José Calasans
Em 1947, quando das
rememorações do cinqüentenário da Guerra de Canudos, o vilarejo, reconstruído
no início do século XX sobre as ruínas do arraial conselheirista, recebeu a
visita de Odorico Tavares e Pierre Verger. Ambos, jornalista e fotógrafo,
fariam uma reportagem para a revista O Cruzeiro que seria um marco nos estudos
canudenses. Nela são apresentados os primeiros depoimentos dos sobreviventes do
conflito.
A História começou a registrar a voz dos vencidos. Pouco tempo
depois, em 1950, José Calasans Brandão da Silva iniciou estudos para elaborar
uma tese que privilegiasse a tradição oral sobre a Guerra de Canudos, a vida de
Antônio Conselheiro e o Povoado do Belo Monte. Para realizá-la, foi ao sertão,
conversou com sobreviventes e compilou preciosas informações que abririam novas
veredas para pesquisas sobre o tema. Com a reportagem de Tavares e Verger e as
investigações de José Calasans iniciou-se a oralidade da tragédia sertaneja,
até então ofuscada pela grandeza literária do livro Os sertões, de Euclydes da
Cunha.
Hoje, mais de cem anos depois da destruição do Arraial de Canudos,
dispomos de informações que contemplam os dois lados da bárbara peleja. E muito
devemos aos estudos do Professor José Calasans. Suas pesquisas, além de
esclarecerem inúmeros episódios da Guerra, tiraram das coxias dos palcos da
História as pessoas que ali, às margens do Rio Vazabarris, ouviam ao entardecer
as prédicas e conselhos de Antônio Conselheiro. Armado apenas com a obstinação
e paciência do historiador, José Calasans entrincheirou-se nos escombros do
arraial conselheirista e foi um dos seus mais bravos defensores.
Notícia dos Beatos, por José Calasans...
Admitimos,
na igreja popular sertaneja, uma hierarquia, com beatos e conselheiros. Tivemos
nossa atenção despertada para o assunto numa conversa com Honório Vilanova, em
terras do Assaré. Disse-nos que conhecera, por volta de 1873, no Ceará, o beato
Antonio, que iria encontrar, depois, na Bahia, como conselheiro. Explicou-nos
que conselheiro era mais do que beato.
Ao beato cabia a missão de tirar rezas,
cantar ladainhas, pedir esmolas para obras da igreja. O conselheiro ia além,
porque, melhor preparado sobre os temas religiosos, pregava, dava conselhos. Um
conselheiro pode ter, debaixo de suas ordens, um ou vários beatos. Foi o caso
de Antonio Conselheiro, ao qual estavam subordinados alguns beatos, como o
beato Paulo, José Beatinho, Antonio Beatinho, além de outros que não nos foi
possível identificar. Cronologicamente, o primeiro a ser apresentado é Paulo
José da Rosa, também referido como José Paulo da Rosa.
Em 1876, apenas dois
anos após o surgimento de Antonio Conselheiro no centro das províncias da Bahia
e de Sergipe, já era pessoa importante no meio dos acompanhantes. Tanto assim
que foi preso na Vila de Itappicuru, no citado ano, vindo em companhia do Santo
para Salvador, com ele percorrendo as ruas da capital baiana no dia 5 de julho,
juntamente com mais dois outros presos, José Manuel e Estevam, o primeiro
apontado como vagabundo e larápio e o segundo acusado de ser escravo fugido,
pertencente a uma viúva moradora em Porto da Folha, Sergipe, informações
contidas no expediente do delegado em exercício de Itapicuru, Francisco Pereira
de Assunção (Aristides Milton, 12 : p.11) , onde Paulo José da Rosa está
nominalmente citado por causa de suas ligações com o místico cearense.
Livre da
polícia, o beato Paulo voltou ao sertão, passando a acompanhar, novamente,
Antonio Conselheiro, a quem o juiz municipal de Quixeramobim, bacharel Alfredo
Alves Matheus, pusera em liberdade, provada sua inocência (Manuel Benício, 03:
p.46). Tornou-se a segunda pessoa da grei. Marcos Dantas de Menezes viu o beato
Paulo no arraial do Bom Jesus. Velhinho, cabeça branca. Ninguém podia falar ao
Bom Jesus sem seu consentimento. Morava no mesmo barracão onde ficava o
Conselheiro. Recebia tarefas a serem executadas em outros lugares.
Em 1893,
escreveu-lhe Antonio Conselheiro a respeito da igreja construída em Canudos,
dando ordens para não permitir na derrubada do Santuário ali existente, “porque
a nova capela não estava benta”. A missiva fora escrita em Brejo Grande,
trazendo a data de 10 de maio (Rev. I. G. H. Bahia – vol. 55, p. 741). Nascera
no Soure (Natuba) tinha mais idade do
que Conselheiro. Não brigou nas horas dos diversos fogos. Morreu bem idoso.
Sepultaram-no na frente da igreja, segundo recordou Honório Vilanova (Nertan
Macedo, 11: p. 67).
Falou-nos Ciriaco do pouco conhecido José Beatinho,
cearense, dono de uma voz muito bonita para entoar benditos. A mandado do
Santo, saía pelo sertão para tirar esmolas. Nosso informante foi seu
companheiro numa dessas oportunidades. Não confundi-lo com Antonio Beatinho,
que entrou na história nos derradeiros instantes do Belo Monte. José falecera
algum tempo antes da guerra.
Fonte: www.josecalasans.com
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