No próximo dia 23 de março, vai completar exatamente 97 anos que, após ser ferido gravemente no pé, o Rei do Cangaço buscou refúgio na “Casa de Pedra” da lendária Serra do Católe, em São José do Belmonte.
Frondosa e ainda existente, a árvore do tipo “pau-ferro”, localizada bem às margens da lendária Lagoa do Vieira, a pouca distância da Pedra do Reino, testemunhou o combate travado no dia 23 de março de 1924, com uma volante comandada pelo major da polícia de Pernambuco Theophanes Ferraz, onde o cangaceiro Lampião foi seriamente atingido no pé e morta sua montaria, tombando o animal sobre sua perna. Tendo se livrado do peso do animal morto e mesmo ferido, o cangaceiro consegue reagir à altura da situação. Na gruta conhecida como Casa de Pedra, na Serra do Catolé município de São José do Belmonte, Lampião se refugiou e iniciou sua recuperação.
Interessante apontar que da Casa de Pedra onde se refugiou Lampião, tem-se uma magnífica visão do vale onde fica a famosa área histórica conhecida como Pedra do Reino, retratada no romance de Ariano Suassuna – O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. A Lagoa do Vieira também é citada nesse famoso romance através de uma explicação dada pelo personagem Luís do Triângulo:
“Naquele momento, chegávamos a uma Lagoa rasa, situada à direita da estrada, Luís do Triângulo explicou:
- Essa é a Lagoa do Vieira! Os Vieiras eram parentes do Rei João Ferreira e estiveram, também, metidos na “Guerra do Reino”! Diziam eles que esta Lagoa era encantada e que, aqui, Dom Sebastião tinha uma mina de ouro para os pobres!”.
A famosa notícia do tiro no pé de Lampião ensejou inúmeros escritos jornalísticos e literários. O cronista José Carvalho, carioca da gema, sob o título “Lampião, o tiro no pé” publicou no “Correio da Manhã (RJ)” no ano de 1932, edição 11386, pág. 17:
“Lampião, um dia, numa refrega com a polícia levou uma bala no pé. E com ele sangrando correu a presença de um médico que sabia estacionar perto do lugar em que achava em fuga. Enquanto o médico examinava o ferimento, Virgulino agita-se impaciente, com esse preventimento instintivo que caracteriza e protege certos criminosos.
Mas o doutor queria puxar pela língua do bandido, prelibando, sem dúvida, o gozo de uma entrevista aos jornais. A impaciência de Virgulino aumenta. Não quer conversa.
- Seu dotô, acabe com isto!
- Se é preciso cortar o diabo deste pé, corte logo! Me despache que a poliça não deve tardá por aqui!
Mas o médico ia, calculadamente prolongando o exame e a conversa.
E a outra rogativa inquieta do ferido, obtemperou:
- Ora, deixe de pressa!
- A polícia não vem agora por aqui. Você tem muitos amigos?
E Virgulino:
- Eu me admiro um doutor formado como o senhor dizer uma coisa destas!
E concluiu; conciso, alto, vibrante:
- Bandido não tem amigo!
A frase deve ficar. Ele que o afirmava era porque sabia. Vale a pena narrar o resto. Depois, como o médico lhe afirmasse que o ferimento poderia ser curado sem precisar cortar o pé, Lampião, envolvendo-o nos trapos que trouxera, corre para o cavalo, cavalga-o e arranca estrada a fora numa disparada homérica. Era tempo; a polícia chegava... Dias depois, esse mesmo médico, numa estrada, vê-se cercado e detido por um grupo de Lampião que lhe exigia dinheiro. E o médico, revestindo-se de calma e como por uma inspiração, revelando intimidade com o bandido ausente, pergunta afavelmente:
- Cadê o Lampa?
Foi como se proferisse uma palavra mágica.
- É amigo! – disse um.
- Sim, sou o médico que lhe fez curativos no pé!
Estava garantido. E foi tratado por todos afetuosamente.
Dizem que esta abreviatura Lampa, é a senha pela qual são conhecidos os amigos.
E o médico acertara casualmente. Teve sorte.
A Antônio Silvino é atribuída esta frase enérgica, sintética, filosófica:
- Minha palavra é um tiro!
Queria dizer: tão certa, tão segura, como é o tiro da arma de um cangaceiro emérito.
É da raça!”
Valdir José Nogueira de Moura
Conselheiro Cariri Cangaço
São José de Belmonte-PE
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