"Nunca vi tanta bala como em Maranduba..." confessa um resignado Manoel Neto, o "Mané Fumaça", Nazareno dos mais ferrenhos combatentes ao bando de Lampião sobre o fenomenal "fogo da Maranduba". Eram perto das 16 horas quando a Programação do Cariri Cangaço Poço Redondo 2018 nos trouxe a mais um espetacular cenário histórico dos tempos de cangaço. Em Maranduba um desfecho extremamente surpreendente novamente trazia à baila a suposta supremacia estratégica de Virgulino.
Chegando a vila da fazenda Maranduba fomos recepcionados pela comunidade local e diante da igrejinha de Santa Luzia e sob um céu de azul anil tivemos o privilégio de acompanhar a apresentação do Grupo Cultural e de Teatro Raízes Nordestinas tendo a frente Rafaela Alves, mostrando o amor às tradições e raízes do sertão, numa performance cheia de significado e responsabilidade social.
Grupo de Teatro Raízes Nordestina, da Maranduba
Rafaela Alves, Manoel Belarmino e Manoel Severo
Maranduba continua celebre entre os tres lendários combates no ciclo lampiônico, ao lado de Serra Grande e Serrote Preto. As circunstancias tanto anteriores, como o próprio fogo e suas consequências nos colocam mais uma vez diante de um dos mitos do cangaço: A genialidade de Virgulino Ferreira da Silva no combate nas selvas da caatinga. O "fogo da Maranduba" ; Maranduba normalmente nomenclaturada no feminino, é chamada pelos moradores do lugar de forma masculina, ali aconteceu o "fogo do Maranduba"...
A conferência sobre o Fogo da Maranduba ficou a cargo do colecionador e pesquisador do cangaço, Ivanildo Silveira, de Natal. O épico combate aconteceu quando Maranduba e Poço Redondo ainda eram município de Porto da Folha, emancipação dada em 1953. O mês era janeiro e o ano 1932; dias antes havia acontecido o terrível episodio das “ferrações” por Zé Baiano na vizinha Canindé. O fato acirrou a sanha dos soldados sob o comando das duas volantes; a pernambucano de Mané Neto e a baiana de Liberato de Carvalho; o Tenente Manoel Neto, bravo Nazareno, viu tombarem sem vida muitos de seus valorosos homens nesse fogo da Maranduba e afirmou que nunca tinha visto tanta bala como viu ali, outra coisa que se comentava foi que no local em que aconteceu o fogo de Maranduba, durante vários anos, das árvores e dos matos rasteiros não ficaram folhas, tudo era preto, como se tivesse passado um grande fogo. As árvores ficaram completamente descascadas de cima abaixo, de balas.
Ivanildo Silveira e o Fogo da Maranduba...
Tenente Manoel Neto, líder em Maranduba
Caravana Cariri Cangaço e a conferencia "O Fogo da Maranduba" com Ivanildo Silveira
Passo a passo o pesquisador Ivanildo Silveira foi elucidando os principais pontos do intrigante e trágico combate, que se deu perto do meio dia e se estendeu até o sol se por. Os cangaceiros estavam se preparando para comer e as pias iriam fornecer a água necessária para os próximos caminhos, dispostos sob a sombra dos sete famosos umbuzeiros do lugar. As volantes cansadas da longa jornada se aproximaram pela caatinga da Maranduba tendo Mané Neto no comando de seus homens, para em seguida se aproximarem os baianos de Liberato de Carvalho. Ali cometeram os mesmos erros de combates anteriores e acabaram envolvidos por várias linhas de tiros, engenhosamente armada por Lampião e seus cangaceiros. Ao final, dentre os muitos que tombaram sem vida, constavam 4 homens de Nazaré: Hercílio de Souza Nogueira e seu irmão Adalgiso de Souza Nogueira (primos dos irmãos Flor), João Cavalcanti de Albuquerque (tio de Neco Gregório) e Antônio Benedito da Silva (irmão por parte de mãe de Lulu Nogueira, filho de Odilon Flor).
A caminho do Marco Histórico da "Cruz dos Nazarenos"
Manoel Severo, Carlos Alberto e Robério Santos
Já passaram quase 90 anos e Maranduba ainda mantem os velhos umbuzeiros, testemunhas mudas da grande batalha, do horror e da genialidade do rei Lampião, bem ali, perto da enigmática "Cruz dos Nazarenos"; onde foram sepultados 4 homens de Nazaré: Hercílio, Adalgiso , João Cavalcanti e Antônio Benedito; foi construído pela prefeitura municipal de Poço Redondo o Marco Histórico da Cruz dos Nazarenos, inaugurado nesta mesma tarde pelo prefeito Junior Chagas, pelo curador do Cariri Cangaço Manoel Severo e vários pesquisadores de todo o Brasil, numa homenagem justa e oportuna aos verdadeiros heróis do sertão.
Prefeito Junior Chagas e Manoel Severo descerram a Placa do Marco
Histórico da Cruz dos Nazarenos na Maranduba
Padre Agostinho; Capelão do Cariri Cangaço; ministra as bençãos ao campo santo onde repousam os bravos Nazarenos tombados na Maranduba, por ocasião da inauguração do Marco Histórico da Cruz dos Nazarenos.
Ao lado do Marco a Cruz que indica o local onde foram sepultados os Nazarenos.
Vamos oportunamente nos valer; ilustrando ainda mais esta postagem; ao depoimento de Labareda - cangaceiro Ângelo Roque que participou dessa batalha, prestado a Estácio Lima e publicado no livro O Mundo Estranho dos Cangaceiros, que descreve o que aconteceu naquele dia, no seu linguajar típico:
“... Nóis cheguêmo na caatinga de Maranduba, pru vorta di maio dia, i tratemo di discansá i fazê fogo prôs dicumê, i nóis armoçá. Mas a gente num si descôidava um tico, i nóis sabia qui as volante andava pirigosa. Inquanto nóis discansava, botemo imboscada forte, di déiz cabra pra atacá us macaco qui si proximasse. Nóis cunhicia us terreno daqueles mundão, parmo a parmo. Us macaco num sabia tanto cuma nóis. Todos buraco, pedreguio, levação, pé di pau, pru perto, nóis sabia di ôio-fechado, i pudia tirá di pontaria sem sê vistado. Nisso, vem cheganou’a das maió macacada qui tivemos di infrentá. I us cumandante todo di dispusição prá daná: Manué Neto, qui us cangacêro tamém chamava Mané Fumaça, Odilon, Euclides, Arconso e Afonso Frô. Tamém um Noguêra. Nesse bucadão di macaco tava u Capitão ou Tenente Liberato, du izérto. Dizia us povo qui ele era duro di ruê. I era mesmo. Brigava cuma gente grande, i marvado cumo minino. Mas porém, valente cumo u capêta. Di nada sirvia a gente gostá i tratá com côidado um mano qui êle tinha na Serra Nêga.
Ex-Cangaceiro Ângelo Roque, o Labareda
Essa Força toda dus macaco si pegô mais nóis na Maranduba. Nóis era trinta e dois cabra bom. U Capitão Virgulino tinha di junto, nessa brigada, us principá cangacêro: Virgino, Izequié, Zé Baiano, Luiz Pêdo, i seu criado Labareda. Dus maiorá só fartava mesmo Curisco sempre gostô di trabaiá sozinho, num grupo isculido dicangacêro, mais Dadá. Briguemo na Maranduba a tarde toda i nóis cum as vantage cumpreta das pusição, apôis us macaco num pudia vê nóis. A volante di Nazaré deve tê murrido quaji toda. Caiu, tamém, matado di ua vêis, um dus Frô, qui si bem mi alembro, foi u Afonso. Cumpade Lampião chegô pra di junto do finado i abriu di faca a capanga dêle, i achô um papé qui tinha iscrito um decreto dizeno qu ele já tinha dado vinte i quatro combate cum u cumpade Lampião. Veio morrê nu vinte i cinco. A valia qui tivemo nessa brigada foi us iscundirijo. Morrero, aí, trêiz cangacêro i trêiz ficô baliado. Us istrago qui fizemo nessa brigada foi danado ! Matemo macaco di horrô !”
Cariri Cangaço Poço Redondo
Fazenda Maranduba - Poço Redondo
15 de junho de 2018
Tendo a Lendária Maranduba por Testemunho
Igreja de Santa Luzia em Maranduba...
Lampião era valente e estrategico, sabia encurralar as volantes,sabia tirar proveito da intimidade que tinha com o relevo e a caatinga tendo como aliados que dificultavam a movimentação de seus perseguidores,fragilizados por tantos espinhos e pedras
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