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Viva Totonho do Marmeleiro

Nesse domingo (28), foi realizada a 9ª MISSA DE TOTONHO DO MARMELEIRO, no sitio Lagoa de Martinho Mendes, próximo ao distrito de Nazaré do Pico, em Floresta-PE. Essa missa em homenagem a este vaqueiro nordestino, que faleceu vítima de um acidente na metade do século XIX, foi idealizada por um de seus bisnetos Napoleão Ferraz Nogueira (Napole) e conta a cada ano com a dedicação e organização dos demais familiares mesmo após o falecimento do idealizador, a missa todo ano é realizada no local onde o corpo do mesmo está sepultado.
Diante do período eleitoral , vários candidatos a prefeito e vereadores de cidades circunvizinhas , como também deputados e ilustres autoridades se fizeram presentes. A missa foi realizada sem fins lucrativos e não contou com patrocínio formal, apenas pequenos apoios e doações dos mais de 3 mil descendentes em 7 gerações do vaqueiro Antonio da Costa Araújo (Totonho do Marmeleiro).
Fonte:http://jornaldesafio.com.br/
Descendentes de Totonho do Marmeleiro
Recorremos ao relato de Maria Amélia de Souza Araujo sobre esse momento histórico e marcante da alma sertaneja: "E o dia 28 de agosto passou deixando saudades! Saudades de entes queridos, entre eles, Dagmar, Wilson, Joana, Jair, papai, tia Emília, Napole... Saudades daqueles que por motivo de força maior, não puderam estar conosco novamente... E o dia 28 passou deixando a certeza de que é maravilhoso reencontrar a família e os amigos e que rezar juntos nos fortalece! Esse dia passou e nos convidou a agradecer a Deus por tantas graças recebidas e o celebrante Padre Giovani, ao refletir a Palavra de Deus, nos pediu que sejamos humildes, mansos..."
Continua Amélia:"O dia 28 existiu para que, ao prepara-lo, o contato com algumas pessoas da família fosse retomado e dai novos membros fossem conhecidos... Foi muito bom e é por isso que agradecemos a todos os que participaram desta 9ª Celebração em homenagem ao vaqueiro ANTONIO DA COSTA ARAÚJO, idealizada por Napole e organizada por seu filho Gilson Nazaré com apoio do irmão Edílson Souza e de tantos primos e amigos. 
Luiz Ferraz, Magno Araujo, Gilson Nazaré e Maria Amélia
O 28 recente ficou marcado na lembrança de muitos, desde que foi anunciado que seria o dia da celebração, pois começaram a pensar em um jeito de contribuir, participar... Acredito que, de modo especial, ficará na lembrança dos bisnetos homenageados e dos vaqueiros Antônio Izidorio e Antônio Gonçalo, também homenageados, dos vaqueiros que desfilaram e participaram ativamente... os que vieram pela primeira vez, penso que vão recordar por um bom tempo.... As pessoas envolvidas mais diretamente na segunda edição do livro “ANTONIO DA COSTA ARAÚJO - SUA HISTÓRIA, SEUS DESCENDENTES, também não vão esquecer facilmente, os contemplados no sorteio, Marcelo Freire e Solândia, penso que vão guardar por toda vida, esse patrimônio histórico da nossa família...
"Nossa gratidão a todos aqueles que direta ou indiretamente colaboraram, trazendo ideias, incentivo, força da oração, força física, recursos financeiros. E o dia 28 de agosto também nos ensina que nem sempre é possível realizar as coisas, exatamente como planejamos, falhas acontecem, mas que é possível servir a centenas de pessoas, um almoço saboroso! Naquele dia, parecia que a escola e a casa dos amigos, era também nossa casa, a comunidade, era nossa família. E ainda, esse dia para Magno De Sá Araujo, Luiz Carlos, Gilson Nazaré e para mim, ficará marcado pela linda homenagem recebida através de Bartô Araújo.
Por fim, as fotos evidenciam que no dia 28 de agosto, espalhamos energia positiva pelas estradas por onde passamos ou pelas árvores que nos doaram uma sombra maravilhosa... Naquele lugar, onde foi sepultado TOTONHO DO MARMELEIRO, antes desconhecido, ficaram os rastros de pessoas bonitas, sorridentes, descontraídas... Como você vai lembrar o dia 28 de agosto? É importante ouvir você, faz parte de uma brevíssima atividade para o próximo encontro. Obrigada por tudo!!!"
As homenagens da Família Cariri Cangaço á Memória de Totonho do Marmeleiro...

Do Sertão ao Rio Por:Maria Stela Torres Barros Lameiras

Do sertão ao rio: De Água Branca até Penedo 
(uma travessia sem ponte)
Penedo; foto:Ricardo Junior


Ainda bem criança, antes mesmo que a dita “idade da razão” viesse atormentar meus sentimentos, vivia, via e ouvia as coisas acontecerem sem grandes preocupações: era a vida no curso de seu leito, no qual corríamos felizes pra lá e pra cá. Água Branca era nosso pequeno paraíso aqui na terra.


Mas chegou um tempo em que fomos surpreendidos por uma mudança repentina: Teríamos de deixar nosso Sertão (ainda que ele nunca tenha nos deixado órfãos dele). Íamos nos afastar do Velho Chico, a menos de dez léguas (será que estou certa? Uma légua tem uns seis Km?) de nossa pequena cidade, mas uma proximidade que a vista alcançava do alto dos quase 600 metros acima do nível do mar, o que exercia um fascínio para o sertanejo “habituado” à terra seca. Nosso destino era Penedo: o Velho Chico continuaria conosco, lá, na encantadora Princesa do São Francisco. 

As razões dessa mudança “não vêm mais ao caso”... Mas foram essas “razões”(irracionais) que nos “arrancaram” de nosso torrão natal. Não entendíamos nada. Era coisa de adulto: complicado demais para crianças... Só sabíamos que deixaríamos para trás pessoas muito queridas e aquele cheiro de terra e de frutas que impregnava nossa vida cotidiana - as pitangas e as uvas do belo parreiral sairiam da realidade para o sonho. Não veríamos mais as serras, não sentiríamos mais o cheiro da cana melada... Ainda bem que as férias nos trouxeram de volta esses pequenos grandes prazeres de uma vida - e como esperávamos por elas!


Assim, começamos a abrir e fechar muitos parênteses em nossas vidas. Mais que isso: abrimo-nos para novos horizontes, novas paisagens, novos cheiros, outros afetos. Nosso entorno foi se tornando menos estrangeiro... Penedo passou mesmo a ser, como diz o verso da canção: TERRA DE QUEM QUER BEM.

Ali, havia aquele “jasmineiro [sempre] em flor”, tal qual o que via Cecília Meireles quando abria sua janela na prosa poética... Em nosso caso, não era uma janela: eram duas grades, um corredor, muitos abraços e um cheiro de coisa boa para alimentar a gulodice infantil e um vazio de “um não sei o quê” que trazíamos no peito. Percorrido o corredor, chegávamos a uma sala aconchegante. Olhávamos para a “sacada” e sentíamos aquele cheiro de jasmim, vindo das pequenas flores que, ao menor toque, “despetalavam-se”, de tão delicadas que eram. Mas tudo isso era só um cenário. 

Bom mesmo eram as personagens daquele encontro em Penedo, longe de nosso Sertão, com uma outra parte de nossa história, a família de nossa avó materna, Stella Fernandes Lemos: Olga – já bem no ocaso da vida, e que nos deixou uma rápida e doce lembrança em um pequeno apelido afetuoso, UÓ, e Edila, nossa Mãe Dila). Não chegamos a conhecer nossa avó; partira bem antes de nossa chegada. Sabíamos, de “ouvir dizer”, que era uma mulher terna, educada, caridosa – e essa fama lhe rendeu um belo cordel de autoria de uma pessoa que dizia não ter “alisado banca” e, por isso, se desculpava pela simplicidade de seus versos – descobri-o anos depois e guardo-o com muito carinho. 

Maria Stela Torres Barros Lameiras no Cariri Cangaço em Água Branca

O que ouvíamos com frequência era que ela era a esposa do filho do Barão de Água Branca – um apagamento de identidade que ainda existe em muitos casos, como bem disse minha querida prima Lidinha, Maria Lídia Torres Bernardes, cheia de curiosidade como eu, diante desses vácuos identitários, sobretudo em relação às mulheres daquela época (e nem só daquela época...). 

Cada vez que vou a Penedo, é grande a emoção de olhar para o Colégio Imaculada Conceição, cujo aprendizado das letras e da vida deu continuidade ao saudoso Gabino Besouro, onde minha mãe era professora. E ali, logo em frente ao colégio, na Praça Jácome Calheiros, ainda está aquela casa que não mudou muito fisicamente, mas onde não temos mais os abraços de Mãe Dila, de Lourdes e de Edith, o que nos trazia a sensação gostosa de que ali nós não éramos estrangeiros – aquele solo não era apátrido: era um solo quase em forma de coração, um chão que passou a ser o nosso novo torrão.

Imagem da linda Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Água Branca

A vida seguiu seu curso. Surgiram novos capítulos, a começar com os irmãos penedenses, que vieram, nos cinco anos seguintes... Vieram também outras histórias, e um vai e vem que nos levava de uma paisagem para outra, fazendo-nos transitar em mundos que se somavam e que faziam morada em nossos corações. 

Ao longo da vida, muitos mundos vão se sobrepondo e nós vamos nos damos conta de que a melhor geografia não é a física nem a política: é a geografia humana, mais especificamente, a do coração, essa que não precisa de mapa, nem marca distâncias, nem mesmo precisa de ponte para irmos do SERTÃO AO RIO, pois ambos vivem em nós: Água Branca e Penedo são palcos e coxias de nossa história.

Maria Stela Torres Barros Lameiras
Maceió - AL

O Patriarca, de Venício Feitosa Neves


Hoje para minha satisfação e a partir da gentileza dos amigos Venício Feitosa e professor Pereira, recebi "O Patriarca", a mais nova obra do pesquisador e escritor Venício Feitosa Neves; uma obra realmente de fôlego, resultando em 712 páginas de pura pesquisa e imensurável historia, nos trazendo um estudo criterioso e precioso sobre Crispim Pereira de Araujo, e as família Feitosa dos Inhamuns e Pereiras do Pajeú; sem dúvidas imperdível !  
Manoel Severo 


"Esse estudo foi elaborado com muita dedicação, pesquisas e carinho, muitas vezes renunciei estar com minha família para torná-lo possível, escrever sobre clãs numerosos e importantes que exerceram seus domínios desde a colonização é algo que requer muito cuidado, sensatez e respeito" comenta o autor, Venício Feitosa Neves. "O Patriarca vai ser uma grande referência para os que estudam a genealogia e têm interesse pela história dos Pereiras do Pajeú, do cangaço e do Nordeste brasileiro. Venicio Feitosa Neves é um exemplo de pesquisador dedicado e incansável. Aguardo ansioso "O Patriarca" para deleitar-me com a leitura. Um grande abraço e até Serra Talhada" afirma o pesquisador Helvécio Feitosa. Já professor Pereira, Conselheiro Cariri Cangaço e um dos maiores livreiros do País " a Genealogia é uma área de pesquisa bem complexa e as vezes seletiva, mas o primo Venicio Feitosa Neves usou, com maestria, os recursos da História, Antropologia e sociologia para tornar o seu trabalho o mais abrangente possível, com conteúdos de Cangaço, Coronelismo e história local. Com essa técnica, a leitura ficou agradável e acessível. O conteúdo é excelente, o autor deve ter consultado aproximadamente 1000 fontes bibliográficas. Parabéns."



Lançamento Oficial:
dias 03 e 04 de setembro de 2016, 
em Serra Talhada, Pernambuco
Para adquirir a obra
manter contato atraves do email:
franpelima@bol.com.br 

Nas Trilhas do Cangaço; Uma Visita a Luíza Carmina e as Balas do Gilo Por:João de Sousa Lima

Louro Teles, Joao de Sousa Lima, Dona Luiza, Giovane Gomes de Sá e 
Marcos de Carmelita


Nos preparando para a Missa de 90 anos da chacina do Gilo, eu Marcos de Carmelita, Louro Teles, Nilton Negrito e Giovane Gomes de Sá fomos fazer uma visita a Dona Luzia Carmina da Silva, filha do velho Garapu, uma das vitimas do cangaço.

Dona Luzia com seus 95 anos é lúcida e conta detalhes do combate onde morreram alguns cangaceiros e seu pai. A cruz onde estão enterrados os cangaceiros, entre ele o Sabiá, fica próximo a sua casa. 

Ela nos serviu um cafezinho e uma gelada água, sempre sorridente e contando detalhes do que viu quando criança.

Depois nos dirigimos a fazenda da família Gilo e antes da Missa de 90 anos fomos nos escombros da casa e vasculhamos suas terras e pedras procurando as balas do grande massacre. Encontramos algumas, porém o que de mais importante nesse dia foi conhecer essa remanescente que teve sua vida ligada ao cangaço.

João de Sousa Lima, Pesquisador e Escritor
Conselheiro Cariri Cangaço
Fonte:http://joaodesousalima.blogspot.com.br/2016/08/nas-trilhas-do-cangaco-uma-visita-luzia.html

Belo Monte Por Mucio Procopio


Não sei o autor dessa tela que compartilhei de Dally Rocha, atraves do facebook, e crio na minha imaginação esse cenário como uma representação da defesa do Belo Monte onde se retrata a inclemência do sol, que pela sua cor amarelada já se aproxima do ocaso, mas permite se observar a silhueta das plantas da caatinga como o cactus conhecido como palmatória e árvores sem folhas com a presença do Conselheiro protegido pelas tropas de defesa, talvez ali conduzida pelo grande estrategista Pajeú, que pode ser o primeiro de chapéu estilo cangaço que viria em 1917, vinte anos depois do fim da guerra em 1897.

Atrás do seu comandante Pajeú o corpo da tropa, tudo observado pelo mentor espiritual Antônio Conselheiro que na verdade não participava das incursões de ataques nem na ação defensiva, a sua rotina de orações nem na guerra foi interrompida, segundo relato dos irmãos Antônio e Honório Vila Nova que abandonaram O Belo Monte, a pedido do Conselheiro que não queria que a história do Belo Monte desaparecesse, como os que ali, estavam, sem que o mundo soubesse da possibilidade de uma conivência pacífica com base na religiosidade com ordem e trabalho como tinha vivido entre junho de 1893 a setembro de 1897. Graças a essa visão do Conselheiro hoje conhecemos um pouco mais daquela grande e ousada experiencia comunitária.

Mucio Procopio, pesquisador
Conselheiro Cariri Cangaco
Natal RN

Cangaço, disputas políticas e lutas inter familiares no sul do Ceará Por:Romero Cardoso

Coronel Izaias Arruda

O sul do Ceará é considerado um verdadeiro oásis no sertão, convergência de migrantes fugidos das secas há tempos imemoriais e palco de lutas sangrentas entre facções políticas e disputas inter familiares no século passado. As intermináveis lutas interpartidárias que explodiram nesta região sertaneja firmaram a repulsa entre os clãs Arruda e Paulino, nucleados, respectivamente, nos municípios de Aurora e Missão Velha, ambos localizados no Estado do Ceará. O cenário das contendas não se diferenciava dos anos que antecederam a restituição da oligarquia Accyoli, o qual firmou a arraigada disputa pelo poder entre os “coronéis” do cariri cearense.

Um pacto firmado entre os mandatários caririenses na então vila de Joazeiro, elevada à categoria de cidade no ensejo desse bizarro acordo, tentava selar a paz entre os estamentos superiores da sociedade sertaneja agro-pastoril da área de exceção correspondente ao cariri cearense. Discórdias políticas denotaram a instabilidade entre os dois clãs, resultando em desarmonias envolvendo o “coronel” Izaías Arruda, famoso coiteiro de Lampião, inclusive responsável pela trama que redundou na tentativa de ataque a Mossoró, e o “coronel” Manuel Ribeiro Dantas, a quem os Paulino eram ligados.


O Pacto dos Coronéis em tela de Assunção Gonçalves 

A beligerância teve seu ápice no ano de 1925, quando “em meio a uma áspera disputa política que já durava meses, ferem-se vários tiroteios em Missão Velha entre os “coronéis” Izaías Arruda (dos mais fortes coiteiros que Lampião possuía no Ceará) e Manoel Ribeiro Dantas, o Sinhô Dantas, este último, chefe político municipal” (MELLO, 1985, p.100). Durantes meses a questão política se desenrolou de forma mais ou menos inconstante, resultando em violento tiroteio nas ruas de Missão Velha, ocasionando ferimento à bala em um dos filhos do “coronel” Manoel Ribeiro Dantas. No entanto, o mais encarniçado ataque desferido pelo “coronel” Izaías Arruda se concentrou ao sítio Barreiro, reduto de seu desafeto. Entre os defensores encontrava-se um sertanejo valente e destemido de nome João Paulino, membro de uma família guerreira, tarimbada na luta armada sertaneja dos séculos XIX e XX.

Prestigiado pelos governos Federal e Estadual, o resultado lógico para a política de época foi a ascensão do “coronel” Izaías Arruda à política regional. O encaminhamento “natural” dos fatos redundou na sua dominação efetiva, chegando a ocupar o cargo máximo do poder executivo em sua área de influência. Os dissabores, contudo evidenciariam a essência da complexa relação inter-social existente no sertão. Em maio de 1926, João Paulino investiu contra um correligionário de Izaías Arruda, de nome Jose Gonçalves. Novamente Missão Velha estava em pé-de-guerra, denotando o insustentável grau de ebulição entre os clãs em luta armada, agora concentrado entre Arruda e Paulino. O desafio custaria caro, principalmente ao mais exaltado de todos.

Kydelmir Dantas, Mucio Procópio, Manoel Severo, Romero Cardoso e Antonio Vilela

A revanche aconteceu a 11 de junho de 1926. Jose Gonçalves e inúmeros jagunços fornecidos por Izaías Arruda desalojaram os inimigos entrincheirados na povoação conhecida por Ingazeira. Os vencidos buscaram refúgio em Aurora, recebendo a proteção do “coronel” Cândido Ribeiro Campos, parente dos Paulino. Formou-se um contingente considerável de capangas, visto que a ameaça de um ataque era iminente. Este não se concretizou graças à oportuna intervenção do “coronel” Antônio Luís Alves Pequeno, chefe político do município do Crato, definindo normas para amainar os ânimos exaltados. Dentro do acordo firmado, houve a transferência dos Paulino para o extremo oeste do Estado da Paraíba. Estacionam na cidade de Cajazeiras do Padre Rolim, em um sítio conhecido por Lagoa do Arroz, propriedade de um sertanejo de nome João de Brito.

Cerca de quarenta e oito camaradas de armas, incluindo familiares, acompanharam João Paulino neste êxodo forçado pela violência da política caririense. Durante várias oportunidades, forças volantes cearenses adentraram o território paraibano à caça dos desafetos do todo poderoso “coronel” Isaías Arruda. O alvo principal era João Paulino. Violência extrema era a característica maior dessas tropas formadas por policiais e jagunços, ambos pouco diferenciados no modus operandi. Novamente é firmado um acordo de convivência salutar, embora fosse parte da trama arquitetada pelo imperdoável Arruda. Achando que tudo havia se normalizado em sua região de origem, resolveu João Paulino seguir viagem à localidade das Antas, município de Aurora, intuindo recuperar algumas cabeças de gado de sua propriedade que haviam ficado por lá quando da retirada forçada.

Homens de Jose Gonçalves e Izaias Arruda

A esposa de João Paulino, que atendia pelo nome de Tapuia, verificou quando da partida do esposo que o patuá de rezas fortes, ostentado por cangaceiros e homens que se envolviam em questões, havia sido esquecido, como prenúncio da tragédia que estava preparada por Arruda. João Paulino, conforme nos contou a Sra. Ângela de Brito Lira, filha do proprietário do sítio Lagoa do Arroz, fazia uso de um rosário de quinze mistérios e cento e cinqüenta Ave-Marias com um saquinho repleto de orações fortes e mandingas. Segundo se propalava, o objetivo era “fechar” o corpo contra balas e armas brancas.

Corria o mês de setembro de 1926. O regresso ao Ceará foi feito na companhia de um irmão, de nome José Paulino, e um cunhado conhecido por Bidoza. A tocaia armada pelo “coronel” Izaías Arruda fora preparada no lugar Serrota. João Paulino foi alvejado por mortífera descarga, atingindo em cheio a veia femural. O requinte de crueldade da traição foi completado quando seus algozes obrigaram seu cunhado a terminar de matá-lo. Após o martírio de João Paulino, Izaias Arruda ainda figurou destacadamente nas crônicas da violência regional. 

Exercendo influência sobre o cangaceiro Massilon “Benevides” Leite, instigou e organizou o ataque do bando de Lampião a Mossoró, em 13 de junho de 1927. O resultado foi o fracasso vergonhoso diante da decisão da população mossoroense em cerrar fileiras com o prefeito Rodolfo Fernandes na defesa da cidade ameaçada.

Sousa Neto, Manoel Severo, Bosco Andre e Jose Cicero na Estacão da RVC em Aurora, palco do assassinato de Izaias Arruda

Quando da retirada vexatória dos cangaceiros em direção ao cariri cearense, confiantes na “neutralidade” do Estado onde se localizava a “Meca sagrada” dos sertanejos, apressa-se em por em prática suas táticas de traição, tentando envenenar o “rei dos cangaceiros”. Em 1928, embora desfrutando prestígio efetivo em dois municípios – Missão Velha e Aurora – Arruda tombou morto no trem, quando transitava pelo município de Aurora (MELLO, 1985, p. 101). Os autores, Francisco e Antônio Paulino, agiam movidos pelo desejo de vingança. Cangaço e política se articulavam em uma só expressão da realidade forjada conforme os parâmetros definidos pela inflexível moral sertaneja que marcou o tempo das contendas entre os chefes políticos de outrora.

Jose Romero Cardoso

Pesquisador, Escritor - Mossoro, RN


BIBLIOGRAFIA CITADA/CONSULTADA:
CHANDLER, Billy Jaynes. Lampião, o “rei dos cangaceiros”. Trad. de Sarita L. Barsted. Rio de Janeiro/RJ: Paz e Terra, 1980.
MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol: O banditismo no Nordeste do Brasil. Recife/PE: FUNDAJ: Ed. Massangana, 1985.
PINHEIRO, Irineu. O Joazeiro do Padre Cícero e a Revolução de 1914. Rio de Janeiro/RJ: Irmãos Pongetti Editores, 1938.
Entrevista:LIRA, Ângela de Brito. João Pessoa/PB, 15 de outubro de 1990.

A Espetacular Aventura da Expedição Cariri Cangaço Angico


Era Julho de 2010, em uma de nossas Caravanas Cariri Cangaço ao Angico ao lado de nossos Conselheiros Cariri Cangaço, inesquecível Caipira de Poco Redondo, Alcino Alves Costa, Jairo Luiz , Joao de Sousa Lima e outros companheiros pesquisadores quando se falou em organizarmos pela primeira vez uma expedição Cariri Cangaço para pernoitar em Angico, revivendo os últimos momentos do Rei Cego, no cenário de seu ultimo ato...

Inicialmente pensamos em todas as possibilidades, na logística e principalmente nas impressões que seriam captadas pelos pesquisadores, desde a saída do porto de Piranhas ate a fatídica Grota. O tempo foi passando e a essa ideia se somaram muitos outros companheiros de Cariri Cangaço, com destaque para nosso querido Paulo Gastão, Aderbal Nogueira, Ivanildo Silveira e Capitão Alfredo Bonessi...

Manoel Severo, Alcino Costa, Jairo Luiz e Gabriel Barbosa

O tempo passou, perdemos Alcino, realizamos três edições de nosso Cariri Cangaço em Piranhas, 2013, 2014 e 2015, e acabamos por não efetivar o ousado intento. Chegou 2016 e nossa quarta edição em Piranhas. Estava decretado que nesta edição iriamos sim realizar nosso intento, a partir da decisão de nosso Conselheiro Celsinho Rodrigues. 

A organização e planejamento nasceu ainda em Fevereiro deste ano e ficou a cargo de Celsinho Rodrigues que contou com o apoio do Conselheiro Joao de Sousa Lima e do confrade Louro Teles, a esses se somaram, Ivanildo Silveira, Petrucio Rodrigues e Camilo Lemos, estava consolidada a Primeira Expedição Cariri Cangaço Angico. Mas, para contar essa historia vamos recorrer aos confrades Joao de Sousa Lima e Camilo Lemos, a partir de Artigos em seus blogs.

Os pioneiros, Giovane, Jose Lopes Tavares, Cristiano, Richard, Sálvio, Maria Oliveira, Sargento Romilson e Vaneildo Bispo

Nao sem antes registrar que outra iniciativa do mesmo gênero e igualmente tao grandiosa também viria a se registrar naquela mesma oportunidade. Sob a coordenação de vários confrades, responsaveis pesquisadores da temática, como Cristiano Ferraz, Jose Lopes Tavares, Giovane Gomes de Sa, Sálvio Siqueira, Richard Pereira, Vaneildo Bispo, Sargento Romilson e a espetacular presença da primeira mulher, Maria Oliveira, de Poco Redondo, participando de maneira inédita e  ousada desta empreitada vitoriosa, inauguravam no dia anterior a façanha tao sonhada por muitos e executada por poucos... Dessa forma dois grupos de amantes da historia e da memoria do sertão haviam de maneira sensacional realizado um feito nunca antes realizado. Avante !

Mas, para contar essa historia vamos recorrer aos confrades Joao de Sousa Lima e Camilo Lemos, a partir de Artigos em seus blogs.

Artigo de Joao de Sousa Lima...
Conselheiro Cariri Cangaço


Camilo Lemos, Louro Teles, Joao de Sousa Lima, Ivanildo Silveira, 
Petrucio e Celsinho Rodrigues

Dia 27 de julho de 2016, sai de Paulo Afonso as 13:20 hrs. O caminho me levou a Piranhas, cidade alagoana famosa por seu belíssimo casario colonial bem preservado e também por fazer parte da história como um dos roteiros  históricos do  cangaço. Em Piranhas me dirigi a pousada “O Canto” e depois de acomodado recebia as visitas dos amigos Petrúcio Rodrigues e Jaqueline Rodrigues. O encontro festivo foi regado com água e a degustação de vinhos e queijos de finas produções. Depois descemos para o centro histórico  para reencontrarmos os amigos e pesquisadores do cangaço. 

No Armazém Velho Chico encontramos Lourinaldo Teles, Ivanildo Silveira, Jair Tavares, Narciso Dias e Catarina, Pereirinha, Alan Alves, Luiz Ruben e Ângela, Neli Conceição, Sávio, Wescley, Guerhansberg, Emanuel Arruda, Geraldo Ferraz e Rosane, Reginaldo Rodrigues, Antonio Edson, Afrânio, Thomaz Cisne, Juliana, Lívio, Aderbal e Celsinho Rodrigues. Saboreamos uma rodada de tilápia e tapioca, porém a verdadeira aventura ainda iria começar e consistia em muito mais que um simples encontro e nossa participação na XIX Missa do Cangaço. Faríamos uma visita técnica a Grota do Angico onde passaríamos a noite.


As 23h começou de fato nossa experiência, embarcamos  no Catamarã  “Sertão”, comandado  por Hugo. Estávamos em seis pessoas: Eu, Celsinho Rodrigues, Ivanildo Silveira, Lourinaldo Teles, Petrúcio Rodrigues e Camilo Lemos.

Noite escura e fria descemos as águas correntes do Velho Chico.  As 23:45 chegamos a pousada Remanso (mesmo percurso feito pelos policiais há 78 anos para matarem Lampião, Maria Bonita e parte de seu grupo). Em Remanso os motores da embarcação foram desligados e em total silêncio ouvimos o tinir de chocalhos de cabras e bodes do outro lado do rio, em terras sergipanas.

As 23:50 os motores do “Sertão” foram religados e seguimos para a fazenda Angicos. Antes da chegada, as 23:58, o barco parou, a porca do parafuso do leme se soltou e ficamos a deriva por alguns segundos. Ficamos conversando sobre a experiência e observado um céu negro e estrelado. Três minutos depois o ajudante de embarcação consertou a pane e as 00:01 o barco estava novamente  percorrendo o São Francisco.

As 00:05 atracamos em Angicos, desembarcamos e as 00:15 foi disparado por Lourinaldo Teles, um tiro calibre 38. O estampido fez um eco que lembrou quase uma rajada, um ronco espalhou-se por entre os cânions.



As 00:25 começamos a trilha. No “Alto das Perdidas” fizemos uma parada e filmamos e debatemos sobre o ataque aos cangaceiros comandado pelo tenente João Bezerra, o aspirante Francisco Ferreira de Melo e o sargento Aniceto Rodrigues.

Recomeçamos a trilha e as 01:15 chegamos a Grota do angico onde encontramos nove pessoas já acampadas e que nos aguardavam com redes e barracas armadas. Juntamo-nos a Sálvio Siqueira (meu primo e conterrâneo de São José do Egito), Cristiano Ferraz e Geovane Macário (de Floresta), Romilson Santos (de Aracaju), Vaneildo Bispo (de Canindé do São Francisco), José Lopes Tavares ( de Verdejantes, PE), Maria Oliveira (Poço Redondo, Sergipe), Cícero Rodrigues (Maceió), Richard Torres Pereira (Serra Talhada).


 Local onde havia sido ficada a Cruz em memoria de Adriao

Um fato observado e que contrariou a todos quando chegamos a Grota do Angico foi encontrarmos um ato covarde de depredação e vandalismo que resultou na destruição da cruz e da placa em homenagem ao soldado Adrião Pedro de Souza, morto no dia do ataque a Lampião e que eu havia participado da expedição para colocá-la no lugar três anos atrás. Um dos guias que esteve na segunda feira, dia 26, no local disse ter visto uma mulher ligada diretamente com a história do cangaço (essa mesma mulher já tinha roubado em outro momento a cruz que o tenente João Bezerra colocou na Grota, na década de 1970, homenageando os cangaceiros) e um famoso guia colocando algumas placas lá e no outro dia, na terça feira, quando retornou a Grota do Angico, a cruz e a placa já tinham desaparecidos. Dois crápulas sem respeito e responsabilidade com a história.

1:49 observamos o nascimento da luz minguante saindo ao som do saudoso Luiz Gonzaga, todos cercando uma fogueira que nos aquecia da fria neblina e que assava um bode em espetos improvisados de madeiras. As 4:50 houve uma descarga de 15 tiros, calibre 380, realizada pelo policial Cristiano Ferraz, simulando o ataque das volantes.

Giovane Gomes de Sa, Louro Teles, Salvio Siqueira, Ivanildo Silveira, Joao de Sousa Lima, Jose Tavares Lopes, Richard Pereira e Petrucio Rodrigues

O dia amanheceu, era 28 de julho de 2016, 78 anos da morte de Lampião e Maria Bonita. As 08:00 chegou o aluno de cinema baiano Lourival Custódio filho com seu pai Lourival Custódio, seu tio Rui Vieira  e o amigo Marcos Antonio. Aos poucos foram chegando mais pessoas para participarem da missa, grupos de alunos, pesquisadores, turistas, jornalistas, escritores. Em uma das caravanas apareceu o padre Agostinho, sacerdote carioca que não perde um evento do cangaço.

Dezenas de pessoas se aglomeraram próximos as cruzes na Grota do Angico, a missa foi realizada. Aos poucos as pessoas foram saindo da Grota. Reunimos nosso grupo e também seguimos para o restaurante Angico onde saboreamos um gostoso peixe e falamos da experiência vivida na Grota do Angico. Fartos seguimos para Piranhas para participarmos do Cariri Cangaço. 



Em Piranhas, na pousada O Canto, em silêncio, viajei nas imagens gravadas no pensamento...a trilha, os amigos, os sorrisos, o eco irradiante do silêncio do Velho Chico, a lua brilhante, a fogueira... a cruz roubada, a placa arrancada, os vândalos, criminosos da história... bandidos ocultos na luz da evidência de um crime que desejo que não fique impune... Canalhas que se apoderam da fábula do cangaço e se sentem donos do que ao povo pertence...

Preferi ficar com a lembrança da noite fria e estrelada, marcada pela cor de uma bonita lua que se descortinou ao longe em seu esplendor e da fogueira que nos aqueceu, dos sorrisos dos amigos e da aventura vivida, nas cinzas esvoaçantes da fogueira que se desmanchou ao vento do nascer do dia, que sirvam como adubos para as velhas matariam que cercam as histórias e os mistérios da Grota do Angico.

João de Sousa Lima, Historiador, Escritor
Membro da ALPA- Academia de Letras de Paulo Afonso e Conselheiro do Cariri Cangaço.
Paulo Afonso, 31 de julho de 2016
Fonte:http://joaodesousalima.blogspot.com.br/2016/07/cariri-cangaco-de-piranhas-nos-78-anos.html


Artigo de Camilo Lemos...

Pesquisador do Cariri Cangaço

À pedido do pesquisador e conselheiro do Cariri Cangaço Jorge Remígio, vou tentar descrever as minhas impressões sobre a Visita Técnica a Grota do Angico, município de Poço Redondo-SE, realizada na madrugada do dia 27 para o dia 28 de julho de 2016. E assim poder ajudar de alguma forma nas discussões em torno do que aconteceu na madrugada do dia 28 de Julho de 1938. Mesmo sabendo que qualquer conclusão será relativa, será aproximada do que de fato ocorreu. São apenas as minhas impressões.
Por ocasião do CARIRI CANGAÇO realizado durante a semana do cangaço em PIRANHAS-AL, entre os dias 28 e 30 de Julho de 2016. Cheguei à véspera em Piranhas, pois pretendia assistir a Missa em homenagem aos mortos na Grota do Angico-SE na manhã do dia 28. À Convite de Petrúcio Rodrigues e Celsinho Rodrigues (idealizador da experiência), fui incorporado ao grupo de pesquisadores que contava com: Ivanildo Silveira, (pesquisador, Conselheiro do Cariri Cangaço e membro da SBEC), João de Souza Lima (historiador, escritor, membro da ALPA – academia de letras de Paulo Afonso, Conselheiro Cariri Cangaço), Lourival Telles (pesquisador de grande experiência),eu, Camilo Lemos, cuja única certeza é de ser Vascaíno (pesquisador), os já citados conhecedores da região desde o berço, Celsinho Rodrigues (pesquisador, conselheiro do Cariri Cangaço e bisneto de Chiquinho Rodrigues), Petrúcio Rodrigues (pesquisador, gente muito boa e sobrinho de Chiquinho Rodrigues).
Obs.:As anotações de horário foram feitas por João de Souza Lima, que escreveu esta experiência no seu blog. Embarcamos no Catamarã SERTÃO, comandado por Hugo Araújo Gonçalves, experiente navegador do São Francisco.
23h00min: Começa a experiência de repetir o mesmo trajeto feito pela volante comandada pelo tenente João Bezerra, 78 anos antes. No percurso foram desligadas as luzes da embarcação para verificar a visibilidade...
23h45min: Na altura da fazenda REMANSO, as luzes e o motor do SERTÃO foram desligados. Na noite fria, na imensidão do São Francisco, as estrelas apareceram dando uma visão deslumbrante e inesquecível da paisagem, deu uma ideia do que João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense quiseram dizer na sua “LUAR DO SERTÃO”. Ouvimos perfeitamente o som dos animais vindo das margens. Na água e entre os paredões ouve-se perfeitamente. Na escuridão é possível ver as duas margens do rio. Segue o barco.
00h00min: Atracamos
00h15min: Desembarcamos
Experiência de disparo de arma de fogo curta, calibre 38, efetuado por Louro Teles na entrada da trilha, ainda na margem do rio. Fiquei a uma distância de aproximadamente 10 metros do disparo. Depois do estampido seco e metálico característico de um revolver e, dentro de um intervalo entre um a dois segundos, o eco produzido nos paredões se aproxima ao som de um trovão, sentimos a onda sonora retornando como um longo “ronco”, “mais parecia uma rajada”, como descreveu João de Souza Lima.
Louro Teles, Petrucio Rodrigues, Joao de Sousa Lima, Celsinho Rodrigues, 
Ivanildo Silveira e Camilo Lemos
Às 00h25min Entramos na trilha, a mesma utilizada pelo Ten. João Bezerra, Aspirante Ferreira de Melo, SGT. Aniceto e mais 45 policiais volantes, orientados pelo coiteiro Pedro de Cândida e seu irmão Durval Rosa 78 anos antes. Em fila, intercalada pelas lanternas, entramos em terras sergipanas. Essa trilha tem aprox. 800m. A Visibilidade é muito baixa. Desligamos as lanternas e esperamos a visão se adaptar ao escuro. Repetimos este procedimento em diversos pontos. Em todas às vezes a visibilidade era quase nula. A Trilha hora estreita, hora íngreme e em certos trechos com terreno  acidentado de pedras soltas, torna a caminhada difícil. Mesmo com a s lanternas acesas, o caminho é difícil.  
No trajeto imaginava como teria sido à 78 anos. 48 homens com armamento, munição, sob uma forte tensão, o corpo em alerta, olhos e ouvidos no silêncio e na escuridão, um caminho tortuoso e apenas uma certeza (?). Iriam encontrar um forte grupo armado cujo líder era “nada mais nada menos” que LAMPIÃO. Meu corpo começou a reagir, veio o instinto de sobrevivência aguçando todos os meus sentidos: o ouvido treinado de músico não procurava mais acordes, mas qualquer ruído; meus olhos procuravam o caminho, meus pés, a melhor pedra.  Embora já acostumado a trilhas noturnas, essa tinha um sabor especial, a história envolvia todos nós.
No Alto das Perdidas, uma pausa para debate envolvendo dúvidas, conclusões, fatos. Repetimos a experiência de ficar totalmente no escuro. Um céu de lua minguante nos dava pouquíssima luminosidade. Desse local onde o Ten. João Bezerra dividiu a volante, ouvimos o primeiro grupo de pesquisadores que havia chegado à tarde. Uma observação: diferente das condições climáticas da mesma data em 1938, não chovia. Portanto, nem o grupo que já estava acampado, nem nós estávamos “Encobertos” pelo som da chuva, tampouco o acampamento estava em surdina.  Ouvíamos os sons vindos da grota.
01h15min: CHEGADA NA GROTA
– “LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO”
 – “PARA SEMPRE SEJA LOUVADO”
Cristiano Ferraz, José Lopes Tavares, Giovane Macário Gomes de Sá foram os primeiros a nos receber. Além dos citados acima, Já estavam no local os pesquisadores: Cícero Rodrigues, Richard Torres Pereira, Romilson Santos, Vaneildo Bispo, Maria Oliveira e Sálvio Siqueira, uma outra Expedição nos aguardava.
Dois fatos me causaram uma grande surpresa, perguntado ao grupo que encontramos se teriam ouvido disparo feito por nós no início da trilha, a resposta foi negativa.  Em seguida  deparamo-nos com uma desagradável cena, a ausência da placa e da cruz posta em homenagem ao soldado Adrião Pedro de Souza. Lamentavelmente arrancada, em desrespeito a esse ser humano, a historia e a todos os pesquisadores do tema. Devo confessar, a cruz do soldado causou-me estranheza ao vê-la pela primeira vez. Estranheza maior foi notar naquele momento sua ausência. Neste instante, veio-me na lembrança o escritor e historiador, Antônio Vilela, um dos que homenageou o soldado Adrião com a placa e a cruz.
O acampamento estava montado.  Armamos nossas redes, tive o auxilio de José Lopes Tavares que teve a atenção de verificar se estava tudo certo. Coisa de quem tem nobreza. Resolvi passar a noite em claro, conversei individualmente com alguns dos que estavam acordados e em pequenos grupos que se formaram em torno da fogueira. A lua já estava sob nossas cabeças, já passavam das 01h50min. Entramos no dia 28 de julho.
Local onde estava fixada a Cruz em memoria do soldado Adriao
E o tempo passou na grota...
Entre 04h30min e 04h45min, Cristiano Ferraz (policial, escritor e pesquisador) efetuou uma série de disparos com pistola calibre 380 dentro da Grota, próximo do local onde estão as cruzes. Minha localização era a uma distância de um metro à esquerda de Cristiano. Segundo ele, recebi o maior impacto sonoro devido a minha posição. No terceiro disparo, meu tímpano estalou, ressoando um apito contínuo. Mas foi possível observar a diferença do som e do eco nesse local. O ambiente agora era uma baixa cercada de pedras com vegetação alta. O som teve menos eco e foi mais brilhante do que o disparo efetuado no início da trilha. A visibilidade ainda era baixa.
Como nos informou Fábio Carvalho (pesquisador e especialista em armas de fogo): As armas curtas que geram 115 decibéis podem atingir uma altura superior e essa intensidade é considerada uma zona de ruído perigosa.  Armas classificadas como Sub Sônicas atuam na área abaixo de 330m\s ex. revolver CAL.38. Armas classificadas como Super Sônicas, a exemplo do Fuzil, ultrapassam os 330 m\s gerando estampidos muito mais altos. Seria preciso um decibelímetro para termos uma medição precisa. Com esses dados é possível ter uma ideia do volume sonoro gerado pelos disparos de dezenas de fuzis e três metralhadoras. Por maior que seja a experiência em combate, os efeitos do impacto sonoro geram uma “desorientação”. Embora se tenha treinamento para manter o foco, como por exemplo, os lutadores de MMA são condicionados a “ouvir” apenas a voz do seu treinador durante a luta. A questão é a diferença entre pessoas gritando e fuzis disparando. O que torna a tarefa mais difícil.

Nas primeiras luzes do dia, vi a GROTA sair das trevas e se transformar numa paisagem lunar, parecia encoberta por uma leve poeira cinzenta. Até 04h20min aproximadamente não se distingue a silhueta humana a mais de cinco ou oito metros. Por volta das 05h00min, Celsinho Rodrigues, Cristiano Ferraz, Ivanildo Silveira, Lourinaldo Teles e eu fomos checar prováveis locais como o Poço do Tamanduá e a Mesa, bem como Árvores Centenárias “testemunhas” daquele tempo e pedras marcadas pelos disparos feitos no amanhecer de 28 de julho de 1938.
Com as explicações sobre movimentação em combate dadas por Cristiano Ferraz, além das indicações de locais, rotas usadas e distância entre elas, feitas por Celsinho Rodrigues e complementadas por Ivanildo Silveira mais Louro Teles, podemos ter ideia de prováveis trajetos feitos por Volantes e Cangaceiros. Dessa forma, encerramos a Visita Técnica por volta das 06h00min e permanecemos no local onde assistimos a MISSA. Foi uma experiência, ainda incompleta, porém, muito rica. Um verdadeiro privilégio poder contar e aprender com pessoas de vasto conhecimento e acima de tudo de coração bom. Abraço Jorge Remígio! Agradeço pela oportunidade de poder compartilhar com todos vocês.
Camilo Lemos, Natal RN 

Fonte https://camilolemosartecultura.wordpress.com
Fotos - Camilo Lemos e Louro Teles