O sertão é um oratório a céu aberto. E um oratório de céu com feição tão sertaneja que santos são criados pelo desejo do próprio povo. Quem haverá de dizer que Padim Ciço Romão Batista não é santo? Quem haverá de dizer que Frei Damião não conduz a milagres? A fé que anima e move o seu povo é tamanha que tudo na vida passa a depender dos desejos sagrados. E nada se faz sem as bençãos divinas.
Na concepção da religiosidade sertaneja, nenhum tempo ruim permanecerá se o olhar divino e salvador logo vai abrir a porta e entrar. Daí as dores e os sofrimentos, as angústias e as aflições, serem suportados pela fé que logo tudo cessará. A seca braba esturrica e castiga, faz padecer e chorar, mas Deus logo mandará chuva boa. É assim que se diz. O pecado do homem e a falta de obediência aos ensinamentos trazem a tristeza e o sofrimento. É assim que se diz.
E há uma certeza tamanha na reversão das angústias, que é como se tudo fosse apenas uma privação ou provação passageira. É assim que, na concepção sertaneja, se concebe o amanhã. Mas para que o amanhã realmente traga um tempo bom, necessário que os rosários de contas caminhem pelas mãos, os joelhos se dobrem frente aos altares e oratórios, as velas sejam acesas, as bocas murmurejem preces, orações, ave-marias. E assim também acontece diuturnamente.
Os santos são companhias milagrosas ao olhar, o coração se fortalece ante a visão de uma imagem sagrada pendurada na parede, os terços e rosários são como inafastáveis relíquias, as fitas de Juazeiro só saem dos braços pelo desejo do tempo. Logo à entrada da moradia uma escrita anuncia que a família é abençoada por Deus. As flores de plástico são como jardins empoeirados ao lado dos santos. As novenas vão levando de porta em porta o alimenta da fé. Na banquinha com toalha rendada e enfeitada de flores, a imagem devotada alimentando a fé de um povo. Os olhares lacrimejam, os lábios se movem em canções, as mãos se cruzam rente ao peito, então um escudo sagrado vai envolvendo o viver perante as dificuldades da vida. Pelas estradas nuas, secas, esturricadas, debaixo dos sóis, seguem os passos da fé em procissão.
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Encontrar dez, quinze ou vinte pessoas, levando sua fé pelas estradas, pode até causar estranheza ao de hoje. Porém, basta a proximidade para saber e sentir o que move o passo daquele povo. Há um estandarte e um santo, ou mesmo uma imagem sendo levada e passada de mão em mão, mas há algo muito maior: a certeza que, pela fé e devoção, o milagre acontecerá. E qual milagre? A cura, a chuva, a benção ao lar, a proteção sagrada, a demonstração que se vive da fé e pela fé. E que, por isso mesmo, pela força da fé, Deus, os santos e anjos, cuidarão de tornar suas esperanças em conquistas. A chuva, a terra molhada, a planta vingando, o alimento surgindo, e tudo o mais que se deseje. E assim, pelas estradas, vai seguindo a procissão. Lá no alto, a vela do sol a tudo ilumina. E iluminados, os corações encontram seus contentamentos e suas forças para seguir adiante. Pela vida inteira.
Rangel Alves da Costa, pesquisador e escritor
Conselheiro Cariri Cangaço
Poço Redondo, Sergipe