O Milagre da Hóstia: Padre Cícero e a Beata Maria de Araújo nos Grandes Encontros Cariri Cangaço


Um dos episódios mais marcantes de toda a história de nosso Nordeste; era o dia 01 de março de 1889; ali na capelinha do povoado do sítio Juazeiro; de "meu Padim"; pela primeira vez a hóstia consagrada se transforma em sangue na boca da Beata . O Milagre da Hóstia - Padre Cícero e a Beata Maria de Araújo é o tema dos Grandes Encontros Cariri Cangaço desta quarta-feira, ao vivo no canal do YouTube do Cariri Cangaço. Manoel Severo recebe os pesquisadores, Renato Dantas, Fátima Pinho e Urbano Silva para uma noite de grandes revelações: Imperdível.  

O Milagre da Hóstia
Grandes Encontros Cariri Cangaço
Quarta, dia 29 de Setembro de 2021
19h30 Ao Vivo
YouTube do Cariri Cangaço

Clementino Quelé e sua Ficha Militar na Polícia Paraibana Por:João de Sousa Costa

Clementino Quelé

A ficha cadastral constante nos arquivos da Polícia Militar da Paraíba do sargento Clementino José Furtado, Clementino Quelé, uma lenda entre as volantes que combateram no cangaço na Paraíba e em Pernambuco, especialmente ao bando de Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, está amarelada, mas conta um pouco da história da Paraíba.

Clementino Quelé “sentou praça” na PM da Paraíba em 13 de Maio de 1925 e reformado com a patente de sargento em 18 de Julho de 1940. Quelé ingressou na Polícia já com a patente de sargento, acreditem. Relatam que por um arranjo político do famoso coronel José Pereira. Impossível condensar a história de Clementino José Furtado num texto de 70 linhas ou num livro de 700 páginas, tal a inacreditável, quase inverossímil, trajetória de Quelé do Pajeú ou “Tamanduá Vermelho”, apelido que recebeu quando ingressou no bando de cangaceiros chefiado por Virgulino Ferreira da Silva, Lampião.
Reza a lenda que tudo começou quando Clementino Furtado tornou-se inspetor de quarteirão, espécie de subdelegado da polícia pernambucana, seu estado de origem. Ao realizar a prisão de dois ladrões de cavalos, os matou, gerando assim a aurora dos seus problemas – os ladrões eram de famílias poderosas; daí a natural perseguição política que a ele foi movida.
De agente da lei, tornou-se procurado; acabou reagindo à bala a um mandado de prisão. Na sequência, sua família foi alvo de perseguições políticas e, caçado pela polícia, Clementino ingressou no bando de Virgulino Ferreira, de quem viria a se torna lugar-tenente, pois liderava seu próprio grupo de cangaceiros, formado por seus parentes e agregados da família. Clementino não deu certo como cangaceiro. Entrou em conflito com o chefe, numa discussão quase letal. Contam que um parente de Clementino se apresentou para ingressar no bando de cangaceiros de Lampião, mas tutelado e sob às ordenas do próprio Clementino. O ingresso de neófito de cangaceiro encontrou rejeição por parte do cangaceiro Meia Noite, outro chefe de subgrupo e guarda-costas do próprio Virgulino.
Não houve acordo. A discussão causou um racha no bando de Virgulino, que se posicionou ao lado de Meia Noite. Assim, não havia mais lugar para Clementino e os seus no bando de Lampião – e a querela foi tão feia que Virgulino e Clementino tornaram-se inimigos mortais. Caçado pela polícia pernambucana e tendo Lampião como seu inimigo figadal, Clementino manteve sua milícia privada em sucessivos embates com o bando de Virgulino; entreveros que quase dizimaram sua própria família.


Sem saída, Clementino fugiu para Paraíba onde obteve proteção do coronel José Pereira, latifundiário e político poderoso na região de Princesa Isabel(PB) praticamente um “senhor da guerra” num vasto território nos dois lados da divisa entre Paraíba e Pernambuco, que se estendia de Princesa até Serra Talhada.
O poder do Cel. Zé Pereira na Paraíba era imenso. Deputado estadual, de forte influência política e econômica, a ponto de alistar Clementino José Furtado na Polícia Militar, já com a patente de sargento – estar sob o manto protetor do Cel. Zé Pereira era o porto seguro para muitos desgarrados com ou sem família. Na condição de sargento da Polícia Militar da Paraíba, Clementino tornou-se chefe de volante, assumindo protagonismo na perseguição implacável ao banditismo rural, especialmente ao seu inimigo histórico: Lampião.
- Que não teve trégua nem sossego na região de Princesa, antes uma espécie de spa para repouso e lazer de Lampião, em função da alargada cobertura que o “rei do cangaço” tinha de coiteiros e aliados. Virgulino amargou derrotas, ferimentos à bala e caçadas implacáveis movida por Clementino e sua volante não só na Paraíba. Clementino tocou o terror na caçada a Lampião, na vasta região que vai de Triunfo até Nazaré do Pico, passando por Serra Talhada, matando tudo “que rastejava, andasse ou voasse” em associação com Virgulino, cantavam poetas e repentistas nas feiras livres.
A saga de Clementino não se limitou no combate ao cangaço e sua reputação o precedia. Em fevereiro de 1930, estourou a famosa “Revolta de Princesa”, que antecedeu a Revolução de 30. Revolta esta liderada pelo cel. José Pereira contra o presidente do estado, João Pessoa. Ele declarou a independência de Princesa em relação ao estado da Paraíba, simplesmente. O cel. José Pereira mobilizou mais de 2 mil homens em armas para combater o governo do estado da Paraíba, menos o seu protegido e leal aliado até aquele momento, o sargento da PM Clementino José Furtado, que àquela altura havia jurado fidelidade à Polícia Militar sob às ordens do governo João Pessoa.
De novo, Clementino estava de volta ao campo de guerra para liderar uma tropa de 60 soldados da PM no combate ao revoltosos de Princesa. Nessa jornada, o sargento Quelé sitiou a vila de Patos de Irerê, raptou mulheres e crianças para usá-las como “escudos humanos” num planejado ataque a Princesa Isabel, que nunca ocorreu, pois Clementino havia cometido um ato ousado demais: Raptara a senhora Alexandrina Diniz, ou dona Xandu, esposa do cel. Marcolino Diniz, parente de chefe dos revoltosos o cel. Zé Pereira, também seu parente. Alexandrina era da fina flor da elite que governava Pernambuco e o sertão paraibano.
Ao término de tudo e não por fim de sua trajetória guerreira, Clementino se viu cercado por 100 jagunços e cangaceiros a soldo de Marcolino e Zé Pereira, furando o cerco numa noite de tempestade e deixando para trás granadas com pavios acessos que não explodiram. Clementino jamais recebeu uma promoção na PM da Paraíba, foi para reforma como sargento e terminou sua carreira como delegado na cidade Prata, onde morreu e está sepultado.
João de Sousa Costa

As Turbulências Politicas em Triunfo e o Assassinato do Cel Deodato Monteiro Por:José Tavares de Araujo Neto

coronel José Pereira, de Princesa

Em 1919, parte da imprensa pernambucana apontou o envolvimento do coronel José Pereira e do empresário João Pessoa de Queiroz no assassinato do coronel Deodato Monteiro, chefe político de Triunfo.  No dia 24 de junho daquele ano, Deodato Monteiro havia sido morto em emboscada nas proximidades da cidade de Flores por um grupo composto por cerca de 15 homens, reconhecidamente sob o comando do seu desafeto, o bandoleiro Luiz Leão.

Havia entre coronel Deodato Monteiro e Luiz Leão uma desavença que perdurava desde os trágicos acontecimentos ocorridos nos dias 22 e 23 janeiro de 1910, quando Triunfo foi transformada em uma sangrenta praça-de-guerra, palco de confronto entre dois grupos políticos, que também davam nomes a dois blocos carnavalescos, o “Fumos” e o “Garras”, que protagonizaram horrendas cenas de selvagerias, tendo como resultado diversas vítimas, entre mortos e feridos.

Neste triste episódio, dentre outros, foram mortos Belarmino de Sousa Lima, delegado de Flores, mais conhecido por seu Belo, irmão do delegado de Triunfo, o truculento Joaquim de Sousa Lima, mais conhecido por Né da Barra. Seu Belo foi acertado por uma bala alvejada por Luiz Leão; e, também foi a óbito, o médico dr. Agostinho de Araujo Jorge, membro do grupo de oposição, que teve sua casa invadida por correligionários do coronel Deodato Monteiro.

Dr. Agostinho Luiz era acusado de ter fornecido uma arma ao alfaiate Manuel Antonio para se defender de agressão do delegado Né da Barra, que já o havia agredido e ameaçado de prisão. Em torno das 17 horas do dia 22, Né da Barra manda três homens surrar a cacete Manuel Antonio, que reage disparando contra seus agressores, inclusive acertando um deles. Né da Barra e seu irmão Belo vem ao ataque a Manuel Antonio, neste momento Luiz Leão atira em Belo, que, baleado, é removido para a residência do coronel Deodato Monteiro, onde vai a óbito pouca mais de uma hora depois. Após uma rápida conferência, o grupo que estava no velório, fortemente armado e bem municiado, decide atacar a casa do médico e de outas figuras importantes da oposição.

José Tavares de Araujo Neto, autor.

Neste ínterim, outro grupo de cidadãos, constituído por major Isaías Lima, Pedro Alves, José Vieira e outros oito integrantes do “Garras”, se refugia na Casa de Caridade, lugar que acharam ser mais seguro para se proteger da fúria dos componentes do Grupo “Fumos”, os correligionários do coronel Deodato Monteiro.  O cerco à Casa de Caridade só foi encerrado na manhã do dia 23, graças à intervenção do coronel José Pereira, que deslocando-se da cidade de Princesa, e, juntando-se ao comerciante Manuel de Siqueira Campos (Dudu) e seu sócio Carolino de Arruda de Campos, conseguiu, em conversação com os sitiantes Deodato Monteiro, Né da Barra e Cândido Cajazeiras, negociar o cessar fogo.

À medida que o tempo foi passando foi acentuando ainda mais a contenda entre o coronel Deodato Monteiro e Luiz Leão. Notadamente após o assassinato de Arthur Leão, irmão de Luiz, cujo crime ele atribuía ao chefe político de Triunfo. E, mais recentemente, em um dos dias da festa de carnaval próximo passado, quando o delegado João Gomes, genro de Deodato Monteiro, havia tentado efetuar a prisão de Luiz Leão, que estrategicamente fugiu da cidade, e, à noite, retornou com um grupo, que abriu fogo contra o destacamento policial local. 

Naquela manhã do dia de São João de 1919, quando o veículo que transportava o coronel Deodato Monteiro foi abordado pelo grupo capitaneado por Luiz Leão, este, antes de executá-lo, perguntou-o pelo delegado de Triunfo João Gomes, estranhando a ausência do genro do coronel, que certamente também seria alvo da operação criminosa. Aliás, é oportuno registrar, que o delegado João Gomes foi destaque na imprensa nacional por dar proteção ao seu irmão José Gomes, um dos indiciados no assassinato do industrial Delmiro Gouveia, crime ocorrido em 10 de outubro de 1917.

Parte da imprensa pernambucana atribuiu motivação política no atentando contra o coronel Deodato Monteiro. Na época, o Jornal do Comércio de Recife, propriedade João Pessoa de Queiroz vinha publicando uma série de acusações contra o coronel Deodato Monteiro, que pretendia ser candidato a prefeito de Triunfo, cargo que já havia ocupado. Por outro lado, o coronel José Pereira tornou-se suspeita porque, segundo dizia-se, após o crime o bando havia se homiziado em uma de suas propriedades no município de Princesa, no vizinho Estado da Paraíba.

O promotor, dr. José Carlos Cavalcante Borges, denunciou Luiz Leão como responsável material intelectual pelo crime, alguns dos seus companheiros que foram identificados como executores e o coronel José Pereira Lima como conivente moral do crime, por haver facilitado a fuga e homiziado os criminosos em sua propriedade. Não apurando absolutamente nada que incriminasse o empresário João Pessoa de Queiroz.

O Juiz de Direito, dr. Joaquim Correia de Oliveira Andrade Lyra, pronunciou como responsaveis pelo referido crime os indivíduos de nome Luiz Leão, Cabral de tal, Cicero Manoel Romão, vulgo Cícero Ventania, Salú Leovigildo, Nezinho Leovigildo e Jonas Gabriel, sendo julgada improcedente a denúncia contra Odilon de tal, Dionísio e coronel José Pereira Lima.

Segundo o Juiz, não ficou comprovado que houvesse conveniência do coronel José Pereira, mesmo porque todas as testemunhas ouvidas garantiram ou desconheciam que existisse qualquer tipo de desentendimento entre os chefes políticos de Princesa e o de Triunfo. O máximo que se comprovou durante as oitivas foi que Luiz Leão, após ser indiciado em crimes praticados em Triunfo, Estado de Pernambuco, sob o pretexto de ser vítima de perseguições políticas, teria ido residir no lado paraibano da serra da Baixa Verde, em propriedade pertencente ao coronel José Pereira, na região do povoado de Patos, município de Princesa.

José Tavares de Araujo Neto, pesquisador , Pombal-PB 

Chico Heráclito, o Último dos Coronéis Por:Paulo Goethe

Coronel Chico Heráclito

O comediante cearense Chico Anísio inspirou-se nele para criar o personagem “coronel Limoeiro”. As histórias vividas pelo “coronel Ludugero”, interpretado pelo caruaruense Luiz Jacinto da Silva (tem uma postagem só dele no blog), também tinham muito a ver com o homem que gostava de perfume francês, de carros do último tipo e de um revólver Smith & Wesson pendurado no cinto largo de couro cru. Há 41 anos, o coronel Francisco Heráclio do Rego, o famoso Chico Heráclio, falecia no município pernambucano de Limoeiro, a 60 quilômetros do Recife. Com ele desaparecia toda uma história baseada em homens que “casavam e batizavam” em seus territórios. Dono de 20 fazendas e e pai de mais de 20 filhos naturais, Chico Heráclio morreu aos 90 anos de idade. Deixou uma série de causos que acabaram entrando para o folclore político nacional.

O coronel faleceu em 17 de dezembro de 1974. No dia 18, o Diario de Pernambuco trouxe em uma página um perfil do homem que era o chefe influente de mais de 30 municípios, elegendo prefeitos e deputados. Uma das histórias de Chico Heráclio era de que em dia de votação distribuía aos eleitores, em envelopes lacrados, as chapas de seus candidatos. Um mais afoito dirigiu-se a ele, depois de ter votado: “Fiz tudo certinho, coronel, como o senhor mandou. Agora me diga uma coisa: em quem eu votei?'”. A resposta veio rápido: “Nunca me pergunte uma coisa dessa. O voto é secreto, meu filho”.

Outro episódio engraçado foi o do pênalti que o coronel mandou o juiz cobrar a favor de seu time, o Colombo. Foi em um jogo com um clube do Recife. O empate sem gols permanecia quando, a poucos minutos do fim, o árbitro marca a penalidade máxima para os visitantes. A confusão foi armada, sem que Chico Heráclio soubesse o que estava ocorrendo. Ao ouvir as razões do juiz, decidiu dar a razão a ele. Um assessor disse-lhe no ouvido que o Colombo perderia o jogo. Então o coronel ordenou: “cobra, sim: mas contra a outra barra”.

Por trás de todo este folclore encerrava-se de vez o coronelismo em Pernambuco, pelo menos na forma dos homens que, de suas fazendas, decidiam pelos outros. Antes de Chico Heráclio haviam saído de cena Clementino Coelho, o Quelé (Petrolina), Chico Romão (Serrita), Zé Abílio (Bom Conselho) e Veremundo Soares (Salgueiro).

Chico Heráclio ainda estava “dando suas pancadas no eixo e na roda” quando foi lançado, em 1965, o livro “Coronel, Coronéis – apogeu e declínio do coronelismo no Nordeste”, de Marcos Vinícios Vilaça e Roberto Cavalcanti de Albuquerque. É leitura obrigatória para quem pretende mergulhar mais nesta história.

Paulo Goethe

Fonte:http://blogs.diariodepernambuco.com.br/diretodaredacao/2016/01/07/o-ultimo-dos-coroneis/

Grandes Encontros OPINIÃO - Coronéis e o Cangaço: Relações Perigosas !


Para todos que estudam a temática cangaço, é praticamente obrigatório o estudo também do tema "coronelismo". Ambos fazem parte de um recorte importante da memória e da história do sertão nordestino. Homens nascidos no mesmo chão, talhados pelo sol escaldante da caatinga, trilhando caminhos diversos que consolidaram a imagem de povo forte nordestino. Cangaceiro e Coronel. Que tipo de relações os mantinham tão próximos e tão distantes?

Tornou-se natural conviver com o poder quase "imperial" do coronel nos mais distantes rincões das terras do sertão, poder herdado da época das capitanias hereditárias, há quem diga que a própria figura do "coronel" se confunde com a figura dos senhores feudais de outrora, quando de suas "vastas capitanias"; fazendas, comandavam as famílias, agregados, empregados, capangas, jagunços... escravos, enfim; dando o norte de como deveria ser seguido o destino da politica e da vida das pessoas, cidades e ate de estados; confundindo e estabelecendo ligações fortes e indissociáveis entre o poder publico e o forte poder privado, representado por estas castas sertanejas. 

Coronel Santana, poderoso mandatário da Serra do Mato no Ceará
Seu "Toim da Piçarra" o coronel coiteiro

A história sertaneja foi pontuada pela presença marcante desses dois personagens: Cangaceiros e Coronéis, que ao lado de jagunços, contratados, pistoleiros, beatos e fanáticos, povoaram as terras e o imaginário da gente desse lado do Brasil.

É imperioso deitar um  olhar zeloso sobre a ligação entre os coronéis e o cangaço para nos ajudar a compreender esse que foi um dos períodos mais conturbados da historia recente de nosso nordeste. As áridas terras de nosso sertão; entre o Piauí até as Minas Gerais, aprenderam e sofreram desde os tempos da colonização, passando pelo império e desaguando nos tempos da velha república, com as intempéries do clima, a pobreza e desigualdade, a ausência do Estado e com a força e o poder desse mesmo "coronelismo".

Marconino Diniz, o "Caboco Marcolino"
O Poderoso coronel José Pereira, de Princesa

Nascido das casas abastardas e herdeiras do poder colonial, esses personagens tinham na grande maioria a imagem de patriarcas intocáveis, protetores de sua gente de seus domínios, admirados e exaltados; a esses era garantida também muitas vezes, a administração das "coisas do estado", uma vez que o mesmo se mantinha distante dos rincões intermináveis da nação. Ali começava a se formar a essência do que décadas depois viria a ser conhecido como o "Coronel". A Figura basicamente surge inicialmente com a criação da Guarda Nacional, ainda na época das Regências, e se consolida ate o final da velha república.

A Guarda Nacional foi criada para manter a ordem nas mãos dos que tinham força e poder. Homens entre 21 e 60 anos que tivessem renda de 200 mil-réis nas quatro maiores cidades e 100 mil-réis no resto do país estavam credenciados para fazer parte da tropa, já os cargos superiores, o oficialato era nomeado pelo ministro da Justiça com a indicação dos mandatários das províncias, seus presidentes; nasciam os Coronéis ! 

Podemos destacar os presidentes, Campos Sales; entre 1898 e 1902; e seu sucessor Rodrigues Alves; entre 1902 a 1906; consolidadores da famigerada “políticas dos governadores”, instituto que ensejou por todo o país a expansão e fortalecimento das oligarquias rurais, daí viríamos a conhecer um dos mais sombrios e violentos períodos da história de nosso sertão, do norte a sul, de leste a oeste. 

Coronel Veramundo Soares; o poder em Salgueiro

O mandatário principal tornar-se-ia coronel, esse era o cargo e posto mais elevado da Guarda Nacional, depois por ordem de hierarquia o poder passava pelo tenente-coronel, a seguir o major e  e assim por diante. A Guarda que havia nascido para compor um poder ligado à segurança acabou produzindo na verdade chefes e chefetes políticos com amplo poder diante das esferas estaduais e federais, dai a ligação com os destinos do sertão e com tudo que lhes dizia respeito passou a ser uma constante, inclusive diante da mais polêmica e perigosa de todas as ligações: Coronéis e o Cangaço.

Nomes como Coronel Santana, da Serra do Mato, no cariri cearense; Antônio da Piçarra, também do sul cearense; Zé Pereira, de Princesa e Marcolino Diniz de Patos de Irerê na Paraíba e Veramundo Soares de Salgueiro em Pernambuco são os nomes dos personagens principais dos Grandes Encontros Cariri Cangaço OPINIÃO e para entendermos melhor essa relação supostamente simbiótica, Manoel Severo, curador do Cariri Cangaço recebe os pesquisadores: Vilson da Piçarra, do Ceará; José Tavares de Araújo Neto, da Paraíba e Cícero Aguiar de Pernambuco nesta próxima quarta-feira, dia 15 de setembro de 2021, AO VIVO, ÁS 19H30 no canal do YouTube do Cariri Cangaço. 

Imagens da prévia do programa realizada na tarde desta terça-feira, 14 de setembro



'Hecatombe de Garanhuns': Chacina Política com 18 Mortos faz 100 anos Por: Joalline Nascimento e Lafaete Vaz - G1

Cadeia Pública de Garanhuns

Dezoito pessoas mortas em uma cadeia pública. Este foi o resultado da tragédia que ficou conhecida como "Hecatombe de Garanhuns". Neste domingo (15), a chacina que vitimou políticos e comerciantes do município do Agreste de Pernambuco completa 100 anos. Ao G1, o coordenador da Comissão do Memorial Centenário da Hecatombe de Garanhuns, o professor Cláudio Gonçalves, afirma que o episódio foi uma das maiores tragédias políticas da história local. Tudo começou em julho de 1916, quando houve eleição para prefeito de Garanhuns. O tenente-coronel Júlio Brasileiro e José da Rocha Carvalho disputavam a gestão municipal. "Júlio era deputado e Dr. Rocha era apoiado pelos antigos políticos que dominavam o município, que eram os Jardins. Essa eleição foi bastante tumultuada, com ameaças de surra de cipó de boi, listas negras ameaçando os adversários políticos, cruzes negras nas portas destes adversários", detalha o professor Cláudio.

O episódio de Hecatombe ficou marcado pela série de assassinatos, que teriam sido motivados pelo resultado da eleição de 7 de janeiro de 1917. Durante a campanha política, surgiu a figura do capitão Sales Vila Nova, que apoiava Rocha Carvalho. Como opositor político, o capitão matou a tiros o então prefeito eleito, Júlio Brasileiro - que não chegou a tomar posse, pois foi assassinado no dia 14 de janeiro daquele ano, no Recife.

Coronel Júlio Brasileiro

As outras pessoas - aliadas de Rocha Carvalho - foram assassinadas dentro da Cadeia Pública de Garanhuns, após os correligionários de Júlio armarem uma emboscada para vingar a morte do prefeito eleito. Os documentos mostram que cerca de 18 pessoas foram mortas na unidade prisional. De acordo com o coordenador da Comissão do Memorial da Hecatombe, o capitão Sales Vila Nova descobriu que Júlio não poderia ser candidato à Prefeitura de Garanhuns, já que ele era deputado e não havia terminado o mandato.

"Tudo isso levou o governo do estado, por meio do governador Manuel Borba, a anular a eleição. Ele era aliado de Júlio e marcou uma nova eleição para 7 de janeiro de 1917. A oposição não participou desse processo eleitoral, já que Dr. Rocha renuncia, assim como o vice, Dr. Borba Júnior", explica Cláudio Gonçalves.

Capitão Sales Vila Nova

Ao G1, o professor contou que antes de ocorrer essa eleição, durante o período de campanha, Júlio Brasileiro se encontrou com o capitão Sales Vila Nova no Centro de Garanhuns, onde havia a feira. Na ocasião, o tenente-coronel candidato à prefeitura ameaçou agredir Sales com cipó de boi. Este revidou a ameaça, dizendo que se fosse agredido, mataria Júlio. "Na eleição, Júlio concorreu sozinho e foi eleito prefeito de Garanhuns. No dia seguinte, ele foi para a recepção do general Dantas Barreto, que estava visitando Recife. Passados seis dias, em 13 de janeiro, Sales foi cercado por seis homens mascarados - que eram os sobrinhos e irmãos de Julio, e um secretário da prefeitura. Ele levou a surra de cipó de boi e ficou todo retalhado. Até hoje, acredita-se que Júlio foi o mandante", revela Cláudio.

No dia 14 de janeiro, o capitão Sales viajou para o Recife, encontrou Júlio e atirou nele. Segundo conta Cláudio Gonçalves, o prefeito eleito de Garanhuns estava no terraço de um restaurante quando foi atingido por dois disparos. Ele chegou a perseguir o capitão, mas foi ferido com outros dois tiros e morreu no local. No mesmo dia, Sales Vila Nova foi detido pela morte do tenente-coronel.

No dia seguinte ao assassinato, o caso que ocorreu no Recife chegou em Garanhuns. A viúva, Ana Duperron Brasileiro, recebeu um telegrama que informava sobre a morte do marido dela. Depois disso, os aliados de Júlio começaram a chegar na casa onde ele morava.

Pesquisador e Escritor Cláudio Gonçalves

"O irmão de Júlio não aceitou que a morte dele [Júlio Brasileiro] tinha sido vingança de Sales, mas achou que foi a mando dos Jardins [e dos seguidores de Rocha Carvalho], que queriam tomar a chefia política de Garanhuns", disse o coordenador da Comissão do Memorial Centenário da Hecatombe. Segundo Cláudio Gonçalves, "tomada pelo ódio, a viúva de Júlio disse: 'Não derramarei nenhuma lágrima, se as outras não derramarem. E só vestirei luto depois que as outras vestirem'. A partir disso, foi iniciada uma trama para vingar a morte do tenente-coronel".

'Hecatombe de Garanhuns'
Os familiares de Júlio Brasileiro decidiram vingar a morte dele. O sobrinho da vítima, Álvaro Viana, mandou um telegrama para o irmão, Alfredo Viana, convocando ele e outros homens para irem até Garanhuns.

Com a chegada de Alfredo no município do Agreste pernambucano, cerca de 100 homens fortemente armados se reuníram na cidade. Eles começaram a invadir as casas dos adversários de Júlio Brasileiro. "Invadiram a casa de Borba Júnior, que era candidato a vice-prefeito de Rocha Carvalho. O delegado Meira Lima chegou a tempo e impediu a morte de Borba, dizendo que ele deveria ir para a cadeia pública", contou Cláudio ao G1.

Entre as vítimas, sete políticos adversários de Brasileiro

A trama da vingança do assassinato de Júlio reuniu familiares, o juiz Abreu e Lima e o delegado Meira Lima. A ideia era levar todos os adversários do prefeito morto para a cadeia. Eles foram convencidos de ir até o local para se proteger, conforme destacou o professor Cláudio Gonçalves Vários grupos cercaram o local e começaram a atirar. "Argemiro Miranda [um dos correligionários de Rocha Carvalho] conseguiu uma arma, enviada pela esposa de Francisco Veloso [outro opositor de Júlio], e revidou os tiros. Ele tentou escapar, mas morreu na porta da cadeia, que estava cercada", destaca Cláudio.

Na ocasião, morreram 18 pessoas. Entre elas, sete políticos e um jovem que havia ido visitar o tio na cadeia. O nome "Hecatombe de Garanhuns" surgiu porque uma senhora - após perceber que haveria uma chacina - enviou um telegrama para o comandante da polícia, no Recife, com a frase "Enviar forças urgente, haverá uma hecatombe". 

Hecatombe que é um termo grego que significa sacrifício de 100 bois ou massacre de um grande número de pessoas. "Os jornais locais começavam a falar do 'sucesso de Garanhuns', que era [o mesmo que] chacina. Mas, após o telegrama [do pedido de ajuda] ser publicado, começaram a chamar e episódio de hecatombe", explica o professor.

Julgamento da chacina e novo prefeito
O julgamento da Hecatombe de Garanhuns teve início no dia 27 de setembro de 1918. A última sessão para a sentença ocorreu em 19 de novembro de 1918. O capitão Eutíquio da Silva Brasileiro – irmão de Júlio – foi condenado a 30 anos de prisão; Álvaro Brasileiro Viana – primo do prefeito assassinado – foi absolvido unanimemente; Alfredo Brasileiro Viana – também primo de Júlio, foi condenado a 30 anos de prisão; o delegado Meira Lima foi condenado a perder o emprego. Quem assumiu a prefeitura de Garanhuns naquele ano foi Joaquim Alves Barreto Coelho, que era Presidente do Conselheiro Municipal. O vice de Júlio Brasileiro, o capitão Thomaz Maia, não assumiu porque foi preso acusado de fornecer querosene para incendiar as casas comerciais das vítimas após a Hecatombe.

Livro sobre testemunha da tragédia
O maestro francês Fernand Jouteux se mudou para o Brasil em busca de inspiração, como afirma o escritor Ígor Cardoso, autor do livro "Fernand Jouteux - O maestro de chapéu de couro”. O músico morou durante 35 anos em Garanhuns e se baseou no livro "Os Sertões", de Euclides da Cunha, para escrever uma das suas maiores obras. "A grande obra da vida dele foi uma ópera chamada “O Sertão”, composta na fazenda “Belle Alliance” e inspirada na nossa cultura, em Canudos e em Antônio Conselheiro. Acabou se radicando na cidade por ser perto do Sertão", conta Ígor. 

Fernand era um grande amigo do cônego Benigno Lira, um dos personagens centrais da hecatombe. Lira era erudito, poeta e gostava de música clássica e também chegou a colocar letra em uma de suas partituras. Além de vir de uma importante família de Alagoas e Pernambuco, dona de usineiras. Ele [Lira] tem participação em todos os eventos. Apoiou a estratégia da viúva e ao mesmo tempo convenceu os políticos a se recolherem na cadeia", revela.O maestro tentou ser fazendeiro, mas logo depois do desastre da hecatombe, o pai dele morreu na França, e ele voltou ao país de origem. Também não conseguiu o apoio que queria para montar a ópera. 

"Ele chega a compor uma valsa, a 'Bela Aliança', onde cita nominalmente as amarguras que tem passado e fala sobre a hecatombe, o grande motivo de ter desistido de ser fazendeiro e de viver em Garanhuns. Fernand volta para a França, passa um tempo e não fica feliz. Retorna para o Brasil, vai morar novamente em Garanhuns e encontra um cenário diferente", completa o escritor.O livro "Fernand Jouteux - O maestro de chapéu de couro” foi lançado no dia 25 de julho de 2015, no Instituto Histórico Geográfico e Cultural de Garanhuns (IHGCG), durante o Festival de Inverno.

http://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2017/01/hecatombe-de-garanhuns-chacina-politica-com-18-mortos-faz-100-anos.html Postado em 15/01/2017 

A Hecatombe de Garanhuns chega aos Grandes Encontros Cariri Cangaço


Nosso nordeste é espetacularmente pródigo em episódios pra lá de marcantes. O ciclo do cangaço e do coronelismo rural se desenvolveu de forma brutal e acentuada entre o final do século XIX e as primeira décadas do século XX; entre a proclamação da república e por toda a república velha. Ali, nos idos 1880 até 1940 vamos encontrar a feição, talvez mais sangrenta, de toda a história, por esses lado do Brasil. 

Garanhuns, o acolhedor  município do agreste pernambucano; distante 230 quilômetros da capital Recife, iria escrever com letras de tragédia, sangue e morte no distante janeiro de 1917 um capitulo nefasto desse recorte perverso da luta pelo poder envolvendo as elites governantes de nosso sertão da velha república.

Era 14 de janeiro de 1917. No Recife o recém eleito prefeito de Garanhuns, coronel Júlio Brasileiro; deputado estadual; é assassinado pelo capitão Sales Vila Nova, em retaliação a um "surra" de cipó de boi, supostamente a mando do coronel e que teve como vítima o algoz. Os acontecimentos que se seguem imediatamente iriam chocar não só Pernambuco, mas todo o Brasil. A viúva de Brasileiro; Ana Duperron Brasileiro; iria afirmar:

"Não derramarei nenhuma lágrima, se as outras não derramarem. E só vestirei luto depois que as outras vestirem"

Cel. Júlio Brasileiro
Capitão Sales Vila Nova

Ao final do dia seguinte, 15 de janeiro de 1917, dezoito pessoas mortas na cadeia pública de Garanhuns; o local para onde se deslocaram para sua própria segurança, acabou se tornando o cenário trágico de suas mortes. Sob o comando de parentes e correligionários do coronel Júlio Brasileiro uma malta de mais 100 homens, entre jagunços, pistoleiros e cangaceiros, invadiriam a cidade e cercariam a cadeia pública para perpetuar a dita vingança....

Para entender esse trágico episódio, aprofundarmos sobre sua gênese, causas e repercussões, Manoel Severo, curador do Cariri Cangaço recebe nesta quarta-feira, 08 de setembro de 2021 nos Grandes Encontros Cariri Cangaço os pesquisadores e escritores; Claudio Gonçalves, autor de "A Cobertura Jornalística da Hecatombe de Garanhuns"; além de Geraldo Ferraz e Junior Almeida, Conselheiros do Cariri Cangaço para uma noite muito especial  num programa ao vivo incomparável.

"O episódio da Hecatombe de Garanhuns em 1917 mostra a mais cruel feição do coronelismo nordestino de inicio do século, a brutalidade e violência ali verificadas marcariam para sempre o povo de Garanhuns, dessa forma é imperioso trazermos esse tema neste grande programa dos Grandes Encontros Cariri Cangaço", revela o Conselheiro Cariri Cangaço, pesquisador e escritor Geraldo Ferraz; neto de um dos grandes protagonistas do episódio, tenente Teophanes Torres.

"O programa Grandes Encontros Cariri Cangaço desta quarta promete pois traz um recorte importante da história de Pernambuco, além do tema eletrizante, ainda teremos a participação de duas autoridades no assunto, Claudio Gonçalves e Geraldo Ferraz, que venha o debate sobre a Hecatombe de Garanhuns" afirma o Conselheiro Cariri Cangaço, Junior Almeida.

"A avaliação que faço do Impacto causado desse trágico acontecimento na evolução da nossa cidade,  é que na época Garanhuns despontava como uma das mais prospera economia do estado e com forte representação política, depois da Hecatombe muitas das famílias envolvidas no trágico episódio deixaram a cidade e a política e, Garanhuns perdeu um pouco o curso da História, reiniciando nas décadas seguintes a retomada de suas vocações econômicas" indica o pesquisador Cláudio Gonçalves.

GRANDES ENCONTROS CARIRI CANGAÇO

HECATOMBE DE GARANHUNS - Tragédia, Sangue e Morte

Dia 08 de Setembro de 2021, AO VIVO     

Canal do YouTube do Cariri Cangaço

Euclides da Cunha e sua Segunda Morte Por:Gabriela Potti

Dilermando, campeão de tiro, matou Euclides e atentou contra sua obra

É manhã de domingo. Dilermando de Assis está em casa, no bairro da Piedade, subúrbio do Rio, abotoando o casaco militar, quando recebe o primeiro tiro disparado por Euclides da Cunha. O jovem Dilermando, campeão de tiro, tenta desarmar o renomado escritor. Mas este está disposto a “matar ou morrer”, como teria dito, para vingar-se do amante de sua esposa, Anna da Cunha. Vem então o segundo disparo, que acerta o peito do militar. Dilermando recua para o quarto em busca de sua arma e volta a tempo de ver seu irmão, Dinorah, ser alvejado duas vezes pelas costas. Nesse momento, o cadete faz o primeiro disparo. O duelo entre amante e marido traído termina com a morte do autor da obra-prima “Os Sertões”.

O episódio acima, que passaria a ser conhecido como a ‘tragédia de Piedade’, aconteceu em 15 de agosto de 1909. Mas a história não terminou com a morte de Euclides. Em 4 de julho de 1916, ‘Quidinho’, como era chamado um dos filhos do escritor, então com 19 anos, procurando quem sabe restaurar a honra da família, também tenta matar Dilermando e até consegue alvejá-lo pelas costas. Entretanto, ele acaba morto pelo militar, que reage prontamente contra o agressor.

O Duelo

Absolvido pelo júri nos dois casos, Dilermando não escapou ao julgamento da imprensa da época e carregou até sua morte, em 1951, o rótulo de vilão. Não faltaram artigos recheados de adjetivos negativos – “asqueroso”, “desprezível”, “cínico” – cristalizando na opinião pública a alcunha de culpado. Essa campanha da elite cultural contra o militar é reproduzida na biografia “A vida dramática de Euclides da Cunha” (1938), de Elói Pontes. Para promover o livro, a editora José Olympio causou polêmica ao exibir na loja que mantinha à rua do Ouvidor a carteira trespassada por balas e uma foto do escritor no necrotério.

Em resposta à biografia de Elói Pontes, Dilermando, que também era escritor, publica “A tragédia de Piedade”, livro parcialmente baseado em documento que havia redigido 40 anos antes, originalmente para complementar sua defesa perante o júri, em 1911. Nessa obra, analisa detalhadamente as provas periciais dos autos da acusação nos dois homicídios pelos quais havia sido julgado. Tece ainda uma minuciosa crítica de “Os sertões”, obra em que Euclides da Cunha narra a guerra de Canudos, conflito que foi cobrir como correspondente do jornal O Estado de São Paulo.

Euclides, Anna e Dilermando

Narrativa carregada de significado épico e trágico, “Os sertões” é um autêntico casamento entre a ciência e a arte. Munido das teorias deterministas, positivistas e sociológicas da época, Euclides da Cunha contou o que presenciou no sertão da Bahia, que resultou no massacre da população do arraial liderado por Antônio Conselheiro. Questionando a versão oficial disseminada pela República, o escritor apresentou aos leitores o contexto que havia por trás dos fatos, numa obra marcada pela inovação em termos de linguagem, estrutura e temática.

Em “A tragédia de Piedade”, Dilermando contesta “Os sertões” apontando erros e chegando até a citar supostos exemplos de plágio no clássico de seu rival. Nesse sentido, dois questionamentos ficam no ar. Seria essa uma tentativa de Dilermando, ainda que tardiamente, de conquistar a absolvição da opinião pública? Ou estaria embutida nessa crítica a pretensão de matar aquilo que restou de Euclides da Cunha, ou seja, a legitimidade e o valor de sua obra?

A possibilidade de uma leitura mais profunda, porém ainda não decisiva sobre o caso, veio recentemente, pela historiadora Mary Del Priore. Em ‘Matar Para Não Morrer’, ela analisa o pano de fundo em que se deu o triângulo amoroso entre Euclides, Anna e Dilermando. Valendo-se de uma robusta pesquisa, Mary relata os meses que antecederam a tragédia, aponta como a imprensa ignorou os fatos e crucificou Dilermando. Revela ainda que Euclides não agiu como exceção quando achou que era a hora de ‘matar ou morrer’. Nesse duelo em que não há vencedores, apenas vítimas, o escritor foi mais um que recorreu a um ato extremo na tentativa de limpar seu nome. Dilermando, por sua vez, nos remete à figura trágica daquele que diante do inexorável não tem muito a fazer.

Nesse duelo que parece continuar após quase 110 anos completos da morte do autor de “Os sertões” (a efeméride será em agosto de 2019), as especulações seguem. Em artigo publicado ano passado no jornal “O Globo”, o poeta e membro da Academia Brasileira de Letras Antonio Carlos Secchin comenta as anotações que encontrou em uma terceira edição, de 1905, de “Os sertões”. Não haveria novidade alguma não fosse o antigo proprietário, Dilermando de Assis, e o teor das muitas anotações feitas ao longo da edição.


O homem que, em legítima defesa, matou Euclides da Cunha em 15 de agosto de 1909, segundo Secchin, demonstra segurança e grande familiaridade ao criticar a obra de Euclides em várias frentes: além de contestar informações históricas e procedimentos militares, aponta contradições e supostos erros gramaticais – deslizes de pontuação, regência, colocação pronominal, e até redundâncias e um cacófato. O artigo de Secchin deixa claro que determinadas anotações de Dilermando no livro – como “mentira” ou “barbaridade” – explicitam a opinião contundente do militar sobre algumas das afirmações e ideias de Euclides em “Os sertões”.

O conflito entre os dois homens espelha, quem sabe, um embate que se projeta para além de suas biografias. Dilermando era militar; Euclides, escritor. Dilermando cumpria ordens. Euclides, por sua natureza intelectual e artística, ao chegar a Canudos não hesitou em despir-se das convicções prontas para escrever sua obra-prima. Faz sentido que um militar por excelência contestasse um livro que é justamente uma crítica à ação do exército. Simbolicamente, a oposição pode ser também entendida entre o intelectual que enxerga as nuances, as áreas cinzas, de uma situação como Canudos, e o militar para quem tudo é preto ou branco.

Dilermando foi fatalmente eficaz ao executar Euclides da Cunha. Até foi absolvido pela morte, considerada autodefesa. Não foi tão eficiente ao tentar desqualificar a obra máxima do escritor, “Os sertões”, hoje considerada um clássico obrigatório para aqueles que desejam entender o país, suas raízes. Mais uma prova da perenidade e relevância de Euclides é que o escritor será o grande homenageado este ano na Flip – Festa Literária Internacional de Paraty -, que acontece de 10 a 14 de julho.

Gabriela Potti -Fonte:http://balaiopop.com.br/euclides-da-cunha-e-sua-segunda-morte/