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Lampião na Serra Grande Por:Louro Teles

Quando celebramos os 90 anos do Combate de Serra Grande e após a Expedição dos confrades Louro Teles e Marcelo Alves, nos permitam rever um momentos marcantes referentes a esse que sem dúvida se configurou como o maior combate do cangaço.


Fonte: Youtube

Expedição Serra Grande , 90 Anos de História Por:Marcelo Alves

Louro Teles e Marcelo Alves na Serra Grande

No dia 26 de novembro de 1926 por volta das 8:00 da manha se dava início ao maior combate da história do Nordeste... Os livros falam que Lampião contava com aproximadamente 60 cangaceiros porém em pesquisa local do amigo Louro Teles o número era um pouco maior e cada um verá no seu livro que será lançado em breve.
Se Falando em cangaço e dos combates seria impossível não mencionar o episódio de Serra Grande, pois esse foi a maior vitória de um grupo cangaceiro sobre uma volante da história. E para homenagear o aniversário de 90 anos do combate iremos narrar aqui essa subida:
Por volta das 5:00 da manha se deu a arrumação das coisas: água, gandola do exército, chapéu e muita disposição, e saí de Princesa Isabel-PB onde dormi com destino a Calumbi-PE que tem distância aproximadamente de 35 KM e logo observamos a obliquidade de diferentes serras por todo o caminho.


 Marcelo Alves e Louro Teles rumo a Serra Grande 
Chegando em Calumbi fui direto ao encontro do amigo Louro. Logo observei que dentro de Calumbi ou ele era dono de tudo ou era a família por que tudo tinha seu sobrenome. Teles bar... Farmacia Teles... Etc.
Saindo de lá Louro foi mostrar uma região onde se deu o trajeto de Lampião até chegar na serra. De lá voltamos até Calumbi e lá atravessamos a pista onde paramos o carro pois de lá não existia mais acesso pois havia sido construído uma ferrovia. Então trilhamos o resto do percurso a pé e de motocicleta até as proximidades do pé da Serra Grande.
Chegando lá nosso ponto de parada foi no juazeiro das 7 covas, como assim é chamado pois depois do combate foram enterrados 10 volantes sendo 7 deles numa cova coletiva e que haviam sido mortos em combate. 

Então começamos o trajeto feito pelos volantes até chegar ao topo da serra, primeiramente fizemos entender os trajetos feito pelo tenentes Arlindo rocha que pegou a direção da beira do Boqueirão e onde existia um olho d'Água e não existia saída sendo então denominado de curral das volantes. Diz-se que o trajeto de Arlindo rocha até o curral foi cantado e "aboiado" pelos cantos e tiros do cangaceiro Genesio vaqueiro que aos berros animava os outros cangaceiros e amedrontava e aterrorizava a volante de Arlindo que teimava em querer subir . Já o outro trajeto foi do tenente Manoel neto que pegou rumo a subida por uma região de mais difícil acesso sendo ambos os tenentes logo baleados no início do combate, Arlindo levou um tiro de fuzil a nível da boca e Manoel neto nas pernas. Dizia-se que Lampião gritava pra não matarem Manoel neto e que era pra pegar ele vivo . Então seguimos subida fazendo a pesquisa e sempre encontrando objetos como chumbada, espoleta, casca de fuzil ano 1912e 1913, que foram doados pelo padre Cícero a época e por isso Lampião estava tão bem armado, casca de bala 44 que eram das volantes, um botão de gandola, uma presilha acessória de oficial, etc. 


Tnascrição do telegrama de Theophanes Torrres, para o Comando da Força, por Geraldo Ferraz: "Boletim Geral nº 262, dia 01 de dezembro - Serviço para 02. Telegrama (grafia da época):

Villa Bella,30. Communico-vos fallecimento tiroteio Serra Grande 26 mez findo soldados seguintes:
Destacamento de Salgueiros - 3º Batalhão Luiz Torres Bandeira, Severino Pereira da Silva, Pedro Aureliano da Silva e Targilindo Rocha; ainda do 3º Octavio de Sá Araujo, pertencente força Tenente Lemos; 
De Floresta, ainda da referida unidade, soldados João Terto, de Afogados de Ingazeira e José Dias dos Santos, de Villa Bella, Angelo Ignacio da Silva que era o bravo insubstituivel rastejador e ainda do 3º Batalhão soldados José Arconcio dos Santos e Antonio Braz de Lima, ao todo 10 homens.
Foram feridos mesmo combate bravo 2º Sargento Arlindo Rocha e Cabo Manoel de Sousa Netto aquelle de Salgueiros e este de Floresta ambos inspirando cuidado estado saude. Feridos gravemente soldados do 2º Batalhão Vicente Ferreira de Lima, destacado em Villa Bella, dito do 3º Eduardo Pinheiro de Sousa da Força do Tenente Lemos, de Salgueiros ditos Cicero Aristides Pereira pertencente Força auxiliar Sargento Arlindo Rocha, dito da C.M.M. José Francisco Bezerra aqui estacionado. Feridos levemente ditos do 3º José Caetano de Sousa, Antonio Alves de Lima, aqui destacados, Florentino Fernandes da Silva, pertencente Salgueiros, Agamenon Coelho Magalhães, pertencente Triumpho e 2º Sargento José Olinda de Siqueira Ramos, pertencente a Afogados de Ingazeira, ao todo 14 feridos. Saudações. Major THEOPHANES TORRES. Commandante Geral Forças Interior.”

 
 Expedição a Serra Grande e reliquias da batalha de 1926
 
 


Na subida sempre destacamos o difícil acesso e a diversidade da fauna e da flora da caatinga, encontramos uma diversidade de plantas típicas como favela, palmatória, xique-xique, mandacarú, quipá, etc. E de animais encontramos um bando de macacos pregos que estavam se alimentando e quebrando o coco catolé, além de uma cobra corredeira que estava engolindo uma lagartixa, resquícios de alimentação de porcos caititu, e uma diversidade de pássaros como Gavião carijó, gavião carcará, cancão , casaca de couro, galo de campina, golados, maria fita, etc.

Casa do Srº Francisco Braz no Sitío Tamburil,para onde foram levados os soldados baleados na Serra Grande e neste pilão foram preparadas as primeiras doses de remédio para os soldados feridos, todos os pintos do terreiro foram pisados com água no pilão e dado para os soldados beberem.

Há 90 anos este lugar foi marcado como o cenário da maior batalha do cangaço, neste juazeiro foram sepultados os 10 soldados mortos neste confronto 7 deles em uma cova coletiva .

Então seguimos a subida até chegar ao topo da serra onde observamos o ponto estratégico que Lampião ficou onde existia um olho d'Água e que dava pra observar toda a região. Além de ver o local que manteve o seu refém o "Mineirinho". Lampião ainda pós término do combate e com o escurecer da noite desceu pra sangrar todos os volantes feridos e que haviam ficado embaixo Pós combate. 

Depois na mesma noite desceu pelo outro lado da serra e esperou todo o grupo se juntar novamente e tiraram sentido a Betânia-PE sendo finalmente o mineirinho libertado. Lampião voltou então para um conjunto de serras no sentido Flores-PE/Calumbi-PE onde permaneceu até por volta do dia 08 de dezembro de 1926 enganando assim todas as tropas que achavam que ele estava no rumo de Betânia.




Marcelo Alves, pesquisador
Paraiba

Um Brinde ao Cariri Cangaço Por:José Cícero


José Cícero, Adailton Macedo e Manoel Severo no Cariri Cangaço Aurora 2013

Que bom que AURORA já se inseriu definitivamente na rota de discussões do Seminário Cariri Cangaço; inclusive como protagonista, dado os acontecimentos que até hoje marcam a própria história do Cariri. Trata-se por conseguinte de um dos eventos privados de cunho colaborativo de maior conceito e relevância no cenário nordestino no que se refere à história, a cultura e outros temas afins que permeiam até hoje o cotidiano do Nordeste brasileiro. Discussões temáticas e visitações técnicas que na sua grande maioria não se passam na mídia convencional que, por uma série de interesses alheios à sociedade foram durante muito tempo colocados à margem da verdade e do nosso dia a dia.


Razão porque o Cariri Cangaço é agora um acontecimento sem fronteiras, cuja missão é fazer com que a geração hodierna possa conhecer, estudar, resgatar a sua própria história. Um verdadeiro grito de "Basta" à chamada memória do esquecimento. Por isso o sucesso. Momento em que centenas e centenas de pesquisadores, estudiosos, acadêmicos, escritores e demais aficcionados dos temas sertanejos e nordestino(a exemplo do Cangaço) acorrem todos os anos a este evento singular para prestigiarem de perto todas as discussões pertinentes. Diria, por fim que, cada um que participa do seminário Cariri Cangaço onde quer que aconteça, há de retornar como um pouco mais de conhecimento na bagagem. Eis o grande barato deste evento magno e inteligente, cuja realização não está baseado em nenhuma forma de lucro ou vantagens dos seus idealizadores. 

Caravana Cariri Cangaço no Tipi de Marica Macedo, Aurora em 2013

Que os deuses da sabedoria façam com que Aurora e o Cariri Cangaço consigam prosseguir de lanterna em popa iluminado os caminhos e os rastros da nossa história; prestando assim um imenso serviço a nossa sociedade contemporânea. Notadamente porque a nova geração não há de aceitar tão facilmente, a morte da história. Oxalá!


José Cícero Silva, Sec. de Cultura e Turismo - Aurora - CE
Pesquisador, escritor, poeta - Conselheiro Cariri Cangaço

Dona Chiquinha Pereira Por:Jorge Remígio

Relembrando o memorável Cariri Cangaço 2013, no município de Barro, quando o Conselheiro Cariri Cangaço, Jorge Remígio, prestava homenagem a Dona Chiquinha Pereira, por ocasião da inauguração de monumento na Praça do Santuário de Barro.



Fonte: Youtube

Coronel João de Sá e a Fazenda Nossa Senhora de Brotas


A Fazenda Nossa Senhora de Brotas, que pertenceu ao poderoso coronel João Gonçalves de Sá e abriga a capela em homenagem à santa e a antiga mansão do mais conhecido chefe político de Jeremoabo tem destino incerto. Desde que foi comprada pelos empresários Marco Dantas, Deri e Beto do Caju não se sabe o que será feito com este patrimônio histórico e cultural.

Quando a fazenda instalada em terras registradas desde o século 17 foi vendida na primeira década dos anos 2000, circulou na cidade que ela seria transformada em universidade e museu. A realidade hoje é bem diferente. O local foi loteado e estão sendo construídas imóveis que serão colocados à venda no entorno da parte histórica, onde está a Mansão dos Sá e a Capela de Nossa Senhora de Brotas.

De acordo com o ex-secretário de Educação do município, Pedro Son, a prefeitura deveria ter comprado a propriedade há anos, mas isso não foi feito. Pedro cogita que os donos da fazenda pretendem ganhar tempo para negociar com o município a residência do coronel, que está fechada e tem partes em ruínas, e a igrejinha. Na fazenda, um vigia, que também coordena as obras em andamento, informa que os patrões estão viajando e que não sabe o que será feito do local, onde a visitação é permitida.

A história do que viria a ser a fazenda dos Gonçalves de Sá começou no início do século 17 quando foi construída a primeira capela de Nossa Senhora de Brotas. No local, padres catequisavam os índios. Em março de 1669, porém, Francisco Dias D’Ávila, neto de Garcia D’Ávila, que chegou à Bahia com Tomé de Souza e tomou posse das terras que margeavam o rio São Francisco, estendendo-se para o norte pelos sertões de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, incendiou a igreja. A ação foi represália aos missionários que se recusavam a escravizar os indígenas.
Por volta de 1778, quando a freguesia de São João Batista de Jeremoabo do Sertão de Cima possuía apenas 32 casas e 252 habitantes – apenas cinco eram brancos – uma nova igreja dedicada à mesma santa servia como local de refúgio e devoção para os escravos.
De mansão construída ao lado da capela, João Sá (1882-1958) avistava toda a dimensão de seu canavial. Sua casa também servia de palco de grandes festas e para receber visitantes ilustres trazidos do Rio de Janeiro pelo filho do coronel. Um deles, foi o médico e compositor mineiro Joubert de Carvalho, que passou uma temporada em Jeremoabo, compôs o hino da cidade e teria se apaixonado pela filha do coronel.
O coronel João Gonçalves de Sá também ficou conhecido por ser um dos mais importantes “coiteiros” de Lampião e seu bando. Com patente da Guarda Nacional, exercendo o cargo de deputado estadual pelo PSD (depois seria prefeito de Jeremoabo), Sá conheceu o cangaceiro na localidade de Sítio do Quinto, quando viajava para Salvador, em 1928. Lampião propôs que ele e o pai, Jesuíno Martins, fizessem parte de sua rede de protetores em troca de favores. Pediu também 200 mil réis, que foram dados pelo coronel.
A partir daquele momento, toda vez que o cangaceiro chegava em Jeremoabo, se escondia por trás da serra numa caverna e mandava seus homens buscarem mantimentos para o bando na propriedade do coronel. O político tirava vantagem do acordo feito com Lampião. Segundo moradores mais antigos da cidade, Sá mandava o cangaceiro ameaçar os fazendeiros que se recusavam a vendê-las por baixos valores. A opção era entregar a propriedade ou morrer.

Foto de Paulo Oliveira -Fonte: meussertões.com.br

Postado no Grupo "Lampião, cangaço e nordeste" FACEBOOK

Brigas entre Famílias no Brasil Colônia Duram até Hoje Por:Moacir Assunção

Moacir Assunção

Largo da Matriz, São Paulo de Piratininga. Naquela manhã de fins de agosto de 1640, gritos e impropérios trocados entre dois homens poderosos, Pedro Taques e Fernando de Camargo, o Tigre, tomam o centro da vila, transformada rapidamente em um campo de batalha. Parentes, agregados e índios - escravos das famílias Pires, à qual Taques era ligado, e Camargo - juntam-se à contenda e enfrentam-se armados de espadas, lanças e adagas. A pancadaria invade becos e largos vizinhos num torvelinho de sangue. "De repente era Romeu e Julieta, Ato I, Cena I", afirma Roberto Pompeu de Toledo em A Capital da Solidão - Uma História de São Paulo das Origens a 1900.

Há vários mortos e feridos, mas os brigões originais escapam ilesos. Ambos representam os mais importantes clãs da região, chefes políticos e militares, donos de enormes fazendas de trigo na serra da Cantareira. A rivalidade na disputa pelo comando da Câmara era a razão primeira do conflito. Um ano depois, distraído, conversando com um amigo ao lado da mesma igreja, Taques foi morto pelo Tigre com um golpe de adaga nas costas.

A contenda entre os Pires e os Camargos se arrastaria por duas décadas. E é só a primeira de sucessivas lutas sangrentas entre famílias na história do Brasil. Principalmente no período colonial, por causa da distância da metrópole portuguesa e da influência limitada de seus representantes, em muitos casos cabia aos "sobrenomes" aplicar alguma forma de justiça. Segundo o sociólogo Luiz da Costa Pinto, autor de Lutas de Famílias no Brasil, a coroa tinha sérias dificuldades para impor sua vontade no vasto território brasileiro. Especialmente no sertão, a vingança privada se sobrepunha com sobras à atuação da administração colonial, concentrada nas capitais e cidades litorâneas.

Havia uma hipertrofia de clãs ligados por laços de sangue. Os mais poderosos montavam verdadeiros exércitos particulares de escravos negros e índios, muito bem equipados e armados, para fazer valer seus interesses uns sobre os outros.


Perto de 1650, outro episódio levou a rixa entre os Pires e os Camargos ao ápice. (Dizem que o ódio dos últimos era tanto que nas suas casas os adereços de louça usados sob as xícaras de café foram abolidos). No início das festas de entrudo (o avô do Carnaval), o jovem Alberto Pires brincava com sua mulher, Leonor de Camargo Cabral, quando, sem querer, matou-a com uma pancada na testa. Para encobrir o crime, convidou o cunhado, Antônio Pedroso de Barros, bandeirante casado com sua irmã, para visitá-lo e partilhar a diversão. Quando apontou na entrada da fazenda, Antônio foi morto numa tocaia, a disparos de bacamarte, e seu corpo arrastado para o lugar onde estava o de Leonor. Alberto, então, chamou os familiares e mostrou os dois cadáveres, dizendo que os flagrou em adultério e matou para limpar a honra. Os Pires até aplaudiram o feito. O assassino era filho de Inês Monteiro de Alvarenga, a Matrona, e Leonor, sobrinha do Tigre. Os Camargos, irredutíveis e dispostos a vingar a morta, sitiaram a fazenda de Inês em Juqueri, aliados aos Barros. Queriam sangrar Alberto "ou pelos fios do ferro das espadas ou pelas bocas das espingardas", no relato do cronista do século 18 Pedro Taques de Almeida Pais Leme, descendente do homônimo citado alguns parágrafos antes.

A viúva Matrona apareceu na porta empunhando um enorme crucifixo de ferro e pediu, em lágrimas, que seu filho fosse poupado. Os membros do cerco acabaram aquiescendo e somente prenderam Alberto para que o Tribunal da Relação, em Salvador, o julgasse. Acompanhado por alguns inimigos, o assassino foi levado a Santos, de onde partiria de barco para a Bahia. Nesse ínterim, sua mãe, a cavalo, juntamente com a milícia particular, se preparava para, quem sabe, resgatá-lo em Parati, onde a barcaça pararia antes de seguir viagem. Ao ter notícia da chegada da mulher, os Camargos enforcaram o assassino e o jogaram ao mar.

A partir daí, era a guerra. A capitania de São Paulo dividiu-se em duas tal o poder dos rivais. Só em 1660 o representante d’el Rei, o ouvidor Pedro de Mustre Portugal, conseguiu fazer os líderes Fernão Dias Pais, o caçador de esmeraldas, e José Ortiz de Camargo assinarem um acordo efetivo de paz. Nele estava expresso que os clãs, esgotados pela batalha, repartiriam igualmente os cargos na Câmara e o controle da vila. Um grupo de Camargos já havia se deslocado para a vizinha Santana de Parnaíba e para Taubaté na tentativa de se afastar da polêmica.


As guerras de famílias, marcas distintivas de sociedades rurais, são tão velhas quanto a Humanidade. No sul brasileiro, os estudiosos deram às disputas o nome de vendeta, numa referência aos episódios da tradição europeia, ocorridos principalmente na Itália, Córsega e Espanha. No Nordeste, chamam-se questão ou guerras de parentelas e se faziam em brigas por terras, aguadas (cursos de água), poder político ou em razão de desfeitas de um líder a outro. "Nessas regiões, o Estado não estava presente. São áreas distantes, de difícil acesso. O poder estatal (colonial, imperial ou republicano) só aparece em momentos de crise. O poder central e suas instituições são vistos como algo externo àquelas comunidades", afirma o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

No século 18, entre muitas ocorrências, estranharam-se Montes e Feitosas, do sertão dos Inhamuns, no Ceará. O líder dos primeiros era o capitão-mor Geraldo de Monte Silva, de Penedo (AL), que arrebanhou, a troco de presentes, um grande número de tribos a seu serviço. Entre os adversários, o pernambucano Lourenço Alves Feitosa dava as ordens. Ligados por laços de casamento, os clãs logo se desentenderam numa disputa de terras e "por razões de negócio de honra de família", escreveu o sociólogo Costa Pinto. Francisco Feitosa firmou aliança, então, com os índios jucás. Os índios inhamuns, por sua vez, integravam a vasta clientela dos Montes e, ao lado deles, lutaram com grande valentia.

A disputa perdurou por quase todo o século. De tão renhida, mudou até o nome de acidentes geográficos da região. Um atentado contra o ouvidor José Mendes Machado, que deu a vitória final na Justiça aos Feitosas, fez com que o lugar do ocorrido ficasse conhecido como Emboscada - até hoje. Não foi o único. Também há registros de paragens com os curiosos nomes de Riacho de Sangue, Riacho do Juiz (onde foi atacado pelos Montes outro magistrado tido como parcial aos Feitosas) e o sítio das Tropas, entre outros. Em uma das batalhas mais violentas, na fazenda das Cabaças, no Piauí, nove integrantes da família Monte foram mortos de uma só vez.
Pernambuco é, talvez, o estado onde mais houve lutas de famílias. E a mais famosa só terminou recentemente, em 1981, e opôs os Alencares aos Sampaios e Saraivas, em Exu, na fronteira entre o Ceará e o Piauí. Iniciada em 1949, quando José Aires de Alencar, o Zito, matou Romão Sampaio Filho, o coronel Romãozinho, depois de uma discussão banal, a contenda entre os ricos grupos levou a 33 mortes de ambos os lados. Houve vítimas no Recife e no Rio de Janeiro, numa demonstração de que a rixa não tinha fronteiras. A pedido do rei do baião Luiz Gonzaga, parente distante dos Alencares, o então vice-presidente da República, Aureliano Chaves, acionou o governador, Marco Maciel, que mandou desarmar os representantes de cada lado uma semana depois do apelo.

Em Recife, ainda sem saber de nada, Gonzagão foi desaconselhado por um amigo a viajar para Exu: "Não vai não, que os caras lá tão querendo te capar". As tropas estaduais haviam acabado de invadir as fazendas para recolher armas. O sanfoneiro deplorou a guerra na música Rio Brígida. Antes da intervenção estadual, um acordo entre as famílias, patrocinado pelo arcebispo primaz do Brasil, dom Avelar Brandão Vilela, havia suspendido as hostilidades só por dois meses. Outra tentativa, feita pelo Exército, também tinha fracassado. Em 1990, o prefeito José Peixoto de Alencar foi o primeiro a terminar o mandato na cidade sem registro de mortes.


Cerca de um século antes, desde 1894 até 1923, enfrentaram-se os Pereiras e os Carvalhos na terra natal de Lampião, Serra Talhada. Os primeiros descendiam de Andrelino Pereira, o barão de Pajeú, enquanto os demais eram prósperos comerciantes e fazendeiros. "Em geral, as lutas terminam pela exaustão econômica de um dos contendores ou por mudança no zoneamento. Na guerra entre os Pereiras e os Carvalhos, por exemplo, os Pereiras acabaram se fixando no campo, enquanto os Carvalhos se tornaram mais urbanos e mercantis, passando a viver na cidade", diz o historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor de Guerreiros do Sol, que trata do banditismo nordestino.

Entrevistado pelo pesquisador Leonardo Mota na Penitenciária de Fortaleza, um Pereira, preso acusado de matar um dos desafetos, resumiu assim a situação: "Só possuo uma vida e essa é livre. Sou homem de honra e acostumado a falar de cabeça erguida. Essa primeira humilhação que estou sofrendo não me enfraquece e não há governo que dê jeito na minha luta com os Carvalhos. Isso é uma questão de sangue! Só quando Deus acabar com o último Pereira é que Carvalho deixa de ter inimigo nesse mundo. O senhor quer saber de uma coisa? Lá no meu Pajeú, quando um menino da família Pereira começa a crescer, vai logo dizendo: tomara já ficar homem para dar cabo de um Carvalho. A mesma coisa dizem os meninos deles". E nem parentes em comum eram capazes de interromper esse ciclo vicioso. O que, aliás, se repetia nas contendas de muitas outras famílias.
Iniciada em 1913, a guerra entre os Novaes e os Ferraz, em Floresta do Navio, também levou a várias mortes. Em 2000, o assassinato do soldado da Polícia Militar Carlinhos Novaes (em represália à execução do prefeito Oscar Ferraz Filho) parece ter sido o último lance do conflito. Para Mello, o caso diverge um pouco dos anteriores porque é mais uma disputa política que de sangue. Até hoje, na Igreja do Rosário de Floresta, Ferraz se sentam à direita e Novaes à esquerda. Mas, como prova de pacificação, a atual prefeita chama-se Rosângela Maniçoba Novaes Ferraz. "Faço questão de dizer que sou Rorró Maniçoba. Essa briga entre as famílias é de um pequeno grupo. Não faço parte dessa rixa", afirma a primeira mulher a comandar a cidade, no sertão do rio São Francisco.
Também duelaram em Pernambuco Morais e Cabrais, em Garanhuns, e Honoratos e Barros, no sul do estado. Omenas e Calheiros lutaram em Alagoas, assim como os Fortes Nunes e os Maltas. No Ceará, além dos Montes e Feitosas, combateram Mourões contra Moquecas e os Geraldos e os Leites. Brilhantes e Limões e Viriatos e Morais brigaram no Rio Grande do Norte, Cavalcanti Aires e Nóbregas combateram na Paraíba e os Maias estranharam-se com os Suassunas no eixo CE, RN e PB. No Sudeste, em Patos de Minas (MG), há registros de embates sangrentos entre Barcelos e Quintinos.

Há uma relação das lutas entre famílias com a milenar Lei do Talião, o "olho por olho, dente por dente"? O historiador Frederico Mello explica: "A guerra entre clãs é mais primitiva ainda, até porque a desproporção entre a ofensa e a vingança é muito grande. Em pouquíssimas ocasiões, o dano causado ao inimigo não superou a perda inicial".



Alguns dos principais personagens da historiografia sertaneja estiveram, de uma forma ou outra, envolvidos em lutas de famílias. Virgulino Ferreira da Silva apoiou os Pereiras em sua luta contra os Carvalhos em Serra Talhada. A própria trajetória de Lampião no cangaço se iniciou após uma questão entre sua família, Ferreira, com os vizinhos Barros, mais conhecidos como Saturninos e aliados dos Carvalhos. Já os Ferreiras tinham parentesco com os Pereiras. Também o cangaceiro potiguar Jesuíno Brilhante se iniciou no banditismo após matar Honorato Limão. A vítima era líder de uma família rival, em guerra contra os Calados, clã do qual Jesuíno fazia parte. Antonio Silvino, antecessor de Lampião, cujo nome verdadeiro era Manuel Batista de Moraes, foi outro que estreou no cangaço por questões de parentela. Antonio Vicente Mendes Maciel, o Antonio Conselheiro, antes de se tornar líder messiânico, esteve indiretamente envolvido na luta entre os Maciéis e os Araújos em sua Quixeramobim natal. Os Araújos eram uma família poderosa da região que, súbito, viu seu poder ser contestado pelos rivais, gente pobre, mas valente.

O Gênesis, no Antigo Testamento, descreve a vingança radical de Simeão e Levi contra Sichem, filho de Menor, que deflorou Dinah, filha de Jacó. Os irmãos da moça trucidaram a família do infeliz. Confúcio, o sábio chinês, estabelece em suas prédicas: "Não vivas sob o mesmo céu com o assassino do teu pai; se o encontrares na feira ou na reunião, não percas tempo em voltar e buscar armas". A China foi um dos lugares onde mais prosperou a vingança privada. No Egito, diz Luiz de Aguiar Costa Pinto, havia um costume semelhante: "Não mates para que não te matem. O que matar será morto, e o que der ordem de morte morrerá também".

Nas regiões rurais da Espanha, Portugal e Itália, as contendas familiares eram comuns. A guerra entre os Médicis e os Sforzas, no Renascimento, ficou famosa. Na Albânia, sobrevive até hoje o Kanun, um código de honra não escrito, que determina aos familiares de um homem assassinado "lavar a honra" com o sangue do inimigo ou de seus parentes, num ciclo sem fim. O fenômeno é descrito por Ismail Kadaré no livro Abril Despedaçado. O Kanun, que existe há mais de 500 anos, foi declarado ilegal durante o governo do ditador comunista Enver Hoxha. Mas, após a sua morte, em 1985, a prática voltou com força no país. Desde 1991, o Comitê Nacional de Reconciliação trabalha para acabar com as rixas familiares. A ONG calcula que 9,5 mil pessoas foram mortas, nas últimas décadas, com base no código.

Moacir Assunção, pesquisador e escritor
Artigo postado em 08/03/2012
Ilustração: Elly Walton
Fonte:http://guiadoestudante.abril.com.br



Em Julho, o Cariri Cangaço vai aprofundar o entendimento sobre um desses conflitos emblemáticos em nosso Nordeste...
Sampaio, Saraiva e Alencar...EXU!
De 20 a 23 de Julho
Cariri Cangaço Exu 2017


Manoel Jurubeba e as Pedras nos Volantes !

Olímpio Jurubeba e Paulo Virgulino no Cariri Cangaço Floresta 2016

O Senhor Olímpio Jurubeba; filho de Davi Jurubeba; disse-me que Manoel Jurubeba era muito brincalhão, até na hora de brigar. Segundo o Senhor Olímpio quando um indivíduo é atingido por bala, no momento só sente a pancada, depois vem a dor. Manoel Jurubeba nos tiroteios que participou como volante, costumava jogar pequenas pedras nos companheiros, que ao receberem as pedras, gritavam: "Estou baleado !", daí Manoel Jurubeba se acabava de rir e gritava " deixa de ser frouxo cabra ! Tu não está baleado não, deixa de ser frouxo e briga !"
Paulo Virgulino
Belém do São Francisco

Lampião e o cordão de ouro da Baronesa de Água Branca Por:Raul Meneleu



Quando Lampião estava regressando do assalto em Água Branca, onde invadiu e roubou algumas jóias e da Baronesa Joanna Vieira de Sandes, entrou ele, de surpresa no pequeno povoado de Nazaré, em Pernambuco. Era a primeira vez que o fazia desde a sua saída para Alagoas em outubro de 1919. Os cangaceiros não molestaram ninguém pois vinham eufóricos pelos resultados obtidos no roubo de Água Branca.

Raul Meleneu e dona Francisca na Casa da Baronesa

Levaria a fama na vida e depois de morto, de ter efetuado um dos mais espetaculares roubos, quando invadiu o casarão que tive a oportunidade de conhecer e visitar, juntamente com minha esposa, por ocasião do primeiro encontro do Cariri Cangaço nessa bonita e hospitaleira cidade. 

Mas não é sobre essa visita que quero trazer o amigo leitor para as portas do Casarão da Água Branca, e nem sobre essa visita inesperada de Lampião à pequenina Nazaré, inclusive com uma crítica da autora à respeito da tolerância que os nazarenos, incluindo Manuel Flor, tiveram por conta dessa ocasião, pois o leitor poderá ler em meu artigo "Os dois lados do cangaço: o pitoresco e o agressivo".


A atenção que quero lhes trazer é sobre uma entrevista que fiz, por ocasião dessa nossa visita ao Casarão do Barão de Água Branca
, (imagens inéditas do interior da mansão) Joaquim Antonio de Siqueira Torres. O herdeiro proprietário desse patrimônio da história aguabranquense, alagoana e brasileira, senhor Inácio Loiola, descendente do Barão de Água Branca, afirmou que Lampião não tinha levado o cordão de ouro mais famoso desse assalto, juntamente com o crucifixo. 

 Inácio Loiola; herdeiro do Barão; e a passagem de Virgulino

 Imagens da visita do Cariri Cangaço ao Casarão do Barão de Água Branca

Relatou-nos que Lampião levou a culpa, não da invasão e assalto que fez à Baronesa Joanna, que por certo lhe rendera frutos, quando invadiu sua mansão, mas  não de ter especificamente surrupiado tão valiosa joia, e que tal estava hoje nas mãos de uma pessoa que ele conhece. Por ocasião da invasão, tal cordão de ouro e medalhão, fora escondido por uma das pessoas cuidadora da idosa baronesa e que estava presente na ocasião do assalto, e que o escondera e tinha ficado com o mesmo, pondo a culpa no famigerado bandido.

Com essa declaração, o herdeiro do Barão de Água Branca faz uma colocação até hoje não levada em consideração pelos autores que focaram suas pesquisas nesse assalto. Até então, tudo que eu tinha lido, sempre mostrou Lampião como responsável pelo afano de tão famosa joia. Essa fotografia de Maria Bonita (abaixo) , com diversos cordões de ouro e medalhas, não apresenta tal crucifixo. O assalto ao casarão se deu em 1922 e depois de 8 anos, foi que Lampião conheceu Maria Bonita. Quase que impossível Lampião ou Maria ter esse crucifixo. Ponto para o descendente de Joaquim Antonio de Siqueira Torres, o Barão de Águia Branca.


Sua manutenção é urgente. Existe a Lei municipal nº 447/71 de 18 de abril de 2001,⁴ que dispõe sobre o Tombamento Municipal do Centro Histórico, Seus Entornos, Seus Monumentos Históricos e Ecológicos, publicada e registrada na Secretaria Municipal de Administração e Finanças da Prefeitura Municipal de Água Branca. O Artigo 3º desta Lei diz que os bens do patrimônio público e particular situados nos limites da área tombada, ficam sujeitos, no pertinente a seu uso gozo, às normas que dispõe sua manutenção e preservação do patrimônio Histórico e Artístico estabelecidas nas legislações Estadual e Federal especificadas, bem como a preservação da Lei municipal nº 388/96 de 15 de agosto de 1996.
O artigo 4º desta lei diz que os Projetos de restauração e reforma de edificações considerados de valor histórico e artísticos, bem como os daqueles não classificados, observarão as diretrizes estabelecidas nesta Lei. Precisa-se aplicar a lei no que refere-se à manutenção e seus custos. Por não poderem mais sustentar a manutenção os proprietários estão vendendo o patrimônio por falta de ajuda para mante-lo.  
Encontramos muitas peças em leilões, e quantas mais foram vendidas, espalhando-se o acervo de móveis, prataria, louças, etc. Em 13 de dezembro de 2004 houve um leilão, da Casa Dutra Leilões, onde foi exposto o seguinte objeto que fazia parte do acervo do Barão de Águia Branca, Barão de Água Branca. 

"Prato de porcelana sem marca, aba delimitada com friso azul entre filetes dourados; no centro da caldeira a legenda Barão de Água Branca sob coroa de Visconde em azul, pertencente a Joaquim Antônio Siqueira Torres; 23 cm de diâmetro. Apresenta fios de cabelo na aba. França, séc. XIX.  Outra peça leiloada: Barão de Água Branca;Prato de porcelana sem marca; borda com friso azul entre filete dourado; ao centro a legenda Barão de Água Branca sob coroa de Visconde, pertencente a Joaquim Antonio de Siqueira Torres; 18,5 cm de diâmetro. Apresenta bicado na borda. França, séc. XIX. Reproduzido às páginas do livro Louça da Aristocracia no Brasil por Jenny Dreyfus.

Quanto ao Crucifixo que pertenceu à baronesa de Água Branca, hoje encontra-se em coleção privada, fechado a sete chaves, escondido do público, assim como as demais peças históricas do Casarão da Água Branca. 
Recentemente encontrei a seguinte notícia a respeito do crucifixo: "Em ouro maciço 22 quilates. Esta magnifica peça, segundo o Dr Orlins Santana de Oliveira Membro do Instituto Histórico da Bahia, Membro do Instituto Genealógico da Bahia, estava à venda em 2005 em Salvador. Foi vendido para fora do Estado por 12 mil reais. Um comerciante deve ter levado. Fiquei muito sentido pela perda do acervo do cangaço. Na época não tinha recursos para adquirir o mesmo. Salvador era o local mais perto para as volantes revenderem os achados. E tudo vinha pela via ferroviária." - Hoje faz parte de uma coleção particular conforme livro "Estrelas de Couro" de Frederico Pernambucano de Mello.
Raul Meneleu Mascarenhas, pesquisador e escritor                                                                   Conselheiro Cariri Cangaço - Aracaju SE                                                                                     http://meneleu.blogspot.com.br/

A Maior Rixa do Sertão...


A luta política dos Alencar no sertão teria começado em 1710, há exatos 303 anos, quando os irmãos portugueses Leonel, Alexandre, João Francisco e Marta, perseguidos pela Coroa portuguesa, se instalaram no pé da Serra do Araripe, entre as capitanias do Ceará e de Pernambuco. A chegada deles deu início a divergências com outras famílias.

Uma neta de Leonel, Bárbara de Alencar, que viria a ser avó de José de Alencar, autor de O Guarani, se destacou com seus filhos na Revolução de 1817, contra a Coroa. Foi presa e torturada. Viveu dois anos numa cela empesteada de pulgas e ratos. Liberta, veria sete anos depois, em 1824, o filho seminarista José Martiniano proclamar a República na praça do Crato, no Ceará. À frente do governo da capitania estava um Sampaio. A tropa do governador Inácio Manuel Sampaio fuzilou dois filhos de Bárbara –  Tristão e Carlos José –, um irmão, Leonel, e um sobrinho, Raimundo.    

Selo comemorativo à heroína Barbara de Alencar

A matriarca Bárbara era símbolo de um mundo caboclo que resolvia as pendências no punhal e, ao mesmo tempo, de ideias iluministas que conquistaram França e Estados Unidos. Essas ideias chegaram ao universo de Bárbara por meio de amigos padres que passaram pelo seminário de Olinda. Vista como legítima representante do Brasil, sem trocadilhos, bárbaro, ela é apresentada ainda como a mulher que desafiou homens da família Sampaio por se opor a perseguições de índios, padres e negros.

A rixa entre os Alencar e os Sampaio voltou a recrudescer na manhã do dia 10 de abril de 1949. Foi nesse dia que houve um tiroteio em Exu no qual morreram o coronel Romão Sampaio e Cincinato de Alencar. O filho de Cincinato, Francisco Aires de Alencar, saiu ferido. "Francisco, meu marido, ficou 30 anos e três meses paralítico", conta Diva de Alencar Parente, 79 anos, em frente ao casarão da fazenda Gameleira, que pertenceu a Gualter Martiniano de Alencar, barão de Exu. O diploma do barão está na parede de um metro de espessura da casa que fica no alto de uma colina, no começo da Serra do Araripe. O Barão era sobrinho de Bárbara de Alencar, avô de Cincinato e bisavô de Francisco , que morreu de diabetes em 1979 .       

Guálter Martiniano de Alencar Araripe, Barão do Exu

Francisco Aires de Alencar Filho, trineto do barão, foi mandado para Recife pela mãe, Diva, com intuito de estudar e não se envolver na guerra com os Sampaio. Formado em engenharia, Francisco classifica a luta como "fruto da ignorância". "Quando o Estado está presente, a coisa muda", afirma o representante da oitava  geração da família.  

José Arêz Alencar, filho adotivo de Diva, levou 11 tiros numa emboscada no Recife, mas sobreviveu. "Do nosso lado morreram 11. Do lado deles morreu menos gente", calcula a matriarca dos Alencar. "Tinha de dar uma parada. Quando entendia que matava um do lado de cá, morria outro do lado de lá. Não dava jeito", lembra. Ela se recorda também de Santana, moça clara, pele bem parecida com as dos descendentes do barão. "Santana, a mãe do Luiz Gonzaga, não assinava como Alencar, mas dizem que era filha do barão", conta Diva.  

Ana Batista de Jesus, conhecida por Santana, era filha de José Moreira de Alencar, parente do barão, com uma cabocla cearense, Efigênia. Em 1909, Santana casou-se com o músico Januário. O casal vivia numa casa de taipa nas terras do barão quando nasceu o filho Luiz Gonzaga.
  
Pacificador. O Rei do Baião entra nesta história porque, a partir dos anos 1970, tentou pacificar as famílias de Exu. Era aceito como mediador graças ao seu sucesso como cantor no sul e porque não tinha sangue Sampaio nem era considerado um Alencar das duas primeiras castas – dos nobres e dos intermediários. Gonzaga descendia dos Alencar "misturados". "Era só cheio de graça", lembra Diva.

Fazenda Araripe, berço dos Alencar

Dura um dia a negociação para o empresário Jusiê Sampaio dar sua versão da luta de famílias. A filha dele, Jaciane, diz que o pai não concede entrevista por temer a volta do conflito. Uma emboscada deformou o rosto de Jusiê – ele ainda perdeu dois irmãos na guerra. Argumenta que falar do passado é trazê-lo para o presente. Jusiê só aceitou conversar mais tarde, quando ficou claro que o objetivo da entrevista era apenas falar de sua mediação, juntamente com o cardeal-arcebispo de Salvador, dom Avelar Brandão Vilela, e Luiz Gonzaga, para pacificar a cidade. 

Ele conta que foi em 7 de agosto de 1978 que sofreu uma emboscada de quatro homens. Estava numa caminhonete com Jaciane quando os pistoleiros atiraram. "Nunca contei quem atirou em mim. O pessoal me aperreava. Decidi até hoje guardar segredo", afirma. "Meu medo era ver um filho meu ir vingar a emboscada e ir matar. Preferi ser chamado de covarde a ser apontado como um homem que matou alguém ." Numa sociedade regida pelas leis da honra, Jusiê enfrentou resistência até mesmo dentro de casa após escapar da emboscada. "Preferia ver meu filho morto", disse sua mãe, Rosemira, ao ver seu rosto deformado.   

Rosemira é sobrinha do coronel Romão Sampaio, morto no tiroteio de 1949. Romão, por sua vez, era filho do coronel Romão Filgueira Sampaio, intendente de Salgueiro em 1867 e primeiro prefeito da cidade (1892-95), que esvaziou o poder do coronel Manuel de Sá – um ex-coletor de impostos da Coroa portuguesa no Semiárido, descendente de dom Diniz, rei de Portugal, e da rainha Isabel, da Espanha . 

Localização de Exu no estado de Pernambuco

Os descendentes de Bárbara de Alencar correram o mundo e atuaram em papéis importantes na história do Brasil. Da matriarca descendem republicanos e monarquistas, getulistas leais e adversários ferrenhos de Vargas, intelectuais do Partido Comunista e generais do regime militar, aliados de Lula e tucanos, gente da esquerda e da direita. Raquel de Queiroz, autora de O Quinze, não esqueceu da matriarca ao idealizar Maria Moura, a protagonista do romance. Ela própria, Raquel, como Bárbara, foi presa política, na ditadura Vargas, em 1937 . 

Foi em outra ditadura, em 1964, que um descendente de Bárbara chegou à Presidência. Ao assumir o governo, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco recebeu carta de Antoliano Alencar, de Exu, pedindo que intercedesse por outro parente: o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar, adversário do novo regime. "Nunca tive, não tenho e Deus me livre de ter tendências comunistas. Espírito conservador, feliz herança de nossos ancestrais que guardo e conservo como joia de valor inestimável, aqui estou perante o cidadão Humberto de Alencar Castelo Branco pedindo que interceda a favor de Miguel Arraes de Alencar, para que se conserve intacta a lealdade e a coragem com que sempre agiram os Alencar de uns para os outros", escreveu .

"Não peço a defesa de Miguel político, homem de Estado, mas a defesa da raça Alencar no Brasil de que V. Exa. é a expressão mais legítima", completou. "As Forças Armadas cumprem o seu dever com independência, bravura e altivez. No dia primeiro depõem do cargo de governador de Pernambuco e prendem um Alencar, mas depois, por que põem na Presidência da Republica um Alencar? Porque os Alencar são leais e sinceros. " 

Miguel Arraes e Castelo Branco

Hoje, os Alencar de Exu não veem com bons olhos a parceria do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, neto de Arraes, com Zilclécio Pinto Saraiva, chefe dos Sampaio-Saraiva. Na cidade, os partidos nacionais são ofuscados por dois grupos políticos: o Boca Branca, da família Alencar , e o Boca Preta, dos Sampaio e Saraiva. 

Em época de eleição, PT, PSDB, PSB, PMDB ou DEM são siglas que só cumprem uma formalidade no registro dos candidatos. Um Alencar ou Sampaio pode mudar do PT para o DEM sem traumas. Mas nunca passar de Boca Preta para Boca Branca, ou o contrário. Embora os Alencar gostem de divulgar a história de que o Barão de Exu libertou seus escravos bem antes da Lei Áurea, foi a família Sampaio que ficou associada ao eleitorado negro, pobre, de Exu. O coronel Romão, morto no tiroteio de 1949, é considerado o pai do Boca Preta. Parentes do coronel dizem que, agora, a divergência com os Alencar só ocorre dentro das regras democráticas. 

Se o acordo de paz entre as famílias não tivesse sido selado, a luta poderia se exaurir por decisões tomadas no cartório de registro de civil da cidade. Pais de família registravam os filhos com o sobrenome do clã rival ou evitavam colocar os seus próprios sobrenomes nos recém-nascidos para garantir a "neutralidade" das crianças. Três irmãos de Jusiê Sampaio foram registrados como Alencar, orientados por um tabelião. A filha dele, Jaciane Queiróz Peixoto, hoje professora, não tem o sobrenome Sampaio.

Em Exu, a geração anos 1980, hoje na faixa dos 30 anos, vive entre a memória de sangue dos mais velhos e a expectativa de um desenvolvimento que só é realidade em cidades médias como Salgueiro e Petrolina. Foi para lá que muitos jovens das famílias Alencar e Sampaio foram em busca de trabalho no comércio formado em volta dos grandes projetos do governo federal . 

Luiz Gonzaga em Exu no ano 1988

Na avaliação de Alexandre, a música de Luís Gonzaga, que no passado ajudou a pacificar as duas famílias, agora poderia garantir dias melhores para os moradores. "Deveríamos explorar o ícone Luiz Gonzaga", afirma. "O berço do forró é aqui", ressalta. Alexandre diz que o museu dedicado ao Rei do Baião está nas mãos da família de um empresário do cantor. Reclama que o axé e outros ritmos "estrangeiros" tomaram o espaço da sanfona do Rei do Baião. Alega que só a música de Luiz Gonzaga é capaz de "agregar valor" e acabar com o clima de angústia do pós-guerra. "É como se agente vivesse perto de um vulcão adormecido. Aqui, uma palavra pode causar um impacto muito grande."

A mesa onde Luiz Gonzaga tentava resolver o conflito secular está na antiga casa do sanfoneiro, em Exu. "Ele sempre foi uma pessoa de barriga cheia, de luxo. O luxo dele era a comida", lembra Raimunda de Sale, 68 anos, a Mundica, sua fiel cozinheira. Ela conta que Gonzagão convidava em separado representantes dos dois clãs. "Só na hora do jantar os Sampaio sabiam da presença dos Alencar e os Alencar, dos Sampaio", diz.

A história do lento processo de paz, que teve Mundica como uma das principais narradoras, envolveu até o presidente em exercício Aureliano Chaves. Em 1981, Gonzagão surpreendeu Aureliano no saguão de um hotel em Belo Horizonte, ao tocar a música Boiadeiro. Chaves – que tinha fazenda em Minas Gerais – foi cumprimentá-lo e o sanfoneiro pediu apoio para acabar com a luta de famílias. Segundo Mundica, terminada a guerra de clãs, Gonzagão compôs Prece por Exu Novo. Essa foi uma das últimas entrevistas de Mundica. A cozinheira de Gonzagão morreu em fevereiro

Jornal O Estado de S. Paulo
Publicada em 12 Outubro 2013 | 16h00
FONTE:http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tristeza-e-medo-ainda-acompanham-a-velha-exu-que-gonzagao-pacificou,1084782


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