contra a reconhecida reputação do prefeito deste município, tanto mais quanto a sua honra, está a cavalheiro, de qualquer infâmia de que se lhe atenta atirar.
E depois de ser lida e datada, conforme, foi por todos assinada. Para constar eu José Carvalho de Sá Roriz, secretário o escrevi.”
Da tradicional e numerosa família Carvalho, o tenente-coronel Pedro Alves da Luz foi nascido no município de São José do Belmonte, na fazenda Gameleira, sendo o primogênito do casal major Antônio Alves da Luz e dona Maria Francisca de Barros, esta irmã do Padre José Pires dos Santos Barros.
Grande fazendeiro, o tenente-coronel Pedro da Luz, além da fazenda Barrinha onde residia, localizada entre os municípios de Belém do São Francisco e Salgueiro, era proprietário de muitas terras na região, onde mantinha avultada quantidade de rebanhos de gado bovino e de corte.
Era um homem muito rico, de grande prestígio, bom caráter e muito respeitado, possuindo também uma infinidade de compadres e comadres, em virtude da quantidade de crianças de que foi padrinho em toda aquela região, tendo algumas, adotado o seu sobrenome “Luz” como homenagem. Ainda no tempo que residiu em Triunfo, chegou a exercer naquela cidade os cargos de delegado de polícia e literário. Como político, exerceu os cargos de conselheiro municipal e prefeito de Belém de Cabrobó.Foi casado com dona Afra Florisbela Pires Cantarelli. O casal não deixou filhos.
Valdir José Nogueira de Moura,
Escritor e Pesquisador, Conselheiro Cariri Cangaço
São José de Belmonte
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