A Origem...

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Manoel Severo, curador do Cariri Cangaço

O Cariri Cangaço é o resultado de um grande sonho. Desde menino me encantava com as histórias dos cangaceiros, suas sagas, aventuras, e notadamente o bando de Lampião; sem dúvidas o de maior destaque e de maior longevidade dentre todos. A motivação pelo fascínio daquele menino, ainda com seus oito anos de idade pelo universo do cangaço, talvez se confunda com o fascínio que até hoje o cangaço desperta em todos os amantes e curiosos da temática: Em um primeiro momento, ainda nos tempos de menino; a coragem, valentia, aventuras, sagacidade, destemor, enfim. Com o tempo outras percepções: Senso de adaptação, criatividade, a extensa rede de interesses, a estética, a medicina, o vigor em ambiente tão hostil , a compreensão da importância da imagem, o primeiro "marqueteiro das caatingas", enfim. Virgulino Ferreira da Silva, apesar dos muitos senões, acabava por se tornar um mito.


Já homem feito, me vi reaproximar da literatura do cangaço e acabei por me apaixonar verdadeiramente pelo tema, daí me dedicando  sempre a buscar novas fontes; participar dos primeiros seminários seria inevitável, e assim  aconteceu. Serra Talhada, Mossoró, Paulo Afonso , e nesse "vai e vem" por entre as terras pisadas por Lampião, acabamos por nos aproximar dos "vaqueiros da história". A cada  novo evento um novo companheiro, compartilhando fragmentos da história, homens e mulheres que dedicaram e dedicam boa parte de suas vidas a seguir as pegadas desse que viria a ser intitulado o "rei do cangaço" ou o "governador do sertão", Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião.


Em março de 2009 quando retornávamos da primeira edição do Seminário de Maria Bonita em Paulo Afonso aflorou em minha cabeça a ideia de tentar realizar em nosso estado do Ceará, mais precisamente na região do Cariri; onde desenvolvia minhas atividades profissionais; um seminário onde pudéssemos resgatar um pouco da historiografia cangaceira na região, tão pouco conhecida pela grande maioria das pessoas. Num primeiro momento ouvia muitas indagações e provocações: "Cangaço no cariri?" "Está ficando louco?" "Como realizar um negocio desses aqui, sem nenhuma tradição com o tema?" "Evento para endeusar bandido?" ... Foi aí que alguns ingredientes acabaram se somando e o sonho acabou se tornando realidade: Determinação, perseverança, dedicação e amigos; muitos amigos, inúmeros amigos, de todos os lados e lugares, alguns antigos e outros novos, todos juntos começaram a acreditar que poderíamos fazer...e fizemos.



Mas não poderíamos continuar nossa conversa sem fazer o devido e responsável esclarecimento; explico: Apesar do fascínio que o cangaço exercia no pequeno garoto e exerce até hoje no homem; o Cariri Cangaço , não nasceu com o sentimento de fazer apologia ao Cangaço, cangaceiros, violência, enfim; não "mitifica" e nem procura elementos para "endeusar" Virgulino Lampião nem nenhum outro personagem dessa saga sertaneja tão penosa e cheia de dor. O verdadeiro sentimento que moveu a todos nós foi o de proporcionar um ambiente ainda mais propício para o debate e aprofundamento dessa temática que é tão marcante e capilar em nossa terra e em nossa gente. O incrível acontece; Lampião e o Cangaço que tanto sofrimento trouxe para o ordeiro povo do sertão, hoje promove o encontro,  a união e a harmonia na direção da busca da verdade histórica.

Os arquitetos...

A gratidão é uma das virtudes mais sublimes de um ser humano e são momentos como esse que temos a oportunidade de a materializarmos. Em princípio é notória a participação vital do município de Crato, através da Prefeitura Municipal e toda sua equipe. Aos vaqueiros da história; Napoleão Tavares Neves, o primaz, aquele que "deu as primeiras bençãos" ao sonho; aos amigos João de Sousa Lima e Antônio Vilela, protagonistas desse nascimento; aos amigos e ex-presidentes da SBEC ; Paulo Gastão e Kydelmir Dantas que colocaram a Sociedade inteiramente à disposição de nosso sonho, sem nem ao menos nos conhecer mais de perto. Aos amigos irmãos; Aderbal Nogueira e Ângelo Osmiro, bússolas sempre presentes , a nos orientar e ensinar. Professor Pereira que como um andarilho da esperança se comprazia em sonhar conosco...a Antônio Amaury que coroou com sua confirmação o êxito da iniciativa; a esses se somaram tantos outros, que hoje formam essa grande confraria de amigos, essa família que acostumamos a chamar de família Cariri Cangaço.

O sentimento...


De início tínhamos o desafio de estabelecer o formato do evento, a data, os conferencistas, tudo por tudo. Minha primeira preocupação foi fortalecer o conceito verdadeiro do evento. Era nosso desejo criar um Seminário, mesmo que pequeno, onde pudéssemos de forma responsável, lucida e competente, trazer para nossos convidados e anfitriões, o resgate deste recorte da história do cangaço que poucos conheciam. O cariri cearense era sim um cenário privilegiado do cangaço, notadamente de Virgulino Ferreira. Como desconhecer a ação e episódios como a visita de Lampião a Juazeiro em 1926, a patente de capitão, sua suposta ligação com Padre Cícero; o fogo da Piçarra, a morte de Sabino, a amizade com Seu Tôim da Piçarra; como esquecer os marcantes momentos de Lampião em Aurora, Isaias Arruda, traição, fogo; e personagens como Major Zé Inácio, Sinhô Pereira, Chico Chicote, Irmãos Marcelinos, Coronel Santana, enfim. O cariri tinha sim, muito a contar e ser contado.

O Cariri Cangaço nasceu com esse sentimento; lúcido e responsável; em trazer para o sul do Ceará esse fórum qualificado que pudesse de forma clara; não fazendo apologia ao banditismos ou endeusando cangaceiros; num primeiro momento discutir esse fenômeno tão rico e intrigante que foi o cangaço, e que se tornasse uma ambiente plural e cheio de capilaridade para também discutir outras temáticas ligados ao nosso nordeste, às nossas raízes, à nossa história... e memória, e aí vamos encontrar o cordel, a música, a estética, os beatos, o messianismo, os coronéis, a culinária, a medicina, enfim.


O contagio e a construção...

Nada se constroe sozinho! Poucos do universo da pesquisa e estudo do cangaço nos conheciam ; foi um "tiro no escuro" convidar os muitos confrades para virem ao cariri ver o que estávamos querendo fazer. A SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço e o GEEC - Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará,  foram de fundamental importância quando resolveram abraçar o evento. Já tínhamos um pequeno grupo de pesquisadores e escritores que haviam aceito o nosso convite para serem palestrantes. Agora precisava contagiar nossa casa; os municípios do cariri, os verdadeiros anfitriões.

Criamos um Empresa para realizar o evento, foi criada a Cariri do Brasil; que mais recentemente se tornou o Instituto Cariri do Brasil Daí, começamos pelo poder público, entidades e academias culturais, organizações não governamentais, entes de promoção cultural, imprensa e formadores de opinião; a semente estava plantada e no trabalho de formiguinha tivemos três meses para regá-la e ver os frutos nascerem. Neste momento amigos como Dihelson Mendonça e Antônio Vicelmo, foram fundamentais.

Primeiramente as prefeituras de Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha e Missão Velha, assumiram o desafio; a elas se somaram a URCA - Universidade Regional do Cariri, o ICC - Instituto Cultural do Cariri, o ICVC - Instituto Cultural do Vale Caririense, o Centro Pró Memória e ainda a Academia de Cordelistas do Crato, o Sebrae, o SESC, o CCBNB e o apoio vital da Expresso Guanabara. Pronto! Tínhamos o respaldo de nossa casa para promover e receber nossos convidados. Neste momento personalidades como Danielle  Esmeraldo, Glória Tavares, Rui e Nívia Uchoa; Dorivan Amaro, Soares Neto, Rodrigo Sampaio, Hugo Rodrigues, Celene, Oberdan, Joselio, Goreti; o maravilhoso pessoal do Atelier de Barbalha, Moreira Paz, Amélia Linard e Totonho; Arlene Pessoa, Anna Christina, Bola , Ocelio, Savio, Fernando, Bendimar, Alexandre Lucas, Manoel Patrício, Huberto Cabral, Carla Prata, Anastácio Braga, Dane de Jade, Cacá, Bosco André, Kaika, Rodrigo Montalverne e os valorosos e queridos colaboradores da Secretaria de Cultura de Crato; Felipe Kariri, Edmar, Rosana, Adriano Modesto, Ingrid, Sara, Yarley, Aline, Mabell, Fátima, Françoi, Sâmia, Flavio, Arisla, Greice, Marilac, são tantos...


Agora era partir para o combate; o bom combate! Na noite de 22 de setembro de 2009, estávamos realizando a abertura do 1º Cariri Cangaço, na cidade de Crato, sob o cerimonial de meu filho, Gabriel Barbosa e Sawanna Feitosa; com mais de 70 pesquisadores convidados e um público de 376 pessoas. Ao final: 19 conferências, lançamentos de livros e filmes, exposições, debates e 22 visitas técnicas, em seus seis dias de realização quando reunimos mais de 1.500 pessoas no total, começava ali uma grande caminhada. Assim nasceu o Cariri Cangaço, um evento construído para todos aqueles que acreditam que nosso futuro tem estreitas ligações com nosso passado, nossas tradições e nossa história...

Hoje; com dez anos de existência, rompemos as barreiras do Ceará e o Cariri Cangaço se consolida como o mais respeitado e qualificado fórum sobre a temática; presente em 6 estados da federação: Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, já realizou 109 Conferências, reuniu mais de 700 pesquisadores e mais de 50 mil pessoas em todas as suas edições; possui 23 sedes oficiais: Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Missão Velha, Aurora, Porteiras, Barro, Lavras da Mangabeira, Brejo Santo, Quixeramobim, Piranhas, Água Branca,  Poço Redondo, Sousa, Nazarezinho, Lastro, Princesa Isabel, São José de Princesa, Floresta, Exu, Serrita, São José de Belmonte e Pedro Alexandre; numa das mais autenticas Festas da Alma Verdadeiramente Nordestina.

Muito Obrigado.


Atualizado em 17 de Março de 2020
Manoel Severo
manoelsevero@bol.com.br