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A Chegada de Sinhô Pereira ao Cariri Cangaço Parte II Por: Jorge Remigio

Sebastião Pereira e Luiz Padre

Com o advento do Marechal Hermes da Fonseca à presidência da república em 1910 e a sua “Política Salvacionista,” a qual tinha como lema, moralizar os costumes políticos e reduzir as desigualdades sociais, preocupa-se em derrubar as velhas oligarquias do Partido Republicano Conservador nos Estados, estimulando a substituição dos governadores por militares. É lançada a candidatura do General Emílio Dantas Barreto, então, Ministro da Guerra, ao governo de Pernambuco na eleição de 1911. O chefe político da família Pereira, Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva, o qual fora desprestigiado politicamente pela Oligarquia Rosista, passa agora a apoiar o General Emílio Dantas Barreto, que disputava uma eleição contra o próprio Rosa e Silva, apoiado agora pelo clã dos Carvalho em Vila Bela. 

Em todo o Estado a disputa é fervorosa, principalmente na Capital. Apuradas as urnas, Rosa e Silva ganha com uma margem superior a três mil votos. No Sertão do Estado, o General Dantas Barreto só ganhou em duas cidades: Vila Bela e Salgueiro. É uma amostra de que o Coronel Antônio Andrelino ainda tinha influência e poder na região onde militava politicamente. Houve uma reação imediata do grupo de apoio ao General, em não aceitar o resultado do pleito. Alegavam fraude. O Jornal Diário de Pernambuco era de Rosa e Silva. Os Jornal A Província e O Pernambuco defendia interesses Dantista, os quais reclamavam uma vitória de Dantas Barreto. O clima de guerra generalizou-se em Recife, população amotinada, tiroteios, depredações, a Câmara impossibilitada de reunir-se e com a intervenção de tropas federais, muda-se todo o processo que até então, dava vitória a Rosa e Silva. Anulam-se as eleições de Triunfo e de Águas Belas e em assembléia extraordinária é reconhecida a vitória de Dantas Barreto ao governo do Estado.
                     
General Dantas Barreto
      
Os Pereira readquirem o poder político no município e o Coronel Antônio Andrelino Pereira é alçado novamente ao poder. Porém, essa situação transformou-se rapidamente. Uma campanha sistemática de denúncias enviadas ao governador por telegramas, pelos adversários de Antônio Andrelino, ao menor incidente envolvendo membros da família Pereira, a intervenção nesse processo do Monsenhor Afonso Antero Pequeno, que assumiu uma postura conspiratória, publicando notas nos jornais da capital, alegando que: 

“Dar o poder a Antônio Andrelino, é como dar uma espada para um louco”. 

Como tinha amizade com o Padre Batista Cabral, o qual era membro e tinha força no diretório Dantista estadual, passou o monsenhor a influenciá-lo. Comungando tudo isso a uma postura de conciliação do novo governo, em aproveitar as forças derrotadas, levou rapidamente o Coronel Antônio Alves do Exu à presidência do diretório em Vila Bela, consequentemente a mandar politicamente na cidade e adjacências. Esse ano de 1912 começava realmente nefasto para o clã dos Pereira. Iniciava-se aí a derrocada política e econômica do Coronel Antônio Andrelino, dono da famosa fazenda Pitombeira, herdada do seu pai, o Barão do Pajeú. Os ânimos já bastante acirrados e agora com os Carvalho no poder, isso implicava ter as forças policiais ao seu dispor.
                               
Nessa época, Dona Chiquinha já residia no Barro-CE, com os filhos. O Barro do Major José Inácio de Souza. Manoel Pereira da Silva Filho, o Né Dadu, sempre andava entre o sertão das Alagoas e a ribeira do Pajeú com quatro ou cinco cabras de confiança e era perseguido sistematicamente por membros dos Carvalho em junção com as forças policiais. Os dois clãs familiares eram distribuídos em fazendas, verdadeiros feudos. Os Carvalho tinham na fazenda Barra do Exu, do chefe político Coronel Antônio Alves da Fonseca Barros, o seu “Buck” maior, como também, era sede das discussões políticas. Seguido das Fazendas Umburanas de Jacinto Alves de Carvalho, conhecido por Sindário, Antônio e José da Umburana e a Fazenda Piranhas de Lucas Alves de Barros. Os Pereira com as Fazendas Carnaúba de Manoel Pereira Lins, o Né da Carnaúba e Pitombeira do Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva. Eles eram mais financiadores das empreitadas de defesa e ataque. Entraram no conflito armado em situações extremas, como ocorreu em 1908, quando a Vila de São Francisco foi cercada por grande contingente de jagunços e familiares do Coronel Antônio Alves do Exu, sitiando Né Dadu e vinte e cinco homens que cuidavam da defesa respondendo ao fogo cerrado dos inimigos. Quando os sitiados chegaram a uma situação limite, quase sem munição, chega o socorro salvador dos parentes Manoel Pereira Lins, Antônio Andrelino, Baião Pereira e Cincinato Pereira, com mais de cem homens e após três horas de tiroteio, o cerco é rompido. 

 Sob monumento na Matriz de Santo Antônio do Barro, descansa o corpo de Dona Chiquinha Pereira.

A Vila de São Francisco concentrava os Pereira mais diretamente ligados na vingança, muitos com sobrenome Pereira Valões.  Como era de praxe, a oligarquia que estivesse de cima na política, tinha todas as benesses do poder. Isso só acirrava ainda mais o conflito. É notório, que o acompanhamento de membros da família Carvalho em diligências policiais, geraria constrangimento aos familiares adversários. E foi justamente o que ocorreu em 1915 na Vila de São Francisco, quando Sebastião Pereira, então com 19 anos, foi insultado, agredido por Antônio da Umburana e policiais, como também a sua genitora, Constância Pereira de Sá e uma governanta velha, passando todos por uma situação vexatória.           

No dia 16 de outubro de 1916, Né Dadu é morto covardemente pelo cabra apelidado de Palmeira ou Zé Grande. O assassino tinha trabalhado para os Carvalho e encontrava-se preso por furto. Né Dadu o retirou da cadeia, mesmo os familiares censurando essa sua atitude arriscada e imprudente. Ponderava, alegando que o cabra poderia lhe passar importantes informações sobre os seus inimigos. 

Na primeira oportunidade que teve, Palmeira executou Né Dadu com um tiro de rifle e fugiu na escuridão. A parcialidade de instituições como Polícia e a Justiça eram tamanha, que nem o inquérito policial foi instaurado para apuração do crime. 

...Esse fato extremo foi o estopim final para o
jovem Sebastião Pereira da Silva, então com vinte anos e nove meses, tomar a decisão extrema de formar bando e ingressar no cangaço de vingança.  

Tinha muita disposição para isso, era solteiro e o caçula dos vinte e um irmãos. A princípio, teve o apoio unânime da família. A decisão de migrar para o sul do Ceará, mais precisamente para a Vila do Barro, foi uma atitude pensada, arquitetada, sem o arrebatamento da emoção e da vingança precipitada. A “mão de obra” do trabuco, existente no Cariri Cearense era bastante farta e experiente, como também, o laço de amizade da família Pereira com o Major Zé Inácio de Souza, solidificou-se ainda mais com o casamento da sua filha Virgínia Amélia com José Simplício Pereira, conhecido por Pereirão, neto do Barão do Pajeú e sobrinho do coronel Antônio Andrelino. 

Não entendo qualquer tipo de cangaço, sem a mobilidade necessária. É uma condição “sine qua non” para existência de qualquer bando. Então, Dispondo Sinhô Pereira da proteção importante e de um coito seguro e impenetrável nas fazendas do major José Inácio, isto foi bastante significativo e decisivo para sua militância no banditismo de vindicta, por quase seis anos. Caso tivesse constituído o seu bando com cabras e jagunços das fazendas dos familiares, seria inviável do ponto de vista da mobilidade como falei acima. O bando formado no Barro passou a fazer investidas rápidas contra os inimigos na região do Pajeú e em seguida, retornavam ao coito seguro e impossível de ser molestado naquele momento, dada a força política e o poderio bélico que dispunha o major todo poderoso do Barro.

É evidente, que não existe almoço grátis e, mais na frente, o major José Inácio vai solicitar algum “trabalho” do bando de Sinhô Pereira. O Pajeú pegou fogo no ano de 1917. As investidas do bando comandado por Sinhô e o primo Luis Padre às Fazendas Piranhas e Umburanas foram devastadoras, levando seus donos a migrarem para cidade enquanto organizavam a defesa. Jacinto Alves de Carvalho, o famoso Sindário, constituiu também bando de cangaceiros para defender-se e também investir contra o bando de Sinhô. O governador de Pernambuco, Manoel Borba, mandou para Vila Bela, nesse ano, na tentativa de barrar os sucessivos embates entre o bando de Sinhô e membros da família Carvalho, vários oficiais e um grande contingente de soldados. Os graduados: João Nunes, Teófanes Torres, Optato Gueiros, Lira Guedes, José Caetano, Cardim e Manoel Bigode. 

Teófanes Torres

O bando de Sinhô variava muito o número de componentes, dependendo muito da empreitada a ser cumprida. Quando Luis Padre e Sinhô Pereira tomaram conhecimento do paradeiro do assassino do seu irmão, o famigerado Palmeira, logo rumaram para o Estado de Alagoas na companhia de dois cabras para executar a vingança. Essa foi concretizada à punhaladas pelo próprio Sinhô. Ao retornarem para Vila de São Francisco, tomaram conhecimento que Luiz de França, o assassino do Padre Pereira, estava residindo na Serra Vermelha. Foram incontinenti, fazer-lhes uma “visita”, encontrando-o na hora do jantar. Luiz de França tentou fugir na escuridão da noite, o qual tinha sido ferido à bala, sendo encontrado e morto na manhã seguinte.

É necessário esclarecer, que nessa intriga e luta dos Pereira e Carvalho, não se envolviam todos familiares. Tinham os cabeças, ligados diretamente ao conflito. Os alvos diretos de Sinhô Pereira e Luis Padre, eram: Jacinto Alves de Carvalho, o Sindário, seus irmãos Antônio da Umburana e Mocinho. O Zé da Umburana foi assassinado de emboscada em 1911. O crime não foi atribuído aos Pereira. A vítima tinha deflorado uma moça da localidade São Serafim, hoje Calumbi-PE. Os familiares desta o executaram. João Lucas das Piranhas, esse com parentesco com Pereira. Natinho, João Nogueira, o qual era cunhado de Sinhô, o coronel Francisco Alves do Exu e o irmão Agnelo.  De todos esses inimigos figadais de Sinhô Pereira, só Antônio da Umburana sucumbiu vitimado pela arma pontiaguda do vingador. 

Sinhô teve informações que Antônio da Umburana estava no povoado de Queixada, hoje Mirandiba-PE, então, dirigiu-se até lá com o bando e após várias horas de tiroteio e resistência de Antônio que estava no interior de uma residência, este teve que sair para não morrer queimado após terem ateado fogo na casa. Morreu com várias punhadas desferidas pelo cangaceiro vingador. No ano de 1918, já não era unânime a aceitação dos Pereira, referente às atividades cangaceira de Sinhô e Luis Padre. Existia no seio da família um desgaste psicológico grande, um clima de constante expectativa e sobressaltos, como também, grandes perdas econômicas. Após o falecimento de Dona Chiquinha, no Barro-CE, acometida pela avassaladora epidemia da gripe espanhola, naquele mesmo ano de 1918, resolve os primos: Sinhô Pereira e Luis Padre, abandonar o cangaço e seguirem juntos para o Estado de Goiás. 

 Fazenda do major Zé Inácio do Barro
                        
A viagem transcorria normal até então e, estrategicamente, se dividiram para não despertar a curiosidade de transeuntes ou mesmo de alguma força policial. A intenção era encontrarem-se ainda no Estado do Piauí, próximo da cidade Caracol e seguirem até o destino final, São José do Duro, corruptela de São José D’Ouro, em Goiás, hoje Estado de Tocantins. Porém, o grupo de Sinhô Pereira é surpreendido por uma força policial piauiense, comandada pelo Tenente Zeca Rubens e após dois confrontos sucessivos com baixas em ambos os lados, Sinhô Pereira não teve mais condições de consumar o seu intento, retornando ao palco de guerra no Pajeú e Cariri Cearense.  O crescimento econômico e o poderio político do major José Inácio foram vertiginosos. O seu “modus operandi” é questionável, justificando-se e amparando-se na prática comum à época, que era a deposição de chefes políticos pelo uso da força e atitudes nada civilizadas. 

Na maioria das vezes com a conivência ou omissão do próprio poder estadual, encastelado na capital do estado. Sinhô Pereira já há mais de dois anos dispondo da proteção, munição farta, contingente de homens afeitos àquela profissão, tudo disponibilizado pelo Major José Inácio, é inconcebível que este não se envolvesse nos interesses e questões do protetor e amigo, caso fosse requisitado. Nas ações de interesses do chefe político do Barro, em que tomou partido, desviadas do seu objetivo principal que era a vingança familiar, considero pontuais. Em vinte de janeiro de 1919, na zona rural de Milagres, invade com o bando a casa da senhora Praxedes, viúva do coronel Domingos Leite Furtado, de onde é roubada uma quantia considerável em dinheiro. Um ano depois, vinte de janeiro de 1920, a casa da fazenda do Coronel Basílio Gomes da Silva, localizada no Município de Brejo Santo é saqueada. Este não procurou providências temendo represálias. Dois anos depois, em dezenove de janeiro de 1922, por desavença, interesses políticos e rixa familiar do amigo e protetor José Inácio, Sinhô invade a Vila de Coité, Distrito de Mauriti, reduto e residência do Padre Lacerda, desafeto de José Inácio de Souza. 

 Padre Lacerda

A resistência do povoado é heróica, impossibilitando os invasores de aniquilar o Padre Lacerda que no interior de sua casa com jagunços e amigos, respondeu a altura o intenso tiroteio. Esse episódio é emblemático para a derrocada do Major José Inácio. Iniciam-se as pressões por parte do Presidente do Estado Justiniano Serpa, motivadas por uma enxurrada de denúncias e artigos publicados em jornais da capital, contra o maior coiteiro de cangaceiros de que se tem notícia para as bandas do Cariri. O pacto envolvendo os Estados da Paraíba, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte é concretizado, podendo agora, suas forças policiais ultrapassarem as divisas estaduais em perseguição de bandoleiros, sem a necessidade da autorização prévia. O major José Inácio já planejando retirar-se do seu feudo para terras distantes, arquiteta sua última investida contra os fazendeiros na região de Catolé do Rocha-PB, Waldevino Lobo, Adolfo Maia e Raquel Maia, com o nítido objetivo de usar esse dinheiro em novo domicílio. 

O plano é executado pelo bando de Sinhô Pereira, agregado ao de Ulisses Liberato e muitos cabras do Major. Não chegaram até a fazenda de Raquel Maia. Achou por bem Sinhô Pereira, retornar ao Barro, após saquearem Waldevino Lobo e Adolfo Maia. Logo em seguida, José Inácio é preso, porém, por pouco tempo. Sua fuga, meio que facilitada, encerra-se um capítulo na história coronelística do Cariri Cearense. Os fatos narrados acima ocorreram em um espaço de três anos. Entendo que Sinhô Pereira cometeu muitos “pecados” fora do seu objetivo principal, que era a vingança. Entendo também, que não houve uma transtipificação do seu cangaço, ou seja, não enxergo que tenha feito um cangaço de negócio, meio de vida. O bando não era sustentado com dinheiro de saque. 

 Jorge Remígio

Naquele mundo estranho que foi o cangaço, todos pecaram: Coronéis, Cangaceiros, Coiteiros e Policiais. Com a saída do Major José Inácio do seu território, o cangaço de Sinhô Pereira ficou inviável. As investidas que fazia contra os inimigos no Pajeú e o retorno seguro para o Barro, não existiam mais. 

Lampião praticamente assumiu o grupo no mês de maio de 1922. Não comungo com a ideia de que Sinhô Pereira tenha influenciado no ataque à casa da Baronesa de Água Branca em junho de 1922. Lampião já tinha autonomia sobre o bando. Quando Sinhô parte para sua viagem e abandona totalmente sua vingança, a entrega do bando para Lampião em agosto daquele ano é puro simbolismo. Lampião era detentor do produto do saque em Água Branca. Sinhô teve uma considerável ajuda financeira dos parentes Manoel Pereira Lins e Isidoro Conrado para a sua viagem. O agora ex-cangaceiro partiu ao encontro do primo Luiz Padre e do amigo José Inácio de Souza, com um sentimento de não ter concretizado a sua vingança. Advogo a tese, de que o cangaço é muito mais dependente e ligado ao Coronelismo do que se possa imaginar. Essa ideia vale para qualquer tipo de CANGAÇO.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
- Albuquerque, Ulisses Lins.  UM SERTANEJO E O SERTÃO

- Barreto, Ângelo Osmiro. ASSIM ERA LAMPIÃO

- Carvalho, Rodrigues de. SERROTE PRETO

- Dantas, Sérgio Augusto de Souza. LAMPIÃO, ENTRE A ESPADA E A LEI

- Melo, Frederico Pernambucano de. GUERREIROS DO SOL

- Maciel, Frederico Bezerra. LAMPIÃO, SEU TEMPO E SEU REINADO. vol. I

- Neves, Napoleão Tavares. CARIRI, CANGAÇO, COITEIROS E ADJACÊNCIAS

- Sá, Luiz Conrado Lorena. SERRA TALHADA 250 ANOS DE HISTÓRIA, 

- Sousa, Severino Neto. JOSÉ INÁCIO DO BARRO E O CANGAÇO

- Wilson, Luis. VILA BELA, OS PEREIRAS E OUTRAS HISTÓRIAS

Jorge Remígio

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