Fazenda Mata Verde e a Ladeira do Mato Verde Por: Rostand Medeiros

Ivanildo Siveira, Rostand Medeiros, João de Sousa Lima, Lívio Ferraz, Kiko Monteiro e Paulo Gastão, no Cariri Cangaço em Crato

Na tarde do dia 12 de junho de 1927 Sabino estava a frente da coluna, comandando um subgrupo que se deslocou com a intenção de atacar a Fazenda Mato Verde, tida como local de pessoas abonadas. Ao chegar ao casarão ele e seus homens perceberam que o mesmo estava abandonado, praticamente vazio e quase nada foi trazido de proveitoso.

Seus moradores, comandados pela matriarca Tionila Nogueira Barra, buscaram refúgio na Fazenda Passagem Funda, a cerca de três quilômetros de sua propriedade, onde se abrigaram por 30 dias em uma gruta denominada “Taipa de Zé Felix”.Sobre esta questão vale ressaltar que muitos moradores desta região buscaram esconderijo em cavidades naturais da zona rural de Felipe Guerra, principalmente na área do chamado Lajedo do Rosário.

Casarão do Mato Verde

O casarão do Mato Verde chama atenção pela imponência de sua construção. Atualmente, como é possível observar a foto anterior, o local se encontra em ruínas, sofrendo um processo de franca degradação. Entretanto comprovamos que foi erguida uma reforçada cerca de arame farpado, fechando exclusivamente a área do casarão. Segundo pudemos apurar, os descendentes da família Barra realizaram este trabalho na tentativa de proteger o que resta deste patrimônio.

A casa estava sendo destruída para a retirada de materiais de construção e por escavações realizadas nas suas paredes, na tentativa de serem localizadas e retiradas às conhecidas “botijas”, como no caso anteriormente comentado da fazenda Aroeira, onde foi sequestrada a senhora Maria Lopes.

Em relação a ladeira do Mato Verde, através do relato do agricultor João de Deus de Oliveira, conseguimos algumas informações. Ele nasceu na antiga gleba, até hoje mora em uma propriedade próxima a fazenda Mato Verde e da famosa ladeira homônima. Ele nos esclareceu que na época da passagem de Lampião, seus pais trabalhavam para Tonila Barra e junto com seus familiares fugiram em direção a Passagem Funda. Segundo informações transmitidas pelos seus pais, no passado a ladeira do Mato Verde era a principal passagem para os tropeiros e viajantes que seguiam entre a região salineira e a fronteira entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

Rostand Medeiros e a visita a Ladeira do Mato Verde

Era normal o tráfego de comboios formados por carros de boi rangendo na subida e na descida, transportando rapadura do Cariri, algodão, sal, cera de carnaúba, produtos alimentícios diversos e outros gêneros. Seus antepassados lhe comentaram que os primeiros automóveis e caminhões que circularam na região, igualmente seguiram por esta ladeira.

Devido a este aclive ter sido feito em um local íngreme, nos períodos de chuva era normal o pavimento ficar deteriorado. Foi então criada outra ladeira, localizada a um quilômetro a leste do Mato Verde, denominada ladeira do Riacho Preto, onde atualmente circulam inúmeros veículos entre as cidades de Governador Dix Sept Rosado e Felipe Guerra. 

Não conseguimos apurar a informação se a ladeira do Mato Verde foi criada pela família Barra, ou se eles edificaram esta casa nas proximidades deste local, com o intuito de aproveitar a passagem de viajantes e assim facilitar possíveis negociações. Entretanto visitando o local é fácil compreender a importância deste local para a história da região.


Massilon

Percebemos igualmente que, mesmo sem a participação de Massilon neste ataque, este local certamente lhe era conhecido e a família Barra. Logicamente Massilon transmitiu as informações para Lampião e Sabino e este último realizou a “visita” ao local.

Em nosso entendimento, acreditamos que a passagem de Sabino igualmente serviu, até pela proximidade entre a velha casa e a ladeira atualmente com pouco utilizada, para um reconhecimento tático desta passagem. Verdadeiro ponto nevrálgico do trajeto, onde a coluna teria de passar em fila e uma pequena quantidade de policiais bem posicionados poderia infringir sérios reveses aos cangaceiros.

No retorno ao sítio Santana, onde estava o resto do bando, Sabino e seus homens se depararam com automóvel onde se encontravam um motorista e o fazendeiro Antônio Gurgel do Amaral, que se tornaria a mais famosa vítima da passagem de Lampião pelo Rio Grande do Norte.

Sabino Gomes

Sítio Tabuleiro Grande – Esta propriedade situa-se após a ladeira do Mato Verde, em uma área onde atualmente as carnaubeiras desaparecem e retorna a dura vegetação típica da caatinga. Esta região atualmente é entrecortada por diversas estradas de barro, que servem e são mantidas em ótimas condições pela Petrobrás e suas inúmeras empreiteiras. A partir deste ponto, com suas inúmeras tubulações, poços de petróleo onde se encontram as bombas do tipo “cavalo de pau”, o pesado tráfego de caminhões tanque, a ação de extração de petróleo por parte da Petrobrás se torna uma imagem constante na paisagem.

Na época de Lampião o que se via era um deserto de mata crestada e algumas poucas casas. Esta situação de certa maneira perdura, pois durante toda a nossa jornada seguindo os rastros dos cangaceiros esta foi a zona mais desabitada que encontramos. Uma das poucas casas atacadas foi à sede da propriedade Tabuleiro Grande, atualmente demolida. Entretanto, através do relato de Edmundo Paulino da Silva, morador do sítio Arapuá, ele nos informou sobre um interessante relato que lhe foi passado pelo seu pai e avô, respectivamente João Paulino da Silveira e Pedro Filho.

Um conjunto de casas alteradas e abandonadas, ainda existentes a margem da mesma estrada que serve como ligação entre as cidades de Governador Dix Sept Rosado e Felipe Guerra, pertencente às terras do Tabuleiro Grande, foi igualmente invadido pôr uma tropa avançada do grupo de cangaceiros.

Segundo o agricultor Edmundo Paulino da Silva, estas casa abandonadas, já alteradas, teriam sido o local onde existiu a mercearia de Pedro Jurema, invadida por membros do bando, que só não atearam fogo em um comboio de algodão, por ordem de Lampião.

O lugar pertencia a Pedro Jurema, que tinha uma pequena mercearia no lugar. No momento da passagem do bando um pequeno grupo de comboieiros de algodão estava no local. Pedro Jurema jogou pela janela um saco com suas parcas economias e saiu pela mesma janela em desabalada carreira. Segundo Edmundo, Pedro Jurema fugiu e deixou “que seus fregueses se entendessem com os homens de Lampião”.

Os cangaceiros então invadiram a bodega, passaram a beber cachaça tranquilamente e a “aliviar” os comboieiros de seus pertences. Logo, movido pelo álcool, um dos cangaceiros teve a infeliz idéia de queimar o algodão transportado. Neste momento chega Lampião que interrompe a farra.

Ele prontamente cancela a ordem de tocar fogo no produto transportado elos comboieiros. Estes ficam muito agradecidos ao chefe do bando. Logo os transportadores de algodão começam a tanger seus animais e se afastam rapidamente do local.


Rostand Medeiros é historiador e pesquisador do cangaço.

Natal/RN - rostandmedeiros@gmail.com / (84) 9904-3153
Fonte: lampiaoaceso.blogspot.com.br e blogdomendesemendes.blogspot.com 

Saudades de Neco da Pautilha Por:Lampião Aceso

Registro da minha primeira visita ao penúltimo dos nazarenos em julho de 2008
junto com o amigo Cap. Marcelo Rocha.

É com imenso pesar que comunicamos aos amigos que faleceu hoje em Floresta (PE) aos 101 anos de idade o nosso amigo, ex soldado de Volante Manoel Cavalcanti de Souza, O "Neco de Pautilia". Neco costumava dizer de maneira paradoxal que, se o tempo retroagisse, ele não teria ingressado nas volantes, a polícia da época. “Afinal, Lampião nunca me fez mal. Era um homem bom. Ruim era a polícia que açoitava os coiteiros.” Antes de ingressar nas volantes, foi almocreve (espécie de vendedor ambulante) no Sertão, para esquecer um amor que as famílias não queriam.

Veio então a Revolução de 30 (movimento armado que facilitou a chegada de Getúlio Vargas ao poder) e os nazarenos (moradores do distrito de Nazaré do Pico, Floresta) não participaram. Neco resolveu juntar-se ao grupo de conterrâneos para formar uma das frentes de combate a Virgolino Ferreira, estimuladas pelo governo.

O grupo seguiu em direção ao Raso da Catarina (Bahia). Cada um levava no bornal farinha, sal e rapadura. Nas mãos, um rifle como se fosse o “sentimento do mundo.” Entretanto, o objetivo maior era ganhar dinheiro. O então jovem Neco, aos 19 anos, partiu para o desconhecido fascinante e ao mesmo tempo perigoso. Foram três dias de caminhada comendo mal, sem dormir e o pior era a expectativa de a qualquer momento deparar-se com o bando de cangaceiros. E foi o que aconteceu. 



Veio então o temido tiroteio, que resultou em vários feridos de ambos os lados. Não dava para recuar. A partir daí, Neco enfrentou mais quatro combates, viu companheiros e cangaceiros morrerem de sucesso (morrer em combate), entre Pernambuco Sergipe e Bahia. Conheceu Virgolino e não teve medo. Mas aquela vida de incertezas, enfrentando chuva, sol, sede, calor e frio nas caatingas, não era a que Neco pediu. 

Resolveu abandonar as volantes e sem receber o dinheiro prometido, $2 contos. Levou apenas $500 mil réis mais a passagem de volta. Deixando a vida militar e de volta ao aconchego, Neco foi barbeiro, alfaiate, sapateiro, até tornar-se funcionário público da Suvale, hoje Codevasf.

Trecho do Doc Xaxado a dança de Cabra Macho - Anildomá Willans (Fundação Cabras de Lampião).

Aposentado, levou a vida remoendo o passado ao lado de sua grande paixão: Mariquinha, que conheceu aos 13 anos de idade numa escola da zona rural de Floresta. Antes do primeiro encontro, Neco leu o nome dela escrito no quadro de uma sala de aula – Maria Ribeiro dos Anjos. Achou bonito aquele nome e escreveu por cima o seu com uma bala de rifle. Pronto! Os destinos estavam selados. Casou com Mariquinha um ano depois. O casal deixou um prole invejável de 110 descendentes. Como nos contos de fadas, Neco e Mariquinha foram felizes por 80 anos.


*Texto de comadre Wanessa Campos. Publicado no Jornal do Comercio, Recife, em 28.11.2009

Kiko Monteiro, Sócio da SBEC; Conselheiro Cariri Cangaço
Fonte: www.lampiaoaceso.com

A Arte do Cariri Cangaço Lavras da Mangabeira 2014


Divulgada a Arte do Cariri Cangaço Lavras da Mangabeira 2014; criação e arte do grande amigo Ruy Gabriel da equipe da competente Conselheira Cariri Cangaço, escritora e poetisa, secretária de cultura de Lavras da Mangabeira, Cristina Couto.

Cariri Cangaço Lavras da Mangabeira 2014
12 e 13 de Setembro
Lavras de Mangabeira , Cariri do Ceará

Achados de Canudos

“Deve existir no Céu um protetor dos pesquisadores em geral e dos pesquisadores de História em particular.Ignoro seu santo nome, mas posso dar testemunho público de sua generosa proteção aos mariscadores das coisas do passado. Nas investigações que venho fazendo,há muitos anos, a respeito do episódio histórico de Canudos,o anônimo patrono da pesquisa não me tem abandonado.De quando em vez, inesperadamente, dele recebo um régio documento, cuja existência jamais suspeitei”.
José Calasans

"Durante a Guerra de Canudos (1896-1897), a vida do povo canudense e o arraial do Belo Monte despertaram grande curiosidade no Brasil inteiro. No final do terrível episódio, em outubro de 1897, inúmeros objetos foram encontrados nos escombros da cidadela e levados para as principais capitais Do país como trofeús de guerra. Com o passar dos anos, muitos desses achados foram doados à instituições e coleções particulares e hoje são importantes fontes de estudos para historiadores e pesquisadores do tema". Claude Santos

O corpo de Antônio Conselheiro. Fotografia de Augusto Flávio de Barros, 6 de outubro de 1897.

Encontrado no Santuário na manhã de 6 de outubro de 1897,o corpo do líder espiritual do Belo Monte foi exposto à curiosidade da soldadesca republicana na Latada, local de suas prédicas e orações. Depois de fotografado por Augusto Flávio de Barrros, teve a cabeça decepada e levada para a Escola de Medicina da Bahia onde foi estudada pelo professor Nina Rodrigues, especialista em estudos frenológicos.Até 1905, a cabeça de Antônio Conselheiro ficou exposta no Museu de Medicina Legal da instituição quando foi queimada durante Um incêndio.

Durante o desentulho do Santuário,casa de morada de Antônio Conselheiro, foram encontrados dois manuscritos do líder espiritual de Canudos, ou Belo Monte.O primeiro foi oferecido à gazeta baiana Jornal de Notícias por Eugênio Carolino de Sayão Carvalho, brigada do 25º batalhão de infantaria, e muitos anos depois foi dado ao Professor José Calasans pelo amigo Paulo Maciel. Hoje pertence ao Núcleo Sertão da Universidade Federal da Bahia, principal acervo dos estudos canudenses. O segundo, encontrado dentro de uma velha caixa de madeira por João Pondé, acadêmico da Escola de Medicina da Bahia, depois pertenceu ao escritor Afrânio Peixoto que o presenteou a Euclydes da Cunha na esperança de lhe informar alguma nota dos seu miríficos “Sertões”. Durante muitos anos esse manuscrito ficou desaparecido até ser encontrado em um sebo pelo escritor Aristeu Seixas. Em 1973,estava em poder de Ataliba Nogueira que publicou trechos no seu livro “Antônio Conselheiro e Canudos”. Hoje, não sabemos do seu paradeiro.


A Igreja de Santo Antônio, conhecida como Igreja Velha, foi o primeiro templo construído por Antônio Conselheiro no antigo Povoado de Santo Antônio dos Canudos.Quando se estabeleceu o arraial, em junho de 1893, o pregador cearense recebeu a chave da Igreja, discursou e fez rédicas. Pouco tempo antes, tinha escrito aobeato Paulo José da Rosa pedindo que não levasse As imagens para a nova igreja porque ela ainda não tinha sido abençoada.A chave e a carta hoje estão no acervo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. O discurso de recebimento da chave da Igreja de Santo Antônio pode ser consultado no manuscrito de 1897,publicado por Ataliba Nogueira no seu livro “Antônio Conselheiro e Canudos”.


A primeira ilustração do antigo arraial de Santo Antônio dos Canudos foi feita por Demétrio Urpia, então juiz preparador de Tucano, vila sertaneja baiana. Para fazer o seu desenho, intitulado “Arraial dos Canudos, Visto pela Estrada do Rosário”, o magistrado baseou-se em informações de oficiais da expedição Moreira César, derrotada pelos conselheiristas no início de março de 1897. Na época da Guerra, o desenho de Demétrio Urpia foi comercializado e hoje ma das cópias pode ser consultada no acervo do Núcleo Sertão da Universidade Federal da Bahia.

Durante o desentulho do Santuário, morada do líder espiritual do Belo Monte e das imagens levadas pelos fiéis que iam em romarias para o “arraial sagrado”, Alvim Martins Horcades, acadêmico da Escola de Medicina da Bahia, encontrou uma imagem de Santo Antônio. Depois da Guerra, Horcades gentilmente presenteou-a à Maria Francisca Tourinho, esposa de Adolfo Frederico Tourinho, diretor do Colégio São Salvador. Localizada pelo professor José Calasans em 1997, ano do centenário de destruição do povoado conselheirista, essa imagem hoje pertence aos descendentes de Maria Francisca e Adolfo Tourinho.

Fonte: www.josecalasans.com

A Questão de Juazeiro... Aguardem ! Por:Dimas Macedo


"Farei este ano uma palestra que espero tenha o seu significado: Padre Cícero, Lavras da Mangabeira e a Questão de Juazeiro. Farei revelações que tenho certeza irão mexer com a biografia do Padre Cícero. O material é inédito de riquíssimo. Lavras é a terra do Velho Zé Lobo e daquele que atestou o Milagre de Juazeiro, o Dr. Ildefonso Correia Lima. Filho de quem (imaginem): de Dona Fideralina Augusto"

Dimas Macedo

Cariri Cangaço Lavras da Mangabeira 2014
12 e 13 de Setembro 
Cariri do Ceará

O Primeiro Angico a gente nunca esquece Por:Manoel Severo

Gabriel Barbosa

Vez por outra abrimos o baú da memória e do coração e nos deparamos com momentos inesquecíveis. Um desses me trazer dois personagens extremamente especiais com profundas ligações comigo; um por laços de sangue e outro por laços de coração: Gabriel Henrique Barbosa, meu filho mais velho e Alcino Alves Costa o inesquecível Caipira de Poço Redondo... Mas vamos aos fatos, abrindo o baú do Cariri Cangaço.

Era janeiro de 2010 e mais uma vez nos aventurávamos por terras do baixo São Francisco, nem sei bem o número de incursões até os recantos de Piranhas, Poço Redondo, Canindé do São Francisco, enfim. Naquela oportunidade faziam parte da Caravana Cariri Cangaço, além de muitos outros ilustres companheiros os dois em questão: Gabriel e Alcino. Mas antes de prosseguir vou recorrer ao relato de Gabriel Barbosa sobre aquele dia...

"A magia que envolve Angico é algo sobrenatural"

"Tive a incumbência de relatar minhas impressões e sentimentos ao pisar pela primeira vez em Angico. Em outras oportunidades em que minha família fez a mesma viagem eu não estava junto e para mim era imperioso, desta vez acompanhá-los por essa viagem de "férias e de trabalho". O mais legal foi que tudo isso aconteceu após o primeiro Cariri Cangaço que foi em setembro do ano passado (2009). Desde pequeno que me acostumei com o interesse de meu pai pelo tema. Os livros e matérias de todas as naturezas se espalhavam pelos quatro cantos da casa, daí, eu já me sentia inteiramente familiarizado com cangaceiros, volantes, combates, enfim. Veio o primeiro Cariri Cangaço e eu com Sawanna recebemos a missão de fazer o Cerimonial. Que desafio! Não só o cerimonial em si, mas está ali, diante dos tantos que eu me acostumei a ver apenas nas capas dos livros.


Sawanna e Gabriel Barbosa, Mestres de Cerimonia do primeiro Cariri Cangaço

As palestras se sucediam, as conversas durante o dia, as visitas, e cada vez mais me surpreendia com tamanha energia e o gigantesco acervo em torno do assunto. A cada momento me deliciava ao ouvir essa ou aquela história, que inclusive já tinha ouvido uma vez ou outra meu pai comentar. Segredo:Quando viajamos ele nos obriga a ouvir histórias do cangaço, sempre leva de dois a tres livros e um é sorteado para ler; nessa viagem estávamos com "Entre a Espada e a Lei", "Lampião Além da Versão" e "Cariri-Cangaço,Coiteiros e Adjacências", nem que não queira, agente aprende!!! rsrsrs.

Voltando a Angico; no penúltimo dia do Cariri Cangaço 2009, tivemos em Juazeiro a palestra sobre Angico, com o Dr. Amaury, Dr. Leandro e ainda com o Aderbal, Paulo Gastão, Alcino e Paulo Britto. E aquela noite em especial me trouxe muita curiosidade a cerca de Angico e agora estou aqui a escrever minhas impressões sobre o lugar.


 Gabriel Barbosa e Aderbal Nogueira, abaixo ao lado de Ivanildo Silveira

Simplesmente fantástico. A magia que envolve Angico é algo sobrenatural, não sei se por ter tanta história ligada ao lugar; na verdade me pareceu um  leito seco de rio, talvez igual a outros muitos do sertão; mas ali estava as cruzes que marcaram a morte de Lampião, foi ali que ele deu o último suspiro, ali conversou ou planejou alguma coisa pela última vez, isso tudo me deixou pasmo, e eu estava ali; no lugar do qual me acostumei a ouvir tanta história. Obrigado ao Jairo e ao Alcino pela aula, com certeza tenho que voltar outras vezes." Confessa Gabriel Barbosa.

Em tempo; pedi para Gabriel escrever essa nota pequena sobre o que achou da Trilha de Angico e ele acabou me apresentando esse artigo que com o tempo ganhou para mim um forte significado, pois naquele dia veio a acontecer algo que nos marcaria por muito tempo e que hoje estou tendo a permissão de revelar.

Naquele final de manha de janeiro de 2010, eram por volta das 13 horas e conversávamos como em muitas outras oportunidades, eu, Alcino, Jairo e Gabriel, sobre os famosos "Mistérios" do Angico, quando de repente o velho Caipira parou, fixou o olhar em um ponto ermo e "caiu", literalmente caiu, imediatamente Gabriel avançou sobre seu corpo e evitou que o Decano querido chegasse ao solo. Uma queda de pressão, um mal passageiro, o que houve ? De sorte, logo depois Alcino foi recobrando os sentidos e passo a passo se recuperou do passamento. O retorno ao restaurante Angico, a 800 metros da grota, foi penoso e cheio de cuidados, enfim chegamos todos bem, apenas com a preocupação com a saúde do estimado amigo... Mas antes de continuar vamos recorrer ao Caipira que nos enviou um pequeno artigo sobre aquele dia:

Alcino Alves Costa em janeiro de 2010 no Angico

"Minha gente querida, Severo e Gabriel. Deus escreve certo por linhas tortas. É um velho ditado. O que me aconteceu naquele dia em Angico foi um sinal superior para ainda mais ficarmos unidos e gratos. A atuação de Gabriel em relação ao cuidado com a minha pessoa não foi comum para os dias atuais, desse mundo sem amor. Fiquei com a impressão de que ele estava seguindo os ditames e a vontade dos bons espíritos que acompanham-no dia e noite.

O meu espírito se alegra e fica feliz quando está perto dos espíritos de vocês e isto me traz uma grande felicidade. Não tenho dúvidas, o Cariri Cangaço fará mais um retumbante sucesso. Seus espíritos são  os responsáveis por este grande êxito que vocês irão alcançar e são merecedores. Use essa força espiritual que você carrega e faças com que as diferenças tolas entre muitos de nossos amigos possam acabar, e eles voltem a ser os irmãos que eram antigamente. Tenho lido o que você tem escrito sobre coisas de minha vida. Muito obrigado, obrigado mesmo! Abraços e beijos em todos vocês." Alcino, Caipira de Poço Redondo.

  Alcino, Severo,Jairo Luiz e Gabriel Barbosa em Angico


Daquele dia em diante, sempre que nos encontrávamos e ou conversávamos Alcino sempre me perguntava: "Cadê Gabriel ? Como vai Gabriel ?" percebemos juntos que aquele dia havia tornado sólida e descortinada uma forte ligação entre nossas famílias e nossas existências. Gabriel que esteve com Alcino tão poucas vezes acabou entrando em seu coração para sempre e vice- versa. 

Depois de muito tempo, já próximo de sua ultima partida para as caatingas do eterno, Alcino me procurou e falou : "Severo, lembra daquele dia no Angico, de meu passamento, de Gabriel ? Você conseguiu ver o que vi ? " Confesso que uma tremenda vibração tomou conta de meu corpo, nunca havíamos falado sobre isso e de repente Alcino me trazia um fenômeno que pensei ninguém ter percebido na ocasião e logo antes do acontecido na Grota. Vi e ali havia tido a confirmação também de Alcino, que não estávamos sós naquela manha. Por entre os arbustos do final de janeiro algo mais nos observava...

Dias que ficarão maracados para sempre...

Manoel Severo
Curador do Cariri Cangaço

Zé do Papel Por: Archimedes Marques

João de Sousa, Manoel Severo, Lívio Ferraz, Alcino Costa, Archimedes Marques e Antônio Vilela

Em meados de outubro de 1930 quando o bando de Lampião entrou na cidade de Aquidabã, em Sergipe, o ínfimo contingente policial fugiu às pressas deixando as pessoas totalmente desprotegidas e nas garras dos cangaceiros. Aquele era o retrato da força policial sergipana do governador Eronildes de Carvalho, filho de Antônio Caixeiro, sem dúvidas, dos maiores coiteiros que o famigerado Lampião teve na sua vida bandida por cerca de 20 anos no nordeste brasileiro.

Jose Custódio de Oliveira, o Zé do Papel, em virtude de ser uma pessoa aparentemente de classe privilegiada, de classe média para rica, um pecuarista e proprietário da Fazenda Pai Joaquim, fora abordado por Lampião e dentro da sua residência na cidade de Aquidabã, além de certa quantidade de dinheiro, fora encontrado dez balas de fuzil em uma cômoda, sendo daí interpelado para contar onde estava a arma, pois pela lógica, havendo munição haveria a consequente arma, oportunidade em que o trêmulo cidadão afirmou ter emprestado o mosquetão para o juiz de direito daquela comarca, Dr. Juarez Figueiredo.

Tal fato, provavelmente incutiu na mente de Lampião que a arma fora passada ao juiz, justamente para que ele se defendesse do seu bando, daí, enraivecido com o fato, o chefe do cangaço, irracional e impiedosamente arrastou Zé do Papel ruas acima e em frente a um armazém próximo da praça principal da cidade decepou à golpe de faca a sua orelha, depois do bando ter praticado saques no comércio local e tantos outros crimes de torturas contra pessoas amedrontadas, dentre os quais o assassinato de um débil mental de nome Souza de Manoel do Norte, mais conhecido por Abestalhado, que se fez de corajoso na sua insanidade sacando um pequeno canivete com o qual cortava fumo de corda para fazer seu cigarro de palha e com tal arma teria desafiado os cangaceiros. Diante do fato, o sanguinário Zé Baiano partiu em verdadeira fúria contra o pobre do doido ceifando a sua vida a golpes do seu longo e afilhadismo punhal de 70 centímetros, em luta totalmente desigual de um ínfimo canivete em mãos de um doente mental contra um longo punhal em mãos de um feroz e impiedoso cangaceiro. Não satisfeito com o bárbaro assassinato, Zé Baiano abriu a barriga da pobre vítima para retirar gordura e untar as suas armas de fogo. Tal pratica era useira e vezeira quando os cangaceiros eliminavam as suas vítimas e queriam impressionar a população para serem mais respeitados ainda do que já eram.

Cangaceiro Zé Baiano

Consta que Zé do Papel na agonia de sentir o sangue escorrendo pescoço abaixo ainda foi obrigado a beber um litro de cachaça que ao mesmo tempo era usada para estancar o seu ferimento e aliviar a sua dor. Em meio a esse místico de humilhação, crueldade, sangue e cachaça o endiabrado cangaceiro Zé Baiano pegou o roceiro Eduardo Melo e após espancá-lo com o coice do seu fuzil, também cortou a sua orelha seguindo o exemplo do seu chefe. Zé do Papel ainda viveu por muito tempo e viu o cangaço se acabar e seu carrasco morrer, entretanto, o Eduardo Melo não teve a mesma sorte e faleceu cerca de um mês depois da perversidade sofrida.

Assim, Aquidabã viveu o maior dia de terror da sua história. Assim Aquidabã fora vítima das atrocidades dos cangaceiros e para sempre pelos seus sucessores moradores aquele dia será lembrado.  Assim, Aquidabã fora vítima também do próprio Estado que deveria ser o protetor do povo, mas que estava ausente. Ausente pela covardia dos seus policiais que fugiram mato adentro sem esboçarem reação alguma. Ausente pela pouca ou nenhuma vontade política de verdadeiramente se combater o cangaço nas nossas terras.

De tudo isso, por incrível que pareça, a Justiça de Aquidabã, sequer abriu Processo Criminal contra Lampião e seu bando. Teria o juiz Juarez Figueiredo, o mesmo que estava com o fuzil emprestado de Zé do Papel, responsável indireto pela decepação da sua orelha se acovardado para não providenciar qualquer procedimento judicial contra Lampião?...Por outro lado, em igual modo de impunidade falando, dizem – e a história de certo modo comprova –  que a polícia de Sergipe era uma polícia de “faz de conta”: Fazia de conta que caçava Lampião, e, Lampião por sua vez, fazia de conta que era caçado.

Archimedes Marques
Delegado de Policia Civil no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Publica pela Universidade Federal de Sergipe
archimedes-marques@bol.com.br

Vem aí o XVI Fórum do Cangaço Por:SBEC


A SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço anuncia a Programação Oficial do XVI Fórum do Cangaço a se realizar na cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte.

Tema: Cangaço e turismo numa perspectiva pedagógica e empreendedora

Mossoró/RN - 02 a 04 de junho de 2014
Local: Auditório da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais – Fafic
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN

Dia 02/06/14 – Segunda-feira

19h15min
Local: Auditório da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da UERN
Solenidade de abertura

20:00h
Diplomação de novos sócios da SBEC

20:30h
Conferência de abertura
Tema: O roteiro do cangaço e a pedagogia das atividades de campo na cidade de Mossoró/RN
Conferencistas: 
Cinara Filgueira Maciel
Maria Gorete Serra Sousa 

21:30h
Programação cultural
Genildo Costa

Dia 03/06/13 – Terça-feira

19:30h
Palestra e lançamento da obra:
Título: JARARACA: memória e esque
cimento nas narrativas sobre um cangaceiro de Lampião em Mossoró
Palestrante/autor: Marcilio Lima Falcão
                  
Dia 04/06/14 – Quarta-feira

09:00h
Assembléia Geral da SBEC
Eleição e posse da diretoria para o biênio 2014-2016

19:30
Palestra e lançamento da obra:
Titulo: DOS VERSOS ÀS CENAS: 
O cangaço no folheto de cordel e no cinema
Palestrante/autor: Gilvan de Melo Santos

AGENDA COMPLETA:

 26/05 a 02/06/2014: período de inscrições
  Local de inscrição: Departamento de História da UERN
 Taxa de inscrição: R$ 20,00
Carga horária: 16h 
 02 de junho das 14:00h às 19:00h: credenciamento
 02 a 04 de junho: Evento

As Marcas do Cangaço no Juá Por:João de Sousa Lima

José Soares e João de Sousa Lima

O Juá é o maior povoado de Paulo Afonso e foi um dos maiores coitos de Lampião nessa região, sendo também o lugar que mais deu cangaceiros aos subgrupos do cangaço. Além de ter vários coiteiros a povoação foi um dos redutos para os fugitivos de Canudos. o Juá, Salgado do Melão, Brejo do Burgo, Várzea da Ema foram grandes focos de sobreviventes da Guerra de Canudos. Saíram do Juá para o cangaço: Noca, Verônica, Rita,  Lua  Nova, Português, Passarinho, Carrapicho, Baliza, Ferrugem, Mané Revoltoso Medalha e Lili. Muitas pessoas ainda guardam nas lembranças a passagem do cangaço na região e dois deles foram entrevistados recentemente e deixaram seus registros para um futuro livro.

José Soares da Silva é primo do cangaceiro Ângelo Roque. A família de José Soares residia no povoado Serrote, vizinho ao Juá e tinham muitos familiares entre os povoados Macambira, Alagadiço, Juá, Serrote e São José. Lampião chegou ao entardecer na casa dos seus pais: José Antonio e Marcelina Teixeira. Zé Soares era um garoto  entre 8 e 9 anos de idade. Lampião ordenou a Zé Soares pra ele ir buscar água para os cachorros. Zé foi a cozinha e trouxe uma lata com água e uma bacia, dirigiu-se ao terreiro e colocou a água para os cães, enquanto observava o chapéu "brilhoso" de Lampião. O serviço do garoto foi pago e os cangaceiros seguiram destino.  Foi o primeiro contato dos muitos que iriam acontecer.

 Ana Cleta e João de Sousa Lima 

A senhora Ana Cleta Maria Xavier é prima da cangaceira Sabrina. Sabrina era filha do casal Antonio Vicente e Francelina e seu irmão Zé Gato também entrou para o cangaço. Sabrina foi levada pelo irmão Zé Gato para uma festa e dançou a noite toda e quando retornou de manhã apanhou do pai e fugiu de casa. o irmão Zé Gato foi quem intermediou a fuga da irmã. Sabrina seguiu para o povoado Icó (no centro do Raso da Catarina).  No Icó Sabrina pediu  ajuda ao tio Quelé e Quelé mandou ela ir falar com o delegado Mané Francelino. O delegado teve medo dos cangaceiros atacar o Icó e não aceitou deixar Sabrina no lugar e ai Sabrina já reaparece tempos depois junta aos cangaceiros.

Pude ainda conversar com Zé Soares e Ana Cleta, dois sobreviventes da época do cangaço. O povoado Juá foi um dos grandes coitos dos cangaceiros e ainda encontramos por lá pessoas que beirando os 90 ou 100 anos ainda guardam lembranças daquele tempo.

João de Sousa Lima é historiador, escritor, pesquisador do cangaço
Sócio da SBEC , GECC e Conselheiro Cariri Cangaço
Fonte - http://www.joaodesousalima.com

Revelado Zé Inácio do Barro Por:Manoel Severo


Leandro Cardoso, Sousa Neto, Wilson Seraine e Rubinho Lima

Ainda em 2011 por ocasião do Cariri Cangaço chegando em primeira mão na acolhedora cidade de Barro tivemos um dos lançamentos mais festejados do evento: José Inácio do Barro e o Cangaço, do pesquisador, escritor e Conselheiro Cariri Cangaço, Sousa Neto. A obra dispensa apresentações não só pela intensidade da história de seu principal personagem, mas também pela qualidade, talento e dedicação de seu autor, Sousa Neto. Abaixo transcrevemos uma breve apresentação da obra pelo médico e pesquisador, também Conselheiro Cariri Cangaço, Leandro Cardoso.


"O trabalho que ora se apresenta é o resgate de um ilustre desconhecido: José Inácio de Sousa. Por tal nome, certamente muita gente nem mesmo faria a associação com o Cangaço. Agora, ao falar Zé Inácio do Barro, todos indiscutivelmente farão a associação com o grande protetor de cangaceiros do sul do Ceará. Frequentemente citado em obras de peso como protetor de cangaceiros, principalmente Sinhô Pereira e Luís Padre, o major Zé Inácio sempre foi uma incógnita. 

Não há qualquer referência prévia sobre seu nascimento, sobre os motivos que o levaram a deixar o Cariri, ou mesmo como angariara para si tanto poder. Que seja uma foto. Não havia nada. E olha que Zé Inácio foi um dos signatários do famoso “Pacto dos Coronéis”, capitaneado pelo Padre Cícero, tamanha sua influência política na região. Sua figura, apesar de frequentemente citada em obras de peso, passa à larga, sem que ninguém até o momento tivesse se ocupado em analisar-lhe a história e os meandros de sua atribulada vida. Finalmente, a lacuna foi preenchida pelo sertanejo do Barro de Zé Inácio, meu amigo Sousa Neto (...). 

Um excelente trabalho de resgate e documentação, não somente sobre Zé Inácio, mas também sobre Sinhô Pereira, Luís Padre, Lampião, na região do Cariri cearense. A análise da temperatura social e política da região é sóbria, mostrando conhecimento e interpretação correta de diversos aspectos da região enfocada. Não fosse o bastante, ele nos traz detalhes impressionantes sobre dois personagens de quem os pesquisadores muito já ouviram falar, mas quase nada sabiam a seu respeito: os irmão José Dedé e João Dedé, que tiveram participação importante em muitos episódios referenciais do cangaço, como por exemplo a morte de Luiz Gonzaga Ferraz, em Belmonte por Lampião e remanescentes do bando de Sinhô Pereira."
 
Dr. Leandro Cardoso Fernandes
Médico – Escritor , Conselheiro Cariri Cangaço

NOTA CARIRI CANGAÇO: Se você ainda não possui essa obra, mantenha contato com direto com o autor, Sousa Neto, através de seu endereço eletrônico: netobarro@bol.com.br

Arquitetura do Sertão Por:Juliana Sayuri


Casa da fazenda Sabugi, no Rio Grande do Norte - Foto - Nathália Diniz

Casa da fazenda Sabugi, no Rio Grande do Norte – Foto – Nathália Diniz
O sertão é do tamanho do mundo, dizia Guimarães Rosa. Dizia como ainda dizem os que se enveredam pelos tortuosos caminhos dos rincões nordestinos em busca de histórias, respostas, saberes. Não raro, porém, muitos retornam dessas terras ainda mais intrigados com novas questões. A pesquisadora Nathália Maria Montenegro Diniz mergulhou diversas vezes nesse território. Ali nasceram a dissertação de mestrado Velhas fazendas da Ribeira do Seridó (defendida em 2008) e a tese de doutorado Um sertão entre tantos outros: fazendas de gado nas Ribeiras do Norte (em 2013), ambas realizadas sob orientação de Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Nessas empreitadas, ela encontrou não apenas respostas a seus estudos sobre a arquitetura rural do século XIX sertão adentro, mas também questionamentos novos que deram fôlego para um novo projeto de pesquisa, vencedor da 10ª edição do Prêmio Odebrecht de Pesquisa Histórica – Clarival do Prado Valladares, divulgado em dezembro. O projeto O conhecimento científico do mundo português do século XVIII, de Magnus Roberto de Mello Pereira e Ana Lúcia Rocha Barbalho da Cruz, também foi premiado. Os vencedores foram escolhidos entre 213 trabalhos inscritos pela originalidade dos temas. O prêmio inclui a produção e publicação de um livro, sem valor predeterminado.
É difícil desvencilhar a história pessoal de Nathália Diniz de seu itinerário intelectual. De uma família de 11 filhos originária de Caicó, na região do Seridó, interior do Rio Grande do Norte, ela foi a primeira a nascer na capital potiguar. Em 1975, a família mudou-se para Natal – professores de matemática por ofício, os pais pretendiam oferecer melhores condições educacionais para os filhos. Nas férias e feriados todos retornavam à pequena cidade, onde ficavam em uma das casas das fazendas que pertenceu ao tataravô da pesquisadora. “Logo cedo pude notar as visões diferentes construídas sobre o sertão nordestino. As casas que eu via não eram as mesmas retratadas nas novelas de época, da aristocracia rural. Era outro sertão”, lembra.
Nathália Diniz
Graduada em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Nathália quis explorar os outros sertões esquecidos no século XIX, mais especialmente no Seridó, uma microrregião do semiárido que ocupa 25% do território do estado. Lá o povoamento se iniciou no século XVII com as fazendas de gado e o cultivo de algodão. Ainda estudante, deu o primeiro passo nessa direção quando participou de um projeto de extensão que investigou os núcleos de ocupação original do Seridó a partir de registros fotográficos e fichas catalográficas feitas por estudantes e pesquisadores. Descobriram, assim, que essas casas, posteriores ao período colonial, mantinham características herdadas da arquitetura colonial ao lado de elementos ecléticos modernos.
Uma vez bacharel, Nathália viajou a São Paulo para participar de um encontro de arquitetos e deparou com o processo seletivo para mestrado na FAU. Decidiu, então, despedir-se do Nordeste para estudar na capital paulista. “Foi preciso partir para poder redescobrir os sertões”, diz ela. Para seu projeto de dissertação, a jovem arquiteta tinha um trunfo: a originalidade da pesquisa sobre as casas de Seridó. “Quase ninguém conhece aquele patrimônio. Quis apresentar essa realidade nas minhas pesquisas.”
Nathália investigou o acervo arquitetônico rural do Seridó, de formas simples e austeras, sem o apelo estético de outros exemplares do litoral nordestino. Essas construções, entre casas de famílias, casas de farinha e engenhos, representam um tipo de economia do século XIX alicerçado no pastoreio e no cultivo de algodão. Embora fundamental para a identidade da região, segundo o estudo, esse acervo composto por 52 edificações conta com poucas iniciativas concretas para tornar viável sua preservação.
Casa da fazenda Almas de Cima, também no Rio Grande do Norte: preservação ainda precária - Fonte - Nathália Diniz
Casa da fazenda Almas de Cima, também no Rio Grande do Norte: preservação ainda precária – Fonte – Nathália Diniz
No início do século XVII, com o povoamento do interior do Rio Grande do Norte, sesmeiros pernambucanos fincaram raízes no Seridó. Foi no século XVIII que surgiram as casas na região feitas de taipa, com madeiramento amarrado com couro cru, chão de barro batido e térreas, com telhado de beira e bica. Lentamente, as casas de taipa passaram a alvenaria, com tijolos apenas na fachada. Por fim, no século XIX, o Seridó ficou marcado pela construção de grandes casas de fazenda, habitadas pelo proprietário, familiares, agregados e escravos.
No doutorado, a arquiteta expandiu horizontes, territoriais e teóricos. Por um lado, debruçou-se sobre a arquitetura rural vinculada às fazendas de gado nos sertões do Norte (atuais estados da Bahia, Paraíba, Pernambuco, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte). Ela mapeou um acervo de 116 casas-sede a partir de levantamentos arquitetônicos do Piauí, Ceará e Bahia. A fim de melhor compreender o patrimônio material e imaterial nas habitações rurais dessa região, entrou nos campos da história social e da história econômica.
Do inventário de 116 casas-sede alicerçadas em pedra bruta, erigidas em diferentes ribeiras (Ribeira do Seridó, do Piauí, da Paraíba, dos Inhamuns e do São Francisco e Alto Sertão Baiano), a pesquisadora notou a heterogeneidade das construções arquitetônicas nas rotas do gado no Nordeste, que mantinham um mercado interno agitado, embora desconhecido, no calcanhar da economia do litoral exportador. Eram ainda construções pensadas para a realidade sertaneja, com sótãos e outras estruturas propícias para arejar os ambientes castigados pela alta temperatura e pelo tempo seco.
A casa da fazenda Santa Casa - Foto - Nathália Diniz
A casa da fazenda Santa Casa – Foto – Nathália Diniz
Contornando ribeiras e atravessando sertões, Nathália Diniz construiu suas investigações a partir de vestígios de tijolo, pedra e barro. Muitas casas de taipa, mencionadas nos arquivos, não resistiram ao tempo e desapareceram. Restaram fazendas formadas por casas-sede e currais. Entre as características da maioria das construções estavam à disposição dos ambientes: os serviços nos fundos do terreno, com tachos de cobre, pilões, gamelas; e a intimidade da vida doméstica no miolo das edificações, com mobiliário trivial, como mesas rústicas e redes, assentos de couro e de sola, baús e arcas de madeira. Em muitas fazendas, em paralelo a criação de gado, cultivaram-se cana-de-açúcar e mandioca, de onde viriam a rapadura e a farinha, que, ao lado da carne de sol, tornaram-se a base da alimentação sertaneja. “A arquitetura rural não segue modelos”, diz Nathália. “Os primeiros proprietários dessas casas eram filhos dos antigos senhores de engenho do litoral. Se a arquitetura rural tivesse um modelo, eles teriam construído casas similares às de seus pais no litoral, o que não ocorreu. A arquitetura dos sertões mostra a formação de uma sociedade a partir da interiorização dos sertões do Norte, de uma economia marcada pelo gado.”
Depois do doutoramento em São Paulo, a pesquisadora retornou a Natal, onde é professora de história da arte e de arquitetura no Centro Universitário Facex. Seu projeto atual é aprofundar a análise arquitetônica das casas-sede, explorando uma lacuna na historiografia brasileira sobre as relações sociais e suas consequências materiais nos sertões, ainda hoje um universo inóspito e incógnito, marcado por longas distâncias e imensos vazios. Esses territórios ficaram esquecidos, apesar de presentes na literatura e nos relatos memorialistas. Daí brotaram generalizações sobre o Nordeste e sua arquitetura rural, ainda compreendida a partir dos padrões dominantes da Zona da Mata pernambucana e do Recôncavo Baiano – o que, nas palavras da pesquisadora, não condiz com a realidade.
Exemplos da arquitetura sertaneja na Paraíba: sede da fazenda Sobrado - Foto - Nathália Diniz
Exemplos da arquitetura sertaneja na Paraíba: sede da fazenda Sobrado – Foto – Nathália Diniz
O novo trabalho será bancado com o prêmio ganho em dezembro e desenvolvido com o apoio de Beatriz Bueno, da FAU-USP. “O projeto de Nathália foi escolhido pela originalidade do tema e pela oportunidade que nos proporciona de compreender o processo de ocupação do sertão brasileiro e suas dimensões econômica, histórica e social”, diz o coordenador do Comitê Cultural da Odebrecht, Márcio Polidoro. Na economia, ela destacará o ferro que marcava o gado e que permitia identificar a fazenda à qual pertencia – até agora, a pesquisadora já coleciona 653 desenhos de ferro diferentes. “Num sertão disperso, sem fronteiras claramente visíveis, pontuado por tribos indígenas inimigas, o gado carregou a representação do território e da própria propriedade dos que vinham de outros lugares”, define. Na sociedade, ao cruzar os inventários post-mortem encontrados nos arquivos e nas casas, pretende compreender e revelar a vida cotidiana do sertanejo que se desenrolava a morosos passos no século XIX. Fará novas viagens para refazer fotografias e rever anotações. Mais uma vez, um retorno às suas raízes e às terras, tão diferentes das que via nas novelas na sua infância. “Ainda procuro o que buscava desde o início: quero mostrar o que eram esses outros sertões. Nós conhecemos a riqueza da arquitetura litorânea, a arquitetura do açúcar e do café. Falta a arquitetura sertaneja”, conclui.
Projeto-Paisagem cultural sertaneja: as fazendas de gado do sertão nordestino (nº 2009/09508); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisadora responsável Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno; Bolsista Nathália Maria Montenegro Diniz; Investimento R$ 130.587,92 (FAPESP).
Fonte:http://tokdehistoria.wordpress.com/ confrade Rostand Medeiros