Adrião: Em Respeito a História Por:Manoel Severo

Antônio Vilela ao lado dos netos de Adrião: Cícera e Décio Canuto

Aconteceu na manha deste último sábado 29 de outubro, na Grota do Angico, município de Poço Redondo, em Sergipe; cenário do ultimo ato de Virgulino Ferreira; a fixação da Placa em homenagem ao soldado volante Adrião Pedro de Sousa, único representante das forças públicas, tombado e morto no local. A inciativa teve a frente o Conselheiro Cariri Cangaço, pesquisador e escritor de Garanhuns, Antônio Vilela, reeditando o ato que perpetuou ainda em 2012, quando no mesmo local, havia fixado pela primeira vez, cruz e placa com o mesmo objetivo, objetos de furto vândalo ainda em julho deste ano de 2016.

Novamente, com o apoio do Conselho Cariri Cangaço e dos principais Grupos de Pesquisa de cangaço, como SBEC ; GECC; GPEC e GFEC; e ainda do Programa "A Hora do Rei do Baião", a manhã deste sábado marcou novamente o resgate da memória da verdadeira historia. O grupo tendo a frente Antônio Vilela, partiu do porto fluvial de Piranhas em Alagoas, percorrendo os quase 11 km de rio abaixo, seguindo até a margem direita do Velho Chico, no município de Poço Redondo, adentrando na trilha percorrida pela volante de João Bezerra até a fatídica Grota.

 Antônio Vilela comanda a fixação da nova Placa em homenagem a Adrião, no Angico
Luiz Ruben, Ana Lúcia, Antonio Vilela, Junior Almeida e Marcos de Carmelita

O ato contou com a presença de vários pesquisadores de todo o Brasil, representados pelos Conselheiros do Cariri Cangaço; Antonio Vilela, mentor da homenagem, Ana Lúcia Souza, Luiz Ruben e Aderbal Nogueira; além de Junior e Ranaise Almeida, Marcos de Carmelita, e ainda do pesquisador e turismólogo Jairo Luiz de Oliveira. O evento contou ainda com a presença dos netos do soldado Adrião; Décio Canuto e Cícera."Temos a consciência que este ato não representava a elevação de meu avô ao patamar de herói, mas corrige uma injustiça da história. É uma satisfação de nossa mãe em ver o nome de nosso avô Adrião Pedro. Nosso avô possui agora dois pais: O de sangue e o de memória, o professor e escritor Vilela." Ressalta Décio Canuto, neto de Adrião.

Neta de Adrião, Cícera e um breve histórico do militar

No mesmo ato, na Grota do Angico por ocasião da fixação da Placa, a neta do soldado Adrião Pedro de Souza, Cícera, fez a leitura de um breve histórico do avô, quando também ressaltou da satisfação daquele ato, "que teve todo o apoio de entidades ligadas ao estudo do cangaço, como a Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço - SBEC, Cariri Cangaço, Grupo Paraibano de Estudos do Cangaço - GPEC, Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará – GECC e Grupo Florestano de Estudos do Cangaço – GFEC".

Manoel Severo - Cariri Cangaço
Colaboração:Junior Almeida
Fotos:Junior Almeida e Luiz Ruben

Todos ao Angico

O Cariri Cangaço convida:

Neste sábado, 29 de Outubro de 2016, estaremos fixando a Cruz e a Placa em homenagem póstuma à memória do Soldado Adrião Pedro de Souza, tombado e morto no fatídico 28 de julho de 1938, quando a volante comandada pelo Tenente Joao Bezerra matou Lampião, Maria Bonita e mais 9 cangaceiros do bando.

A homenagem nascida a partir do pesquisador e escritor Antonio Vilela, Conselheiro Cariri Cangaço, recebe o apoio de toda comunidade que pesquisa a temática, com destaque para o Cariri Cangaço; a SBEC, o GECC, o GPEC e GFEC, além do Programa A Hora do Rei do Baião. 
O evento com a presença de inúmeros pesquisadores de todo o Brasil, acontecerá a partir das 11 horas da manhã, na Grota do Angico.

Conselho Alcino Alves Costa
Cariri Cangaço
SBEC-GECC-GPEC-GFEC
Programa A Hora do Rei do Baião

A Cruz de Adrião Por:Junior Almeida

João de Sousa Lima e Antonio Vilela

Em 28 de julho de 1938, quando na Grota do Angico, atual município de Poço Redondo, Sergipe, as tropas de policiais volantes comandadas pelo tenente João Bezerra da polícia alagoana mataram Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros, uma única baixa foi contabilizada pelo lado da força: o soldado Adrião Pedro.

Começava ali o início do fim do cangaço no Nordeste, esse período sangrento e triste da história do Brasil, que acabou de vez dois anos depois com a morte do sicário Corisco, esse morto na Bahia. Com o passar do tempo Angico virou local de visitação para os curiosos, que queriam conhecer o lugar em que o maior de todos os cangaceiros se escondia e terminou seus dias.


Entre as pedras da grota o irmão de Lampião, João Ferreira, tratou de colocar uma cruz de madeira em homenagem aos que morreram em combate (para muitos um massacre) e depois o próprio João Bezerra, oficial comandante da ação, mandou fazer em Piranhas, Alagoas, uma grande cruz de metal com mais dez cruzes pequenas afixadas nela, simbolizando os onze cangaceiros mortos. Alguns anos depois, misteriosamente essa cruz sumiu de Angicos, mas, outras foram colocadas pela prefeitura local, também em honra aos bandidos.


E Adrião Pedro, o soldado que morreu na ação cumprindo seu dever? Nada, nenhum tipo de homenagem foi feita ao guerreiro. Inconformado com isso, em 2012 o pesquisador garanhuense Antônio Vilela, que tem vários livros sobre a temática cangaço, resolveu agir para que Adrião fosse lembrado. Junto com outros estudiosos foi até Sergipe e fixou no local uma cruz e uma placa, para lembrar aos visitantes que ali tombou sem vida um militar em ação.

Esse ano, assim como aconteceu com a primeira cruz de metal no passado, tanto a cruz como a placa colocadas por Vilela no local, desapareceram misteriosamente. Foi no dia em que foi celebrada a missa pelos 78 anos daquela hecatombe. É como se alguém se incomodasse com as homenagens ao militar, pois no dia do ano em que mais Angico recebe turistas, foi que a cruz e placa desapareceram. 


A mais nova Cruz e Placa em homenagem a Adrião

Perseverante, o professor Vilela mais uma vez vai até o estado vizinho para recolocar placa e cruz no local da morte do soldado. Ele vai junto com alguns companheiros do grupo de escritores e estudiosos do Cariri Cangaço, que esse ano inclusive divulgou uma nota de repúdio contra o ato de vandalismo. A aposição da cruz e da placa na Grota de Angico vai acontecer às 11 da manhã do próximo sábado dia 29 de outubro. 

Junior Almeida,
Pesquisador e Escritor, Capoeiras PE
Fonte: http://robertoalmeidacsc.blogspot.com.br/
*Colaboração de Manoel Severo, Fortaleza CE, Jorge Remígio, João Pessoa PB e Sávio Siqueira, São José do Egito, PE. Fotos 1; os pesquisadores João de Souza Lima e Antônio Vilela quando colocaram a primeira placa. Fonte Blog Cariri Cangaço. 2; joão Ferreira, irmão de Lampião. Fonte Revista O Cruzeiro. 3; cruz de metal feita pelo tenente João Bezerra. Fonte Blog João de Souza Lima. 4; Placa desse ano. Fonte Antônio Vilela

Monumento à Coluna Prestes em Floresta ? Por:Denis Carvalho


Túmulo de João Lopes Diniz

Tenho acompanhado durante toda a semana as discussões a respeito da alocação de um monumento dedicado a passagem da Coluna Prestes no município de Floresta – PE. Fica então a pergunta: qual o sentido dessa homenagem? Para quem não conhece, a Coluna Prestes foi um “movimento político-militar” liderado pelo comunista Luis Carlos Prestes, tendo percorrido mais de 20.000 km pelo interior do país. 

O mais estranho desse movimento é que, apesar de seus ideais serem indiscutivelmente louváveis, como a exigência do voto popular secreto e melhorias no ensino publico, jamais conseguiram o apoio popular, tendo concluído sua marcha sem ter conseguido cumprir nenhum de seus objetivos.Ora, se até mesmo o temido cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva (Lampião) conseguiu conquistar o respeito e a admiração de alguns sertanejos, por que não ouvimos nenhum dos que tiveram contato com a Coluna narrar algo de positivo ou admirável? 


O repúdio popular, na época, explica-se em decorrência do modus operandi com que os “revoltosos” utilizavam para fazer aderir os populares à causa. O uso da violência era constante: invadiam fazendas e casas, torturavam seus moradores, roubavam provisões e animais de carga; tudo isso em nome da “causa”. Qualquer sertanejo era taxado de “jagunço” e não havia o mínimo respeito com os habitantes dos locais por onde passavam.

Denis Carvalho, Leo Gominho, Marcos de Carmelita, João de Sousa Lima, 
Cristiano Ferraz e Manoel Severo

Lutar por uma causa justa com o uso de meios imorais e ilegais, a meu ver, não faz de ninguém um herói. Sei que muitos vão dizer que “os tempos eram outros”, mas nada justifica o uso de uma força com dezenas de homens contra simples sertanejos, que em nada deram causa à sua luta, muito menos poderiam esboçar qualquer forma de reação. Não vejo nenhuma necessidade de um monumento relacionado à Coluna Prestes em Floresta, afinal, esse monumento já existe...

Eis na imagem o túmulo de João Lopes Diniz, morto em 1926 na fazenda Campo Alegre durante a passagem do movimento. Seu corpo ficou exposto no terreiro de sua casa, tombado no local de seu assassinato, enquanto sua esposa e filhas choravam implorando que deixassem enterrá-lo. As respostas eram apenas ironias, seguidas de gargalhadas.
Hoje vemos nossos opressores virarem heróis, ao passo que nossos mortos são esquecidos. Enquanto seu túmulo jaz abandonado, engolido pela caatinga; seus algozes receberão uma homenagem em um dos lugares mais pomposos da cidade que sua família ajudou a construir.

Muitos outros marcos foram deixados por onde passaram, como cercas incendiadas, marcas de projéteis de bala e pessoas traumatizadas.
A construção dessa obra é, então, uma total falta de respeito e uma grande demonstração de que a história do município está sendo irresponsavelmente ignorada por seus dirigentes. E isso em nada me admira, afinal, vivemos em um país em que o crime compensa e que, em vez de penas, rendem-se homenagens aos criminosos.

Denis Carvalho
Pesquisador e colecionador, Floresta PE

Primeira Reunião de Trabalho: Exu 2017


Aconteceu no último sábado, dia 22 de outubro de 2016, a primeira reunião de trabalho para o empreendimento do Cariri Cangaço Exu 2017. Os encontros aconteceram na terra do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, no sopé da Chapada do Araripe , em solo pernambucano. Manoel Severo, Curador do Cariri Cangaço acompanhado do fotografo e artista plastico Wilson Bernardo e do pesquisador e ator Nemésio Barbosa, cumpriram extensa agenda de contatos e visitas na direção da formatação inicial do grande evento.

"Estarmos em Exu, para nós do Cariri Cangaço, é uma grande honra. O conjunto significativo de tradições, memórias e histórias desse lugar agigantam nosso sertão: Aqui nasceu Luiz Gonzaga, aqui nasceu Barbara de Alencar, por aqui passaram Beato Zé Lourenço e o vaqueiro Raimundo Jacó, aqui temos registrado na história um dos maiores conflitos entre família que se tem noticia, o embate entre os Sampaio, os Saraiva e os Alencar ; enfim, Exu chega com força ao Cariri Cangaço e sem duvidas teremos um dos mais significativos eventos do ano." Confirma o Curador do Cariri Cangaço, Manoel Severo.

 Bibi Saraiva, Nemésio Barbosa, Manoel Severo, Carlina e Elma Alencar, 
descendentes de Bárbara de Alencar.
Bibi Saraiva, Lua Gonzaga, Manoel Severo e Nemésio Barbosa

Tendo como principal anfitrião, o pesquisador e escritor, ex-secretário de cultura do município por 16 anos, Bibi Saraiva, a caravana Cariri Cangaço esteve visitando os meios de hospedagens, restaurantes, clubes e auditórios para definir os principais pontos de infraestrutura. As visitas se seguiram também em alguns dos principais e significativos pontos turísticos, tendo como destaque o Parque Aza Branca, onde temos o Museu, o Mausoléu e a Casa de Luiz Gonzaga. "Exu recebe o Cariri Cangaço de braços abertos, era um anseio nosso de muito tempo puder sediar esse grandioso e respeitado evento, que ora se concretiza" revela Bibi Saraiva.

Para Carlina Alencar, descendente da heroína da Revolução Pernambucana, Bárbara de Alencar, "É uma honra receber o Cariri Cangaço em Exu, sem dúvidas teremos uma grande Festa sertaneja, inclusive com a visita a Fazenda Araripe de Bárbara de Alencar".

 Casa de Luiz Gonzaga, e imagens da visita ao Parque Aza Branca

A partir das 14 horas foi realizada a reunião de trabalho, reunindo representantes do poder público, meios de hospedagens, cultura, OAB, Conselho de Turismo, dentre outros. Estiveram presentes, Manoel Severo, Curador do Cariri Cangaço, Bibi Saraiva, Pesquisador e Escritor; Cícero Marcelino, Secretário de Cultura de Exu; Helenilda Moreira, ex-Secretária de Cultura e Vereadora; Alvenir Peixoto, Presidente do Conselho Municipal de Turismo; Anunciado Saraiva, representando a OAB; o ator Reinaldo Veira, da empresária Isabel Albuquerque e ainda Nemésio Barbosa e Wilson Bernardo.

Manoel Severo, Bibi Saraiva, Nemesio Barbosa e Wilson Bernardo no Mausoléu onde repousa o Rei do Baião, Luiz Gonzaga

Inicialmente foram dadas as boas vindas ao Cariri Cangaço pelo pesquisador Bibi Saraiva, que falou da grande satisfação e expectativa da chegada do evento ao Exu; em seguida o Curador do Cariri Cangaço, Manoel Severo fez uma explanação do Projeto Cariri Cangaço, falando das realizações, dos estados e municípios que sediam o evento e uma apresentação do Projeto Cariri Cangaço Exu 2017.

"Nosso desejo é realizar um evento que possa mostrar toda a grandeza cultural e histórica de Exu, para isso nos debruçamos sobre a criação de uma programação que pudesse, mesmo considerando o pouco tempo; a ideia é termos um evento começando numa quinta-feira a noite encerrando no sábado a noite; ser concisa mas ao mesmo tempo dinâmica e que possamos aproveitar cada momento, que sem dúvidas serão marcantes" ressalta Manoel Severo. 

Gabriel e William, da Escola de Sanfonas Dominguinhos, 
presença garantida no Cariri Cangaço
Nemésio Barbosa, Bibi Saraiva, Wilson Bernardo e Ednazaldo

Com a colaboração prévia do Conselho Cariri Cangaço, com destaque para os Conselheiros Kydelmir Dantas, Múcio Procópio e Juliana Pereira, foi apresentado um conjunto de sugestões para o Cariri Cangaço Exu, com destaques para as Mesas de Debate Temáticas, voltadas para a vida e obra de Luiz Gonzaga, como: A contribuição de Luiz Gonzaga na formação da identidade cultural do povo nordestino, Bibliografia Gonzaguiana e A Música de Luiz Gonzaga; compositor e parceiros; dentre outros temas, quando serão convidados personalidades identificadas com as temáticas e de reconhecimento nacional. 

Outro ponto importante foram as definições do conjunto de visitas a serem realizadas dentro do evento: O Parque Aza Branca; com Mausoléu, Museu e Casa de Luiz Gonzaga; o Sítio Araripe com a Casa e Museu de Dona Bárbara, a Igreja de São João do Araripe, a Casa de Januário , além da visita ao distrito de Tabocas com a inauguração do Memorial Antônio Saraiva Albuquerque e o Mirante do Araripe, além do Sítio União, última morada do Beato Zé Lourenço, dentre outros cenários importantes do lugar.

Primeira Reunião de Trabalho: Cariri Cangaço Exu 2017
De pé: Ramires e Isabel Albuquerque, Nemésio Barbosa, Anunciado Saraiva, Helenilda Moreira e Reinaldo Vieira; sentados: Cícero Marcelino, Bibi Saraiva, Manoel Severo e Alvenir Peixoto.

Outro momento alto da Programação do Cariri Cangaço Exu 2017 serão os lançamentos dos livros: O Império dos Rifles e O Massacre dos Coronéis-A Hecatombe de 49; ambos do pesquisador e escritor Bibi Saraiva. Os lançamentos que serão seguidos de palestra e debates sobre esse que é um dos momentos históricos mais marcantes do nordeste, que foram os conflitos entre as famílias Sampaio, Saraiva e Alencar, no Exu, com repercussões em todo o Brasil.

"Se tem Cariri Cangaço em Exu, tem que ter forró, e dos bons, sem dúvidas teremos também uma grande festa da musica nordestina e de Luiz Gonzaga com as apresentações da Orquestra Sonata tocando Luiz Gonzaga, da Escola de Sanfonas Dominguinhos e ainda os grandes artistas Joquinha Gonzaga, Joãozinho do Exu, dentre outros" revela Bibi Saraiva.

Até o final do sábado todos os esforços foram  na direção do melhor planejamento para o Cariri Cangaço Exu 2017. "A data ainda não temos, mas é quase certo, 99% certo que seja na segunda quinzena de Julho, talvez entre os dias 27 e 30 de julho, ainda estamos estudando, até para aproximarmos o Cariri Cangaço Exu de outras duas grandes celebrações, o aniversário de morte de Luz Gonzaga e a Missa do Vaqueiro de Serrita, sem dúvidas será um marco !" Confirma Manoel Severo. "Ainda temos tempo para o planejamento e para os preparativos, uma vez que o Cariri Cangaço Exu será possivelmente no final de Julho de 2017, mas já começaremos a trabalhar hoje mesmo". Conclui Bibi Saraiva.

Cariri Cangaço
Reunião de Trabalho
22 de Outubro de 2016, Exu - Pernambuco

Os Desprezíveis do Cagaço Por:Junior Almeida

Existe na vasta literatura cangaceira centenas de narrativas de passagens sangrentas em solo nordestino. Algumas mortes aconteceram com certo heroísmo, outras por encomenda, algumas por azar e muitas por inveja, cruzetas, ou mesmo por puro e simples fuxico, o mal que assolou o Sertão naqueles tempos, como disse tão bem o mestre Alcino Alves Costa. De certo é que em nossa terra jorrou o sangue de muitos inocentes. 

Muitos homens caíram em desgraça, entrando para o cangaço ou para as volantes, por falta de perspectivas de vida, ou faziam isso ou morriam. Já outros tantos, participavam da luta indiretamente e lucravam muito com as desgraças alheias. Lampião, como ele mesmo disse em Juazeiro do Padre Cícero em 1926, era um pé de dinheiro. Era bom negociar com o rei de todos os cangaceiros. Ele comprava em quantidade e pagava muito bem o que comprava. Muito enriqueceram às suas custas.


Se um coiteiro ganhasse a confiança do “Rei Vesgo”, estava feito na vida. Além de faturar alto com isso, financeiramente falando, tinha a vantagem de ninguém se atrever mexer com ele, e não era difícil, por exemplo, que comprasse uma propriedade por muito menos do que ela valia, só por ser amigo de Lampião. Quem danado queria se indispor com Virgulino ou um protegido seu?

O cangaceiro mor era leal a quem o servia com a mesma lealdade, e de sua maneira, tratava bem seus colaboradores. Esses por sua vez, não tinham qualquer tipo de escrúpulos para que tão vantajosa relação fosse mantida. Valia tudo. Foram dezenas, centenas de servos de Lampião durante o seu reinado e para esses, o que valia era o dinheiro e outras vantagens que Virgulino podia lhes proporcionar, não importando laços de amizade ou sangue, se muitas pessoas ficariam na orfandade por conta de seus atos ou mesmo que sofrimentos sem fim seriam vitimados vários desditos, por conta de determinada atitude covarde e muitas vezes mentirosa do coiteiro caluniador ou do simples adulador de bandidos.
Amélia Araujo, Manoel Severo e Junior Almeida, em dia de Cariri Cangaço
Quem mais sofria era quem não tinha um lado na peleja, o roceiro simples, o cidadão de bem. Envolvido com as partes, ninguém era santo, isso é certo. Foram muitos cangaceiros e volantes sanguinários. Pessoas que nem sei se pode-se chamar de gente, pois eram feras humanas, carniceiros da pior qualidade. Gato, Moreno, Zé Baiano, Corisco ou o próprio Lampião, dentre outros, estão nessa lista, pois foram tudo de ruim já descrito pela história, mas algumas pessoas daquela época foram até piores mesmo sem estarem presentes no campo de luta, pois com seus atos foram responsáveis por grandes atrocidades. Os casos são muitos, os personagens mais ainda, mas particularmente destaco três que são símbolos do que pior pode existir no ser humano e do que existiu na triste história do cangaço. São NA MINHA OPINIÃO seres desprezíveis do cangaço.

Joca Bernardo, essa ignóbil criatura foi uma dessas pessoas que infelizmente a história tem que registrar. Invejoso, cruzeteiro, mentiroso e extremamente covarde. Por conta de sua aversão aos cangaceiros, por ser corneado por um, o cabra Jacaré, do bando de Corisco, Joca decidiu procurar o sargento Aniceto, e delatou quem sabia onde Lampião com seu bando estavam acoitados. Por conta do seu fuxico morreram doze em Angicos, e para piorar, esse cabra ainda mentiu para Corisco, para que esse cometesse mais uma barbaridade, matando mais seis pessoas da Família Ventura. Ou seja: Joca Bernardo foi o responsável direto por 18 mortes, sendo seis inocentes, que nada deviam a cangaceiros ou volantes. Dizem que em Piranhas morreu no desprezo, que quando passava na rua, as pessoas davam-lhe as costas.


Horácio Grande, ou Horácio Novaes foi outro bandido de atitudes bem reprováveis. Ladrão, covarde e mentiroso, esse ser que não se sabe se tinha alguma virtude, além de ter roubado a tropa de burros da honrada família Gilo, se sentiu ofendido em ser pego com a boca na botija e ser desmoralizado por ser ladrão. Quis se vingar dos Gilos, numa total inversão de papéis, como se a honrada família fosse a errada da história. Na primeira investida se deu mal, pois perdeu um companheiro de empreitada, o cabra Brasa Viva, e ainda levou um tiro no saco, que quase lhe capa. Não desistindo de seu intento, Horácio Grande se aliou a Lampião e o envenenou contra a família do Sítio Tapera em Floresta. O cangaceiro tão esperto caiu nas mentiras do sicário florestano, e em agosto de 1926 com cerca de cem homens cometeu uma das maiores atrocidades que se tem conhecimento em sua vasta história de crimes. Por conta da sórdida atitude de Horácio Grande morreram treze pessoas da família e mais um soldado que veio em socorro dos desafortunados Gilos.
Outro personagem de triste memória também tem seu nome ligado à hecatombe da Tapera em Floresta. Antônio Muniz de Farias, oficial da polícia pernambucana, que teoricamente deveria dar segurança aos cidadãos de Floresta e região, foi também responsável pela morte da Família Gilo e um dos seus comandados, mesmo sem ter apertado o gatilho. O capitão Muniz Farias tinha dado a sua garantia aos Gilos que se Lampião fosse atacar a Tapera, ele mesmo iria com seu efetivo do quartel em Floresta, para acudi-los. Balela. Em cerca de dez horas de tiroteio o covarde oficial não só deixou de cumprir com a palavra empenhada, como proibiu seus comandados de agirem. Só o destemido Manoel Neto, num ato de insubordinação foi em auxílio do Gilos, perdendo com isso um soldado. Conta-se em Floresta, que o portador do pedido de socorro no quartel argumentava com água nos olhos que o oficial tinha dado a sua palavra, por tanto deveria Muniz, como homem que acreditavam que fosse, deveria cumprir.
Antônio Muniz Farias com esse ato de extrema covardia apagou da sua história qualquer ato de bravura que tenha feito e manchou de forma vergonhosa o nome da corporação. Sicários da pior espécie existiram muitos, mas um covarde como esse, que se escondia atrás da farda e foi responsável pela perda de 14 vidas, é um dos piores.

Junior Almeida
Pesquisador e Escritor, Capoeiras,PE

Começa o ano de 2017... Avante !


O Sertão vai Tremer ! A chegada do Rei do Baião ao Cariri Cangaço se transformará em uma das maiores e mais esperadas festa culturais 
de todos os tempos: 
CARIRI CANGAÇO EXU 2017.

"Amigo Curador do Cariri Cangaço Manoel Severo, estaremos lhe esperando neste sábado, dia 22 as 9:30h na Pousada Albuquerque (de Isabel Albuquerque) que fica logo na entrada da cidade de Exu para longa agenda de trabalho. Teremos uma visita ao prefeito eleito e às duas horas da tarde, dentre outras, participaremos de reunião na sede da Secretaria de Cultura aonde estarão presentes vereadores, advogados, secretários, membros do Conselho de Cultura e Turismo, Parque Aza Branca (Museu do Gonzagão), Rádios Acauâ FM e Objetiva FM, cineclube e Ponto de Cultura, etc. Abraços". 

Bibi Saraiva; pesquisador, escritor, memorialista, EXU Perbambuco

NOTA CARIRI CANGAÇO: Neste sábado, dia 22 de outubro teremos o inicio das reuniões de trabalho para a formatação da Agenda Cariri Cangaço 2017. Sábado a partir das 9:30h da manha o Curador do Cariri Cangaço,Manoel Severo estará cumprindo extensa agenda de trabalho no município de Exu, ao lado de Bibo Saraiva e outros colaboradores, junto às autoridades municipais, agentes culturais, imprensa, comunidade acadêmica e outros representantes da sociedade civil da terra do Rei do Baião, Pauta: Um dos mais esperados eventos de 2017... CARIRI CANGAÇO EXU, nos aguardem !!!

Nos Rastros do Cangaço, Lampião no Alto dos Coelhos Por:João de Sousa Lima


Neste último sábado, 15 de outubro de 2016, Eu, Aldiro e Deyvid, estivemos nos escombros do casarão de João Coelho de Araújo, um dos homens que sofreram as perseguições e os abusos dos cangaceiros. João Coelho e sua esposa Maria Alves dos Santos, conhecida como Marica, grandes criadores de animais da região, estavam cuidando dos afazeres da fazenda, com vastos plantios de algodão, feijão, milho, arroz, mandioca e dos vários animais, entre gado, bodes, cabras, galinhas, perus e outras miunças. João Coelho era filho de Antônio Coelho de Araújo (fundador do Logradouro Alto dos Pereiros, hoje Alto dos Coelhos) e de Feliciana Alves dos Santos.

1932, os cangaceiros encontravam-se entre as fazendas do Logradouro, Cachoeirinha e Bom Jesus, terras pertencentes a cidade de Água Branca, Alagoas. Lampião mandou pedir duzentos mil réis a João Coelho e como João Coelho no momento não tinha dinheiro mandou dizer a Lampião que depois daria a quantia solicitada. Lampião ficou esperando chegar o dia marcado e soube que João Coelho estava em Pedra de Delmiro Gouveia. Dias depois Lampião ficou sabendo que João Coelho e Marica havia voltado para a fazenda, o cangaceiro mandou dois cangaceiros ir buscar a encomenda. Quando os cangaceiros chegaram encontraram uma filha do casal, chamada Joaquina, que estava cortando palmas para alimentar o gado.  Os cangaceiros se aproximaram e perguntaram por seu pai e ela respondeu que ele estava na roça. "-Ele vai demorar muito? - Não! Ele volta já!"

Um dos cangaceiros começou a ajudar a moça a cortar a palma e ela pediu para ir à cozinha para atiçar o fogo do fogão a lenha para terminar a comida e deixando o cangaceiro fora da casa, se dirigiu a cozinha e nesse momento pulou uma janela da cozinha e correu para avisar ao pai que vinha chegando, que os cangaceiros estavam lá, o esperando. João Coelho correu e saiu avisando da presença dos cangaceiros em sua casa.


Os cangaceiros esperaram até anoitecer e depois foram embora enraivecidos. No coito Lampião falou que iria dar o troco a João Coelho, dizendo:"- Eu mandei pedir, correram, então está bom, eu vou mandar Luiz Pedro resolver esse serviço!"

Lampião ficou aguardando o retorno de João a sua casa e colocou seus coiteiros para vigiar e avisar sobre a volta do arisco roceiro. O dia chegou, avisaram a Lampião sobre o retorno de João. Lampião mandou Luiz Pedro e parte de seu grupo ir acertar as contas com João. Era um dia de sexta feira e a esposa de João, dona Marica que era zeladora do Apostolado do Coração de Jesus e havia ido uma Missa em Água Branca. O dinheiro que João havia separado para mandar a Lampião estava atrás de um quadro de um Santo e ele pediu para Marica não mexer que ele iria pagar e ficar livre de Lampião.

Luiz Pedro, um dos homens de confiança de Lampião, chegou de surpresa e cercaram a casa e prenderam João. - Cadê o dinheiro velho que você não mandou? - Pronto, o dinheiro está aqui! E se dirigiu para o quadro. Quando procurou o dinheiro não o encontrou. Os cangaceiros começaram a procurar o dinheiro revirando camas, baús, móveis e possíveis lugares onde o dinheiro pudesse está escondido. Enquanto uns cangaceiros procuravam o dinheiro, outro ia dando pequenos furos de punhal na barriga e nas costas de João Coelho. Um dos cangaceiros falou: - Já sei onde encontrar o dinheiro desse vei!

Aldiro, Maria Moraes(Neta de João Coelho) e João de Sousa Lima

Pegou o mosquetão e saiu batendo a coronha nos tijolos adobes da casa, um dos tijolos bateu fofo e quando o cangaceiro tirou o tijolo e encontrou um garrafão de louça cheio de moedas, joias e correntes de ouro. Na sala, onde João estava sendo perfurado, debaixo da mesa, encontraram outros tijolos soltos e quando reviraram encontraram o dinheiro que havia sido escondido por Marica. Luiz Pedro observando três crianças que estavam na casa, Prazeres, Celeste e mais novo que era o Zezé, advertiu João Coelho: "- Oia velho, isso aqui só aconteceu duas vezes e era pra matar você mais como encontramos o dinheiro fica aqui o exemplo de ter enganado o capitão!" Os cangaceiros foram embora deixando João Coelho todo ensanguentado.

As crianças gritaram pedindo ajuda e os vizinhos próximos, Zé Terto e Mané Campinhos correram e foram socorrer João.Marica chegou de Água Branca e levou o marido até Pedra de Delmiro, para se tratar com o Dr. Antenor Serpa. Depois do tratamento, dias depois, em decorrência dos maltratos sofridos, João Coelho faleceu.

No Alto de João Coelho, os escombros de sua antiga casa, adobes descansam em ruinas do que antes foi um casarão de uma família feliz. O cangaço ali deixou sua marca de sangue e dor. O tempo teima em destruir as antigas paredes que registraram histórias de amores, sangue, morte e abandono.

João de Sousa Lima
Membro da Academia de Letras de Paulo Afonso.
Conselheiro do Cariri cangaço.
Membro da SBEC – Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço
Fonte:http://joaodesousalima.blogspot.com.br/

O Erudito Virgulino Por:Romero Cardoso



Publicada no ano de 1926, pela Imprensa Oficial do Estado da Parahyba, o livro “Lampeão, sua história”, de autoria do jornalista Érico de Almeida, é a primeira biografia erudita do “rei do cangaço”.


Almeida militou anos a fio no Jornal paraibano “O Norte”. Quando da ênfase às inovadoras políticas públicas encabeçadas pelo governo Epitácio Pessoa na presidência da República (1919-1921), engajou-se como funcionário do Ministério da Agricultura, lotado no Escritório deste órgão em Princesa (PB), cujo objetivo principal consistia em combater a lagarta rosada, a qual era sério problema para a cultura algodoeira, principal produto da pauta de exportações do Estado da Paraíba na época.

Quando do término do triênio Epitacista, houve total desestímulo dos esforços empreendidos por parte do sucessor, o mineiro Arthur Bernardes, que escandalizado com a onda de corrupção que marcou o período anterior desestruturou as obras de açudagem e outros projetos importantes, incluindo a campanha contra as pragas que atingiam os algodoais. Com o fechamento dos Escritórios do Ministério da Agricultura espalhados pelo Estado da Paraíba, inclusive o posto estabelecido em Princesa. 
Érico de Almeida ficou desempregado, como muitos outros, tendo gerado a sensibilidade do “Coronel” José Pereira Lima, que resolveu unir o útil ao agradável, talvez levando em conta o consórcio do jornalista com mulher da localidade, da família Duarte, de nome Rosa. 


Marcolino Diniz, sentado ao centro

Devido ao ataque cangaceiro a Sousa (PB), pois antes Lampião desfrutava de proteção integral na região, graças ao acordo firmado com o “Coronel” Marçal Florentino Diniz e seu filho Marcolino, Zé Pereira se viu na contingência de desviar a atenção dos fatos através da ênfase à literatura voltada para a negação do óbvio.

O ofício de jornalista auxiliou bastante Érico de Almeida quando foi contratado para escrever o que seria a primeira biografia erudita de Lampião, pois o costume de anotar tudo quando do exercício de suas funções como funcionário do Ministério da Agricultura foi de fundamental importância para a elaboração de sua obra.

Os objetivos do livro são claros, pois negar a melindrosa relação de coiterismo que existia há tempos imemoriais na região de Princesa não era tarefa fácil. Lampião, sentindo-se traído, passou a berrar aos quatro cantos as facilidades e as serventias de sua “profissão” aos que estavam lhe perseguindo tenazmente devido à forma como se efetivou o ataque cangaceiro à cidade de Sousa.

No livro “Lampeão, sua história” há a defesa que as perseguições aos cangaceiros datavam de antes do “rei do cangaço” decidir enviar seus homens para levar avante a vingança pretendida por humilde bodegueiro da localidade de Nazarezinho (PB), então distrito de Sousa, contra importante oligarca local de nome Otávio Mariz.

Kydelmir Dantas, Múcio Procópio, Manoel Severo, Romero Cardoso e Antônio Vilela

Episódios conhecidos da história do cangaço, como a morte de Meia-Noite nos grotões ermos do saco dos Caçulas, foram deturpados propositalmente a fim de eximir de culpas importantes personagens que fizeram a história do movimento, como Manuel Lopes Diniz, conhecido por Ronco grosso, homem da inteira confiança dos “Coronéis” José Pereira Lima, Marçal Florentino Diniz e de Marcolino.

O livro de Érico de Almeida não cita que Lampião passou meses sendo cuidado nos Patos de Irerê por dois médicos, depois que foi ferido gravemente no tornozelo pelos disparos feitos pelos volantes comandados pelo Major Teófanes Ferraz Torres, da força pública pernambucana.

João Suassuna, presidente paraibano na época, é elevado à categoria de verdadeiro santo protetor, exponencializando consideravelmente a campanha deflagrada pelo gestor paraibano contra os cangaceiros. A forma como Érico de Almeida trata Suassuna em seu livro levou literatos de peso a afirmarem categoricamente que se tratava de um pseudônimo utilizado pelo presidente paraibano para se autopromover.

Elpídio de Almeida afirmou que era Suassuna o real autor do livro, enquanto Mário de Andrade, sutilmente, em “O Baile das Quatro Artes”, enfatizou que havia comentários de que realmente era Suassuna o autor da primeira biografia erudita de Lampião.

Em contato com pessoas que conheceram o jornalista, quando de sua estadia em Princesa, a exemplo dos senhores Zacarias Sitônio, sua esposa Hermosa Goes Sitônio e Belarmino Medeiros, todos residentes em João Pessoa (PB) na época do resgate do livro de Érico de Almeida, encontramos provas suficientes sobre a real existência do autor, como a certidão de casamento e fotografia em que aparece discretamente o jornalista.


Foto de Grupo de liderados pelo Coronel Zé Pereira em foto colorizada por Rubens Antonio


Entrevistado em Limoeiro do Norte (CE), quando da fuga alucinada depois da tentativa de ataque a Mossoró (RN), no ano seguinte à publicação do livro de Érico de Almeida, Lampião destilou ódio contra o “Coronel “José Pereira Lima, chamando-o de falso e mentiroso, pois havia se beneficiado com todos os favores de sua “profissão” e depois o havia traído.

Após a revolução de trinta, o livro de Érico de Almeida foi sendo gradativamente esquecido, colocado entre os malditos, fruto de uma estrutura carcomida que precisava ser apagada em prol da edificação de uma nova ordem econômica, política e social.

Com o apoio indispensável do senhor Zacarias Sitônio,que apresentou-nos o livro raro escrito pelo jornalista Érico de Almeida, conseguimos resgatá-lo, no ano de 1996, após matéria publicada no jornal paraibano “Correio da Paraíba”, datado do dia 12 de agosto de 1995, sendo reeditado, setenta anos depois, pela editora universitária da UFPB, que se responsabilizou pela terceira edição em 1998.

Não obstante os profundos vínculos com as estruturas de poder dominantes na República Velha, era imprescindível que o livro “Lampeão, sua história” saísse do ostracismo ao que foi relegado pelos novos mandatários que assumiram o poder com a vitória dos revolucionários em outubro de 1930, pois cessando os exageros existem informações preciosas sobre o ciclo épico do cangaço e sua época que não podem ficar ocultas dos historiadores e dos que apreciam as velhas coisas sobre o semiárido do nordeste brasileiro.

José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo (UFPB). Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Central, Mossoró/RN. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UERN)

Fonte: http://omundocomoelee.blogspot.com.br/

Entre Cabras uma Flauta Doce no Sertão do Menino Por:Camilo Lemos

A Cidade de Lajes no centro do Rio Grande do Norte estava em festa, todos envolvidos no FLILAJES, Festival literário de Lajes, realizado de 08 a 10 de setembro de 2016, o homenageado foi Antônio Cruz. Fui acompanhando Professor Múcio Procópio, chamo-o de Prof. Múcio desde que o conheci, a palavra professor se incorporou ao seu nome. Não consigo chamá-lo simplesmente de Múcio, mesmo depois de algum tempo de amizade.
Na quarta-feira à noite do dia 07 de setembro, prof. Múcio me convoca: “Camilo, vamos a Lajes!”, com o tom de voz de satisfação característico de quando ele fala que vai a Lajes. Respondi de bate pronto: “Tudo bem Professor”.  Além de poder aprender com mais uma viajem, ter o privilégio de ir com um filho de Lajes que tem forte amor pelo berço, eu também iria rever “DUDU”.
Dudu tem 09 anos de idade e é filho de Tonhinho, primo de Prof. Múcio. Na primeira vez que estive nas Caraúbas, localidade onde foi construído o primeiro açude de LAJES-RN, conheci Dudu que me apresentou, com muito entusiasmo, as cabras e dois cabritos, os quais ele estava dando um reforço alimentar com a mamadeira. Tocou-me a maneira como ele lidava com os animais! Um exemplo de grandeza humana.
A época era muito difícil. Muito dura. Já eram quatro anos que a seca castigava a região e estávamos entrando no quinto ano, era dezembro de 2015. Os animais sofriam. Tudo seco na região, os galhos dos “pés de pião” contorcidos davam a impressão de que estava tudo invertido, ali as raízes nasciam para cima e as folhas e tudo que era verde nasciam para baixo do chão fugindo do sol.
Querendo retribuir a gentileza à Dudu, perguntei se ele gostava de música, então fomos para as primeiras lições de leitura rítmica, trata-se do reconhecimento dos valores na música, duração dos sons e das pausas, noções básicas. Dudu é muito inteligente, gosta de matemática, portanto a tarefa não seria difícil para ele e mesmo assim ele me surpreendeu. Prometi a Dudu uma flauta doce para iniciar os estudos do instrumento e uma camisa do Vasco. Pois bem, era hora de rever Dudu e levar os presentes.
Viagem boa, prof. Múcio guarda todo o mapa e a paisagem antiga na cabeça, então vem remontando o caminho, estradas, trilhas, plantações, propriedades numa verdadeira aula de campo. Chegamos antes do horário previsto e fomos andar pela região. Depois da reunião onde foram definidos alguns detalhes da participação de prof. Múcio na FLILAJES, seguimos para as Caraúbas. Tonhinho nos recebeu e fui logo perguntando: “Cadê Dudu?”. Respondeu Tonhinho: “Dudu está bem, está na casa da Mãe dele, está se arrumando para ver uma apresentação lá no centro”. Era a FLILAJES, o envolvimento do povo de Lajes com o evento é de se admirar. Eu disse: “tudo bem, vou me encontrar com ele lá.”
Depois do almoço, uma rede para descansar e um vento morno para embalar. Quando Tonhinho estava saindo para o evento, falei com Dudu, disse da flauta e que gostaria de dar uma aula para ele se quisesse. Não vou tentar descrever a cara que Dudu fez, pois não conseguiria. O mais próximo que posso chegar é de uma grande mistura de surpresa, alegria e ansiedade. Dudu seguiu com sua família, pai, mãe e irmã para o centro de Lajes, fomos logo depois.
Ruas enfeitadas, alunos e professores terminando os últimos detalhes. Cangaceiros e cangaceiras, sacis pousavam para fotografias junto a mula sem cabeça, o maior tinha menos que um metro e meio de altura. O centro das atenções eram as crianças, aquele momento era delas, das crianças.  Netos, avós, pais, vizinhos, amigos e conterrâneos estavam ali, todos. É muito gratificante ver a cidade daquele jeito, todos envolvidos com a sua cultura, a esperança chegava com um vento frio.
Fomos procurar um lugar afastado do local do evento, para apresentar a flauta doce a Dudu. Encontramos um banco de uma praça, que era também praça de alimentação perto do ginásio no centro de Lajes. Começamos, Dudu foi indo, o cabra é daqueles seres humanos que querem aprender e aprendem fácil. Ele é sereno e puro, simples e forte, menino bom do sertão.
Dudu
Começou a escurecer e fomos para uma mesa de uma lanchonete onde havia luz. Continuamos, Dudu começava a ficar intimo das semínimas e colcheias e suas respectivas pausas, chegamos ás notas Sol, Lá e Si, na flauta e na pauta. A tarde havia se despedido e a noite veio. O vento continuou frio só que agora mais forte. Chegou a hora de nos despedir , os familiares já nos esperavam.
Sugeri então: -Dudu, era bom nos encontrarmos amanhã para eu ver como ficou a lição, tirar suas dúvidas, praticar mais um pouco… Dudu com a mesma cara que não sei descrever perguntou:-E vocês vão de que horas amanhã? Respondi:–Vamos voltar amanhã pela manhã, lá pelas 10 horas, apareça na casa de seu pai um pouco mais sedo que podemos adiantar tudo bem?-Tudo bem. Tudo bem…E com a mesma rapidez que respondeu, perguntou:-Às 05:00h tá bom? Olhei para Dudu e o tranqüilizei:– Hômi, não precisa ser tão cedo… E ri.
A programação do FLILAJES foi noite adentro poesia, música, leitura dramática, troca de livros, mesa redonda e dança. Lajes estava dando um grande exemplo de como a cultura pode aproximar as pessoas, como disse antes, várias gerações estavam ali prestigiado sua arte e sua história.
A noite passou, a madrugada chegou e o vento gelado deixou a ponta dos meus dedos dormentes, “nessas alturas” já havia desistido de dormir no alpendre da casa de Tonhinho. Na volta contei ao prof. Múcio sobre o horário que Dudu propôs para a aula – Cinco horas ta bom? – Rimos muito e fomos dormir.
Acordei com o som dos animais logo cedo por volta das 4h e 30min, o som foi aumentando, eram os animais chegando perto da casa, pensei, são os bichos vindo pedir comida de manhã. Fiquei na rede, estava muito frio ainda.
Ouvi Tonhinho se levantar e abrir a porta: “O que é que você esta fazendo uma hora dessa aqui Dudu? Você tem aula hoje na escola rapaz! E eles estão dormindo ainda!” PENSEI: “EITA PIÚLA!” Dudu tão novo carrega consigo uma das coisas mais preciosas do sertanejo, a palavra. Dudu falou: “Vai ter aula hoje não. É feriado”. Tonhinho incrédulo resolve tirar a prova: “Vai ter aula hoje não? Vou perguntar essa história a sua mãe! Vamos lá.” PENSEI NOVAMENTE: “EITA PIÚLA”. Só que dessa vez mais alto.
Os chocalhos foram se afastando, me levantei, lavei o rosto e prof. Múcio dormia na rede na sala. Voltei pra minha rede e fiquei pensando no que iria dizer a Dudu para que ele não faltasse a escola por minha causa, pois voltaria e continuaríamos as aulas. Olhei as horas: 5h.
O som dos animais foi chegando perto da casa, chegaram. A porta abriu e eles entraram. Quando Dudu me viu acordado olhou para o pai com os olhos arregalados como quem dissesse – Ó ele está acordado! – Abriu um sorriso puro de felicidade. Todos os problemas de Dudu naquele momento tinham se acabado. Primeiro ele não teria aula na escola, de fato era feriado e segundo, eu estava acordado. Ganhei o meu dia naquele momento, estava fazendo parte da felicidade de alguém e ele merece.
Dudu e seus pequenos cabritos
Dudu então disparou com toda a energia: “Você lembra daqueles cabritos? Eles estão grandes e nasceram mais, são muitos, já viu? Venha ver! Vem!” Eu disse: “espere um pouco Dudu, deixe eu vestir uma camisa”. Antes de eu terminar a frase, ele já estava lá fora chamando os cabritos, tive que ir. Lá fora, um frio de cortar e de acordar qualquer um. Interrompi as apresentações no quinto cabrito: “Dudu, só um minuto, meu amigo! Vou vestir uma camisa, estou morrendo de frio”. Para minha sorte, Dudu concordou. Agradeci, corri para a casa e Tonhinho já estava com um café pra mim.
Prof. Múcio já estava acordado, todos conversamos um pouco, menos Dudu que ficava para lá e para cá, só observando. Quando dei a última mordida no pão e o último gole no leite, recebi “a ordem”: “venha aqui, venha ver a cachorrinha, temos uma cachorrinha agora aqui”. Agora sim, o dia havia começado, os primeiros raios de sol apontaram no horizonte, o ar matinal do sertão e, uma paisagem que faz o olhar se perder na imensidão. Contemplei a Serra do Feiticeiro e tudo que estava em minha volta.
Lá estava Dudu me apresentando a cadelinha, quando a vi, perguntei: “Dudu ela tem algum problema?”.  Ela estava toda “mole”, com “pés de mola”, depois se esparramou no chão. Pensei que ela tivesse algum problema nas patas. Tonhinho apareceu e disse: “Não, ela tem nada não, é boazinha, danada que só!” E assobiou para ela que saiu correndo em disparada dando voltas a toda velocidade, mostrando a agilidade dos cães sertanejos. Depois complementou: “Ela fica assim quando está perto dele”. Eu ri. Já estava acostumado com esse tipo de reação vindo dos cães, mas não esperava o que estava por vir.
Saímos em busca do tal cabrito que ele mencionou que já estava grande, fui percebendo que todos os bichos vinham cumprimentar Dudu, passou a primeira turma de cabras e cabritos, todos se dirigiram a ele, segunda turma, a mesma coisa, terceira também. Chamou-me a atenção tamanha naturalidade da relação de Dudu com o ambiente em que vive.
Do outro lado do terreno foi a vez dos sagüins, fomos chegando perto de umas algarobas altas, o primeiro apareceu, Dudu foi me explicando que eles são uma família grande e que moram ali: “tem até uma com um filhotinho nas costas, ela aparece já”. Chegamo-nos mais perto, Dudu começou a se comunicar com eles e os sagüins foram aparecendo e se aproximando. Quem conhece um sagüim sabe que eles são muito ariscos, desconfiados, mas eu estava vendo outra coisa ali naquele momento, eu via uma família de sagüins vindo cumprimentá-lo, dar bom dia a Dudu, inclusive a mamãe sagüim e seu filhote nas costas. Dudu chamou e ela veio, nesse momento senti que o elo de confiança, de amizade entre eles, era muito grande, mas não comigo. É que a “guarda pessoal” da mamãe sagüim estava muito bem posicionada a menos de dois metros da minha cabeça, percebi quando olhei para trás e achei melhor me afastar, pois a presença da fêmea com o filhotinho alterou o comportamento deles que antes estavam apenas curiosos, agora em alerta. Mantive a mesma sintonia de antes, “sou amigo de Dudu, eles não vão fazer nada comigo”. Estava certo e veio outro pensamento: “Será que eles estavam protegendo também Dudu?”
Na volta para casa, achamos o tal cabrito que fomos procurar, estava nessa última turma. Junto também estavam três cabritinhos que ao avistarem Dudu, vieram correndo balançando o rabo e ficaram brincando com ele e comigo.  Dudu contava a vida deles: “Este aqui é ceguinho, um carcará pegou ele quando era bem novinho e deu uma bicada, ele ficou assim”. Os outros dois estavam brincando comigo, eu não conheço a língua das cabras, mas uma cabra grande com seu par de chifre de 20 cm estava deixando bem claro o que queria dizer da forma que me olhava e se movimentava: “quem é esse humano com os meus filhotes?”
Camilo Lemos e Múcio Procópio
Ora, se eu notei, imagine Dudu. Ele veio para perto e tentou me tranqüilizar: “Ela é assim mesmo, é a mais braba que tem aqui, esta assim por que você esta perto dos filhotes dela”, disse-me com a sinceridade, inocência e a pureza das crianças. Mas ouvir isso às seis da manhã foi uma boa dose de adrenalina. No mesmo instante ele se aproximou dela, alisou e balançou sua cabeça pelo chifre, disse qualquer coisa e ela deu as costas e saiu tranquila.
Quando minhas pernas reagiram, achei melhor lembrá-lo da aula e disse: “E aí Dudu, e nossa aula? Vamos lá? Vai ou não vai?”. O local escolhido foi embaixo de uma velha algaroba, onde tem um banco grande e uma comprida mesa de refeição. Começamos a revisão e a nova aula, no final daquela manhã Dudu chegou à nota “dó” e “ré aguda”, agora ele tocava cinco notas na flauta: ré, dó, si, lá e sol.
Deixei Dudu entre pausas e notas. Saí de lá com a certeza que Dudu tem de sobra o que falta ao mundo. Saí também com a paisagem, a natureza, a criança, os animais, com a pureza do sertão. Foi uma manhã inesquecível, aprendi sobre as plantas de lá, o que os bichos comem e não comem. Foi uma aula sobre a vida e sobre um menino que tem uma intimidade com as animais que pouquíssimos veterinários que conheci têm. Dudu não sabe, mas a verdadeira aula quem deu foi ele.
Despedi-me dizendo:– Dudu que privilégio você têm, toda manhã você tem isso! Ele riu encabulado e falou: “Só não deu para ver os preás, eles são muito ligeiros”. “Tem nada não Dudu, fica para próxima.” No tempo da indelicadeza, Dudu é uma riqueza.
Camilo Lemos, Natal RN
Fonte:https://camilolemosartecultura.wordpress.com/2016/10/09/entre-cabras-uma-flauta-doce-no-sertao-do-menino/