Antônio Matilde e os Irmãos Porcinos Por:Antônio Correa Sobrinho


A história do banditismo no sertão do Nordeste do Brasil, conhecido por CANGAÇO, imperante de anos do século XIX a meados do século XX, tem registrado em seus anais a atuação de notáveis bandoleiros, como Cabeleira, Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino, Luiz Padre, Sinhô Pereira, Virgulino Lampião, Sabino, Corisco, e também os cangaceiros ANTONIO MATILDE e os IRMÃOS PORCINO, estes últimos, iniciadores, preceptores, mestres daquele que veio a se tornar o mais célebre dos cangaceiros que existiram no Brasil, considerado o “rei do cangaço”, o já acima citado VIRGULINO LAMPIÃO.


Fui buscar Antonio Matilde e os filhos de Porcino Cavalcanti de Lacerda, Antonio, Manuel, Pedro, gente das terras alagoanas, a fim de compor a coleção de textos que ora apresento, nos jornais pernambucanos, Diário de Pernambuco, A Província e o Jornal do Recife, e, um único informe, no diário carioca A Noite, publicações estas disponibilizadas na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.

Detalhe: reuni somente as notícias e comentários trazidos a lume pelos sobreditos periódicos, nas datas contemporâneas ou relativamente próximas aos episódios dos quais fizeram parte Antonio Matilde e os irmãos Porcino, para, com isso, proporcionar ao leitor os primeiros escritos, as iniciais formulações históricas dos momentos germinais do cangaço produzido por Lampião.

Antônio Correa Sobrinho

São relatos onde se percebe, nas entrelinhas, o quão isolado e abandonado, pobre e desvalido encontrava-se o sertão nordestino naqueles remotos anos, terminais do Império e iniciais da República, tempo de secas prolongadas e fome epidêmica, condição esta, em boa parte, resultante da inexistência, ali, do Estado verdadeiramente promovedor de justiça e progresso, cultor do bem-estar social, cuja presença meramente formal, simbólica, omissa, seletiva, interesseira, terminou por transformar o adusto rincão nordestino num campo fértil de banditismo e messianismo, expressões de dor e sofrimento, brado de desespero de um povo.

Podemos também imaginar, lendo estes pequenos artigos, o que poderia não ter sido a vida cangaceira de Lampião, tão abrangente e impactante, caso ele tivesse deixado o cangaço, como o fizeram os seus sobreditos comandantes, Luiz Padre e Sebastião Pereira, bem como os seus monitores Antonio Matilde e os irmãos Porcino. Ao preferir continuar trilhando os caminhos da criminalidade organizada, o que o fez até às últimas consequências, Lampião terminou por herdar destes seus maiorais, um sem número de figadais inimigos, perseguidores vorazes e contumazes, ávidos por extirpá-lo da face da terra; como se não lhe bastassem os seus originais inimigos e os seus algozes das volantes. Lampião que terminou, por um lado, alastrando e agravando a grave e perniciosa doença social; e por outro, dizendo aos quatro cantos do mundo e do Brasil, com sua espetaculosa e beligerante atuação, ainda que de forma reflexa, inconsciente, da existência de uma nação chamada Sertão.

Outras coisas mais podemos retirar desta leitura. Agradecendo sempre ao meu filho Thiago, pela capa e diagramação, encerro a apresentação do E-book, pensando estar contribuindo

Disponível em PDF, gratuitamente: www.antoniocorreasobrinho.com

Aracaju, dezembro de 2019.
Antônio Corrêa Sobrinho

E Mais Isaias Arruda de Calixto Junior Por:Raul Meneleu


O livro é dividido em duas partes, sendo que a primeira, trata da vida de Isaías Arruda, a segunda, sobre a sua morte e o que se deu depois. Nesse livro o Confrade João Tavares Calixto Júnior, caririense de Aurora no Ceará, que em sua formação acadêmica no sentido profissional é Professor Doutor na Universidade Regional do Cariri - URCA, Conselheiro do Cariri Cangaço e membro de diversas agremiações culturais onde recentemente foi convidado para a Academia Brasileira de Letras e Artes do Cangaço – ABLAC. É autor de diversos livros, conforme relação em sua biografia.
Pois bem, em "Vida e morte de Isaías Arruda - Sangue dos Paulinos, abrigo de Lampião" Calixto alcança ações do Coronel Menino com uma pesquisa profunda, como faz em seus demais escritos, trazendo o mundo do cangaço no Cariri Cearense, com nomes e ações de cangaceiros, que a maioria dos estudiosos da saga desconhece. Mostra ações dos diversos grupos de cangaceiros, inclusive o de Lampião com o famoso ataque à cidade de Mossoró, trazendo informes sobre outras autoridades mossoroenses que tiveram importância na defesa da cidade.

Calixto Junior, Raul Meneleu, Ingrid Rebouças e Jorge Remigio
Calixto também traz fotografias raras de cangaceiros e de influentes políticos da região caririense, não deixando de expor fotos da família do Coronel Isaias Arruda, como a de sua bonita esposa. Lemos nessa magnífica obra, que não pode faltar na biblioteca dos pesquisadores, a vida curta, porém influente e repleta de casos, de um Coronel sertanejo que atuou na política cearense, com ecos nos jornais de todo o país e que conquistou a patente na força da valentia e armas.
Tomou a prefeitura à bala, foi o primeiro Prefeito Eleito de Missão Velha e ficou conhecido como grande empreendedor. Tratado como Coronel até aos 28 anos de idade, quando foi morto a balaços por dois membros da família Paulino. O livro merece estar em destaque nas nossas bibliotecas. Parabéns Confrade João Tavares Calixto Júnior!

Raul Meneleu, pesquisador e escritor
Conselheiro Cariri Cangaço
Aravaju-SE

Dos Ciclones à João Guimarães Rosa... Por:Mia Couto

Um dos clássicos da literatura brasileira sem dúvidas é a Obra inigualável de Guimarães Rosa; Grande Sertão Veredas... Mia Couto, pseudônimo de António Emílio Leite Couto, festejado escritor e biólogo moçambicano, em conferência no Sesc Palladium, apresentou sua forte ligação com Rosa e com o romance Grande Sertão . A conferencia aconteceu em abril de 2019, exatamente um mês após a dramática passagem do ciclone Idai por sua cidade natal, Beira em Moçambique, trazendo dor e desespero àquela nação africana.

 "Diz-se que um livro só começa a existir quando o lemos pela segunda vez. Confesso que o Grande sertão não foi, para mim, um livro fácil. No início, resisti como quem se apercebe que precisa de reaprender a ler. Aquela língua era e não era a minha língua. Eu já tinha lido os contos de Rosa, mas o Grande sertão era uma outra coisa"...

Mia Couto nasceu e foi escolarizado na Beira, cidade capital da província de Sofala, em Moçambique - África. Adotou o seu pseudônimo porque tinha uma paixão por gatos. Com 14 anos de idade, teve alguns poemas publicados no jornal "Notícias da Beira" e três anos depois, em 1971, mudou-se para a cidade capital de Moçambique, Lourenço Marques , hoje Maputo. Iniciou os estudos universitários em medicina, mas abandonou esta área no princípio do terceiro ano, passando a exercer a profissão de jornalista depois do 25 de Abril de 1974. Trabalhou na Tribuna até à destruição das suas instalações em Setembro de 1975, por colonos que se opunham à independência. Foi nomeado diretor da AIM e formou ligações de correspondentes entre as províncias moçambicanas durante o tempo da guerra de libertação. A seguir trabalhou como diretor da revista Tempo até 1981 e continuou a carreira no jornal Notícias até 1985. Além de considerado um dos escritores mais importantes de Moçambique, é o escritor moçambicano mais traduzido. Em muitas das suas obras, Mia Couto tenta recriar a língua portuguesa com uma influência moçambicana, utilizando o léxico de várias regiões do país e produzindo um novo modelo de narrativa africana.  

Escritor Moçambicano Mia Couto 

A conferência do escritor Mia Couto aconteceu em abril de 2019 no Sesc Palladium e transcrevemos aqui algumas de suas reflexões a partir do texto do jornalista Carlos Marcelo para o portal do "Uai E+": "... A conferência de Mia Couto, na noite de quarta-feira, foi precedida  pela apresentação de integrantes do grupo Miguilim, de Cordisburgo (terra natal de Rosa), ovacionado depois da interpretação vigorosa de trechos de Grande sertão. Antes de falar sobre a obra máxima do escritor mineiro, Couto narrou o impacto emocional sofrido ao visitar Beira, cidade onde nasceu em 1955 e viveu até os 17 anos, devastada no mês passado por um ciclone. "Estou a escrever um livro sobre a minha infância e senti uma imperiosa necessidade de rever esses lugares infinitos onde não paro de nascer", contou... "Posso dizer que foi na prosa de João Guimarães que encontrei o retrato mais fiel deste país. Talvez porque a sua intenção não seja a verdade, mas a viagem, essa viagem que Rosa chama de travessia." A seguir, trechos da conferência de Mia Couto no Sesc Palladium.

Ciclone Idai devastou várias cidades de Moçambique  e da costa leste do sul da África, 
nos dias 14 e 15 de março de 2019

"Fiz uma visita à minha cidade (devastada pelo ciclone). Sobrevoei Beira e confirmei o que sentira desde o princípio: eu estava órfão da minha infância. Fui o último a sair do avião como se receasse não saber pisar aquele que foi o meu primeiro chão. Em criança, não nos despedimos dos lugares. Pensamos que voltamos sempre. Acreditamos que nunca é a última vez. Aquela visita dizia o contrário. E eu experimentava o amargo sabor do adeus. Abracei meus amigos no aeroporto sabendo que lidávamos todos com uma ferida que era maior que corpo. Eu pensava que os ia consolar. Aconteceu o oposto: foram eles que me reconfortaram. Eles já estavam reerguendo casas, refazendo tetos, reabrindo ruas. Enquanto reconstruíam a cidade, eles se refaziam a si mesmos. A mim faltava-me essa labuta que converte a lágrima em suor. No final da visita a Beira, eu pensava: 'vou ao Brasil e falarei, sim, sobre Guimarães Rosa com prova de gratidão para com toda a literatura que nos chegou da nação brasileira'. Rosa já antes me tinha brindado com vozes que nasciam para além do tempo. Ficavam. Agora ele me devolvia o chão que pensara ter perdido. Eis o que Rosa me voltava a ensinar: aquela minha cidade não era apenas um lugar. Era uma entidade viva que me tinha trazido ao colo e me tinha contado histórias."

"Tal como o sertão de Rosa, a minha cidade é mais da palavra do que da terra. Os nosso lugares de afeto são sempre mais da linguagem do que da geografia. Os territórios onde nascemos são, como diz Rosa, esses pastos que carecem de fecho. Agora sei: nenhum ciclone me pode roubar essa pertença.A escrita de Rosa recuperou uma infância que já foi a minha e não distinguia fronteira entre o corpo e o mundo. Essa fronteira, essa vereda, nasce muito depois de nascermos. A linguagem comum, a linguagem funcional – essa que Rosa combateu de modo visceral – essa linguagem envelhecida é talvez a mais poderosa lâmina que nos afasta do mundo. Somente renovando a língua é que se pode renovar o mundo. O que chamamos hoje de linguagem corrente é um monstro morto. A língua serve para expressar ideias, mas a linguagem corrente expressa apenas clichês e não ideias; por isso está morta, e o que está morto não pode engendrar ideias. E esse monstro nos divide e asfixia."



João Guimarães Rosa

"Tudo em Rosa parece feito de contrários, peças de puzzle que não encaixam. Este médico devia incorporar o rigor da ciência frente a um corpo doente. O que ele acabou fazendo foi tratar a alma de um mundo sem alma. Este diplomata que foi chefe da Divisão de Fronteiras dedicou toda a sua vida a abolir fronteiras. Derrubou fronteiras que separam o pensamento do sonho, que separam a poesia da prosa, a oralidade da escrita. Este diplomata do Itamaraty que, nas palavras de Drummond de Andrade, não foi senão um "embaixador de um reino que há por trás dos reinos, dos poderes, reino cercado não de muros, chaves, códigos, mas o reino-reino?". Este poliglota que dominava oito línguas acabou escrevendo num idioma que era anterior a todos os outros idiomas. Esse que foi cônsul brasileiro na Alemanha nazi juntou-se à sua esposa Aracy para salvar judeus das mãos de Adolf Hitler. Rosa reuniu todos estes Rosas por trás desse seu retrato de homem composto, trajando terno e gravatinha que sugeriam tudo, menos esse intempestivo criador de mundos." 

"O Brasil é um espaço de mestiçagens de mundos diversos. A questão sempre foi como colocar em diálogo os que falam e os que escrevem este país. João Guimarães Rosa conseguiu que essa conversa acontecesse nos seus livros. E ele fez isso não tanto pela inovação linguística, mas pela dimensão poética da sua escrita. É na poesia que ele se coloca em diálogo consigo mesmo. Não se pode esperar que João Guimarães Rosa tenha a mesma popularidade que Jorge Amado. Rosa é um escritor bem mais difícil, mais impenetrável. Contudo, ele marcou profundamente escritores como Luandino Vieira, Ruy Duarte de Carvalho, Ascênsio de Freitas, Ondjaki. Para não falar de mim, que sempre reverenciei Rosa como um dos meus mestres." 


"Publiquei o meu primeiro livro de contos, em 1985, muito influenciado pela escrita do angolano Luandino Vieira. Quando confessei essa influência a Luandino, ele me disse: 'Se queres que a linguagem seja um personagem vai à fonte e procura por João G. Rosa'. E foi isso que sucedeu quando, dois anos depois, recebi uma fotocópia de A terceira margem do rio. Eu estava a escrever o meu segundo livro de contos. E nota-se claramente que há um antes e depois na minha escrita. É evidente que a linguagem cotidiana é absolutamente necessária. Não viveríamos sem ela. O problema é a relação hegemônica que esta linguagem mantém com as outras muitas linguagens que são nossas por natureza e por direito histórico. Nós acabamos sendo funcionários dessa linguagem funcional. Fechamo-nos a outros saberes, outros sabores, outros sotaques. Sem querer nos juntamos a uma velha cruzada de dessacralização da terra e da natureza. À nossa volta tudo se tornou cenário. A paisagem ficou muda, cega e sem alma. Essa falsa apropriação do mundo tem um preço: para ser donos, deixamos de ser sujeitos. Para ter domínio, deixamos de ser autores da nossa existência. Acabamos personagens descoloridas de um enredo escuro e pobre." 


"Dizem que Grande sertão foi escrito em Paris. E faz sentido a pergunta de Drummond: 'Rosa tinha pastos, tinha buritis plantados no seu apartamento?'. O que dali resultou é mais milagre do que obra. Porque ele usou o regional para fazer um texto profundamente universal; brincou com o pitoresco para fazer filosofia; usou a fala popular para fazer uma literatura nova e inovadora. Riobaldo não é apenas o protagonista-narrador. Ele é um contrabandista entre a cultura urbana letrada e a cultura oral sertaneja. Esse é o desafio que enfrenta o Brasil (e que enfrentam todos os Brasis do mundo). Mais que um ponto de charneira necessita-se hoje de um médium, alguém que usa de poderes para colocar em conexão criaturas de distintos universos. Necessita-se da ligação com aquilo que Rosa chama de "os do lado de lá". Esse lado está, afinal, dentro de cada um de nós."



"Grande sertão: veredas percorre as grandes inquietações da humanidade: o bem e o mal, o sentido da existência, a briga entre Deus e o diabo, o conflito entre a vontade e o destino."


"Moçambique é uma nação plural, com várias nações, povos, culturas, e religiões. Essas nações, essas gentes enfrentam hoje o seguinte desafio: todas têm que ser modernas, parecidas umas com as outras, todas devem partilhar de uma mesma grande nação chamada Mercado. Os moçambicanos olham o futuro com desconfiança. Porque esse futuro vai chegando sem pedir licença, o futuro fala uma língua estrangeira, esse futuro não tem tempo. Devia haver futuros, no plural. Devia haver modernidades, cada uma com o seu desenho, a sua cor, o seu compasso. Numa palavra: prevalece em Moçambique um contexto histórico que tem fortes semelhanças com o ambiente vivido no Brasil à data em que Rosa construía a sua obra."
 
"Grande sertão é uma obra de resistência. O sertão é erguido em mito para contrariar uma certa ideia uniformizante de um Brasil em ascensão. Rosa não escreve sobre o sertão. O brasileiro escreve como se ele fosse o sertão. Um sertão que se enche de estórias para contrariar o curso da história. O que os novos poderes pedem não é apenas que as pessoas se retirem do sertão. Pedem que o sertão se retire delas. Vivemos em Moçambique esse mesmo confronto de mundos. Rosa coloca os mundos de sertão em diálogo. Em Moçambique, nós precisamos saber que esses mundos e esses tempos podem conversar. Eu fui brasileiro ao ler João Guimarães Rosa. Tal como fui brasileiro ao ler Amado, Machado, João Cabral, Drummond, Bandeira, e tantos, tantos outros. Fui brasileiro ao escutar Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil e muitos outros..."


"Quando me pergunto por que escrevo, eu respondo: para me familiarizar com os deuses que não tenho. Os meus antepassados estão enterrados no outro lado do oceano. Não partilho da sua intimidade e, mais grave ainda, eles me desconhecem inteiramente. Sempre que escrevo, convoco um tempo sonhado, invento os meus antepassados. Essa reinvenção exige uma perda radical da razão. Exige uma linguagem em estado de transe, uma possessão. Exige a poesia. Quem me trouxe essa poesia foi um mineiro de Cordisburgo"


Sesc Palladium, Abril de 2019 - Fonte: https://www.uai.com.br 

Lançado: Floresta - Uma Terra Um Povo Por:Leonardo Ferraz Gominho

Marina, Cristiano Ferraz, Nivaldo Cavalho, Leonardo Gominho e Luiz Ferraz

Aconteceu no último dia 25 de dezembro, noite de natal, na querida  e tradicional cidade de Floresta; no Sertão de Pernambuco; o lançamento da mais nova edição do segundo volume da obra “Floresta – Uma terra, um povo”; do pesquisador e escritor Leonardo Ferraz Gominho.
Leonardo Ferraz Gominho
 Leonardo Ferraz Gominho e Amelia Araujo
Leonardo Ferraz Gominho, Nivaldo e Denis Carvalho, Ricardo Ferraz

O autor, um das maiores autoridades em historia florestana, autor de várias obras de relevo e fôlego, conferencista em duas edições de nosso Cariri Cangaço, dá continuidade à exuberante e forte história de sua cidade, da sua gente, da saga desses sertanejos fortes que se estabeleceram na terras dos tamarindos. O Cariri Cangaço esteve representado pelo escritor Cristiano Ferraz e por Amelia Araujo.
O lançamento do livro aconteceu nos salões do Espaço Cultural João Boiadeiros e contou com a presença de um público qualificado entre autoridades, escritores e . A obra recebeu o número 15 da Coleção Tempo Municipal, do Centro de Estudos de História Municipal.
Espaço João Boiadeiro, Floresta-PE 25/12/2019

O Castelo e o Marco Sertanejo...



"Tudo o que eu vinha pensando na minha doce embriaguez se juntou então, num sonho só. Eu terminara minha Epopeia, minha Obra de pedra e cal, edificando, no centro do Reino, o Castelo e Marco sertanejo que tinha sido o sonho de toda a minha vida. O reino do Sertão se estendia, agora, sob Sol de chumbo e orlada de fogo, um Sol que dourava as pedras e muralhas do Chapadão pedregoso, áspero e solitário, formigante de Peões, bispos, Rainhas, Reis, torres, cavalos e Cavaleiros – rudes Cavaleiros vestidos com armaduras de couro medalhadas, gibões, guara-peito e chapéus de couro estrelados, e acompanhados pelas belas Damas de copas e espadas que os amavam" (SUASSUNA, 2010, p.739-740)

Recorte por Valdir Nogueira
Conselheiro Cariri Cangaço

Ariano em Estrelas de Couro...


Foi no início da década de 1970 que conheci pessoalmente Frederico Pernambucano de Mello e travei contato com os primeiros resultados de suas pesquisas e reflexões sobre o Cangaço — tema que nos fascina a ambos e que é, a meu ver, o maior responsável pela sedução que o Sertão nordestino vem exercendo, por motivos diversos e desde o início do século XX, sobre várias gerações de escritores, sociólogos, historiadores e artistas brasileiros, de todas as regiões do País. 

Em 1973, em um artigo que publiquei no extinto Jornal da Semana, do Recife, a propósito do romance Sem lei nem rei, de Maximiano Campos — escritor nascido no Recife, de estirpe da Zona da Mata pernambucana e das casas de engenho, mas cujo romance gira em torno do Cangaço, da caatinga e das casas de fazendas sertanejas — fiz referência ao trabalho de Frederico Pernambucano nos seguintes termos: "Ao tempo cm que apareceu Sem lei nem rei, eu ainda não conhecia Frederico Pernambucano, um dos maiores conhecedores do Cangaço com quem já tive oportunidade de conversar. Não conhecia, portanto, sua teoria a respeito da personalidade dos cangaceiros, teoria que procura explicar a psicologia desse nosso herói extraviado através de dois polos principais: o orgulho e aquilo que Frederico Pernambucano chama de 'o escudo ético'. 

Com a franqueza e a ausência de inveja com que procuro me pautar, digo que, sem sombra de dúvida, a teoria de Frederico Pernambucano — que eu espero ver um dia colocada por ele em livro — foi a única que, até o dia de hoje, me pareceu convincente: foi a única que explicou a mim próprio os sentimentos contraditórios de admiração e repulsa que sinto diante dos cangaceiros". (jornal da Semana, Recife, 24 a 30 de junho de 1973).


O meu desejo de ver a teoria de Frederico Pernambucano em livro se realizaria em 1985, com a publicação do seu admirável Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil, livro que se tornou um clássico da historiografia do Cangaço. Trata-se, de fato, de um livro de qualidades incomuns, ao qual tenho voltado de vez em quando para relê-lo e sentir o mesmo impacto, a mesma força que ele me transmitiu na primeira leitura — sem que eu tenha até hoje compreendido bem, diga-se de passagem e sem desrespeito à memória de Gilberto Freyre, a afirmação que este faz em seu erudito prefácio, quando aponta as "lições" que Frederico teria aprendido com os "romancistas ingleses". 

Tendo passado toda a minha infância e parte da adolescência no Sertão da Paraíba, entre os anos de 1928 e 1942, foi desde cedo que entrei em contato com "o mundo estranho dos cangaceiros", para fazer-me valer da expressão de Estácio de Lima. Menino ainda, antes mesmo de ter aprendido a ler, ouvia casos e histórias envolvendo os cangaceiros, suas incursões pelas vilas e fazendas e seus atos de heroísmo e crueldade, narrados por meus familiares e pelo povo sertanejo, por agregados e trabalhadores das fazendas do meu Pai e dos meus tios. 

Depois, na feira de Taperoá, entrava em contato com os cantadores e poetas populares, através dos quais muitas daquelas histórias reais eram transfiguradas na primeira poesia de natureza épica que conheci em minha vida. Com o passar do tempo, naturalmente, à medida que eu crescia e abria os olhos para o mundo, tudo aquilo foi se identificando com o meu universo familiar e pessoal. Eu tomava consciência, por exem-plo, de que meu Pai, João Suassuna, que governara a Paraíba de 1924 a 1928, e que, então Deputado Federal, tombara assassinado em 1930, numa rua movimentada do centro do Rio de Janeiro, naquele que até mesmo um dos seus adversários políticos — José Américo de Almeida — considerou "o mais monstruoso dos atentados", foi, ao longo do seu mandato de Governador — ou de "Presidente", como se dizia no tempo —, incansável na luta contra o Cangaço, tendo sido o grande responsável pelo fim dos ataques e incursões dos bandoleiros em terras paraibanas. Com o aumento considerável no efetivo da força policial, reforço no armamento, adoção de uniforme mais condizente com as condições ecológicas da caatinga e a criação de tropas "fora de linha", a Paraíba, durante o governo de João Suassuna — que contava com o apoio incondicional do Coronel José Pereira, seu correligionário e líder político da cidade de Princesa — passou inclusive a colaborar de modo efetivo com outros estados nordestinos na luta contra o Cangaço, tendo as volantes paraibanas ido em auxílio de municípios de Pernambuco, do Ceará e de Alagoas. 


Foi, aliás, no município de Flores, em Pernambuco, lutando contra uma volante da Paraíba, que o bando de Lampião sofreu, em 1925, uma de suas maiores baixas — a morte de Levino Ferreira, um dos irmãos do chefe. De maneira que é com imenso orgulho que ouço, ainda hoje, o repente popular:
Lampião acovardou-se 
com a sua cabroeira. 
Não entra na Paraíba 
com medo de Zé Pereira: 
o doutor João Suassuna 
mandou dar-lhe uma carreira.

Que se entenda, então, que quando afirmo a minha admiração pelos cangaceiros, fazendo a sua exaltação enquanto figuras romanescas e de expressão do Nordeste, ou reconhecendo a coragem da sua vida épica e desgarrada, não estou, de maneira nenhuma, fechando os olhos para o fato de que eram também bandidos impiedosos, que sacrificavam vidas de pes-soas indefesas e pacatas da forma a mais brutal possível — e creio que isso tenha ficado claro naquele artigo há pouco citado, quando falo num sentimento contraditório de admiração e repulsa. 

Mas, de fato, não há como negar o fato de que o cangaceiro não era um bandido comum. Sem entrar em detalhes que identificariam "tipos de Cangaço" dentro do Cangaço, o cangaceiro era um guerreiro extraviado no tempo, com sentimentos de honra e lealdade fora dos padrões normais, às vezes somente compreendidos no seio do seu próprio grupo. Como já afirmei em outra oportunidade, creio sim que somente quem estuda o fenômeno do Cangaço com espírito sectário pode se extremar na admiração sem reservas ou na condenação total dos cangaceiros, vendo-os ora como reivindicadores sociais, por um lado, ora como simples bandidos, no sentido estritamente jurídico do termo, por outro. 

A aura de epopeia que indiscutivelmente o envolve tem feito do Cangaço, ao longo do tempo, fonte inesgotável de inspiração para artistas dos mais diversos gêneros — da Literatura ao Cinema, do Teatro às Artes Plásticas — tanto na vertente erudita quanto na popular. E se há no Cangaço um elemento épico, este é ainda exacerbado pelos trajes e equipagem dos cangaceiros, com os seus anéis e medalhas, seus lenços coloridos, seus bornais cheios de bordaduras, os chapéus de couro enfeitados com estrelas e moedas — tudo isso que se coaduna perfeitamente com o espírito dionisíaco de dança e de festa dos nossos espetáculos populares e compõe uma estética peculiar, rica e original, agora minuciosamente estudada por Frederico Pernambucano neste seu novo trabalho, que tenho a honra de prefaciar. Como bem afirmou Carlos Newton Júnior, em um dos poemas do seu livro Canudos, trata-se, de fato, de uma:
Estética orgânica, 
estética de organismo, de vida. 
Contrária ao branco, ao cinza, 
à morte descolorida.

Ora: se todo prefaciador é de certo modo suspeito em seus elogios, devo confessar que, no meu caso, a suspeição aumenta ainda mais, pois vejo que eu e Frederico Pernambucano concordamos em quase tudo o que diz respeito ao Cangaço. Além disso, Frederico encontra frases e expressões precisas e de grande efeito poético para definir as suas ideias, sempre ricas e cheias de sugestões. 

Para dizer, por exemplo, aquilo que afirmei há pouco, no tocante ao fato de que os cangaceiros não eram bandidos comuns, afirma Frederico que eles eram "criminosos na epiderme e irredentos no mais fundo da carne". Outra expressão muito bem conseguida é a "blindagem mística" que Frederico identifica a certa funcionalidade dos trajes dos cangaceiros, pela profusão de signos de defesa e rebate que eles usavam como adornos. De maneira que, se tivessem sido outras as minhas inclinações no campo das Letras; se o destino e a vida tivessem me direcionado, em algum momento, não para a Beleza da Literatura, mas para a Verdade das ciências — da História, da Sociologia ou da Antropologia; se a enigmática roda da Fortuna tivesse me lançado em outro palco que não o do Picadeiro-de-Circo onde exerço, até hoje, ainda animoso e cheio de esperanças, as minhas artes de Palhaço frustrado, de Cantador sem repentes e de Professor; não seria outro, senão este Estrelas de Couro, de Frederico Pernambucano de Mello, o livro que eu gostaria de ter escrito.

Ariano Suassuna Recife, 15 de março de 2010
Prefácio da Obra "Estrelas de Couro" de
Frederico Pernambucano de Melo

Empossado em Nova Olinda, o Comitê Consultivo Intersetorial da Chapada do Araripe Por:Valdir Nogueira


Conhecida por sua beleza e grandeza, a Chapada do Araripe é uma região de riquezas naturais e culturais, de ancestralidades, de tradições e de inovações. Diante de sua representatividade, Governo do Ceará, instituições e sociedade civil constituíram o Comitê Consultivo Intersetorial da Chapada do Araripe – Patrimônio da Humanidade, que foi empossado nesta quinta-feira, dia 19 de dezembro, às 16h, durante a programação da celebração da Renovação da Fundação Casa Grande, em Nova Olinda. O Comitê foi criado por Decreto 33.341 de 11 de novembro de 2019, com a coordenação executiva da Secult. O evento contou com a presença da Vice-Governadora do Ceará, Izolda Cela, e do Secretário da Cultura, Fabiano Piúba.
A formação do Comitê é resultado do encaminhamento do I Seminário Patrimônio da Humanidade Chapada do Araripe, realizado em agosto no Cariri cearense. O Governo do Estado do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura (Secult), junto a entidades, gestores culturais, artistas, pesquisadores e demais parceiros articularam diferentes ações para garantir que a Chapada do Araripe seja reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.



Iniciativa da política cultural, o Comitê tem o objetivo de promover, articular, garantir, coordenar e executar programas, projetos e ações em torno da proposta da candidatura da Chapada do Araripe como patrimônio cultural e natural da humanidade pela Unesco. Neste sentido, coloca-se no centro do debate a pesquisa enquanto inovação e difusão dos conhecimentos científicos e técnicos para a promoção da valorização cultural e natural da Chapada do Araripe, com ênfase nas narrativas históricas, políticas, artísticas e culturais. A proposta faz parte de uma ação integrada que envolve os três níveis de Governo, Organismos Internacionais, Universidades, Instituições Não Governamentais, Instituições Técnicas Científica e pesquisadores. Assim, a execução da presente ação representa a criação de processos efetivos para o reconhecimento internacional do patrimônio cultural e natural da região da Chapada do Araripe.

Valdir Nogueira, Pesquisador e Escritor
Conselheiro Cariri Cangaço

Prêmio Chico Albuquerque, do Ceará para o Brasil e o Mundo


Aconteceu na noite do último dia 17 de dezembro no Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza a festa de entrega do Prêmio Chico Albuquerque de Fotografia 2019; uma promoção da Secretaria da Cultura do Ceará. O Prêmio Chico Albuquerque; repaginado, com novas categorias, novo valor e agora com abrangência nacional; contou com mais de 170 propostas inscritas e a participação de 20 estados, o prêmio contemplou cinco projetos nas categorias: Narrativas Brasileiras, Categoria Descobertas e Outras Visões. Cada autor participou com apenas uma proposta de trabalho autoral em uma das três categorias de premiação. 

Tiago Santana apresenta o Prêmio Chico Albuquerque

Antes mesmo de continuarmos com a festa da noite de premiação, é importante dizer quem foi Chico Albuquerque, para isso nos valeremos da apresentação de seu Chico feito pelo IMS-Instituto Moreira Sales: "Pioneiro da publicidade brasileira na década de 1940, Chico Albuquerque foi exímio retratista de personalidades, chefe da equipe que montou o departamento de fotografia da Editora Abril na virada dos anos 1960-1970 e ensaísta apaixonado pelos temas típicos de sua terra natal, o Ceará. Todas essas vertentes de seu trabalho resultaram num acervo de cerca de 70 mil imagens que está preservado no Instituto Moreira Salles por meio de convênio com o Museu da Imagem e do Som de São Paulo".

Chico Albuquerque

E continua o IMS:"Nascido numa família de fotógrafos, o jovem Francisco começou sua carreira no cinema, aos 15 anos, como auxiliar do pai, Adhemar Albuquerque, também cinegrafista amador. Foi produzindo retratos no estúdio fundado por este em Fortaleza, o Aba Film, que se iniciou profissionalmente na fotografia. Aos 25 anos, participou, como fotógrafo de cena, das lendárias filmagens em locações cearenses de It’s All True, o documentário inacabado de Orson Welles, que havia se instalado momentaneamente em Fortaleza. Com Welles, Albuquerque afirmou ter compreendido a necessidade de desenvolver uma noção estética para se fotografar corretamente. O documentário foi rodado na praia do Mucuripe, na capital do Ceará, o mesmo cenário de seu primeiro grande ensaio do fotógrafo, realizado dez anos mais tarde.A rigorosa composição dos quadros, que Albuquerque considerava uma lição do cineasta americano, o acompanharia por toda a carreira, traduzindo-se em sua busca de controle total da imagem, sobretudo em estúdio, mas também sob luz natural – característica que fazia dele, segundo o amigo e colega Thomas Farkas, um profissional “muito perfeccionista”. Para encontrar seu caminho, o jovem Albuquerque organizou o próprio portfólio e viajou para o Rio de Janeiro em duas ocasiões, entre 1934 e 1946. Queria aprofundar os conhecimentos e melhorar a técnica."

Fabiano Piúba ao lado dos ganhadores do Prêmio Chico Albuquerque

“Avaliamos o prêmio e tomamos um caminho de que ele pudesse ganhar uma abrangência nacional. A própria figura do Chico Albuquerque é uma referência nacional, merece esse destaque. Além disso, o Ceará já tem uma vocação e um percurso reconhecido na fotografia. De como a fotografia cearense dialoga com a fotografia nacional para que possamos ter aí um movimento de dentro para fora, de fora para dentro, de chamar atenção do país para o Ceará e vice-versa”, afirma Fabiano Piúba, secretário da Cultura do Ceará.

Vamos às premiações da noite. Na Categoria Narrativas Brasileiras, foram analisadas 29 propostas, desse total, foram finalistas cinco propostas, sendo vencedor o fotografo Luiz Otávio Salameh Braga. Na Categoria Descobertas, foram analisadas 79 propostas sendo vencedores André de Sampaio Penteado e Mauricio Soares Gomes de Oliveira e por fim nCategoria Outras Visões, depois de analisadas 44 propostas foram vencedoras, Claudia Barbosa Vieira Tavares e Letícia Lampert.

Luiz Braga e Ingrid Rebouças

Luiz Braga é formado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Pará (UFPA). Realizou mais de 70 exposições entre individuais e coletivas no Brasil e no exterior, e suas fotografias compõem coleções importantes como a do Museu de Arte de São Paulo, do Centro Português de Fotografia, do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre outras.

O Prêmio é uma homenagem ao fotógrafo brasileiro Chico Albuquerque (1917-2000) que nasceu no Ceará e tornou-se pioneiro na fotografia publicitária no País e um dos artistas mais inovadores de sua geração. Ao longo de uma trajetória de 68 anos dedicados à fotografia, consagrou-se como retratista de personalidades que marcaram a história brasileira. Dentre seus principais trabalhos, destaca-se o ensaio “Mucuripe” (1952) que retrata o cotidiano de jangadeiros do litoral cearense, revelando a profunda relação desses homens com o mar.
"Paralelamente, construiu uma sólida reputação de retratista, fotografando em poses rigorosamente dirigidas – quase sempre em estúdio e sem nenhum adereço de cena – membros da alta sociedade paulistana, artistas e celebridades. Diante de sua lente, passaram personalidades tão díspares quanto Victor Brecheret, Juscelino, Ronald Golias,Luiz Gonzaga, Jânio Quadros e Hilda Hilst. Paralelamente à atividade comercial, participou ativamente de debates teóricos do Fotoclubismo, que acontecia principalmente em torno do Foto Cine Clube Bandeirante."

 Tiago Santana
 Tiago Santana e Ingrid Rebouças
Manoel Severo e Alênio Carlos

"Em 1952, Albuquerque voltou a Fortaleza para realizar um de seus ensaios mais célebres, Mucuripe, fotografando, num preto e branco de forte inclinação épica, a paisagem e a vida dos jangadeiros. Tema semelhante seria abordado por ele mais de 30 anos depois, agora em cores, no ensaio Jericoacoara. Também coloridas são as fotografias da série Frutas, de 1978, verdadeiras naturezas-mortas em sua ambição pictórica, que o artista plástico Aldemir Martins considerava “as melhores fotografias de frutas brasileiras que existem”. Albuquerque voltou a viver em Fortaleza em 1975. Em 1981, foi convidado a assumir, como consultor, a coordenação de um grupo de 12 repórteres fotográficos de O Povo. Ele começou reformulando o laboratório, espaço fundamental para o desenvolvimento profissional dos novos fotógrafos. O grupo se transformaria na primeira equipe de trabalho do jornal."
Manoel Severo e Silas de Paula
Beto Skef e Ingrid Rebouças
Paula Georgia e Ingrid Rebouças

"Quando Chico Albuquerque se transfere para São Paulo, em 1945, o mercado fotográfico é restrito e ainda voltado, sobretudo, para reportagens de família. Atuando a princípio como retratista, destaca-se ao fotografar personalidades como Juscelino Kubitschek (1902 - 1976), Victor Brecheret (1894 - 1955) e Burle Marx (1909 - 1994), entre outros. Por meio de enquadramentos fechados e pela ênfase na expressão dos olhares, os retratos sugerem o estado psicológico dos modelos ou mostram flagrantes de emoções. O aspecto teatral dos registros é realçado pelo tipo de iluminação, geralmente lateral, com sombras marcadas e contraluzes." Portal Itau Cultural.

Silas de Paula e Ingrid Rebouças
Beto Skef, Igor Cavalcante e Ingrid Rebouças

Família Albuquerque e o Cangaço... 


Aqui rendemos nossa homenagem ao querido e inesquecível Ricardo Albuquerque, filho de seu Chico Albuquerque e à sua obra: Iconografia do Cangaço, livro e DVD. A obra reúne mais de 150 fotografias, do acervo da Aba Film;  revelando detalhes das vestimentas, do cotidiano, dos costumes e hábitos dos cangaceiros , com o livro, um DVD "Lampião, o rei do cangaço", com as únicas imagens em movimento dos cangaceiros, produzidas por Benjamin Abrahão incluindo 4 minutos inéditos, recuperados, em 2002, pela Cinemateca Brasileira. Ricardo era filho de seu Chico Albuquerque e neto de seu Ademar Albuquerque, fundador da Aba Film e grande responsável pela empreitada do libanês em fotografar e filmar Lampião.
Entrega do Prêmio Chico Albuquerque, SECULT - Dragão do Mar-Fortaleza,                          Ceara 17 de dezembro de 2019.

A Palavra Sertão e uma Historia Pouco Edificante sobre o Brasil

O texto é da professora e pesquisadora Heloisa Starling : O trabalho aborda Euclides da Cunha e os conflitos de Canudos e a arte acima de  Karina Freitas.

Sertão é uma palavra carregada de ambiguidade. Não sabemos sua origem. Talvez seja uma contração do aumentativo desertão, e tenha chegado até nós, embarcada na África, durante o século XVII. Mas aclimatou-se bem no Brasil: seu sentido tornou-se combinado e múltiplo. Por muito que se entre pelo Sertão afora, ele ainda mais se prolonga, como se a realidade que a palavra nomeia não tivesse um princípio nem um fim exatos. O Sertão era outro mar ignoto, iria resumir esplendidamente Raimundo Faoro, em seu livro Os donos do poder: a terra firme além da costa, a inevitável solidão em meio a pedras agressivas, o abismo do desconhecido.
Sertão pode indicar a formação de um espaço interno, a fronteira aberta, ou um pedaço da geografia brasileira onde a terra se torna mais árida, o clima é seco, a vegetação escassa. Mas a palavra é igualmente utilizada para apontar uma realidade política: a inexistência de limites, o território do vazio, a ausência de leis, a precariedade dos direitos. É o espaço em que a imaginação cultural brasileira se encontrou com um de seus campos simbólicos mais ricos e os grandes explicadores do Brasil identificaram ali um condicionante histórico e político da formação do país. O fato de que o sentido da palavra Sertão transcende o de uma delimitação espacial precisa possibilitou sua transformação em um enunciado original capaz de considerar a existência de uma continuidade temática e de uma perspectiva original de interpretação do Brasil sempre fincada numa situação de ambivalência. Sertão é, paradoxalmente, o potencial de liberdade e o risco da barbárie – além de ser também uma paisagem fadada a desaparecer.


Heloisa Starling

Levou algum tempo, mas o escritor Euclides da Cunha se encarregou de escancarar para os brasileiros a ideia do que pode ser o “Sertão”. Em 1897, Euclides da Cunha foi enviado como repórter, para o interior da Bahia, encarregado de cobrir para o jornal O Estado de S. Paulo o deslocamento das tropas republicanas durante a quarta e última expedição contra o Arraial de Canudos. Republicano convicto, ele assumiu a reportagem convencido de que a República iria derrotar uma horda desordenada de fanáticos maltrapilhos, acoitados em um povoado miserável – e, ainda por cima, monarquistas. Desembarcou na Bahia certo de que Canudos era a nossa Vendéia, como, aliás, já tinha escrito em matéria anterior publicada pelo jornal – fazia referencia à guerra civil na França, no século XVIII, que opôs os camponeses da Bretanha marchando sob a bandeira branca da monarquia Bourbon, à República em Paris. Euclides da Cunha permaneceu na região durante as três semanas finais do conflito, tendo presenciado o dramático desfecho da guerra, com o massacre dos sertanejos.

Voltou para casa atormentado. Estava cheio de dúvidas e incertezas diante do que havia visto: uma República inegavelmente disposta a eliminar aquele outro e inteiramente diverso habitante do mesmo Brasil. “Era terrivelmente paradoxal”, escreveu incrédulo, “uma pátria que os filhos procuravam armados até os dentes, em som de guerra, despedaçando as suas entranhas a disparos de Krupps, desconhecendo-a de todo, nunca a tendo visto”. Nesse paradoxo, Euclides da Cunha alinhavou sua descoberta e seu principal argumento: a barbárie não estava confinada num recanto desconhecido e esquecido nos confins da Bahia, o litoral não se opunha ao sertão. O mesmo traço de fanatismo que alimentava a oratória delirante do Conselheiro fazia balançar, no peito dos soldados republicanos, os breves e as medalhas religiosas com a efígie de Floriano Peixoto. Pior, no insistente brado com que esses soldados invocavam continuamente a memória de Floriano havia um entusiasmo doentio e fanático análogo ao que os jagunços de Belo Monte utilizavam para saudar o Bom Jesus – “o mal era maior”, intuía Euclides, “não se confinara num recanto da Bahia. Alastrara-se. Rompia nas capitais do litoral”.



Anotou tudo o que viu e ouviu. O repórter descobriu, nos sertões baianos, uma guerra longa e misteriosa, um adversário com enorme disposição para o combate, um refúgio sagrado, uma comunidade autogovernada que oferecia aos seus habitantes melhores condições de vida do que outras regiões do sertão nordestino – deparou-se com um Brasil desconhecido. No impacto da descoberta, Euclides da Cunha trocou de certezas, adotou nova perspectiva e tornou-se um grande escritor. Sua história assumiu um tom de denúncia. Foi muito além da reportagem de guerra: insistiu em revelar o efeito provocado pelas secas na paisagem arruinada do sertão baiano e a devastação do meio ambiente produzida pelas queimadas no semiárido nordestino; reconheceu no mundo sertanejo uma marca do esquecimento secular e coletivo do país. 
Euclides da Cunha desenhou na região de Canudos, no nordeste do estado da Bahia, em 1897, um mundo que permanecia inacabado, aquém da história e da geografia da nação republicana. E então, incorporou os elementos que lhe permitiram introduzir na palavra Sertão, a ficção de uma terra mergulhada em tristeza profunda, imersa na ausência de valores do mundo público, nas linhas desviantes do progresso, na irracionalidade dos homens, no choque provocado por uma visão da barbárie possível – um “chão que tumultua, e corre, e foge, e se crispa, e cai, e se alevanta”, anotou.

Mas ele estava apenas começando. Acima de tudo, Sertão é uma imagem do deserto, advertiu. Pode surgir tanto no cenário seco, retorcido e violento do Arraial de Canudos, quanto em meio à solidão e ao abandono produzido pelas grandes massas hídricas existentes na fronteira amazônica do Alto Purus. Também entre os seringais da Amazônia, o Sertão é apreendido como solidão, isolamento e perda, a força primitiva de uma região ainda em trânsito entre natureza e cultura, dominada pela resistência ao moderno e imersa na tradição: “A História não iria até ali”, concluiu Euclides da Cunha. E com essa afirmativa ele traduzia tanto uma representação da República no Brasil com sua abissal dimensão de vazio quanto sua convicção de que, sugada por essa perigosa, mas atraente barbárie, a própria República corria o risco de recuar no tempo e dissolver sua capacidade política de ação em impunidade, selvageria e tragédia.


Na escrita de Euclides da Cunha, o significado de Sertão segue muito além de Canudos. Nomeia uma “paisagem sinistra e desolada”, que se consome sempre antes de se formar plenamente; uma terra sem nome ou história marcada por uma combinação sinistra: isolamento geográfico, povoamento rarefeito, homens errantes, memória perdida e linguagem dispersa. A palavra Sertão conta uma história pouco edificante sobre a República brasileira instalada em 15 de novembro de 1889 – e que se revelou uma forma de governo oligárquica, excludente e sem nenhuma sensibilidade para a questão social. Para Euclides da Cunha, talvez essa seja a história de uma República vazia de compaixão, marcada pela indiferença entre homens e natureza, entre homens e coisas, entre o iluminismo civilizatório, a euforia do progresso técnico e o destino de uma gente que, excluída da cidadania, em Canudos, não se rendeu: “exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo (...) caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores e todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados”.

Euclides incluiu na imaginação política do país a consciência sobre a existência dos brasileiros párias – essa gente anônima e insignificante, simples e obscura, que se movimenta, precariamente, no vazio da nação, à mercê de uma República que não os reivindica nunca na condição de cidadãos. São “homens sem plumas”, escreveu quase um século depois, o poeta João Cabral de Melo, habitantes de uma paisagem natural e histórica “onde a fome/estende seus batalhões de secretas/e íntimas formigas”. Uma população que vive isolada de um intenso sentido de História insiste João Cabral, relendo poeticamente o argumento de Euclides da Cunha – a República ainda não chegara até o Sertão. Homens sem plumas, explica o poeta, não tem nome próprio, nem direito à sua personalidade legal de cidadãos, não são protegidos por ela e nem conseguem agir por seu intermédio na cena pública. São vítimas de uma dupla injustiça – a injustiça da urgência da sobrevivência e a injustiça da vergonha da obscuridade.

Guimarães Rosa

Mas foi outro escritor, João Guimarães Rosa, quem retomou o argumento de Euclides da Cunha e, no diálogo com ele, logrou obter na palavra Sertão uma expansão de significado. Sertão é o que não se vê. O fundo arcaico projetado sobre uma sociedade primitiva que vive longe do espaço urbano e o que é aparentemente seu avesso: uma cidade brasileira qualquer e todas as outras cidades do país, a que se deixou perder de seus princípios civis e a que já é apenas degradação de seus lugares públicos, a cidade concebida para expressar a modernização e a periferia miserável que fixou seu perfil. Ou, no argumento do próprio Guimarães Rosa: “Sertão é o sem-lugar que dobra sempre mais para adiante, territórios”. Sertão é dobra: nem um nem outro, mas o que se dá entre; não vai a lugar nenhum, refaz-se sempre no meio do caminho. Logo no início da narrativa de Grande sertão: veredas, o jagunço Riobaldo Tatarana, define a palavra com precisão: “Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade”. O mundo onde todas as coisas ainda estão por fazer, e seu avesso, a terra onde o Arraial de Canudos foi massacrado, o rio no qual o seringueiro do Alto Purus se arruína, a história de uma República em que uma grande oportunidade se perdeu irremediavelmente.

Nesse Brasil encharcado de ficção, Sertão é um topos literário, político e histórico que se inicia com Euclides da Cunha. Tornou-se uma perspectiva original de interpretação do Brasil capaz de combinar o encontro da imaginação literária com alguns temas complexos da formação social brasileira: aponta para uma República de formato instável, cujos ideais normativos ainda estão por consolidar-se. Não mudou quase nada. Entre nós, a República segue sendo um arremedo. Mas a palavra Sertão está aqui quase desde sempre. Talvez seja uma boa hora para ler Euclides da Cunha – e pensarmos sobre o que estamos fazendo hoje. Ou vamos enterrar o nosso vazio republicano em desatento individualismo?


Por: Heloisa Murgel Starling (Arte: Karina Freitas)
PERNAMBUCO-Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado