Lampião e o Rio Grande do Norte Por:Honório de Medeiros



Dr. Sérgio Dantas, à nossa direita; a seu lado Vera Ferreira

“Lampião e o Rio Grande do Norte”, cujo subtítulo é “A história da grande jornada”, de Sérgio Augusto de Souza Dantas, Gráfica Editora, exposto à venda nas livrarias de Natal, é uma obra seminal. Não é possível mais, a partir do lançamento, tratar do Cangaço, seja no Rio Grande do Norte, seja de uma forma geral, sem uma consulta à obra.

Mossoró é assunto importante, no livro. Não pode ser diferente. Mesmo tratando da incursão do bando de Lampião ao Rio Grande do Norte, desde sua entrada pela Tromba do Elefante, margeando Luis Gomes, até sua saída, no rumo de Limoeiro do Norte, Ceará, a ida a Mossoró é onipresente, por que o quixó preparado por Massilon e o Cel. Isaias Arruda, de Aurora, Ceará, no qual Virgolino – assim mesmo, com “o”, como nos previne o Autor – é parte fundamental do trabalho.

As informações colhidas durante quatro anos de pesquisa, perambulações, visitas, entrevistas, cruzamento de informações, consulta à literatura hoje vastíssima sobre o cangaço estabelece um contraponto interessante com o estilo do Autor. Para coroar, um valioso acervo fotográfico é colocado à disposição de quem adquiriu o livro.




Em relação a Massilon, acerca do qual mantenho permanente interesse, Sérgio Dantas, jovem juiz norteriograndense agrega informações valiosíssimas, dentre elas o “raid” que esse personagem singular empreendeu nos costados do Jaguaribe e Cariri logo após o episódio de Mossoró. Isso significa dizer que a lenda segundo a qual Massilon, mesmo antes da célebre foto de Limoeiro, Ceará, já se separara de Lampião e teria ido embora para o Norte, não é verdadeira. Alguns, inclusive, diziam que o cangaceiro que aparece na foto tirada em Limoeiro não seria, na realidade, Massilon.

Detalhada, a história da marcha espanta pela riqueza de detalhes. Assim, ficamos sabendo da passagem de Lampião por todo o território do Rio Grande do Norte cidade por cidade, povoado por povoado, sítio por sítio, fazenda por fazenda. Os acontecidos nas cercanias de Martins e Umarizal, antiga “Gavião”, são relatados com precisão. E tudo quanto aconteceu em Apodi, antes da chegada de Lampião, protagonizado por Massilon, recebe tratamento de pesquisador sério e interessado.

A descrição geográfica e sociológica dos lugares pelos quais passou o bando de cangaceiros merece respeito. Através dela é possível perceber o dia-a-dia daquelas comunidades existentes no início do século XX. E a descrição dos mal-tratos, arruaças, bebedeiras, torturas físicas e psicológicas comove e revela a sensibilidade do Autor.


Ângelo Osmiro, Aderbal Nogueira e Honório de Medeiros, no Cariri Cangaço

Agora resta esperar que a obra semeie críticas e informações outras, alguma correção de rumo – se for o caso – para retornar ainda mais rica para o acervo dos historiadores e sociólogos do Brasil. É assim que ocorre quando uma obra deixa de pertencer ao Autor, por sua importância, e passa a fazer parte do referencial bibliográfico ao qual pertence.

Honório de Medeiros
honoriodemedeiros.blogspot.com

O Caminho das Pedras, ja conheces muito bem. Por:Assis Nascimento


 

Assis Nascimento e Leila Rosado no Casarão de Padre Cícero
 
Caro Severo


Tenho visitado o blog diariamente. Estás de parabéns, pelo belíssimo trabalho aqui contido. O caminho das pedras, ja conheces muito bem.

Vamos manter bem acesa a chama do Cariri Cangaço. "O maior evento do Brasil" no gênero. Disso não temos dúvida.

Um forte abraço para voce e Danielle, e um muito obrigado por todas as gentilezas.Até 2010 - 2011 - 2012....... e por aí vai.

Assis Nascimento
Mossoró - RN

Achamos que a Missão foi Cumprida Por:Paulo Gastão



Paulo Gastão entre Ingrid e Mabel, no Cariri Cangaço

Saudações Cangaceiras

O Cariri Cangaço já nasceu forte, robusto e com credenciais endossadas por 4 forças representativas da região do Cariri;são elas formadas pelos municípios de Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha e Missão Velha. Achamos que todos os espaços foram preenchidos e a missão considerada cumprida.E o futuro que se aproxima como teremos que trabalhar? Com a participação de outros municípios caracteriza-se o sucesso empreendido, a confiança de quem vai investir num projeto consagrado, principalmente, pela população visitante que já levou aos quatro cantos do Brasil o que aqui se passou neste ano 1º de 2009.

Necessário se faz nova leitura dos Estados que participaram diretamente do Evento, são eles:Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, além do Distrito Federal. Excelente comparecimento.Companheiros vamos a luta, ela é boa para ser lutada.


Severo, Gastão e Gabriel, em noite do Cariri Cangaço

A SBEC ocupou lugar de destaque dentro do universo caririense. Saiu-se por demais vitoriosa. Apta para novas conquistas no seio da cultura nordestina. Disposta a trabalhar para com o sucesso do II Cariri Cangaço em 2010.

Sendo do conhecimento de todos, a forma de trabalho existente, principalmente, entre o Juazeiro e o Crato, verificamos que o Cariri Cangaço trouxe novos conceitos de boa convivência e respeito mutuo. Muitas arestas devem ter desaparecido e outras que ainda permanecem deverão ser abolidas em definitivo, é só uma questão de tempo.

Os locais escolhidos para realização da programação sempre foram representativos e acolhedores, onde com assiduidade recebe a comunidade caririense. Os temas abordados sempre estiveram à altura do Evento. As visitas sempre estiveram à altura da Organização. Principalmente na manutenção dos horários; transporte confortável; oportunidade de novos conhecimentos. Apenas foi unânime o conceito de cansaço e pouco tempo para banho e troca de roupa para se chegar ao recinto das palestras. Um corre-corre que poderá ser evitado,com habilidade a Coordenação do Cariri Cangaço 2010 haverá de superar esse momento.

O setor de hotelaria nota 10, no conforto, higiene, café farto e variado.Os condutores dos veículos sempre educados e solícitos. Nota alta a todos. Queremos repetir a dose. A equipe coadjuvante sempre esteve a postos no sentido de dar solução aos problemas que por acaso aparecessem. As meninas foram excepcionais (duas delas: Ingrid e Mabel ilustram a foto da matéria). Cumpriram as tarefas com carinho em todos os momentos. Nota 10 com direito a repetir.

O kit distribuído com os convidados esteve de muito bom gosto, principalmente, no que se refere ao artesanato regional. A presença dos Jornais (tablóides) da SBEC e Poranduba deram um colorido especial aos participantes que sempre estão atentos no sentido de levar para casa algum material como troféu, recordação ou servir de elemento de futuras pesquisas. Valeu o esforço e ficou o registro. Tenho recebido solicitações para envio desse material para companheiros que não tiveram a oportunidade de participar do Evento.


Cariri Cangaço na fazenda Piçarra

Quero me congratular com Coordenadores e respectiva equipe de trabalho pelo empenho e carinho como fomos tratados. Estamos de braços abertos para novas jornadas.Com um grande abraço fico no aguardo de novas ordens

Paulo Gastão
Mossoró RN

Hilário Lucetti, o Contador de Histórias Por:Andrea Lucetti




Andrea Lucetti em homenagem a seu pai; Hilário Lucetti


"Boa Noite a todos,

Em primeiro lugar quero agradecer ao Ângelo Osmiro por linda e emocionante homenagem ao nosso pai. Agradecer em especial ao Severo e a todos por esse espetacular Seminário Cariri Cangaço. Parabéns!

Hilário Lucetti, filho de Orós, cidadão de Crato, nascido em 19/09/1927, apaixonou-se de tal forma pela saga do cangaço que optou por dedicar sua vida ao estudo e à pesquisa dos fatos e das personagens que marcaram, de forma indelével, um longo e sangrento período da história do Brasil.



Pesquisador e Escritor Hilário Lucetti

Percorrendo todo o imenso país dos nordestinos, conhecendo e palmilhando a verdadeira trilha por onde também passaram os cangaceiros, Hilário esteve em todos os palcos, entrevistando dezenas de atores que, outrora, participaram do grande espetáculo que foi o mundo do cangaço. De Antonio Matilde a Jararaca, de Corisco a Ângelo Roque, de tantos a tantos outros bandoleiros da súcia que acompanhou durante vinte anos seu chefe maior, Virgulino Lampião, Hilário falou e escreveu com a propriedade de um doutor no assunto.

Suas narrativas realistas têm o dom de proporcionar a seus leitores a exata dimensão dos acontecimentos. Quem não se arrepia ao saber que Dadá tinha arrepios de fera ao sentir cheiro de sangue, ocasião em que, segurando sua faquinha cabo de prata, costumava dizer: “Essa faquinha é pra módi matá genti fêa qui num teim denêro.” Lucetti (2001, p.80).

Falecido em janeiro de 2007, Hilário Lucetti presenteou-nos com obras completas, de riqueza incomparável. Estas, além de outros inúmeros registros escritos, alguns gravados, fotografias e peças históricas, constituem parte importante do grande legado que nos deixou.

...Desde o seu falecimento eu evitava voltar ao Crato.



É muito difícil andar pelas ruas, rever a Praça Siqueira Campos, subir a ladeira do granjeiro e não encontrar meu Pai. Entendo que, esse momento onde o Cariri Cangaço homenageia nosso “Contador de Histórias” como era conhecido entre os netos e bisnetos, é um momento impar, só um evento como esse de tamanha grandiosidade para trazer-me de volta a essa terra, onde fui acolhida com tanta doçura e lembrar como ele meu Pai tanto me dizia: “Essa terra e esse povo minha filha é sem igual, doce como diz a música: “Cratinho de açúcar coração do cariri”.

Obrigada"

Andrea Lucetti

NOTA CARIRI CANGAÇO: O Cariri Cangaço dedicou uma de suas noites ao inesquecível "Contador de Histórias" Hilário Lucetti. Com certeza as palavras de sua filha; Andrea Lucetti, na memorável noite de 24 de setembro, calam no coração de todos os confrades da SBEC que por tantas e tantas vezes se deliciaram com a companhia sempre edificante e acolhedora de Hilário. Novamente abrimos as páginas do Cariri Cangaço para abraçar a toda a estimada família ; Dona Meire, Andrea, demais filhos, netos e bisnetos, o nosso abraço de gratidão e respeito.

O Abraço do Professor Pereira



Diana Lopes, Dr. Napoleão Tavares Neves e Professor Pereira

Amigo e Confrade Severo


Você é uma pessoa iluminada, muito querido por todos nós.
A sua simpatia e dedicação é exemplar e cativa a todos que o rodeiam. Que neste Natal e Ano Novo seja de saúde, paz e amor para você e toda família.

Um abraço forte do amigo.

Professor Francisco Pereira - Cajazeiras - PB

O Memorial da Ressistencia de Mossoró Por:Geraldo Maia



Fachada do Memorial da Ressistencia em Mossoró

Como pesquisador do tema “cangaço” tenho viajado, juntamente com outros companheiros da SBEC – Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, por quase todos os recantos do Nordeste que de alguma maneira tiveram participação nesse movimento. Nessas viagens conhecemos vários museus dedicados a esse tema, alguns bem interessantes, mas em nenhum deles encontrei uma seção sequer que mostrasse a luta das volantes (tropas móvel da polícia, constituídas para combater os cangaceiros). Em todos eles a figura principal é a de Virgulino Ferreira da Silva - Lampião, o mais famoso dos cangaceiros.



Geraldo Maia

Mossoró teve o seu envolvimento com o cangaço em 1927, quando a 13 de junho a cidade era invadida por numeroso grupo de cangaceiros chefiados pelo próprio Lampião. Não contavam, os cangaceiros, com a fibra do povo de Mossoró. A cidade se preparou e expulsou a bala os facínoras. Esse evento constituiu-se num marco da história do cangaço. A audácia de Lampião em atacar uma cidade do tamanho de Mossoró, com mais de vinte mil habitantes, com várias fábricas de beneficiamento de algodão, agência do Banco do Brasil, estrada de ferro, etc., fez com que os governantes de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e até do Ceará se mobilizassem para perseguir esse grupo, de modo que com as volantes em seus encalços, Lampião foi obrigado a atravessar o rio São Francisco, o velho Chico, passando para a Bahia com o grupo bastante reduzido, esfarrapados e famintos. E aí começa outro capítulo da história do cangaço, ficando essa parte do Nordeste livre desse mal.

Assaltar uma cidade do tamanho de Mossoró era algo que Lampião ou qualquer outro chefe de cangaço não imaginava. Toda a ação desses grupos era sobre pequenas cidades e povoados, muitos de uma rua só. Mas um fato ocorrido na região veio a alimentar a esperança de sucesso, por parte de Lampião. Isso ocorreu quando em 10 de maio daquele mesmo ano, a cidade de Apodi, distante apenas 76 Km de Mossoró, era atacada por um grupo de cangaceiros chefiados por Macilon, por encomenda do Cel. Isaias Arruda, do Ceará, que era coiteiro de Masilon e também de Lampião.

Apodi não era tão pequena naquela época. E Massilon, com apenas cinco comparsas, arrasou a cidade. E foi ele e o Cel. Isaias Arruda que convenceram Lampião a atacar Mossoró. Alegavam que, se com um pequeno grupo Massilon tinha dominado Apodi, juntando o grupo dele com o de Lampião teriam êxito em Mossoró.


Mas uma empreitada dessa monta precisava de muitos preparativos, como aquisição de munição, traçar rotas, etc., e Lampião não conhecia o Rio Grande do Norte. Não tinha nenhum coiteiro aqui que pudesse dar apoio aos seus planos. Tinha que contar com as informações passadas por Massilon, esse sim, conhecia bem a região, pois havia sido tropeiro em Mossoró. Mas enquanto preparavam o ataque, as notícias iam chegando a Mossoró. E o Cel. Rodolfo Fernandes (foto ao lado), então Prefeito da cidade, acreditou na possibilidade dessa invasão e preparou a cidade para a defesa. Providenciou armas, munição, traçou o plano de defesa, juntamente com os oficiais da polícia local, solicitou as pessoas indefesas que deixassem a cidade, para evitar mortes desnecessárias, de modo que naquela tarde de 13 de junho de 1927, quando os cangaceiros chegaram, tiveram que enfrentar uma verdadeira “chuva de balas”, resultando com a morte do cangaceiro Cochete e com ferimento de diversos outros cangaceiros, inclusive de Jararaca, que ferido no tórax e na parte superior da perna, foi preso no dia seguinte e justiçado uma semana depois.

O Memorial da Resistência vem resgatar toda essa história, com ênfase para os “Heróis da Resistência”, aquele cidadão comum que, em não podendo contar com apoio de forças oficiais, se viu obrigado a pegar em armas e com risco da própria vida defender a cidade. Esse é o grande diferencial do que podemos chamar de museu do cangaço de Mossoró. Claro que para se falar da defesa, tinha que se falar do atacante. Por isso que o Memorial é constituído de vários prédios: Um dos prédios mostra o que foi o movimento cangaço e os principais cangaceiros. Em outro prédio conta a história da defesa da cidade com bastantes detalhes. Existe ainda um prédio que mostra como era Mossoró em 1927, para que o cidadão possa compreender os motivos que levaram Lampião a atacar a cidade. Todos o s painéis que compõem o acervo são auto-explicativos e seqüenciais, de modo que não precisa de guia para se entender a história. Basta ter tempo disponível para circular entre os prédios e conhecer um dos capítulos mais emocionantes da história de Mossoró.
 
Geraldo Maia
Mossoró RN
Fonte: blogdogemaia.blogspot.com

Morre Antonio Ferreira, Por:Antonio Amaury



Virgulino Ferreira e Antonio Ferreira

Era começo de Janeiro de 1927. Antônio Ferreira, junto de Luiz Pedro, Jurema e um outro rapaz, estava acoitado pelo coronel Ângelo da Gia, na fazenda Poço do Ferro, e jogavam baralho. Luiz Pedro estava numa rede e Antônio em pé. Antônio estava perdendo muito no jogo, enquanto disse a Luiz:

-Luiz, você está sentado nesta rede há muito tempo! Agora deixe que eu me sente um pouco aí.

O rapaz segurando o cano do fuzil, ao apoiar-se para levantar, bateu com a coronha no chão. A arma, destravada, disparou a bala que atingiu Antônio em cheio. Este, antes de cair, só teve tempo de falar:

-Matou-me, Luiz.



Luiz Pedro e Nenem, sua companheira

Lampião, que estava longe, ao receber a notícia, passou a noite na cavalgada para acertar-se do ocorrido na fazenda de seu amigo Ângelo. Perdera assim mais um irmão em sua história de cangaceiro, por um acidente estúpido. Ouviu e concordou com o parecer do próprio coronel sobre o acidente. Jararaca, um dos chefes cangaceiros, no entanto, propôs que todos os envolvidos pagassem com a vida, por não acreditar que se tratasse de um acidente. Ao saber que seria perdoado, Luiz fez um juramento a Lampião, que passou para a história.

-Seu capitão... O senhor poupou minha vida. Eu juro acompanhá-lo até o fim. No dia em que o senhor morrer, eu morro também!


Antonio Amaury entre Severo e Danielle Esmeraldo

A partir desse dia, Lampião decidiu proibir qualquer um de seus comandados de portar arma com balas na agulha. Também em sinal de luto, deixou de cortar os cabelos, que foi seguido por quase todos do grupo; afinal ele era um líder, em todos os sentidos, inclusive como exemplo a ser seguido nas coisas mais simples.

Antonio Amaury Corrrea de Araujo
Carlos Elydio

NOTA CARIRI CANGAÇO: A morte de Antonio Ferreira, irmão mais velho do líder Lampião se configura sem dúvidas um dos episódios mais pitoresco e marcantes da história do cangaço. De fato, Luiz Pedro acabou tombando no fatídico 28 de julho de 1938, em Angico, quando perderam a vida, Lampião, Maria e mais 8 companheiros.

O Ataque de Lampião a Uirauna - Pb Por:Sérgio Dantas




Alguns dos defensores de Uiraúna. Ao centro, de paletó escuro, Luiz Rodrigues. Na extrema direita, sentado, o Subdelegado Nelson Leite.


Uma vitória da inteligência sobre a força

Há meses Lampião sumira dos noticiários dos jornais. O ano de 1926 encerra-se sem grandes novidades sobre a horda do famoso cangaceiro de Vila Bela. Bem instalado e seguro no ‘coito’ da Serra do Diamante, do poderoso Coronel Isaías Arruda, Lampião sai da aparente inatividade apenas em fins de abril de 1927. Naquele fim de mês, o bandoleiro deixa o refúgio e pratica assaltos em pequenos vilarejos situados na região noroeste da Paraíba, entre os municípios de Cajazeiras e São José de Piranhas. São ataques rápidos, com vistas apenas ao saque. A proximidade desta parte da Paraíba com o valhacouto do ‘dono’ de Missão Velha facilita sobremaneira a ação do bando.

De fato, no dia 15 de maio daquele ano, liderando uma falange de cerca de trinta e cinco homens, Lampião se prepara para tomar de assalto a Vila de Belém do Arrojado - atual cidade paraibana de Uiraúna. Há dias que ‘olheiros’ residentes em sítios da fronteira já haviam sondado o vilarejo e o cangaceiro – decerto bem ciente das condições do lugar – crê que tem plena chance de sucesso na empreitada que pretende levar avante.

o Arruado de Belém situa-se junto à fronteira do Rio Grande do Norte e é então inexpressivo. Ali não há mais que cento e trinta casas e uma igreja singela. Comércio pobre ou quase inexistente. Também ali não está destacado sequer um contingente policial para manutenção da ordem ou para oferecimento de uma defesa – mesmo que acanhada – no caso de um eventual ataque de cangaceiros. A ‘ordem’ no povoado é garantida somente por um Subdelegado civil, o potiguar Nelson Leite. Apesar de reiteradas notícias sobre incursões de cangaceiros naquela parte da Paraíba nos últimos dias, o Governo do Estado parece ignorar os eventos propalados pelos jornais e pela boca do povo. Apesar de vários reclamos por parte de proeminentes de Belém, o Estado não enviara tropa regular para a localidade.



o início da tarde daquele dia 15 de maio, no entanto, o sertanejo Leonardo Pinheiro percebe a marcha de cangaceiros em direção a Belém. Sem demora, espora o cavalo e entra no povoado em sonoro alarde:

-“Vem cangaceiro por aí! Vem cangaceiro por aí! Parece que é Lampião e não está a mais que umas duas léguas!”

Enquanto a horda marcha em busca do vilarejo, Nelson Leite se apressa em organizar uma defesa. Sangue quente, cioso de suas obrigações, Leite parece disposto a sacrificar a própria vida na defesa da comunidade que lhe fora confiada.

Abandonados à própria sorte, os habitantes de Belém – incentivados por Nelson Leite - tratam de se armar e garantir a resistência do lugar. Civis são convocados e há mesmo os que comparecem voluntariamente para pegar em armas. Ao final do rápido recrutamento, chega-se à desanimadora soma de onze homens apenas. Um contingente ínfimo que tentará rechaçar um bando com cerca de trinta e cinco cangaceiros. Uma luta desigual – se considerarmos a proporção de três bandoleiros para cada defensor e a falta de experiência de guerrilha dos citadinos. Por volta das dezessete horas, finalmente, Lampião avizinha-se da Vila. O frágil agrupamento de casas lhe parece excessivamente frágil e torna-se ainda mais amiudado pela sombra da serra de Luís Gomes, não muito distante dali. “Um alvo fácil”, provavelmente terá pensado o poderoso cangaceiro. O desenrolar dos fatos, porém, lhe revelará um grave erro de prognóstico.


Em que pese a correria desenfreada que se seguiu ao alarma dado por Leonardo Pinheiro, os homens de Nelson Leite aprestam munição e armas. Tudo é feito com rapidez e disciplina.Ao mesmo tempo, mulheres, velhos e crianças – a seguir igualmente os apelos do Subdelegado – buscam refúgio na caatinga ou em sítios de familiares fincados nos arredores de Belém. Pequenos “tesouros” são previamente enterrados em lugares seguros. Potes de barro, caixas de papelão, latas de querosene: qualquer coisa serve como invólucro para as ‘economias’ adquiridas ao longo de anos de trabalho.

Em pouco tempo, os defensores se organizam e estão posicionados em lugares previamente definidos pelo Subdelegado. Dedos nervosos aguardam o desfecho do ataque. Uma testemunha registra os momentos iniciais do entrave:

“O ‘delegado’ Nelson Leite distribuiu uns homens nos pontos mais altos da rua principal, dois outros guarnecendo as laterais e três instalados no teto da Igreja. Quando Lampião entrou com o bando, pela ‘rua velha’, começou a fuzilaria”. (Sinforosa Claudina de Galiza, entrevista).

Nelson Leite, de fato, engendrara bom plano. Distribuíra os poucos rifles e fuzis disponíveis com os onze defensores. Repartiu com irrepreensível parcimônia a rala munição que tinha ao seu dispor. Os melhores atiradores foram destacados para pontos estratégicos. Na teto da igreja - prédio mais alto e com abrangente visão dos arredores - posicionaram-se Luís Rodrigues, Moisés Lauriano, José Teotônio e Joaquim Estevão. O tempo corre lento. Não há novidades. Até perto das oito horas nem sinal da sinistra patuléia de chapéu de couro. A espera alongada transforma as trincheiras em ninhos de ansiedade.


Matriz Jesus, Maria e José, Uirauna atualmente.

De súbito, Luís Rodrigues dá o alarma. Alguém se aproxima. O luar denuncia vultos sorrateiros. Homens armados aproximam-se do povoado pela ‘rua da Proa’. É o início da invasão. De pronto, grande incêndio ilumina a noite na pequena Belém. Grossas labaredas passam a consumir a casa de um agricultor e espalham-se rapidamente para um antigo curral e plantação de milho já há dias quebrado. O incêndio. Método infalível para incutir terror aos sitiados.

Josefa Augusta Fernandes, bem jovem à época do evento, anota a origem do fogaréu:

"Lampião começou destruindo a propriedade do finado João Gabriel, tendo em seguida tocado fogo nos currais e nas plantações de feijão e milho. O fogo serviu para alertar os homens da cidade, sendo que eles já estavam em posição nos principais pontos daqui”. (Maria do Socorro Fernandes, entrevista).

Não havia mais o que esperar. Ao primeiro grito de comando de Nelson Leite, trava-se pesado tiroteio. Lampião, decerto, não esperava semelhante reação. A fantástica fuzilaria oriunda da Vila lhe faz recuar. De efeito, os tiros vindos da rua da Proa tornam inviável uma entrada por aqueles lados.

Sem sucesso na primeira investida, o chefe de cangaço tenta confundir os defensores entrincheirados. Sob sua batuta, os bandoleiros passam a gritar, urrar como animais e a praguejar insultos e xingamentos aos defensores e suas famílias. A permear a gritaria, grossas baterias de tiros.

O rei-do-cangaço deseja tomar Belém. Tentará de todas as maneiras penetrar no vilarejo para vilipendiar suas casas e lhes extrair até o último ‘cobre’. Sem demora, ordena aos comandados a ‘abertura’ de uma linha de fogo pela lateral, com o fito de invadir a Vila pelo flanco oposto.

Nada, entretanto, parece gerar resultado prático. A posição privilegiada dos atiradores locados no telhado da igreja permite que tiros sejam disparados em todas as direções. A resistência agiganta-se com estrondos de repercussão fantástica e de curiosa origem. Nelson Leite improvisara – no pouco tempo que dispôs antes da consecução do ataque - algumas “ronqueiras” e logo começou a fazer uso dos artefatos. Os estrondos causados pelas bombas caseiras são assustadores e surpreendentemente surtem efeito. Um simples improviso que, ao que tudo faz crer, parece realmente ser a chave para uma vitória. (1)

Em pouco, qualquer objeto metálico em formato cilíndrico - e vazado pelo menos em um dos lados - torna-se invólucro para manufatura dos pesados rojões. Joel Vieira, com dezoito anos à época do fato, registrou em depoimento:

“Os que estavam no alto da Igreja, começaram a atirar de ponto e também para dentro da igreja, causando um eco que parecia canhão. O Subdelegado também tinha improvisado umas ‘ronqueiras’, feitas com pólvora socada dentro de latas, e de quando em quando estourava uma. Já estava escuro, e aqueles tiros davam a impressão que havia um canhão com a gente”.

No alto da igreja, Luis Rodrigues - artilheiro mais aguerrido – resolve acrescentar estrondos adicionais aos estampidos das ‘ronqueiras’ improvisadas pelo Subdelegado. Dessa forma, com o intuito de causar impacto ainda maior, começa a atirar quase em paralelo à lateral da nave do prédio sagrado. Estrondos fantásticos, causados pelo eco do salão quase vazio, dão ainda mais ânimo aos outros defensores entrincheirados no teto da igreja. Decide-se que alguns deles, alternadamente, passarão a atirar também para dentro da nave.

A estratégia funciona. Os estrondos se multiplicam. De fato, para quem está do lado de fora, resta a impressão de que algum tipo de canhão está sendo utilizado. Os cangaceiros, atarantados, mantém posição de cautela e não avançam. O escuro da noite enevoada pela fumaça dos disparos os impedem de enxergar, na verdade, o tipo de “arma” adicional que ora se usa na defesa do arruado. O engodo paulatinamente funciona.

No calor da peleja, porém, passos apressados denunciam silhueta humana esgueirando-se próximo à igreja. A escuridão da noite não permite distingui-la com precisão. Da torre principal um defensor atira. O civil Antônio Correia é atingido. Confundiram-no com um cangaceiro. Correia morre pouco tempo depois em razão do profundo ferimento à altura do pulmão. É a única baixa durante o combate.

Os cangaceiros não desistem e tornam a investir contra o território inimigo por uma ruela lateral à igreja. Lampião brada ordens aos seus homens. Todos, contudo, parecem hesitar em razão dos estrondos que continuam a reverberar entre as casas da pequena Belém.

Do lado dos defensores, um voluntário prontifica-se para preparar novas ronqueiras, de forma ininterrupta, servindo-se como espécie de municiador.

Dominado pela ira, Lampião manda reacender o fogo que arde tênue na propriedade de João Gabriel. O vento rapidamente espalha as labaredas em espantosa velocidade. As chamas consomem vacas e bezerros cativos no cercado contíguo a casa. Urros de dor de animais engolidos pelas chamas desenham dantesco suplício. Poucos escapam ao bizarro holocausto.


A derradeira tentativa de conquista do povoado fracassa. Com pesar, os cangaceiros reconhecem que não conseguirão penetrar em Belém.

O desconhecimento dos pontos de defesa, o espocar das “ronqueiras”, o ribombar de tiros reverberados pelo salão da igreja, a configuração física da vila, o cansaço da longa marcha até ali. Tudo parece sugerir uma retirada. Lampião não demora em perceber o malogro da empreitada:

- Vamos sair para economizar munição! – grita furioso.

Ainda se ouvem tiros por mais um quarto de hora. Aos poucos os cangaceiros se retiram do campo de luta. Disparos tornam-se esparsos. Ao compasso da retirada, a fuzilaria regride até reinar o mais absoluto silêncio. Lampião e seus homens deixam Belém em definitivo. É ainda Joel Vieira quem destaca:

“Eles tentaram muito, mas não conseguiram entrar. Antes das sete horas da noite, já tinham ido embora. No dia seguinte, o festejo foi grande, pois todos pensavam que ia morrer muita gente, mas não. Apenas um rapaz morreu vítima de uma ‘bala doida’ e caiu ali perto da Igreja. Tirando o incêndio na propriedade de João Gabriel, o prejuízo aqui foi pouco. Com pouco recurso, a gente botou Lampião prá correr!”.

E Lampião, de fato, jamais voltou a Uiraúna. Nos dias seguintes, um telegrama é enviado para as principais cidades do sertão do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Anunciava-se a vitória de um povo contra o poderoso rei do cangaço. O Intendente local assinou o comunicado:


“Fomos atacados dia 15 famigerado Lampião. Resistimos cerrado fogo, bandoleiros recuaram. Vítima tiroteio Antônio”. (a) José Caboclo.

É a vitória inconteste de um sumário grupo de cidadãos contra quase quarenta cangaceiros. Uma vitória nascida da confiança de homens do povo; sertanejos comuns. Não houve – como aconteceu em Mossoró – um grande lapso de tempo para a preparação de uma defesa. Não houve reuniões; não se teve tempo para comprar armas modernas. Não havia sequer uma torre na igrejinha da cidade. Existia, apenas, a vontade de preservar os próprios lares.

Uiraúna se defendeu heroicamente, a exemplo da resistência mostrada pela pequena Nazaré, em Pernambuco, quatro anos antes. Uiraúna impediu a entrada dos cangaceiros de Lampião como faria a população sergipana de Capela, liderada pelo destemido Mano Rocha, três anos mais tarde.

A vitória do povo de Uiraúna foi obtida sem recursos, sem alarde e sem exploração midiática posterior. Vitória conseguida sem um ‘notável planejamento prévio’ e sem colóquios barulhentos. Vitória de um pequeno grupo de homens pegos de surpresa pelo maioral do cangaço. Vitória, porém, recheada de atos do mais real e verdadeiro heroísmo. Vitória, enfim, da inteligência sobre a força.

Sérgio Dantas

Sérgio Augusto S. Dantas é autor dos livros “Lampião no Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada” (2005), “Antônio Silvino – O Cangaceiro, o Homem, o Mito” (2006) e “Lampião: Entre a Espada e a Lei” (2008).

NOTA:
(1) s.f. – Ronqueira: “Cano de ferro, preso a uma tora de madeira e cheio de pólvora, o qual produz grande detonação quando se lhe inflama a escorva”. (Aurélio). As ronqueiras já haviam sido largamente usadas em revoltas populares, como na guerra de Canudos. N do A.

FONTES UTILIZADAS:
A União, edições de 17 e 18 de maio de 1927.
DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. LAMPIÃO NO RIO GRANDE DO NORTE – A HISTÓRIA DA GRANDE JORNADA. Editora Cartgraf, Natal/RN. 2005. 452 pgs.
SOUZA, Tânia Maria de. UIRAÚNA NO ROTEIRO DE LAMPIÃO, in Revista Polígono, 1997, 158 pgs.
Entrevistas concedidas ao autor por Maria do Socorro Fernandes (2003), Joel Vieira da Silva (2001), Josefa Augusta Fernandes (2000) e Sinforoza Claudina de Galiza (2000).

Lampião e seus protetores no Agreste Pernambucano Por:Antonio Vilela




Antonio Vilela e Gonzaga de Garanhuns

Antes de abraçar o mundo do crime, o jovem Virgulino Ferreira da Silva andava pelo agreste meridional de Pernambuco como almocreve, pois comprava vários produtos, em especial o café, para vender na ribeira do Pajeú. Após o assassinato de José Ferreira, Lampião encontrou um lugar seguro pra seus irmãos em Bom Conselho do Papa Caça. Mesmo inocentes, eram perseguidos pelos inimigos de Lampião. Em Bom Conselho a família Ferreira encontra a proteção do coronel José Abílio de Albuquerque Ávila, que por incrível que pareça era parente do tenente José Lucena Albuquerque Maranhão, o assassino de José Ferreira. A família Ferreira fixa residência na terra do Papa Caça até 1924, quando vão morar em Juazeiro do Norte-CE. Outro grande protetor de Lampião no agreste pernambucano era o coronel Audálio Tenório de Albuquerque, me Águas Belas.


Em destaque Águas Belas ; agreste pernambucano

O seu refugio era a casa grande da fazenda nova, no riacho fundo. Ali, Lampião se refugiava por dias, protegido pelo coronel Audálio Tenório, um dos homens mais influentes na política do interior de Pernambuco.

Na propriedade do coronel Audálio, os cangaceiros descansavam em um abrigo com cinco quartos, duas salas e uma grande cozinha, e que permitia uma visão total do seu entorno. Mas as volantes nunca passaram por aquelas bandas. O coronel foi considerado um dos grandes coiteiros de Lampião em Pernambuco, e responsável, segundo alguns pesquisadores, pelo contato de Lampião com o Sírio-Libanês Benjamin Abrahão que resultou nas imagens registradas em 1936 no Capiá da Igrejinha – AL, há poucas léguas de Águas Belas.


Cel. Audálio Tenório de Águas Belas

Já o coronel Abílio tinha uma grande amizade com Lampião e era fornecedor de armas e munição. Em 1923, Lampião viajou com seus irmãos para Bom Conselho, ao povoado, nesse entremeio, chegou o coronel Abílio, procedente do Recife trazendo de automóvel muito armamento e munição envolvidos numa lona, destinados a Lampião, a quem entregou.

O coronel era uma espécie de banco particular de Lampião, guardando parte da fortuna. Teve a ousadia de levar o Capitão cego para Recife para fazer o tratamento oftalmológico com o Dr. Isaque Salazar. Disfarçado de fazendeiro, cabelo e barba crescidos, óculos escuros, Lampião chegou à capital pernambucana em outubro de 1926. Andou de bonde, passeou pela Veneza brasileira e chegou até a assistir um filme. Esta viagem foi feita de trem, Garanhuns-Recife.


Imagens de Bom Conselho, Pernambuco

O rei vesgo ainda tinha também a amizade e proteção do coronel Gerson Maranhão, em Itaiba. O que me chama a atenção nesses protetores era a ligação de parentesco com José Lucena de Albuquerque Maranhão. Acredito que Lampião, José Abílio, Audálio, Gerson Maranhão e José Lucena eram “farinha do mesmo saco”.

Antônio Vilela de Souza - Garanhuns
Sócio da SBEC

Entrevista;Labareda a Estácio de Lima Por:Alfredo Bonessi




"Depois da passagem por Curaçá, Lampião diterminô qui Luiz Pêdo, eu, Anjo Roque, i mais outro cabra, nóis deixasse a Incruzêra, pra si encontra nus Trêis Riacho. Ele siguiu prua istrada i nóis pru outra. Nóis siguimo pula istrada qui ia toca in casa di Benevide Preto, portigido di Lampião.

Quano cheguemo na casa du Benevide Preto, êle preguntô:

- Quem são voceis ? São força ou são cangacêro ?

Cumpade Luiz Pêdo arrespondeu a êle:

- Nun lhe interessa, u qui interessa é você bota cumida pra gente cumê.

Êle disse:

-Nun dô cumida, nem a cangacêro, nem a macaco !

Déiz anu preso ! Eu, Anjo Roque da Costa, entrei na casa dele, i incontrei um home preso. Benevide tinha prindido u home, fazia uns 10 ano, pru causa da fia di um vaquêro, u rapáiz buliu cum ela. O rapáiz disse:

- To preso aqui, fáis 10 ano !

Tava dum lado da parede i a corrente, cum qui êle tava amarrado, furava a parede, indo prega num cepo du outro lado.
Cagava, mijava, drumia e cumia, amarrado. Era um fedo horrive. Mosca zunindo. I o home si acabano...
Eu disse:

-Levanta rapáiz !

Êle má si alevanto, torno a caí, apois tava cum as pernas sem pude mexe. Eu chamei Benevide Preto i disse:


- Você é marvado. Cumu é qui você prende um home, nua cundição dessa ? Lampião sabeno disso tu tava sangrado. Vamo, sorte u home...

Êle foi, distrancô u cadiado i sortô u home, a purso.
Um dus cabra qui tava mais eu, passo u cacete in Benevide Preto. Ele disse:

- Você nun pode dá in mim.

Quando percuremo Benevide na sala, êle já ia nu tabulêro, sem chapéu, correno, cumo um danado. Nóis aí, afroxemo as ispingarda in riba dele, atiremo nele, mas uns tiro nun pego pruque u peste tava sumido.Di noite, incontremo cumpade Lampião qui tinha sabido dus conticido. Pulo Benevide Preto. Recramô cum nóis:

- Pra qui vocêis buliro cum Benevide Preto ?

Cumpade Virgino disse:
-Pru quê êle miricia. Marvado ! Tinha prindido um home, déiz ano cunsicutivo, na casa dele. Foi perciso nóis dá nu home banho morno pra vê si sarvava u home. Mas u home nun vai guentá.

Siguimo, in siguida prô Rio Sá, mais um guia. Us “minino” mataro muita gente pulo caminho, di noite: morrero bem umas 10 pessôoa, sem percisão,pula fôrça da cachaça qui nois tava bebeno."

Depoimentos de Labareda a Estácio de Lima, em “ O mundo Estranho dos Cangaceiros” - pág 215-216-217 - Editora Itapoã Ltda – 1965

Alfredo Bonessi - Fortaleza
Sócio da SBEC



Virgulino, Sempre à Frente de seu Tempo Por:Manoel Severo


Virgulino Ferreira sempre à frente de seu tempo...

Parece estranho falarmos de cangaço e termos que recorrer a conceitos próprios do ambiente empresarial moderno; mas, nos aprofundando um pouco mais na história intrigante de Virgulino, não nos parece exagero considerar que já naquela época o engenhoso bandido das caatingas conhecia muito bem o valor do Marketing Pessoal, a Política da Boa Vizinhança, Lobby e Tráfico de Influência, até mesmo noções de Logística Empresarial; na verdade não conseguimos conceber um reinado tão extenso de uma vida fora da lei em circunstâncias tão adversas, sem que boa parte desses conceitos não fizesse parte da mente prodigiosa de Lampião.

Desde cedo pela própria profissão da família, Virgulino e os irmãos passaram a conhecer toda a região e fazer um grande ciclo de relacionamentos, que mais tarde, unido a ingredientes como o medo e o favor, seriam de muita valia. Sem falar que essa espetacular rede de “apoiadores”, formada de gente miúda e graúda, foi fundamental para a sobrevivência por tanto tempo do famoso grupo.

As condições inóspitas e hostis da caatinga exigiam, além da extrema capacidade física, um exagerado instinto de sobrevivência. Comida, água, descanso, dormida, eram luxos muitas vezes esperados por dias a fio. Andanças intermináveis, muitas vezes em círculos, passando por vários estados em poucos dias carecia de um mínimo de organização e senso de direção.


Um líder sempre atento à seus próprios movimentos

Outro fator preponderante era o acesso à munição. Até os mais próximos do grande chefe do grupo, não sabiam de onde vinha tamanha carga de armamento, inclusive recebendo o que havia de mais moderno na época, exclusividade que nem as forças policiais recebiam.

Penso que o maior de todos os diferenciais entre Lampião e os outros grandes chefes do cangaço, como Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino e mesmo Sinhô Pereira, sem dúvidas era o seu cérebro privilegiado. Mesmo compreendendo a posição de amigos pesquisadores quando defendem a desconstrução do mito de que Lampião não tinha nada de estrategista militar e que seu sucesso e longevidade na vida cangaceira se deveu a uma “mistura de incompetência e corrupção, por parte dos governos, e instinto de sobrevivência da parte dele, Lampião”; as espetaculares técnicas desenvolvidas para a “guerrilha” na caatinga, muitas vezes foram determinantes para salvar vidas e vencer batalhas, muitas delas beirando ao absurdo do desequilíbrio de forças, como a de Serra Grande onde uma força volante de perto de 400 homens não conseguiu dá cabo do grupo cangaceiro com pouco mais de 70 cabras, que se valiam desde o ousado enfrentamento em nítida desvantagem, à retirada estratégica quando lhe era conveniente, muitas vezes o bando simulava o abandono do embate e voltava pela retaguarda e encontrava a força volante totalmente desprevenida.

No cangaço de Virgulino, cada peça se encaixava em seu lugar...

Na verdade, o próprio estilo de vida cangaceira; uma espécie de nômade das caatingas, o profundo conhecimento da região e suas sólidas redes de apoio logístico, lhes conferiam um grande poder de mobilidade, como também maiores condições de escaparem da polícia.

Um dos maiores cuidados do grupo era evitar o movimento pelas estradas, e mesmo dentro da caatinga tomavam cuidados excessivos com relação aos rastros. O ato de andar em fila indiana, todos seguindo na mesma pegada, o fato de calçar alpercatas com o salto na frente e o último do grupo apagar as pegadas com galhos de plantas eram providências costumeiras para dificultar o trabalho dos rastreadores das volantes, o cuidado em acender o fogo para a comida e até mesmo em enterrar os restos de animais sacrificados e restos de comida eram costumais, além do uso de cães para a sentinela e um entrançado de fios e chocalhos ligados entre si pela catinga, para denunciar a presença indesejada. Ao invadir os lugarejos o primeiro alvo eram sempre os fios do telégrafo.

Um líder consciente do poder de sua própria imagem e mito...

Outra tática que visava confundir o trabalho das volantes era não deixar os corpos de seus companheiros abatidos em combate, quando era inevitável, cortavam as cabeças dos mesmos para evitar que fossem identificados. O grupo também possuía o hábito de para os novos membros adotar a alcunha ou apelido de outro companheiro morto, também na intensão de confundir a polícia, perpetuando o personagem abatido.

Dessa forma não seria exagero nenhum, declinar Virgulino Ferreira como um dos cérebros mais privilegiados de sua época, razão sem dúvidas que permitiu seu “reinado” por quase vinte anos; de sua simpática Vila Bela em 1918 até o fatídico julho de 1938, em Angico.

Manoel Severo - Cariri Cangaço

Cangaço é o Caso Por:Aristides de Farias Brito



Aristides de Farias Brito, último à nossa direita, em uma das caravanas do Cariri Cangaço.

Prezados colegas de Cariri Cangaço

Por aqui há muito compromisso e pouca compreensão pelos nossos valores culturais; lamentavelmente.
Do Cariri Cangaço tenho saudades, tenho cantado pelas rádios da região, o que sei e o que aprendi com todos vocês naqueles dias inesquecíveis.

Numa dessas entrevistas, fiz um poema retratando essa história heróica. Ver o blog Cariri Cangaço, me dá vontade de fazer uma mágca...fazer o tempo voltar a tras e viver tudo de novo.

Não é um caso, é o caso
Caso passado e repassado
Onde a injustiça foi dominadora
Povo culpado e perseguido
Defendido por lampião foi o fato
Contra coroné e soldado
Usando a lei como escudo
Abusando do povo cativo

O povo sofrido e oprimido
Era perseguido e saqueado
Sua família foi dividida e sucumbida
Revoltava sua comunidade no todo
Sem amparo da tal lei foi dominado
Perdendo tudo e sendo expulso
Carrega consigo a saudade, amargurado
Onde a injustiça deixa-o amordaçado

Nesse espaço esquecido de fato
Surge um agricultor que gritar sua dor
Seu grito é escutado e ecoado
Sua dor diminui sendo vingandor
Com a arma que o oprimiu
Outros também assim assumiu
Com um líder macho e bravo
Pelo sertão sai na luta de seu direito violado

Seu nome é Lampião, bravo e destemido
Fazendo de sua luz a justiça de todos e tudo
Enfrentando coronéis, policia, prefeitos
Sendo respeitado pelo povo nordestino
Terror para os opressores e o governo
Até título de capitão ganhou, para ser traidor
Seguindo sua luta de vingança foi determinado
Seu nome é lembrado, cantado e encantado

Lampeão é campeão, peão de um povo
Questionou uma política que pouco abraçou
Sobrando pouco direito e muito sofrimento
Iluminando a nossa história passou
Exemplo de um povo que respondeu
Com as mesmas armas dos poderosos
Sua luta desenvolveu e modificou
Nosso nordeste seu rumo tomou


Aristides de Farias Brito

O 80 anos do ataque do Guerrilheiro Sabino Por:Dra.Francisquinha


Sobre o Ataque de Sabino a Cajazeiras
Na sombria tarde de 28 de setembro de 1926, a cidade de Cajazeiras localizada às margens do Açude Grande, tendo à frente a Igreja Matriz e ao lado esquerdo o Colégio Padre Rolim, mais à frente as casas comerciais e residências, no silêncio da espera, desperta aos tiros das armas do cangaceiro Sabino Gomes e seus asseclas.

Sabino Gomes teve a coragem de atacar a cidade de Cajazeiras, que tinha aproximadamente mais de 5.000 habitantes, e que através das autoridades da terra do Padre Rolim, como sejam Prefeito e o representante da força policial, tinham preparado estratégias para frustrar o ataque, além do juiz da cidade pedir reforço ao Presidente do Estado.

As autoridades tiveram conhecimento da marcha dos bandoleiros através de telegramas expedidos por parentes residentes nas cidades do Cariri cearense, informando-os que Lampião à frente de 100 homens, teria atravessado a região em direção à Paraíba, visando Cajazeiras.

Na verdade, quem marchou para a cidade de Cajazeiras foi Sabino Gomes, Sabino Gomes de Góes conhecido no mundo do cangaço como feroz guerrilheiro Sabino das Abóboras, lugar-tenente de Lampião, patente recebida em 06 de março de 1926, na cidade de Juazeiro do Norte, Ceará, para lutar contra a Coluna Prestes.

A cidade se preparou tão bem que foram os primeiros a assassinarem três homens do Bando de Sabino, que estiveram na cidade para observar o movimento e repassar as informações.

Depois de três anos, estava de volta à Cajazeiras Sabino sob a chefia de 22 asseclas. Entre eles estavam: Laurindo, Mariano, Bom Deveras, Bentivi, Dois de Ouro, Rio Preto, Picapau, Euclides, Formiga, Braúna, Namorado, Gusmão, Maçarico e outros. Esse era um momento muito aguardado por Sabino!

Sabino e o seu bando iniciaram suas façanhas através dos Sítios: Marimbas, Tambor, Redondo e Baixa Grande onde fizeram uma parada. No sítio Baixa Grande, assassinou dois agricultores: Raimundo Cassimiro e seu filho Chico Cassimiro. Esta notícia se espalhou rapidamente assombrando a população dos recantos do município e principalmente a população de Cajazeiras.
Vários escritores, já descreveram o itinerário quando da entrada de Sabino à terra de Padre Rolim, iniciando pelo Sítio Remédios (atual bairro Remédios) com parada na casa de Luiz Boca-Aberta; desceram pela rua Cel. Vital Rolim, antiga Matança (atual Dr. Coelho), onde assassinaram, com um tiro na cabeça, um policial que fazia correição de animais soltos nas vias públicas.


Vista aérea atual da cidade de Cajazeiras, na Paraíba


A gritaria e os disparos amedrontavam a cidade. Nas proximidades do Prédio Vicentino, ex-Cine Pax, mataram Cícero Ferreira Lima, vulgo Pé de Cágado, que teve a ousadia de responder a Sabino que não tinha medo nem de cangaceiro nem de Lampião.Em seguida entraram pela rua do comércio, atual Padre José Tomaz, até a Praça Coração de Jesus, entrincheirando-se na Igreja do mesmo nome, enquanto os defensores encontravam-se entrincheirados nas ruas Sete de Setembro, atual Av. Presidente João Pessoa, e Tenente Sabino com a rua do Comércio, acontecendo um cerrado “fogo”. No calor do “fogo”, Sabino junto aos seus companheiros, deu exemplo de bravura pessoal, correndo pela rua, atirando ora com mosquetão, ora servindo-se do rifle papo amarelo, que acendia lampejos de fogo, refletindo uma fúria monstruosa. Na verdade, um grande guerrilheiro! Os defensores encontravam-se em posição privilegiada para o avanço dos bandoleiros, que tiveram que recuar pela rua da Tamarina e na passagem assassinaram o alfaiate Eliezer. Seguiram pela Travessa S. Francisco, entraram na rua Quinze de Novembro e atacaram a casa de Major Epifânio Sobreira, arrolado como um dos ricos da cidade. O Major reagiu ao ataque com ajuda de seu empregado José Inácio da Silva, mas mesmo assim foi ferido. O grupo avançou para a rua Sete de Setembro, atual Av. Pres. João Pessoa, quando foram surpreendidos pela misteriosa explosão da Usina de Força e Luz, instalada ao sopé da barragem do Açude Grande, sob a direção técnica de José Sinfrônio Assis, levando os bandoleiros a recuarem. Pensava eles ser reforço e era regra no cangaço recuar, quando o combate se tornava confuso ou incerto.


O principal objetivo do ataque de Sabino à Cajazeiras era VINGANÇA, por ter sido vítima de emboscada por policiais, tendo como responsável o soldado reformado Lourenço Dunga; em seguida prender o prefeito Sabino Rolim e o Dr. Draenner engenheiro das Secas, para pedir resgate. O saque ao comércio e as casas dos ricaços era praxe quando dos ataques dos cangaceiros; e por fim também vingar-se do velho conhecido ex-cangaceiro Raimundo Anastácio que aliou-se às autoridades policiais, passando todas as informações sobre o ataque.

Apesar da resistência formada por vinte e cinco homens, em primeiro plano Tenente Elias Fernandes (Delegado de Policia) e quinze soldados; mais: Romeu Menando Cruz, Pe. Gervásio Coelho, Joaquim Sobreira Cartaxo (Marechal), Bacharel Praxedes Pitanga, Jaime Carneiro, Raimundo Anastácio, Major Epifânio Sobreira, José Sinfrônio Assis e José Inácio da Silva, a cidade viveu as agruras do ataque que deixou marcas indeléveis. O soldado Lourenço pagou com a vida pelo que fez a Sabino. A casa de Raimundo Anastácio foi destruída, e quando da fuga, o grupo incendiou a residência de Martinho Barbosa e saquearam as residências de: Dr. José Coelho Sobrinho, do médico Dr. José Jorge Almeida, Manoel Pinheiros e do comerciante Júlio Marques entre outras.


Dom Moisés Sinezano Coelho, Bispo de Cajazeiras em 1926

O célebre e afamado Sabino com o seu bando, levou a cidade a viver mais de cinco horas de pavor. Inúmeras famílias, por medo, fugiram para as proximidades do município, pois os cangaceiros não usavam de piedade. A Igreja, na pessoa do Bispo D. Moisés Coelho, tomou como arma a oração pela cidade e pelos cangaceiros, porque afinal os cangaceiros eram filhos de Deus e vítimas das injustiças sociais.

Sabino era pernambucano, veio para Cajazeiras, através do importante político e comerciante, além de ser proprietário do Jornal “O Rebate”, Cel. Marcolino Pereira Diniz, com quem tinha uma forte ligação. Tempos depois trouxe também suas quatros filhas (Maria, Geni, Alaíde – Nazinha - e Maria de Lourdes – Delouza, e a sua mãe, Maria Paulo, à qual as pessoas chamavam carinhosamente de Vó.


Dra.Francisquinha; penultima à nossa direita, por ocasião do Cariri Cangaço

Sabino era um homem cujas decisões se davam pela ponta do punhal ou do rifle. O guerrilheiro Sabino fez a sua historia pelas armas. E a partir do meado da década de 20, no Sertão, uma toada muito conhecida veio a imortalizá-lo.

Lá vem Sabino
Mais Lampião
Chapéu quebrado
Fuzil na mão


Lá vem Sabino
Mais Lampião
Chapéu -de- couro
E Fuzil na mão.

Dra. Francisca Perreira Martins Gomes
Pesquisadora, sócia da SBEC; neta do Cangaceiro Sabino.

Livros consultados:
Carcará – Ivan Bichara
Guerreiros do Sol – Frederico Pernambucano de Melo
A Cajazeiras que Vi e onde Vivi (Memórias) Antonio Costa Assis
Historia da Medicina em Cajazeiras – Luiz de Gonzaga Braga Barreto
Fonte:sbec-mossoro.blogspot.com