Casarão da Fazenda Catolé
Contou-nos o bancário aposentado e também pecuarista Fred Brito, de 69 anos, residente em uma propriedade da zona rural de Buíque, Pernambuco, que na madrugada do dia 6 de junho de 1936 um grupo de 12 bandoleiros e mais uma mulher, sob o comando de Virgínio Fortunato da Silva, o cangaceiro Moderno, chegou à Fazenda Catolé, em Pesqueira, no Agreste do mesmo Estado, pertencente ao seu avô, Rogério Cavalcanti de Brito (1888-1974), chamado por ele, e todos os netos, carinhosamente de “Padre Dinho”, onde no local, a súcia fez prisioneiro um morador da fazenda, de nome Severino Panelada, forçando-o a bater à porta da casa sede, para acordar seu patrão e compadre.
Severino quando bateu na porta, seu compadre Rogério perguntou o que se tratava, àquela hora da noite, tendo o morador respondido que sua esposa estava doente, precisando de ajuda, de um remédio de Dona Adelaide. A versão foi dita por Panelada conforme a orientação prévia dos cangaceiros. Rogério abriu a porta e foi logo rendido, sendo todos da casa abruptamente acordados.
Nessa época, a sua mãe, Lenira de Lima (1918-2010), era noiva do seu pai, Renato Tenório de Brito (1915-1979), filho mais velho do casal Rogério e Adelaide e, por uma grande falta de sorte, segundo Fred, sua mãe e uma irmã dela, a mais velha, de nome Irene, tinham ido à fazenda conhecer a família do futuro marido, portanto, ficaram também sob ordens dos sicários.
À esquerda da entrada do casarão, existia um quarto grande, usado para orações, o qual era chamado por todos de o “quarto de São Pedro”, pois o fazendeiro Rogério era devoto do santo que a História diz ter sido o primeiro Papa. Nesse cômodo existia uma mesa de madeira, espécie de altar, forrada com elegante toalha de linho branco, que ia até o chão, e sobre ela vários santos e santas, dentre eles, uma bela imagem do santo pescador. O que pouca gente sabia, é que embaixo desse altar, ocultos pelo grande tecido, ficavam guardados dois rifles calibre 44.
Casarão da Fazenda Catolé, em Pesqueira, Pernambuco, que serviu de cenário no filme "O Cangaceiro", de 1997
Por ser aquele espaço um local sagrado da casa, ficou livre da sanha dos sicários, que reviraram tudo dentro da residência, à procura de objetos, joias, dinheiro e, claro, armas. No meio dos cabras, tinha um com um violão velho, com apenas três cordas. Enquanto a casa estava sendo saqueada, as mulheres foram obrigadas a cozinhar para o bando. Menos mal que a despensa estava abastecida, com produtos da própria fazenda e os comprados na feira de Pesqueira, que já naquela época, era realizada nas quartas-feiras.
A cozinha da casa era enorme, do dizer de Fred Brito, “daria para fazer um forró naquele espaço” e, foi justamente isso que os cangaceiros queriam. Com o precário instrumento, ligeirinho improvisaram um “baile”. Um dos salteadores pegou na mão da menina/moça Lenira, de apenas 17 anos, cantou uma quadra que dizia “não quero dengo/não quero choro/, quero a menina do cabelo loiro”, referindo-se a Lenira, e a chamou pra dançar. Sem receios, com coragem tirada não se sabe de onde, ela aceitou, mas o cangaceiro não quis dançar. Era um teste. O bandoleiro disse:
Eu peguei a sua mão e lhe chamei pra dançar, pensando que você não ia e, se dissesse que não dançava, eu ia fazer você dançar nua, aqui na vista da gente. Ia tirar a roupa e ia dançar nua.
Depois do ocorrido, Lenira disse que “se já estava pensando que morreria quando os cabras invadiram a casa, depois do susto que passou com a história da dança, achava que iria cair durinha ali mesmo”.
Logo que invadiu a casa, Virgínio Moderno disse a que vinha: queria três contos de réis do fazendeiro, para que, segundo ele, pudesse deixar Rogério, sua família e propriedade em paz. O grande problema é que o fazendeiro não dispunha, naquele momento, de avultada quantia em casa, então, os cangaceiros, ao deixar a fazenda, o levaram como refém. Só para se ter uma noção do que daria para comprar com tanto dinheiro, naqueles dias um saco com 50 quilos de farinha de mandioca estava custando 18$000 (dezoito mil réis), o feijão preto, saco de 60 quilos, 36$000. Com mesmo peso, o feijão mulatinho era vendido por 60$000 e o milho a 17$000.
Ruinas atuais do Casarão
Renato Brito, como já foi dito, era o filho mais velho de Rogério e Adelaide, e pediu permissão a Virgínio para selar um cavalo para seu pai ir montado, pois sabia que seu genitor não aguentaria o trupé da caminhada dos cabras. O argumento do primogênito, para o fazendeiro Rogério Brito ir montado, enquanto os cangaceiros iriam a pé, era que “se iam matar seu pai, que matassem logo, ou então permitissem ele ir a cavalo.” Com o consentimento de Moderno, o rapaz trouxe um animal de nome “Revoltoso”, para que o pai pudesse acompanhar a marcha do bando, perguntando em seguida ao chefe do bando, como faria para encontrá-los depois, para pagar o dinheiro do resgate. Virgínio respondeu:
Nós vamos para os lados de Boa Sorte (atual Venturosa). Você é um homem de fazenda, vai saber pegar o rastro de 13 pessoas e apenas um cavalo.
Depois da saída do grupo da Fazenda Catolé, levando seu proprietário como refém, Renato Brito foi até Pesqueira, distante quatro léguas da Catolé, arranjar o dinheiro do resgate com amigos. Fato curioso, é que os cabras do bando trocaram de roupa na fazenda, deixando para trás as vestes sujas de tantas andanças e combates, com algumas delas até manchadas de sangue, peças essas, que depois foram expostas nas Casas José Araújo, na cidade de Pesqueira.
Na terra do doce e da renda, Renato conseguiu o dinheiro com Severino do Leite, e célere, seguiu a pista do bando, encontrando-o no local Carrapateira, meia légua depois de Venturosa, sentido Garanhuns. No local, um fato inusitado aconteceu: ao receber o pacote de dinheiro, Moderno conferiu o valor e devolveu Rogério à família, dizendo que mesmo que seu filho não tivesse conseguido a quantia exigida, não matariam o fazendeiro, pois, segundo o cangaceiro, “um homem bom daqueles não se matava”. Especula-se que ou Virgínio costurou um acordo futuro, para proteção ou outro tipo de vantagem, ou durante a caminhada, o fazendeiro fez, na medida do possível, amizade com os cabras, pois, se sentiu tão à vontade, ao ponto de pedir a Virgínio um cachorro que acompanhava o bando, tendo Moderno dito que não dava “porque aquele cão pagava muitos dos cabras ruins sob seu comando”. Rogério e Renato Brito, pai e filho, voltaram para sua Catolé, em Pesqueira, depois das cinco da tarde daquele dia.
Virgínio, no centro, ao lado de Durvinha
Sobre essa passagem do cunhado de Lampião por Pesqueira, o Diário de Pernambuco publicou no dia 7 daquele mês a seguinte nota:
BANDIDOS NO LUGAREJO IPANEMA.
O COMANDANTE DE UMA DAS FORÇAS VOLANTES TELEGRAFA A SECRETARIA DE SEGURANÇA.
Ontem, à noite, a Secretária de Segurança recebeu telegrama do comandante de uma volante em Pesqueira. Informava que alguns bandidos passavam pelo lugarejo denominado Ipanema. A volante saiu em seu encalço, travando ligeiro tiroteio. Os cangaceiros, porém, fugiram em debandada. A polícia não sabe si se trata de Lampião ou do grupo de Virgínio.
No dia 9 o mesmo jornal publicou:
OS BANDIDOS EM PESQUEIRA
UM TELEGRAMA DO PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL
Recebemos ontem de Pesqueira o seguinte telegrama: “PESQUEIRA, 7 – Confirmando meu telegrama publicado nesse jornal sobre a passagem de um grupo de cangaceiros neste município, foi atacada, ontem, a fazenda Catolé, distante apenas 15 quilômetros desta cidade. Foi sequestrado pelos assaltantes o proprietário da mesma fazenda sr. Rogério Brito, para cujo resgate exigiram três contos de réis. (a) Antônio Araújo, presidente da Associação Comercial”.
Seis décadas depois da invasão da Catolé, um número bem maior de cangaceiros esteve na propriedade, com direito a cavalos, tiros e mortes, mas tudo isso de mentirinha, é claro, pois na verdade, o que aconteceu naquela propriedade, foram gravações de cenas da refilmagem do filme “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, de 1953. Na nova versão, que estreou nos cinemas de todo Brasil em 1997, o ator Paulo Gorgulho, fazia o papel do Capitão Galdido, e Luíza Tomé, viveu Maria Bonita. O elenco ainda contava com o experiente Joffre Soares, Ingra Liberato, Jece Valadão, Othon Bastos, o sanfoneiro Dominguinhos, dentre outros. A bela casa da Fazenda Catolé nem de perto se parece com as dos tempos de Rogério Brito, muito menos da época que o filme “O Cangaceiro” teve algumas cenas gravadas lá, o que não faz tanto tempo. Recentemente (2020) um youtuber da cidade de Pesqueira esteve no local e mostrou que o que fora um imponente casarão, hoje está em ruínas.
Junior Almeida, pesquisador e escritor - Capoeiras -PE
Conselheiro Cariri Cangaço
*Fontes: Fred Brito, Canal Raniery Mendonça, no Youtube, Blog Pesqueira Lendária e Eterna e Jornal Diário de Pernambuco.
**Fotos: Cangaceiro Moderno, fonte Blog do Mendes; Casarão da Fazenda Catolé, fonte Blog Pesqueira Lendária e Eterna; Print do filme O Cangaceiro, de 1997; Ruínas do casarão, fonte Canal Raniery Mendonça, no Youtube; Fazendeiro Rogério Brito
Torna - se necessário com certeza intervenção público-privada para fazer com que o casarão não desapareça, tenho certeza!
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