Vamos
direto aos pontos!
A principal semelhança
entre os dois cangaceiros reside na entrada ao cangaço. Ambos ingressaram nessa
forma de banditismo a partir de conflitos familiares, cujos interesses estavam
no caso de Chico Pereira, na disputa direta pelo poder político local do
município de Sousa no sertão paraibano. Já no caso de Lampião estavam na
disputa territorial da Ribeira do São Domingos. Os desafetos dos familiares de
Chico Pereira e de Lampião estavam (no momento do conflito) por cima na
política estadual e, portanto, detinham maior controle sobre o aparelho de
poder do Estado (como a polícia e os juízes). A família de Chico Pereira estava
ligada a outro grupo familiar de maior poder: os Gomes de Sá, que estavam em
decadência política no município de Sousa. Já a família de Lampião foi descrita
pela historiografia do tema como uma família satélite dos Pereiras do Pajeú
Pernambucano. Tanto os Gomes de Sá como os Pereiras (Pereiras do Pajeú
Pernambucano) estavam ligados historicamente ao Estado Português, cuja tradição
adivinha do processo de povoamento e do poder agrário. Contudo, com o
nascimento da República, ambas famílias (Gomes de Sá em Sousa e os Pereiras no
Pajeú Pernambucano) viram seus poderes políticos entrarem em decadência com a
ascensão de outros grupos familiares. Foi nesse contexto complexo permeado
pelas disputas em torno do poder político, econômico e territorial, que
emergiram os cangaceiros Chico Pereira e Lampião.
Outra semelhança está
no fato de Chico Pereira e Lampião terem entrado no Cangaço com a mesma idade:
22 anos.
Partindo da ideia que
Chico Pereira teria nascido em 1900 e entrado no cangaço em 1922, posso afirmar
que esse personagem se tornou cangaceiro com apenas 22 anos de idade. Já no
caso de Lampião, tomando 1898 como data de nascimento e 1920 como a sua entrada
no cangaço, também se pode afirmar que Lampião tinha 22 anos quando ingressou
nessa forma de banditismo. É verdade que muitos autores de renome afirmam que
Lampião já era cangaceiro antes de 1920, porém, consultando a documentação
escrita de época não se encontra base para tal afirmação. O primeiro grupo de
cangaceiros que Lampião fez parte foi chefiado pelo seu tio Antônio de Matilde,
cujas ações estão documentadas somente a partir da segunda metade de 1920.
Sobre
as diferenças...
Chico Pereira entrou no cangaço após vingar a morte do pai. Lampião entrou no cangaço movido pelo ódio contra os seus adversários que haviam provocado o desmantelamento territorial e familiar dos Ferreiras. Esse sentimento de ódio levou Lampião ao cangaço, fator que contribuiu diretamente para a morte da sua mãe e do seu pai. Mesmo com a morte dos pais, Lampião nunca matou os seus desafetos da ribeira do São Domingos, embora tenha tentado em inúmeras oportunidades. O projeto de vingança de Lampião aos poucos foi sendo marginalizado e a partir de 1924 é possível dizer que Lampião esteve mais preocupado em alimentar o compromisso com sua rede de protetores do que com a vingança contra os Nogueiras Alves de Barros. Além disso, no decorrer dos anos outros inimigos foram aparecendo na ordem do dia. É que o Lampião foi se refazendo enquanto cangaceiro, tornando o cangaço a “família”, o seu meio de vida, a sua profissão.
Afirmei no “bate bola” com
Severo e Raul, que Lampião se tornou um bandido político, um cangaceiro
profissional.
Diferentemente de
Lampião, Chico Pereira não fez do cangaço seu meio de vida, caso tenha feito,
foi por um curto espaço de tempo, ali pelos idos de 1924-1925. Estou mais
propenso a acreditar que Chico Pereira não tomou o cangaço como um meio de
vida, dado que não teve uma vida nômade pela qual é fundamental para um
cangaceiro profissional. Pelo contrário, Chico Pereira manteve hábitos do mundo
sedentário, como casar e construir uma família fora do banditismo, foi assim
que teve 3 filhos com sua esposa Jardelina. Já Lampião manteve o nomadismo como
perspectiva de vida, o exemplo maior foi viver e reproduzir juntamente com sua
companheira Maria Bonita dentro do cangaceirismo. Chico Pereira, inclusive,
tentou abandonar de vez o cangaço o que ocasionou a sua prisão e posteriormente
sua morte. Já Lampião, nunca se deixou capturar pela polícia e sua morte
ocorreu quando estava em atividade no cangaço.
Outra diferença
marcante foi o tempo e os espaços de atuação. Chico Pereira atuou entre os anos
de 1922-1928, percorrendo pontos dos territórios de Pernambuco, Paraíba e do
Rio Grande do Norte. Neste último estado, Chico Pereira concentrou sua atuação
na região do Seridó. Como sabemos, o Rio Grande do Norte, não foi objeto de
criação de redes de protetores por parte de Lampião. A atuação de Lampião foi
muito maior e mais complexa do que a de Chico Pereira. Tendo atuado entre os
anos de 1920-1938, percorrendo pontos dos estados de Alagoas, Pernambuco,
Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Sergipe. Além de Lampião ter
percorrido mais espaços durante mais tempo, também o fez com mais intensidade
nas atividades cangaceiras do que Chico Pereira. Logo, Lampião foi muito mais
registrado pelos meios de imprensa e pelos processos criminais.
Lampião e Chico Pereira
estiveram juntos entre os anos de 1924-1925, o que rendeu maior conhecimento da
opinião pública sobre Chico Pereira, dada a fama que Lampião já detinha e, que
foi paulatinamente crescente, sobretudo a partir de 1925. Por que sobretudo
1925? Porque foi nesse ano que Lampião começou a ser objeto político da
imprensa recifense que fazia oposição ao governo Sérgio Loreto. Em outras
palavras, a imprensa oposicionista de Recife usou e abusou das ações de Lampião
para atacar o governador Sérgio Loreto.
Com relação as formas de combate dos dois cangaceiros, não é possível fazer uma devida comparação, pois temos pouco registro sobre as ações de Chico Pereira em combate. As narrativas disponíveis apontam na direção que Chico Pereira também foi um bom estrategista assim como Lampião. O fato foi que os dois usaram o dueto emboscada/retirada como forma de guerra nômade. Diante de uma vida mais movimentada, Lampião teve que utilizar a guerra nômade do cangaço muito mais do que Chico Pereira. Não significa dizer que um era melhor em combate do que o outro.
Uma grande diferença
entre os dois está nas redes de proteção. Enquanto Chico Pereira esteve
agarrado as relações com os correligionários do pai e, ao seu grande protetor,
Antônio Suassuna (irmão do governador João Suassuna), Lampião produziu uma
vasta rede de protetores em vários estados e alguns de forma simultânea. Nenhum
cangaceiro se relacionou com protetores como Lampião. Nenhum cangaceiro soube
ser tão político como Lampião, dada a sua capacidade de traçar alianças, de
fazê-las, desfazê-las e refazê-las em outras bases. Ser político é a capacidade
de superar o fim de uma aliança com a reconstrução de outras. Isso Lampião fez
muito bem e de forma singular. Chico Pereira se agarrou demais ao seu protetor
Antônio Suassuna, não foi capaz de perceber que no universo do cangaço,
cangaceiro não pode se movimentar ou recorrer aos mesmos lugares o tempo todo.
No quesito costurar redes de proteção Lampião não pode se comparar a nenhum
outro cangaceiro. O único ponto em comum estava na importância de se relacionar
com os protetores para sobreviver naquela vida. Mas o como se relacionar foi
muito próprio de cada cangaceiro e, sem dúvidas, Lampião foi o rei, o capitão e o comandante
nesse quesito. Por gentileza, não entender essa afirmação como uma apologia ao
bandoleiro, mas como um reconhecimento histórico da sua capacidade relacional,
que sem dúvidas alguma, esteve a serviço da vida e da morte.
Por
fim, voltando para as semelhanças que não escondem suas diferenças...
Gostaria de finalizar o texto falando sobre o guardião da memória. Isso porque Chico Pereira e Lampião foram objeto de escritos no âmbito familiar que desejaram construir e proteger uma memória. No caso de Chico Pereira, o Guardião foi o próprio filho, o Padre Pereira, que escreveu o importante livro Vingança, não, publicado em 1960. Trata-se de um texto de grande erudição, cujo escritor partiu do seu lugar social de padre e filho para reescrever o passado trágico do pai por meio de outros significados. Quem estiver lendo essas letras e ainda não leu ou desconhece o livro Vingança, não, por favor, faça esse investimento para si mesmo: leia esse livro. Além da riqueza poética, literária, cristã e memorialista, vale destacar que o livro do Padre Pereira foi um dos primeiros textos escritos por familiares de ex-cangaceiros, ou seja, foi um dos primeiros a narrar a história pela ótica do cangaceiro (até então era muito comum as narrativas partirem de ex-volantes ou de intelectuais do folclore e da literatura).
Do lado de Lampião, tivemos os trabalhos memorialísticos da sua neta, Vera Ferreira, que iniciou seu trabalho de escrita com o clássico livro De Virgolino a Lampião, em parceria com o importante memorialista Antônio Amaury. Vera Ferreira e o padre Pereira, apesar de falarem de distintos lugares de formação, compartilharam um objetivo em comum: reconstruir e guardar a memória dos seus respectivos familiares. Tarefa difícil, pois no território da memória a cristalização de uma narrativa dita verdadeira será questionada, reelaborada e reescrita através de outros interesses, mesmo que esses outros apresentem semelhanças e diferenças...
[1] Para acessar o “bate bola” ver: https://www.youtube.com/watch?v=jHP4qLDtS-U&t=7442s
\o Maravilha
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