Os Egipcienses da Rua de Casa Por: Gilmar Teixeira

Na minha infância e adolescência, a rua onde cresci ganhou novos personagens, vindos lá do alto sertão de Pernambuco. Chegaram com suas caçambas barulhentas, poeira no para-brisa e coragem nos olhos — uma família inteira de cacanbeiros, que viera trabalhar na construção da Usina PA-4, especialmente na escavação do canal. E foram se instalar bem em frente à nossa casa.

Foi aí que nossa amizade começou. Zezé, o brabo (mas de coração mole), Manézinho, que depois virou professor do CIEPA, Bernadete, que se tornou gerente da M.O. Lira, e o caçula, Joãozinho — que, ao crescer, virou escritor famoso e agora exige ser chamado apenas de João de Sousa Lima, como quem diz: "respeite minha importância na cidade".

Na rua, porém, não havia formalidade. Aquela família inteira virou “os Egipcienses”. Era só eles passarem e alguém logo gritava:
— Fala aí, Egipciense!
E pronto, a rua toda ria.

Eu, curioso desde menino e apaixonado por história universal, ouvia aquilo com olhos brilhando. Egipcienses? Ora, será que descendiam mesmo de egípcios? Seria João parente de algum faraó? Aquilo aguçava minha imaginação: pensava nas pirâmides, em sarcófagos, no Nilo serpenteando o deserto, e nas histórias de Moisés abrindo o Mar Vermelho. Morar em frente a uma família do Egito era, para mim, o auge da aventura histórica.

Pesquisador João de Sousa Lima, Conselheiro Cariri Cangaço, filho de São José do Egito e hoje radicado em Paulo Afonso

Mas a dúvida só se desfez muitos anos depois, numa conversa com o próprio João de Sousa Lima, já escritor consagrado. Tomei coragem e perguntei: — João, de qual parte do Egito tua família veio mesmo?

Ele olhou pra mim... e caiu na gargalhada. Literalmente. Foi ao chão de tanto rir. Achei estranho: — Que foi, homem? Falei alguma besteira?

E aí ele me explicou, entre uma risada e outra:
— Rapaz, a gente é de São José do Egito, no sertão pernambucano! Nada de pirâmides nem faraó. E parte da família é de Itapetim, ali pertinho. Aquela região é berço dos maiores poetas populares do Brasil. Lá, se respira poesia 24 horas por dia. E eu também sou um deles, viu? — disse, cheio de orgulho e vaidade sertaneja.

Quase caí pra trás. Passei a vida sonhando em bater papo com egípcios de verdade, e estava diante do “Egipciense” mais fajuto do planeta — mais falso que nota de três reais. Mas, verdade seja dita, ele era um nobre do sertão, o faraó das letras populares. Até hoje, João ainda se apresenta assim: — Eu sou Egipciense!

E você, como eu, talvez se pegue pensando a mesma coisa: que João tem algum parentesco com o Faraó Queóps, e que, se tivesse nascido na Antiguidade, Cleópatra seria sua amante. Não duvide. João de Sousa Lima tem mesmo esse poder de nos fazer viajar — nem que seja do sertão ao
Egito, com uma parada obrigatória em São José do Egito.

Gilmar Teixeira, Conselheiro Cariri Cangaço
Feira de Santana BA
17 de maio de 2025

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