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Ensinar, aprender e reportar os territórios do cangaço Artigo por:Josias Silvano de Barros


O fundo maniqueísta primitivo das antigas obras literárias sobre o cangaço e a candidez “matuta” dos artistas populares do Nordeste transformou o cangaceirismo numa fantasia, contada e/ou ensinada como uma lenda. Por um lado, a história de Lampião foi reportada e associada ao imaginário popular, na construção do “super-herói” – tirar do rico para dar ao pobre. Numa outra esfera, a imagem de Lampião foi associada ao bandido cruel, sanguinário e assassino de crianças, dentro outros adjetivos. Neste caso, procuraremos analisar a complexidade que a figura de Lampião assume no contexto territorial do Nordeste brasileiro, sob o âmbito do surrealismo da Literatura de Cordel (utilizamos neste ensaio um total de seis cordéis). Nosso método de trabalho está alicerçado à luz do método de Análise de discurso, haja vista que se trata de um método que tem por base a análise da linguagem. De acordo com Orlandi (2004), a linguagem não é só usada com o objetivo de comunicar e informar literalmente as informações, ela funciona na relação com o político, com a subjetividade, com a ideologia. Assim, interpretamos que a literatura de cordel é uma tradução dos saberes de um povo. A própria memória humana, daí tais narrativas serem carregadas de significados.

O banditismo social do interior do Nordeste brasileiro, caracterizado pelos cangaceiros, tornou-se um marco sócio/cultural para a história da região. Os cordelistas foram os maiores divulgadores das façanhas dos cangaceiros, com ênfase no personagem Lampião. De acordo com barros (2008), o principal intuito destes artistas populares era levar a informação de forma divertida e diferenciada (tirando da alma a arte para perpetuar a sabedoria popular) para milhares de sertanejos que dispunham apenas de conversas entre vizinhos para se manterem informados. Ou seja, faziam o papel de repórteres/jornalistas, com narrativas apoiadas em suas seus imaginários, em suas condições sociais, de forma a endeusar ou endiabrar a figura do rei do cangaço.
O personagem Lampião cumpre o papel de bandido e/ou justiceiro que povoou o sertão nordestino de 1922 a 1938. Época em que a escolha pela vida de bandoleiro podia ocorrer a partir de uma ofensa vingada e seguida de perseguição policial. O isolamento do vingador, nestes casos, seria fatal. Era hora de buscar se fortalecer junto a um protetor respeitado e, assim, a opção mais concreta era “cair no cangaço” e fazer parte de um bando. A partir deste momento, sua vida seguiria um trajeto aventureiro, ousado, incerto, perigoso para si e para quem fosse considerado seu inimigo.

Segundo Barros (2008), Lampião continua vivo na memória dos literatos. Para o nordestino pobre é um herói, e continuará a sê-lo, o paladino da justiça, o simplesmente, o Robin Hood da Caatinga sertaneja. Certamente, o “bandido não só é um homem, como também um símbolo”. (HOBSBAWM, 1975 p.128). Símbolo distorcido de uma reação a uma situação real, lances de coragem, ações e grande estratégia, revelavam enorme inteligência. Ele vivenciou sua condição de lenda em plena juventude.
Diante do exposto, buscamos no surrealismo da Literatura de Cordel uma resposta para a complexidade que a figura de Lampião assume no contexto do Nordeste a partir das diferentes narrativas desencadeadas pelos artistas populares do Nordeste (neste caso, o cordelista) como forma de veiculação das notícias corriqueiras. Portanto, procuraremos compreender a concepção da literatura de cordel, enquanto narrativa de comunicação, assim comoidentificar os arquétipos do exorcismo do cangaço que conferiu ao cangaceiro a estátua de herói/bandido épico que transformou em ícone a imagem de Lampião.
Neste viés, procuraremos desenvolver uma maior reflexão, através de fatos políticos, econômicos e sociais, os valores culturais que alimentam na imaginação popular do ator/cordelista – na antologia do mito do cangaço –, a construção de uma representação simbólico/maniqueista e/ou dualista do personagem Lampião.

Breves considerações teóricas...
Entre as diferentes manifestações culturais e históricas da região nordestina, está a literatura de cordel, que propaga os aspectos folclóricos, na medida em que expõe diversos costumes, personagens (sejam eles imaginários ou reais), crenças, fábulas, histórias e tradições. E, para tanto, se utiliza de uma linguagem variada. Em alguns casos, utilizando-se do humor e da sátira, para expor seus objetivos. Isto é, para abordar diversas temáticas do cotidiano das pessoas (SILVA et al..., 2010, p.7).
Nosso estudo está relacionado à complexidade que a figura do personagem Lampião assume no contexto social do Nordeste brasileiro, à luz da Literatura de Cordel. Neste caso, nos pautaremos em alguns discursos da literatura popular para tentar compreender a epopeia do cangaço enquanto narrativa de comunicação. Para tanto, nos respaldaremos nos artistas populares, em especial aqui, o cordelista – aquele que escreve a Literatura de Cordel – para nos aproximarmos dos arquétipos do exorcismo do cangaço que conferiu a Lampião a estátua de herói/bandido, ou seja, um ícone nacional.

Através do cordel, o poeta põe em relevo desde as agruras do povo nordestino, que se materializam através da fome, de tensões sociais, de pobreza e de dificuldades de condições sociais, até a riqueza artística e cultural, imanentes ao povo da região. Mesmo diante das adversidades, o poeta de cordel não perde de vista sua sensibilidade poética, o que lhe permite inventar e reinventar, no texto cordelino, o que percebe no mundo social e o que compreende dele, de modo a levar ao seu público os dilemas que nele existem, sem, no entanto, deixar de imprimir aos versos uma beleza estética (ARAÚJO, 2007, p. 23-24).
Diante da materialidade dos folhetos de cordéis identificamos um discurso representativo dos temas mais vivenciados pelos atores nordestinos. “Ela reflete as vivências, a imaginação, a fé, a devoção do povo nordestino e, por conseguinte, possibilita a investigação dos mais diversos processos culturais” (SILVA,etal..., 2010, p.6). Haja vista que nos estudos sobre o cordel cada procura traz marcas da época em que se foi feito.
Desde o ciclo do cangaceiro transformado em herói ou com a sua revolta justificada, até a atual substituição das aventuras daqueles personagens “por estórias de sertanejos valentes, ao mesmo tempo que os reis foram transformados em fazendeiros ou senhores de engenho” e os encontros com a polícia “em luta com vigias e capangas”, há indícios de uma reação, que situa – “contra a aplicação da justiça no interior brasileiro” e contra a polícia, “às vezes com métodos muito mais nocivos do que dos próprios cangaceiros” (BELTRÃO, 2001, p. 153-154).
Desta feita, a poesia do cordel é contada em forma de verso, porém com toda uma ideologia simbólica da tradução de um território secularmente reconhecido pelos desacertos sociais, pelas secas permanentes, pelas peculiaridades locais e pelo dualismo social, o território nordestino. De acordo com Silva (2008), o cordel seria uma forma de tradução da vida e dos valores nordestinos, ou melhor: as vozes e (inter) discursos que constituem as representações sociais do Nordeste.
A comunicabilidade dos folhetos agregava pessoas e, com isso, eram disseminadas informações sobre uma variedade de assuntos. O cordel, além de ser utilizado como deleite, funcionava, sobretudo, como uma forma de ensinar para o povo um conhecimento que provinha dele mesmo (ARAÚJO, 2007, p.26).
Os cordéis, folhetos e livretos possuem uma carga simbólica que nos remetem a uma visão positivista do Nordeste do Brasil. Ao mesmo tempo, as características de tais traduções culturais estão relacionadas a uma tradição oral, em que a sua forma escrita busca preservar a oralidade do povo sertanejo, devido ao fato do cordel ser feito não apenas para ser lido, mas sim para ser ouvido, e construído por quem produz do povo e para o povo.


Atuando na vida cultural nordestina, o poeta de cordel expressa, em seus folhetos, sua sensibilidade diante do mundo. Ele também imprime, nesses poemas, de forma crítica ou mesmo conservadora, características próprias de seu fazer poético. Um fazer calcado em experiências de vida, que se materializam nos textos e nos versos, através da representação, interpretação e compreensão do cotidiano de homens e mulheres comuns (ARAÚJO, 2007, p.23).
Neste caso, compreendemos o cordel como a conectividade para a rede da memória, reflexo da escolha coletiva, como também narrativas de reportagens de época, protagonizadas por um poder paralelo ao Estado, o poder dos cangaceiros. Portanto, o cordel seria o elemento representativo da cultura popular nordestina, já que, em nosso caso, temos uma ideia baseada na subjetividade e na identidade do narrador, o cordelista, que reportou as aventuras do cangaceiro Lampião num complexo dualismo de imagem social (vingador/justiceiro, herói/bandido), diante da condição teatral do palco místico chamado sertão.
Considerações finais...
Os cordelistas imortalizaram a figura de Lampião, tornando-o “herói” nacional. Quase que unanimemente todos os cordelistas escreviam sobre a vida dos cangaceiros, o que até os dias atuais ainda acontece. E foi na antologia do cangaço que Lampião “se tornou rei absoluto e que lhe forneceu o passaporte para a imortalidade pelas vias da história, da literatura e do folclórico” (MELLO, 1993, p. 96).
Os folhetos, pertencentes à literatura de cordel, são o jornal, o romance do trabalhador da zona rural... narram feitos de heróis ladinos...falam de sertanejos valentes e da vida de cangaceiros célebres, contam estórias de Trancoso, apresentam romances de amor de final feliz, registram acontecimentos importantes da região...neles estão registrados as impressões do povo a respeito de acontecimentos sucedidos no município, no Estado, em todo país...a maneira de ver e analisar os fatos sociais, políticos, religiosos da gente rude...denunciando costumes, preferências e julgamentos (BELTRÃO, 2001, p. 155). Neste viés, a literatura de cordel consiste num recurso de comunicação popular, uma vez que aborda fatos do dia a dia das pessoas e, sobretudo, retrata aspectos culturais de determinada região. “O poeta-jornalista resume, sintetiza, com o mesmo objetivo: tornar acessível à compreensão da massa rude um tema difícil que, na linguagem oficial, ficaria ignorado” (BELTRÃO, 2001, p. 159). Portanto, de acordo com Silva (2008), no âmbito discursivo, as condições de produção envolvem uma conjuntura social, cultural, política, histórica e ideológica; na situação enunciativa, implicam um sujeito que fala ao outro, via cordel.
Segundo Araújo (2007), “nas complexas redes de relações sociais e culturais tecidas no cotidiano, os saberes e as práticas produzidos pelos sujeitos sociais encontram no cordel sua visibilidade, pois essa forma de poesia narrativa em verso fala, quase sempre, das pessoas ordinárias, comuns e de suas vivências” (ARAÚJO, 2007, p. 30). O cordel, representação do Nordeste, fala de sua gente, de seu sofrimento, de suas humilhações, de seus sonhos... há muito tem influenciado romancistas brasileiros, a exemplo de José Lins do Rego, “Cangaceiros” (1953); de Graciliano Ramos, “Vidas Secas” (2000), e Ariano Suassuna, “A Pedra do Reino” (2005).


Ao fornecer meios para a interpretação e compreensão da sociedade, o cordel tem representado não só o Nordeste, mas também, o Brasil, através dos conteúdos que tematiza. Têm sido múltiplos os caminhos dos folhetos de cordel, porque elaboram desde histórias fantasiosas, passando por aquelas em que os poetas populares ainda se pautam numa visão mais conservadora da sociedade e da cultura, até outras que apresentam uma postura mais crítica do mundo e da vida (ARAÚJO, 2007, p. 214).
Numa esfera mais ampla, podemos interpretar que Lampião continua vivo na memória dos literatos. Para o nordestino pobre é um herói, e continuará a sê-lo, o paladino da justiça, ou metaforicamente, o Robin Hood da Caatinga sertaneja, já que nos discursos da literatura popular há a possibilidade de interpretação do surrealismo as situações reais. Portanto, de acordo com Beltrão (2001), o Rei – personagem todo poderoso, senhor de riquezas e terras, comandantes de exércitos e distribuidor de benesses e castigos é substituído pelo “coronel do sertão”.
É o surrealismo, o mito e a lenda do cordel que constituem a dimensão sócio/cultural da força da literatura regionalista (BARRO, 2008). Assim, o personagem Lampião assume relevante papel no marketing de representação do cangaço, nos relatos dos cordelistas. Não obstante, a literatura de cordel seria a tradução dos saberes do povo. Seria a própria memória humana, daí tais narrativas atravessarem o tempo e o espaço e nos trazerem hoje, revestidos de representações e territorialidades, em pleno século XXI, valores de uma realidade dos fins do século XIX e início do XX.
Lampião vivenciou sua condição de lenda em plena juventude.
Josias Silvano de Barros é geógrafo e estudante de Comunicação Social, Gurinhém/PB                                  Artigo apresentado no 8º Seminário “Os Festejos Juninos no contexto da Folkcomunicação e da Cultura Popular”, Campina Grande (PB), 2011, na modalidade Comunicação Científica
Fonte:http://www.observatoriodaimprensa.com.br

O Ceará de Nogueira Accioly: O poder em Fortaleza Parte 3 Por:Manoel Severo

Passeata das Crianças: Revolta Urbana de 1912 pelas ruas de Fortaleza

Voltemos a janeiro de 1912, mês em que se consagraria o movimento de derrubada da oligarquia acciolina, comandada por vinte anos (1892 a 1912) com punhos de aço pelo senador e presidente do Ceará, Nogueira Accioly, cabe um capítulo interessante para comentarmos a base de apoio de Accioly na capital cearense: Interventor Guilherme Rocha.

Interventor Guilherme Rocha

Guilherme Rocha era natural de Fortaleza, coronel da Guarda Nacional, chegou a ser presidente da Câmara Municipal e vice-presidente do estado do Ceará; por todo o período em que Nogueira Accioly mandava no estado, Guilherme Rocha se manteve no poder, inclusive se perpetuando como interventor da capital entre os de 1892 a 1912, exato período da absoluta supremacia acciolina do Ceará.

Se por um lado o governo de Accioly foi marcado por desmandos e descasos de toda sorte, a passagem de Guilherme Rocha pelo governo de Fortaleza foi marcado por um conjunto de obras físicas que se consagraram até os dias de hoje. A preocupação do interventor em embelezar a cidade acabou proporcionando a construção de prédios públicos e praças que marcariam a capital cearense por muito tempo, como os jardins das praças do Ferreira, Sé, Coração de Jesus e do Carmo, igrejas com o "Pequeno Grande" e do "Carmo" sem falar no majestoso e famoso Teatro José de Alencar, na antiga praça Marques de Herval, hoje praça José de Alencar. Dizia-se que o governante queria imprimir um "jeito europeu" de viver, na capital cearense.

Teatro José de Alencar, uma das fantásticas obras de Guilherme Rocha

Apesar de nomeado intendente já na época da república (1892) , Guilherme Rocha, copiando seu chefe político; Nogueira Accioly; também teve sua vida pública iniciada bem antes, quando no império já era Cônsul da Bélgica, além de vereador e presidente da câmara municipal .  Com a proclamação da república assumiu o cargo de agente do Loyde Brasileiro em Fortaleza além de Comandante Superior da Guarda Nacional, sendo um dos sustentáculos do Partido Republicano Federal liderado por Accioly, que haveria de eleger toda a bancada para a Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa.  


Fuga de Nogueira Accioly após levante de 1912

Ao final dos três dias em que a capital cearense tornou um verdadeiro campo de batalha, de 21 a 24 de janeiro de 1912,  dois dos principais alvos dos oposicionistas foram as casa de Nogueira Accioly ; localizada na esquina das ruas 24 de maio e Tv Municipal (hoje rua Guilherme Rocha) ; e a do intendente da capital, Guilherme Rocha que ficava na praça do Liceu. Ambas foram incendiadas pela população enfurecida.

Guilherme Rocha caiu junto com seu líder Nogueira Accioly em Janeiro de 1912, caia ali o mais longo governo que a capital cearense iria conhecer: 20 anos. Guilherme Rocha, nascido em 1846 viria a morrer 16 anos após a revolta de 1912, em Fortaleza em julho de 1928.

Continua...

Manoel Severo
Cariri Cangaço

Perfil de Joaryvar Macedo Por:Dimas Macedo

Joaryvar Macedo

Falar da personalidade e, principalmente, da obra literária e historiográfica de Joaryvar Macedo constitui tarefa que dignifica e ao mesmo tempo põe em desafio a argúcia do intérprete, vez que estamos a tratar de um homem de letras que “notabilizou-se como um dos mais autênticos pesquisadores da história do seu Estado”.  

Considerado por Raimundo Girão como sendo “o mais abalizado historiador do sul do Ceará”, Joaryvar Macedo nasceu no Sítio Calabaço, a oito quilômetros da cidade de Lavras, aos 20 de maio de 1937, sendo filho de Antônio Lobo de Macedo, poeta popular e político influente em seu município, e de Maria Torquato Gonçalves de Macedo.

Na terra natal estudou as primeiras letras com as professoras Teresita Bezerra, Irony Gonçalves, Adelice Macedo e Nícia Augusto Gonçalves, entre outras. Posteriormente, foi aluno do Seminário Diocesano do Crato e do Seminário Arquidiocesano de Fortaleza, cursando inclusive Teologia nos Seminários Arquiepiscopais de Olinda, Recife e João Pessoa. Em 1965, ingressou na Faculdade de Filosofia do Crato, por onde se licenciou em Letras, colando grau aos 7 de dezembro de 1968, sendo na oportunidade orador oficial da turma, possuindo ainda curso de pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Católica de Salvador.


Depois de formado, abraçou a carreira do magistério, principalmente como professor da Faculdade de Filosofia de Crato e de vários estabelecimentos de ensino de Juazeiro do Norte. Ensaísta e historiador, em 1974 fundou o Instituto Cultural do Vale Caririense, que dirigiu por mais de uma década e do qual foi aclamado presidente perpétuo, dedicando-se, como pesquisador, aos estudos da formação étnica, histórica e cultural do Cariri.

Sendo admirável “a extensão de sua cultura e a perseverança de suas linhas de pesquisa, qualidades que escondia atrás de uma personalidade simples e de aparência tímida”, como bem acentuou o escritor Murilo Martins, o certo é que Joaryvar Macedo, “revelando uma excepcional tendência para a pesquisa histórica, sua atuação nessa área logo se mostrou tão ampla e profunda, que se passou a ver na projeção do seu trabalho um desdobramento da escola instaurada por Irineu Pinheiro e padre Antônio Gomes de Araújo, fixando-se neste último a sua linha de ação”, consoante a observação de F. S. Nascimento.

Sobre a evidência de ser Joaryvar Macedo o representante mais legítimo e o mais profundo continuador da escola histórica do Cariri, em 1984, no meu livro Leitura e Conjuntura, eu já havia afirmado o seguinte com relação à sua envergadura de intelectual: “Joaryvar Macedo é um escritor inquieto, porém um homem polidamente tratável. É valor maior das letras sul-cearenses no momento atual, porque, quem começar a leitura da história da Região Caririense pelas obras de Irineu Pinheiro, e resvalar pelos ensinamentos do padre Antônio Gomes de Araújo, terá fatalmente que ancorar nos seus trabalhos históricos sobre a conquista, o povoamento e a formação étnica e social do ubertoso vale”.


Manoel Severo e Dimas Macedo no Cariri Cangaço Lavras da Mangabeira


Além de farta produção em jornais e revistas do Ceará e de outros Estados, publicou Joaryvar Macedo os seguintes livros: Caderno de Loucuras – 1965; Discurso de Orador Oficial da Turma (1968); Apresentação de Fagundes Varela (1971); Os Augustos (1971); Otacílio Macedo (1972); Um Bravo Caririense (1974); O Poeta Lobo Manso (1975); Templos, Engenhos, Fazendas, Sítios e Lugares (1975); A Estirpe da Santa Teresa (1976); Pedro Bandeira, Príncipe dos Poetas Populares (1976); Fagundes Varela e Outros Rabiscos (1978); Influência de Portugal na Formação Étnica e Social do Cariri (1978); Origens de Juazeiro do Norte (1978); Presença Inconcursa de Norte-Rio-Grandenses na Colonização do Cariri (1979); Composições Poéticas de Hermes Carleial (1979); O Contingente Paraibano na Colonização do Cariri (1980); Autores Caririenses (1981); Lavras da Mangabeira – dos Primórdios a Vila (1981); Alencar Peixoto, Um Clássico (1981); Pernambuco nas Origens do Cariri (1981); Orações Acadêmicas (1983); O Talento Poético de Alencar e Outros Estudos (1984); São Vicente das Lavras (1984); Um Vernaculista e um Poeta (1985); Povoamento e Povoadores do Cariri Cearense (1985); Discursos Acadêmicos (1986); Lavras da Mangabeira (1986); Temas Históricos Regionais (1986); Ocorrências e Personagens (1987); Antônio Lobo de Macedo: o Homem e o Poeta (1988); Império do Bacamarte (1990); Ensaios e Perfis (2001); e Na Esfera das Letras (2010).

Da bibliografia acima, dois livros tão-somente seriam suficientes para dignificar a reputação de Joaryvar Macedo como um dos nossos grandes historiadores. Trata-se de A Estirpe da Santa Teresa e de Império do Bacamarte, sem a necessidade de outros comentários, bastando mencionar que, com essa última obra, Joaryvar Macedo “estabeleceria um novo marco na historiografia política no nosso Estado, oferecendo aos cientistas dessa área e aos estudiosos dessa temática sociológica o mais completo ensaio do gênero até hoje escrito no Nordeste brasileiro”, ainda segundo F. S. Nascimento.

Joaryvar Macedo consolidou sua formação cultural estabelecido numa região e tratando quase que exclusivamente da temática histórica do Cariri, o que não o impediu de ter “uma visão histórica do Brasil através da região em que viveu”. Transferindo-se para Fortaleza, em 1983, desempenhou, inicialmente, o cargo de Assessor do Presidente do Conselho de Educação do Ceará. Em seguida, viria a exercer as funções de Secretário de Cultura e Desporto do Estado do Ceará e as de Presidente do Conselho Estadual de Cultura, tendo sido eleito, em 1986, para a Academia Cearense de Letras, e, posteriormente, para o quadro dos sócios efetivos do Instituto do Ceará.

Região do Cariri, sul do estado do Ceará

Professor da Universidade Regional do Cariri – URCA e chefe do seu Escritório em Fortaleza, Joaryvar Macedo foi ainda membro do Conselho Estadual de Educação. Foi, outrossim, um dos raros escritores cearenses a ser agraciado, pelo Governo do Estado, com a Medalha José de Alencar, honraria máxima a que um intelectual pode aspirar na Terra de Iracema. Sócio efetivo, correspondente ou honorário de várias instituições culturais, nacionais e internacionais, e detentor de vários tributos e comendas, Jorayvar Macedo faleceu em Fortaleza, aos 29 de janeiro de 1991, constituindo a sua morte uma das perdas de monta para a nossa cultura literária e historiográfica.

Em vida, foi Joaryvar Macedo a própria história do Cariri se movimentando, expressando-se em gestos e palavras, dimensionando-se nas páginas dos livros e opúsculos que nos legou e nos trabalhos esparsos respingados na imprensa caririense e na Revista do Instituto do Ceará, cujas páginas enriqueceu com a percuciência das suas observações. “Homem calmo, de sólida cultura, não sabe fazer alarde pessoal dos seus conhecimentos. É valor autêntico da cultura caririense que começa a espraiar-se por aí afora”. Dele disse o saudoso escritor J.de Figueiredo Filho quando, em data solene para a história das letras sul-cearenses, o recebeu como membro efetivo do Instituto Cultural do Cariri.

Sem nenhuma dúvida, foi Joaryvar Macedo uma das personalidades mais ilustres das letras cearenses e um dos mais eruditos historiadores do Ceará, cuja formação histórica pesquisou com a argúcia e o devotamento de um beneditino. Em todos os seus trabalhos de pesquisa Joaryvar Macedo primou por um estilo eloquente. E sempre que expendiu juízos em torno de fatos históricos ele o fez com a melhor clareza de raciocínio. A sua linguagem literária revela-se, em todo o seu percurso, recheada de filamentos retóricos, demonstrando-nos o seu autor possuir a dotação de um clássico, sendo ele um moderno.

Dimas Macedo
Fonte: http://dimasmacedo.blogspot.com.br/

Eu Não Estou Aqui Por:Renato Casimiro

Jonasluis, Manoel Severo e Renato Casimiro

A recente celebração do centenário de morte da beata Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo (Joazeiro: *24.05.1862; +17.01.1914) teve como um dos momentos mais simbólicos a cerimônia na qual a beata teria nova sepultura. Consultado sobre a placa que encima o local, sugeri uma paráfrase ao epitáfio do grande poeta Mário Quintana: “Eu não estou aqui!” A isto, acrescentaríamos: “Aliás, eu estou aqui!” Tal aconteceu, e assim está lá. 

Moveu-me o intento, felizmente aceito, de que com isto ainda mais nos lembraremos com frase tão emblemática, não só a memória poética, mas a certeza da ressurreição e da imortalidade da alma. De outra sorte, ao agregar o “eu estou aqui”, queremos firmar o nosso entendimento de que Maria de Araújo, por exemplo e vida, especialmente ao longo de amplo período de esquecimento, e da violência cometida, está ali, sim, pois não é admissível a negação de um derradeiro palmo de terra para o seu “repouso eterno”. 

Beata Maria de Araujo

O caso de Maria de Araújo, visto pela intolerância clerical de sua época, levou a infeliz a se tornar este ser histórico que se arrasta pelos séculos, como uma mulher sem túmulo. Até 22.10.1930, sabia-se que seus restos mortais estavam ali, na entrada da Capela do Socorro, ao lado direito, ao pé da parede, em modesto túmulo registrado em foto da época. Naquela data o ato violento, autorizado pelo Diocesano de então, converteu-se em crime hediondo perante os olhares do Patriarca e, ao tempo, pela indignação de cidadãos honrados, de povo e estudiosos que se deixaram ficar reflexivos sobre a triste sina deste infortúnio. Estranho é que, passados tantos anos, a homenagem aceita pela própria Igreja do Cariri se faz sob o mesmo clima marginal de então, ao pé do muro da Capela, mas agora externamente. 

Cabe a esta mesma Igreja esclarecer a este povo o que foi determinado há 83 anos. Se o vigário José de Lima o fez mediante imposição do diocesano, pode ser que haja correspondência ou algum relatório. Contudo, o único documento competente, firmado em cartório (03.12.1930) pelo protesto de cidadãos juazeirenses, assegura que ali já não encontrava quase nada, a não ser uns poucos resíduos do caixão, do crânio da beata, de sua vestimenta e adornos, postos em um vaso de vidro, mas também sem indicação de destino. Quanto ao procedimento instruído pelo vigário, é pouco provável que tenham posto em algum outro túmulo, mas aberto uma outra vala, sem qualquer identificação para o futuro. 


Sabe-se que até fotógrafo integrava o grupo que inspecionou o local após a violação. Mas, caprichosamente não há uma só imagem a propósito do interesse dos protestantes. Na comemoração do centenário, a própria Igreja do Cariri, reconheceu a mártir, lhe deu vivas e proclamou suas virtudes e heroismo. Mais que isto, é dever desta mesma Igreja, já que recentemente se preocupou com isto, proceder a uma “busca arqueológica”, não em jazigos autorizados do campo santo, mas no ambiente da Capela, exatamente no local tão reconhecido, o da sepultura original. Qual é a angústia e o escrúpulo prevalentes? Sem dúvida, a pauta existente na Sagrada Congregação e que nos remete à expectativa de uma revisão de todo o processo, com a ansiosa espera por uma reabilitação, também deverá ensejar, obrigatoriamente, um novo olhar de piedade cristã sobre a serva tão fiel.    

Renato Casimiro

Fonte: http://colunaderenato.blogspot.com.br/

O Ceará de Nogueira Accioly Parte 2 Por:Manoel Severo

Faculdade de Direito, criada no governo Pedro Borges, sob as bençãos do senador Nogueira Accioly
É imperioso quando se fala na oligarquia Acciolina da primeira metade do século passado no Ceará, que se compreenda a conjunção de forças que a nutria e a mantinha viva. Na verdade, sua principal base de sustentação veio da política dos governadores e o forte apoio dos coronéis do interior do Ceará, sua forte influência na Assembléia Legislativa, sem falar da vital aliança com determinados grupos econômicos, que se encarregavam de formar o arcabouço perfeito para sustentar o apoio a Nogueira Accioly.

Rodolfo Teófilo

O nepotismo e a agressiva repressão a seus oposicionistas era também ponto forte do poder Acciolino, um desses episódios que ficarão marcados na história desse período foi o "Caso das Vacinas", quando na oportunidade da epidemia de varíola no Ceará se destacou o trabalho de Rodolfo Teófilo; farmacêutico, contista, romancista, poeta e documentarista; ferrenho opositor de Accioly, que o acusava de desmoralizar a autoridade do governo por estar totalmente alheio ao sofrimento pelo qual o povo passava, enquanto que Teófilo juntamente com a esposa e colaboradores haviam vacinado perto de duas mil pessoas em Fortaleza, fazendo com que em 1902 não tivesse havido um único caso de varíola na capital cearense. 

Outro episódio emblemático do período Acciolino foi sem dúvidas o que veio a se chamar o "Pacto dos Coronéis", perpetrado por potentados de dezessete municípios do interior cearense e que teve em Padre Cícero um de seus mais importantes protagonistas.


Tela representando o que teria sido o Pacto dos Coronéis

No ano de 1911, exatamente um ano antes da derrocada de Accioly, seu poder já dava claros sinais de fraqueza influenciado por muitas questões, inclusive disputas internas entre as facções que lhe davam apoio no interior do estado, sobretudo a luta internas nos municípios travada pelos chamados "coronéis de barranco".

Observando a situação e movidos pela necessidade de sobrevivência política, reuniram-se em Juazeiro do Norte em 04 de outubro , coronéis e lideranças de dezessete municípios cearenses, com destaques para a região do cariri, representada ali por seus principais mandatários, como: Padre Cícero e Floro Bartolomeu, por Juazeiro; Cel. Santana de Missão Velha, Major Zé Inácio do Barro, Antônio Luiz Alves Pequeno de Crato,  Coronel Cândido Ribeiro Campos, de Aurora e João Augusto de Lima de Lavras da Mangabeira, dentre outros. Ali firmariam um pacto de harmonia e não agressão entre si e apoio incondicional a Nogueira Accioly. 


"Art. 9° Manterão todos os chefes incondicional solidariedade com o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Acioli, nosso honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecerão incondicionalmente suas ordens e determinações."

Desde o início do século, nos idos de 1900 que no cariri cearense os apoiadores de Accioly, potentados locais e grandes coronéis viviam se digladiando entre si, tomando e retomando o comando das cidades "em armas", o que de alguma forma também começava a colocar em risco o poder central no Ceará, representado por Nogueira Accioly. 

O referido pacto da amizade, que inclusive foi registrado no cartório de Juazeiro do Norte (artigo 9º em destaque acima) nasceu como uma forma simbólica de mostrar "civilidade" em tempos do "império do bacamarte". O Pacto dos Coronéis acabou se configurando em dos mais importantes episódios que retratam o coronelismo nordestino e brasileiro, mesmo não tendo conseguido seu intento principal que foi o de evitar o conflito armado entre as principais lideranças interioranas no estado, como no caso de Crato e Juazeiro na guerra de 14.

Cel Santana, de Missão Velha, um dos protagonistas do Pacto dos Coronéis e um dos principais apoiadores de Accioly no cariri.


Transcrição da Ata de Abertura do Pacto dos Coroneís...

"Aos quatro dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e onze, nesta vila de Juazeiro do Padre Cícero, Município do mesmo nome, Estado do Ceará, no paço da Câmara Municipal, compareceram à uma hora da tarde os seguintes chefes políticos: Coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe do Município de Missão Velha; Coronel Antônio Luís Alves Pequeno, chefe do Município do Crato; Reverendo Padre Cícero Romão Batista, chefe do Município do Juazeiro; Coronel Pedro Silvino de Alencar, chefe do Município de Araripe; Coronel Romão Pereira Filgueira Sampaio, chefe do Município de Jardim; Coronel Roque Pereira de Alencar, chefe do Município de Santana do Cariri; Coronel Antônio Mendes Bezerra, chefe do Município de Assaré; Coronel Antônio Correia Lima, chefe do Município de Várzea Alegre; Coronel Raimundo Bento de Sousa Baleco, chefe do Município de Campos Sales; Reverendo Padre Augusto Barbosa de Meneses, chefe do Município de São Pedro de Cariri; Coronel Cândido Ribeiro Campos, chefe do Município de Aurora; Coronel Domingos Leite Furtado, chefe do Município de Milagres, representado pelos ilustres cidadãos Coronel Manuel Furtado de Figueiredo e Major José Inácio de Sousa; Coronel Raimundo Cardoso dos Santos, chefe do Município de Porteiras, representado pelo Reverendo Padre Cícero Romão Batista; Coronel Gustavo Augusto de Lima, chefe do Município de Lavras, representado por seu filho, João Augusto de Lima; Coronel João Raimundo de Macedo, chefe do Município de Barbalha, representado por seu filho, Major José Raimundo de Macedo, e pelo juiz de direito daquela comarca, Dr. Arnulfo Lins e Silva; Coronel Joaquim Fernandes de Oliveira, chefe do Município de Quixadá, representado pelo ilustre cidadão major José Alves Pimentel; e o Coronel Manuel Inácio de Lucena, chefe do Município de Brejo dos Santos, representado pelo Coronel Joaquim de Santana."

Continua...

Manoel Severo
Cariri Cangaço

Patos e a Revolução de 1912



Com relação a esse movimento existem discordâncias entre historiadores sobre os verdadeiros heróis e bandidos. Sabe-se que o Presidente Hermes da Fonseca insuflava as “derrubadas” e Pernambuco como o Ceará, havia caído ou estavam prestes a isso. O Coronel Rego Barros foi a Taperoá prometendo apoio maciço do Exército e se forma o complot com Augusto Santa Cruz e Franklin Dantas no centro, a família de Valdivino Lobo no Oeste e Cunha Lima no Brejo. Os últimos falharam cientes, talvez, de que Epitácio Pessoa havia conseguido do mandatário maior a desautorização do militar.


Em 24 de maio de 1912, a cidade de Patos foi invadida, às 02:00 horas da tarde, por um bando indisciplinado de 496 cabras armados, a serviço de Franklin Dantas e Augusto Santa Cruz, adeptos da candidatura do Coronel Rego Barros ao Governo do Estado. De todos os atos praticados pelos revolucionários paraibanos esse foi o mais grave, uma vez que além de atacar o comércio os invasores roubaram dinheiro e jóias. Lojas foram saqueadas, os instrumentos da banda destruídos, os fios do telégrafo cortados. Apenas 16 soldados, comandados pelo Alferes Ramalho, se encontravam no local, os quais fugiram amedrontados com o contingente de malfeitores, fortemente armados.

Augusto Santa Cruz

A única reação esboçada contra os revoltosos ocorreu na torre da Igreja da Conceição, sustentada por Dedé César, Heráclito Porto, José Alcides Ribeiro, Chico Pintor e Manoel Tauá. Saíram tiros, ainda, da casa do Coronel Miguel Sátyro, dados pelo cabo José Batista, Alexandre Enéas e o sargento Quininho. 

Os saques, os roubos e as depredações ficaram a cargo do Negro Vicente, Júlio Salgado e outros. Um dos mais prejudicados no episódio foi o comerciante José Jerônimo de Barros Ribeiro. Algumas residências foram obrigadas a abrigar muitos dos revolucionários e ao deixar a cidade, em 12 de junho, os cabras deram banho em seus cavalos com perfumes importados roubados das prateleiras dos estabelecimentos comerciais.

Esse movimento provocou várias discordâncias entre dois historiadores: Nelson Lustosa Cabral que taxou os seus integrantes de criminosos no livro “Paisagens Sertanejas”, e José Permínio na publicação “Retalhos do Sertão”, que através de crítica contundente, inverteu os escritos do conterrâneo, atribuindo assassinatos e destruições a acerto de contas em fatos paralelos: “Era recente o crime de morte praticado por Meirinha, neto de Roldão Meira e José Jerônimo de Barros Ribeiro, contra José Paulo, membro da família Montenegro. Os irmãos da vítima, inconformados com o crime sem punição, vinham no grupo e arrombaram a casa comercial do avô do assassino que não foi executado inapelavelmente por não estar presente. Já a casa de molhados, pertencente a Josias Álvares da Nóbrega, foi danificada pelo seu inimigo, Joaquim Monteiro. Quanto ao estabelecimento de massas alimentícias do seu saudoso pai, de nada me lembro; é possível tenha razão o ilustre escritor, mesmo porque, não era brincadeira arranjar ração para quatrocentos homens, e as bolachas do Major Xixi eram tão gostosas...”. 

Patos no estado da Paraíba

No intensivo tiroteio o velho Francisco Caetano amarrou um pano branco na haste do seu guarda-sol, aberto em frente às balas, com a calma e tranqüilidade que sempre lhe fora peculiar. Desceu a Praça da Igreja Velha e foi ao encontro do Dr.Franklin Dantas, seu amigo, que se encontrava próximo ao rio Espinharas e intercedeu pela cidade e os rapazes cercados na torre, ainda resistindo, sendo atendido com a ordem de cessar fogo e reconhecido como o grande herói da luta. 

Dizendo-se admirado com o comportamento ordeiro dos mais de 400 homens, sem nenhuma disciplina militar ou qualquer preparo bélico, intitulando-os de revolucionários ao invés de bandidos e citando entre mortos e feridos apenas um Jerico, o escritor José Permínio Wanderley, não conseguiu esconder sua indignação e revolta em meio ao comportamento de Nelson Lustosa Cabral, lhe dirigindo as seguintes indagações: “Por que o memorialista, tão candente e fantasioso na exposição dos fatos atinentes à revolta de 12, com sua dialética possante, sua inteligência privilegiada, sua memória feliz, não profligou os desmandos, as perseguições, o terror mesmo, implantados em nossa terra pelo então capitão Augusto Lima e sua volante? Por ventura não se lembrou da prisão absurda do Tenente Leôncio Wanderley, homem inofensivo, às caladas da noite, na fazenda de seu venerando pai, só pelo crime absurdo de ser cunhado do Dr. Franklin Dantas? E a perseguição pertinaz ao velho Miro Dantas, filho do primeiro prefeito de Patos, homeopata caridoso e manso, culminando com o suplício incrível de um agregado impelido a comer cigarros de fumo bruto, tudo pelo nefando crime de ser Mira membro da família Dantas? E as surras diárias por qualquer bagatela? E o assassinato frio, desumano, dentro da cidade, do mestre Felinto? E a prisão e sevícias de Francisco Queiroz?”

O Ceará de Nogueira Accioly Parte 1 Por:Manoel Severo

Nogueira Accioly
A mais longa e emblemática oligarquia da velha república no Ceará teve como principal protagonista Antônio Pinto Nogueira Accioly, que durante mais de dezesseis anos comandou com mão de ferro e um aguçado senso de sobrevivência política os destinos do Ceará em um dos mais conturbados e violentos períodos políticos da república.
Nogueira Accioly, nasceu na cidade cearense de Icó em outubro de 1840, era filho de portugueses e casou com dona Maria Teresa de Sousa, filha do casal, Tomas Pompeu de Sousa Brasil; senador e sacerdote; e dona Felismina Filgueiras; uma das mais tradicionais famílias do estado. 
Em 1864 formou-se em direito em Recife e acrescentou o Accioly , da avó materna a seu nome. A partir do prestígio de seu sogro, senador Pompeu, tomou gosto pela política, ao qual quase veio a suceder na cadeira senatorial cearense, logo após o império, fato que não se concluiria em função da proclamação da república.
D. Felismina Filgueiras, matriarca da família Souza Brasil, e sogra de Nogueira Accioly
Senador Pompeu, sogro de Accioly
Logo após a proclamação da República assume o governo do Ceará o General Bezerril Fontenelle tendo como seu vice, Nogueira Accioly que acabou o sucedendo, à frente do governo cearense a partir do ano de 1896, inciando ali uma das mais fortes e significativas oligarquias da velha república no nordeste. 
Em seu primeiro governo o estado do Ceará foi castigado por uma seca cruel entre os anos 1898 e 1900 e uma forte epidemia de varíola. Ao final de seu governo assumiu o comando do Ceará seu sucessor, Dr. Pedro Borges que durante o quadriênio 1900 a 1904 continuou recebendo forte influência política de Accioly fazendo com  que o governante retornasse à frente dos destinos do Ceará novamente a partir de 1904 e novamente em 1908, iniciando seu último governo que foi marcado por sua deposição em 1912.
Nogueira Accioly, de pé, recebendo no Ceará a visita do Presidente Afonso Pena em 1906 
Barricadas contra Accioly em 1912

Os desmandos; como violentas repressões à imprensa e a adversários políticos, o conjunto de privilégios sempre envolvendo parentes e apadrinhados de Accioly unidos às manobras que envolviam fraudes eleitorais contando com o apoio da política dos governadores, vinham criando constantes insatisfações junto a sociedade cearense. 
Em 1911 iniciou no Brasil ; a partir da necessidade do Presidente Hermes da Fonseca conter sua forte oposição nos estados; o movimento encabeçado por setores militares e alguns segmentos da sociedade civil denominado de "Salvacionismo". O objetivo seria o de defenestrar do estado brasileiro as oligarquias espalhadas por todo território nacional que ameaçavam Fonseca . Esse movimento com forte apoio do governo federal acabou vindo a calhar e foi aproveitado pela oposição aciolyna em Fortaleza, quando foi lançada a candidatura do coronel Franco Rabelo, personalidade "salvacionista" para as eleições de 1912 ao governo estadual , contra o candidatura de Nogueira Accioly.
Franco Rabelo
A capital cearense conheceu ali, as primeiras grandes passeatas de sua história, o ineditismo da iniciativa, envolvendo as moças e as crianças, acabaram cristalizando e fortalecendo o sentimento de ruptura da sociedade de Fortaleza com Accioly. 
Particularmente na Passeata das Crianças, no dia 21 de janeiro de 1912, a polícia militar investiu sobre os manifestantes com extrema violência resultando na morte de uma criança, sendo o estopim de uma verdadeira batalha campal de três dias, com manifestações, combates e muitos mortos pelas ruas de Fortaleza, terminando no dia 24, com a derrocado do governo Acciolista.
Passeata das Crianças, 21 de janeiro de 1912
O salvacionista Coronel Franco Rabelo viria a ser eleito, inaugurando o período de libertação do Ceará da oligarquia de Accioly, entretanto, por ironia do destino, as mesmas manobras federais que o haviam favorecido , agora se colocariam contra ele e dois anos depois de sua eleição, Franco Rabelo seria deposto no ápice do que viríamos a chamar de a Sedição de Juazeiro.
Continua...
Manoel Severo - Cariri Cangaço