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Diferenças e Semelhanças entre Lampião e Chico Pereira Por: Guerhansberg Tayllow

Chico Pereira

Em semanas atras (precisamente no dia 26 de maio), tive a oportunidade de participar de um “bate bola” sobre o cangaço juntamente com Manoel Severo e Raul Meneleu, na plataforma Youtube, no canal do Cariri Cangaço. Gostaria de expressar minha felicidade em compartilhar aquele momento junto com Manoel Severo, Raul Meneleu e os ouvintes. Mas, a escritura deste breve texto tem como objetivo tentar responder uma pergunta que ficou incompleta (diante do compromisso com o tempo estipulado): quais as principais diferenças e semelhanças entre Lampião e Chico Pereira no universo do cangaço?
 Manoel Severo me fez essa pergunta fazendo menção aos dois trabalhos produzidos por mim. Trata-se dos livros: Nas redes das memórias: as múltiplas faces do cangaceiro Chico Pereira, publicado em 2017; Virgulino cartografado: relações de poder e territorializações do cangaceiro Lampião (1920-1928), lançado em 2020.

Vamos direto aos pontos!

A principal semelhança entre os dois cangaceiros reside na entrada ao cangaço. Ambos ingressaram nessa forma de banditismo a partir de conflitos familiares, cujos interesses estavam no caso de Chico Pereira, na disputa direta pelo poder político local do município de Sousa no sertão paraibano. Já no caso de Lampião estavam na disputa territorial da Ribeira do São Domingos. Os desafetos dos familiares de Chico Pereira e de Lampião estavam (no momento do conflito) por cima na política estadual e, portanto, detinham maior controle sobre o aparelho de poder do Estado (como a polícia e os juízes). A família de Chico Pereira estava ligada a outro grupo familiar de maior poder: os Gomes de Sá, que estavam em decadência política no município de Sousa. Já a família de Lampião foi descrita pela historiografia do tema como uma família satélite dos Pereiras do Pajeú Pernambucano. Tanto os Gomes de Sá como os Pereiras (Pereiras do Pajeú Pernambucano) estavam ligados historicamente ao Estado Português, cuja tradição adivinha do processo de povoamento e do poder agrário. Contudo, com o nascimento da República, ambas famílias (Gomes de Sá em Sousa e os Pereiras no Pajeú Pernambucano) viram seus poderes políticos entrarem em decadência com a ascensão de outros grupos familiares. Foi nesse contexto complexo permeado pelas disputas em torno do poder político, econômico e territorial, que emergiram os cangaceiros Chico Pereira e Lampião.

Virgulino Ferreira, Lampião

Outra semelhança está no fato de Chico Pereira e Lampião terem entrado no Cangaço com a mesma idade: 22 anos.

Partindo da ideia que Chico Pereira teria nascido em 1900 e entrado no cangaço em 1922, posso afirmar que esse personagem se tornou cangaceiro com apenas 22 anos de idade. Já no caso de Lampião, tomando 1898 como data de nascimento e 1920 como a sua entrada no cangaço, também se pode afirmar que Lampião tinha 22 anos quando ingressou nessa forma de banditismo. É verdade que muitos autores de renome afirmam que Lampião já era cangaceiro antes de 1920, porém, consultando a documentação escrita de época não se encontra base para tal afirmação. O primeiro grupo de cangaceiros que Lampião fez parte foi chefiado pelo seu tio Antônio de Matilde, cujas ações estão documentadas somente a partir da segunda metade de 1920.

Sobre as diferenças...

Chico Pereira entrou no cangaço após vingar a morte do pai. Lampião entrou no cangaço movido pelo ódio contra os seus adversários que haviam provocado o desmantelamento territorial e familiar dos Ferreiras. Esse sentimento de ódio levou Lampião ao cangaço, fator que contribuiu diretamente para a morte da sua mãe e do seu pai. Mesmo com a morte dos pais, Lampião nunca matou os seus desafetos da ribeira do São Domingos, embora tenha tentado em inúmeras oportunidades. O projeto de vingança de Lampião aos poucos foi sendo marginalizado e a partir de 1924 é possível dizer que Lampião esteve mais preocupado em alimentar o compromisso com sua rede de protetores do que com a vingança contra os Nogueiras Alves de Barros. Além disso, no decorrer dos anos outros inimigos foram aparecendo na ordem do dia. É que o Lampião foi se refazendo enquanto cangaceiro, tornando o cangaço a “família”, o seu meio de vida, a sua profissão.

 Afirmei no “bate bola” com Severo e Raul, que Lampião se tornou um bandido político, um cangaceiro profissional.

Diferentemente de Lampião, Chico Pereira não fez do cangaço seu meio de vida, caso tenha feito, foi por um curto espaço de tempo, ali pelos idos de 1924-1925. Estou mais propenso a acreditar que Chico Pereira não tomou o cangaço como um meio de vida, dado que não teve uma vida nômade pela qual é fundamental para um cangaceiro profissional. Pelo contrário, Chico Pereira manteve hábitos do mundo sedentário, como casar e construir uma família fora do banditismo, foi assim que teve 3 filhos com sua esposa Jardelina. Já Lampião manteve o nomadismo como perspectiva de vida, o exemplo maior foi viver e reproduzir juntamente com sua companheira Maria Bonita dentro do cangaceirismo. Chico Pereira, inclusive, tentou abandonar de vez o cangaço o que ocasionou a sua prisão e posteriormente sua morte. Já Lampião, nunca se deixou capturar pela polícia e sua morte ocorreu quando estava em atividade no cangaço. 

Clássica foto de Lampião e familia, em Juazeiro do Norte - 1926

Outra diferença marcante foi o tempo e os espaços de atuação. Chico Pereira atuou entre os anos de 1922-1928, percorrendo pontos dos territórios de Pernambuco, Paraíba e do Rio Grande do Norte. Neste último estado, Chico Pereira concentrou sua atuação na região do Seridó. Como sabemos, o Rio Grande do Norte, não foi objeto de criação de redes de protetores por parte de Lampião. A atuação de Lampião foi muito maior e mais complexa do que a de Chico Pereira. Tendo atuado entre os anos de 1920-1938, percorrendo pontos dos estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Sergipe. Além de Lampião ter percorrido mais espaços durante mais tempo, também o fez com mais intensidade nas atividades cangaceiras do que Chico Pereira. Logo, Lampião foi muito mais registrado pelos meios de imprensa e pelos processos criminais.

Lampião e Chico Pereira estiveram juntos entre os anos de 1924-1925, o que rendeu maior conhecimento da opinião pública sobre Chico Pereira, dada a fama que Lampião já detinha e, que foi paulatinamente crescente, sobretudo a partir de 1925. Por que sobretudo 1925? Porque foi nesse ano que Lampião começou a ser objeto político da imprensa recifense que fazia oposição ao governo Sérgio Loreto. Em outras palavras, a imprensa oposicionista de Recife usou e abusou das ações de Lampião para atacar o governador Sérgio Loreto.  

Com relação as formas de combate dos dois cangaceiros, não é possível fazer uma devida comparação, pois temos pouco registro sobre as ações de Chico Pereira em combate. As narrativas disponíveis apontam na direção que Chico Pereira também foi um bom estrategista assim como Lampião. O fato foi que os dois usaram o dueto emboscada/retirada como forma de guerra nômade. Diante de uma vida mais movimentada, Lampião teve que utilizar a guerra nômade do cangaço muito mais do que Chico Pereira. Não significa dizer que um era melhor em combate do que o outro.

Uma grande diferença entre os dois está nas redes de proteção. Enquanto Chico Pereira esteve agarrado as relações com os correligionários do pai e, ao seu grande protetor, Antônio Suassuna (irmão do governador João Suassuna), Lampião produziu uma vasta rede de protetores em vários estados e alguns de forma simultânea. Nenhum cangaceiro se relacionou com protetores como Lampião. Nenhum cangaceiro soube ser tão político como Lampião, dada a sua capacidade de traçar alianças, de fazê-las, desfazê-las e refazê-las em outras bases. Ser político é a capacidade de superar o fim de uma aliança com a reconstrução de outras. Isso Lampião fez muito bem e de forma singular. Chico Pereira se agarrou demais ao seu protetor Antônio Suassuna, não foi capaz de perceber que no universo do cangaço, cangaceiro não pode se movimentar ou recorrer aos mesmos lugares o tempo todo. No quesito costurar redes de proteção Lampião não pode se comparar a nenhum outro cangaceiro. O único ponto em comum estava na importância de se relacionar com os protetores para sobreviver naquela vida. Mas o como se relacionar foi muito próprio de cada cangaceiro e, sem dúvidas, Lampião foi o rei, o capitão e o comandante nesse quesito. Por gentileza, não entender essa afirmação como uma apologia ao bandoleiro, mas como um reconhecimento histórico da sua capacidade relacional, que sem dúvidas alguma, esteve a serviço da vida e da morte.

Por fim, voltando para as semelhanças que não escondem suas diferenças...

Gostaria de finalizar o texto falando sobre o guardião da memória. Isso porque Chico Pereira e Lampião foram objeto de escritos no âmbito familiar que desejaram construir e proteger uma memória. No caso de Chico Pereira, o Guardião foi o próprio filho, o Padre Pereira, que escreveu o importante livro Vingança, não, publicado em 1960. Trata-se de um texto de grande erudição, cujo escritor partiu do seu lugar social de padre e filho para reescrever o passado trágico do pai por meio de outros significados. Quem estiver lendo essas letras e ainda não leu ou desconhece o livro Vingança, não, por favor, faça esse investimento para si mesmo: leia esse livro. Além da riqueza poética, literária, cristã e memorialista, vale destacar que o livro do Padre Pereira foi um dos primeiros textos escritos por familiares de ex-cangaceiros, ou seja, foi um dos primeiros a narrar a história pela ótica do cangaceiro (até então era muito comum as narrativas partirem de ex-volantes ou de intelectuais do folclore e da literatura). 

Manoel Severo, Raul Meneleu e Guerhansberg Tayllow nos Grandes Encontros Cariri Cangaço, no YouTube

Do lado de Lampião, tivemos os trabalhos memorialísticos da sua neta, Vera Ferreira, que iniciou seu trabalho de escrita com o clássico livro De Virgolino a Lampião, em parceria com o importante memorialista Antônio Amaury. Vera Ferreira e o padre Pereira, apesar de falarem de distintos lugares de formação, compartilharam um objetivo em comum: reconstruir e guardar a memória dos seus respectivos familiares. Tarefa difícil, pois no território da memória a cristalização de uma narrativa dita verdadeira será questionada, reelaborada e reescrita através de outros interesses, mesmo que esses outros apresentem semelhanças e diferenças...

Guerhansberg Tayllow , pesquisador e escritor 
Lastro, Paraíba

[1] Para acessar o “bate bola” ver: https://www.youtube.com/watch?v=jHP4qLDtS-U&t=7442s

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