Cortar a Cabeça de Cangaceiro...O Por quê ! Por:Iaperi Araujo


Cortar cabeças, ou morte por degola ou a separação da cabeça do corpo é uma prática muito antiga. Ela tem um significado politico, ou seja, o da subjugação do vencido. Sob, o aspecto religioso cristão, a cabeça separada do corpo, não permitiria a ressurreição do morto. A bíblia fala do corte da cabeça de João Batista, a pedido de Salomé. Em Canudos, após a derrota de Conselheiro a degola, foi geral (triste página de nossa história...). Mesmo, após sua morte, foi procedida a exumação e o corte de sua cabeça.
Em 1926, quando da passagem da Coluna Prestes pelo nordeste, ocorreram casos de degola tanto feita pelos revoltosos, quanto pelos legalistas. No cangaço, esse procedimento teve uma ocorrência muito grande, sobretudo na 2ª fase do fenômeno, em que as cabeças eram apresentadas às autoridades, e, os matadores eram promovidos. A ordem era geral, ou seja, matar e trazer a cabeça. 

Cabeças de Serra Branca, Eleonora e Ameaça.
A separação da cabeça do resto do corpo, mutilando-o, fragmenta a ideia da imortalidade. No caso da degola procedida em Angico (morte de Lampião, Maria e mais 9 cangaceiros), por ocasião da degola de MARIA, após o corte da cabeça, alguns policiais informaram que colocaram o dedo no canal medular extraindo parte da massa cinzenta-encefálica.
O próprio Tenente João Bezerra informou que após as mortes de cangaceiros em Angico, as cabeças tiveram que ser cortadas, pois ficava impossível, trazer os corpos em face das dificuldades encontradas.

Professor Iaperi Araujo
Rio Grande do Norte

As Mulheres Cangaceiras Por:Kydelmir Dantas


Num levantamento de mais de 1000 títulos, a maioria no acervo pessoal, são poucas a Mulheres Cangaceiras que foram contempladas pelo ‘jornal do povo’: Os folhetos ou romances de cordéis. Logicamente, a mais ‘biografada foi Maria Bonita, em seguida Dadá e pronto... 

Afora Sila e Lídia, praticamente mais nenhuma teve ‘direito’ a uma biografia não autorizada. Este trabalho, apresenta os nomes de 86 Mulheres que, por qualquer motivo  (amor, aventura, ilusão ou rapto) ingressaram no cangaço a partir de 1930. Foi baseado nas fontes de pesquisas seguintes: 

AMANTES E GUERREIRAS - Geraldo Maia do Nascimento. Mossoró - RN, Coleção Mossoroense, 2016; CANGACEIROS. Élise Jasmin. Terceiro Nome, 2006. DADÁ. José Umberto Dias. Salvador - BA, 1989. DICIONÁRIO BIOGRÁFICO: CANGACEIROS & JAGUNÇOS. Renato Luis Bandeira. Salvador. 2ª ed. 2015; GUERREIROS DO SOL. Frederico Pernambucano de Mello. Recife, 1985; LAMPIÃO: AS MULHERES E O CANGAÇO – Antônio Amaury Correia de Araújo. São Paulo - SP, 1984; LAMPIÃO ALÉM DA VERSÃO: MENTIRAS E MISTÉRIOS DO ANGICO. Alcino Alves Costa. Aracaju – SE. 1999; MARIA BONITA: A TRAJETÓRIA GUERREIRA DA RAINHA DO CANGAÇO. João de Sousa Lima. Paulo Afonso – BA. 2005.

Kydelmir Dantas, autor.
Poeta e Escritor, Sócio da SBEC
Conselheiro Cariri Cangaço 

Turismo Rural:Casarão em Água Branca pode se transformar em Museu

Fazenda Cobra, em Água Branca

Os assentados que residem na Fazenda Cobra, em Água Branca, pedem ao Governo do Estado que transforme o o casarão do lendário coronel Ulisses Luna,  seja transformado em um museu rural para visitação pública. O Casarão tem mais de 150 anos e pertenceu ao colonizador do Sertão de Alagoas Ulisses Luna e atualmente está prestes a desabar necessitando de reparos para continuar de pé.

O imóvel teve seus moveis levados pela família do coronel Ulisses Luna e atualmente o local possui espaço para se implantar um projeto de turismo rural, já que possui área estacionamento nos jardins que ainda tem resquícios do período que o lendário coronel viveu com sua família. Uma pequena capela também existe no local com o túmulos da esposa e da filha do colonizador do Sertão. O velho casarão foi usado também para gravação e várias cenas da novela Velho Chico e filmes e no inicio do seculo 20 abrigou o industrial Delmiro da Cruz Gouveia, que havia fugido de Pernambuco com a filha do governador daquele estado.
O casarão do coronel Ulisses Luna era usado para reuniões políticas daquela região e também foi um dos redutos, que o cangaceiro Lampião nunca tentou tomar ou saquear, pois temia o velho líder político. O casarão, segundo Maria Aparecida Sandes, neta do coronel Ulisses Luna, era uma dos mais belos do Sertão de Alagoas.  Possuía um lindo jardim com muitas rosas e arvores. Ao lado uma capela erguida para as celebrações religiosas da família, principalmente no Natal, quando todos se reuniam. A Capela ainda resiste ao tempo junto com o casarão.
A estrada em frente ao Engenho Cobra era passagem obrigatória dos colonos da época, que tinham o costume de sempre reverenciar o velho líder político. Os homens tiravam o chapéu e as mulheres se inclinavam um pouco, em respeito ao “coroné”, que era o protetor de todos na região. Engenho produzia cana e havia também a criação de gado e cabras e ovelhas.


Coronel Ulisses Luna
Atualmente o antigo Engenho Cobra pertence aos assentados do Movimento Sem Terra. São doze famílias que foram beneficiadas com a propriedade do local que havia sido abandonada pela família do Coronel Ulisses Luna. O imóvel possuía um mobiliário raro do século 19 e inicio do século 20. Peças lindíssimas foram retiradas pela família e levadas, que segundo relatos dos moradores atuais, para o estado do Rio de Janeiro.
Atualmente o velho casarão se encontra em precárias condições, já que é de todo de sapé e possui um sobrado, que pesa sobre a estrutura, precisando urgentemente de reparos. Os lideres do MST, que são hoje os proprietários das terras, utilizavam até pouco tempo atrás, o casarão para o funcionamento de uma escola de crianças, mas diante do perigo de desabamento, as atividades foram suspensas. O local também foi utilizado nos últimos meses como cenário para gravação de cenas da telenovela Velho Chico, da Rede Globo.
Mozart Luna: Jornalista graduado pela Universidade Federal de Alagoas e pós graduado em Gestão Estratégica de Empresas e Markenting pelo Cesmac/Maceió. Exerceu o cargo de coordenador de sucursais da Gazeta de Alagoas e O Jornal.Foi apresentador e diretor executivo do Programa Circuito Alagoas na TV Pajuçara (Record)e TV Alagoas (SBT) durante 11 anos.Atualmente é produtor de programas de televisão e apresentador dos programas de televisão Conheça Alagoas e Conexão Municípios da TV Mar, canal 25 da net. Editor da Coluna Integração da Gazeta de Alagoas,e repórter do Boletim Integração da Rádio Gazeta de Alagoas.
Fonte:http://meioambienteeturismo.blogsdagazetaweb.com/2016/12/06/assentados-cobram-recuperacao-de-casarao-para-se-transformar-em-museu-do-sertao/

Significado Histórico de Lampião e o Cangaço Por:Jadson Oliveira


Como entender hoje, numa realidade social marcada pelo capitalismo neoliberal e globalizado – em crise -, o fenômeno do cangaço que dominou vastas áreas do ainda feudal Nordeste brasileiro de quase 100 anos atrás? Esta questão deve estar rondando a cabeça de intelectuais baianos que vão discutir na manhã do próximo sábado, dia 26, em Salvador, o significado da ação dos cangaceiros, em particular do grupo mais famoso chefiado pelo temido “capitão” Virgulino Ferreira, o Lampião, conhecido como o Rei do Cangaço e considerado por uns como um reles bandido e por outros como o maior guerrilheiro das Américas.
O debate – no auditório 2 (Mastaba) da Faculdade de Arquitetura da UFBa (bairro da Federação), das 8:30 às 13:30 horas – será feito a partir do livro LAMPIÃO, A RAPOSA DAS CAATINGAS, cujo autor, o sergipano residente na capital baiana José Bezerra Lima Irmão, fará a exposição inicial. 

Trata-se dum “alentado livro que deveria ser do conhecimento do público em geral, pelo que traz, nas suas 740 páginas de pesquisa séria, metódica e permeada de ilações de um seguro teor teórico e senso crítico, a par de um estilo literário simples, escorreito e sem as afetações dos escritos acadêmicos, que muito  proveito decerto traria para leitores de todas as idades, etnias e credos políticos e religiosos”.

José Bezerra Lima Irmão e João de Sousa Lima no Cariri Cangaço Piranhas

Tal avaliação é do professor Edmilson Carvalho, que compõe, junto com Jorge Oliver, a Comissão de Organização do evento. Ele diz ainda que o encontro do sábado é uma grande oportunidade “para um velho sonho, sonhado por quantos se dedicam à pesquisa historiográfica do tema do cangaço, por uma ótica renovada, a saber, inserida num contexto de uma sociedade em crise, na qual os mais diversos segmentos da sociedade jogam suas propostas sobre a mesa para o debate”.

Devem participar da discussão reconhecidos representantes da intelectualidade baiana, alguns deles com vasta bagagem em pesquisas e obras relacionadas com o assunto – e correlatas como é o caso da Guerra de Canudos. Dentre eles, Valdélio Silva, Sérgio Guerra, Oleone Coelho Fontes e José Guilherme da Cunha.

Ao apresentar seu livro no blog raposadascaatingas.blogspot.com.br , o autor diz, em texto datado de abril de 2014, que ele é fruto de 11 anos de pesquisas e mais de 30 viagens por sete estados do Nordeste. Explica que “analisa as causas históricas, políticas, sociais e econômicas do cangaceirismo no Nordeste brasileiro, numa época em que cangaceiro era a profissão da moda”.

E arremata: “Lampião iniciou sua vida de cangaceiro por motivos de vingança, mas com o tempo se tornou um cangaceiro profissional – raposa matreira que durante quase 20 anos, por méritos próprios ou por incompetência dos governos, percorreu as veredas poeirentas das caatingas do Nordeste, ludibriando caçadores de sete estados”. 

Faz 78 anos que Lampião (teria então 40 anos de idade), sua mulher de apelido Maria Bonita e componentes do seu bando foram mortos. Embora haja controvérsias, a história oficial registra que foram vítimas duma emboscada comandada pelo tenente João Bezerra, da polícia de Alagoas, no local denominado Angicos,  sertão de Sergipe, ao amanhecer do dia 28 de julho de 1938.

Jadson Oliveira é jornalista
http://midialampiao.com.br/2016/11/23/intelectuais-baianos-aprofundam-significado-historico-de-lampiao-e-o-cangaco/

Revivendo a Intrigante Maranduba Por:Manoel Severo

Juliana Pereira e Alcino Costa e a Caravana Cariri Cangaço na Maranduba

Na semana passada, dia 26 de novembro, revivemos a grande batalha da Serra Grande, em seus 90 anos de história, sem dúvidas um marco dentro da historiografia cangaceira. Dentre outros registros tivemos a expedição dos confrades Louro Teles e Marcelo Alves, artigo postado neste mesmo blog. Quando falamos em Serra Grande, nos remetemos invariavelmente a outros dois combates célebres: Serrote Preto e Maranduba, que formam o mais famoso triunvirato  dos confrontos entre o rei vesgo, Lampião e as forças volantes...

Permitam nos transportar para as terras áridas da acolhedora Poço Redondo em Sergipe; berço do querido e inesquecível Alcino Alves Costa, patrono do Conselho Consultivo do Cariri Cangaço; ali, quando ainda era Porto da Folha, está localizada a Fazenda Maranduba, onde em janeiro de 1932 teríamos o emblemático "combate da Maranduba". "Nunca vi tanta bala como em Maranduba..." confessa Manoel Neto, o "Mané Fumaça" Nazareno...

Estive em Maranduba por quatro vezes; 2009 e 2010 ao lado de Alcino Alves Costa e ainda no carnaval de 2012 em Caravana Cariri Cangaço, ao lado do mesmo Alcino, Juliana Pereira, João de Sousa Lima, Aderbal Nogueira, Múcio Procópio, Lívio Ferraz, Afrânio Gomes e Luiz Camelo, depois mais recentemente em grande visita com mais de 150 pesquisadores durante o Cariri Cangaço Piranhas 2015, tendo a frente Archimedes e Elane Marques.

 Fazenda Maranduba e os Umbuzeiros históricos...
 Manoel Severo e a Cruz dos Nazarenos... 

A literatura do cangaço, a partir de pesquisas dedicados e criteriosas de vários escritores, vaqueiros da historia , como também depoimentos de remanescentes do fenomenal "fogo da Maranduba" nos trazem um cenário e um desfecho extremamente surpreendentes. As circunstancias tanto anteriores, como o próprio fogo e suas consequências nos colocam mais uma vez diante de um dos mitos do cangaço: A genialidade de Virgulino Ferreira da Silva

Maranduba ficou célebre na historia do cangaço e na memória de quem viveu o episódio, vamos recorrer a relatos de contemporâneos dos acontecimentos “uma coisa que foi muito comentada e com curiosidade, foi que no local em que aconteceu o fogo de Maranduba, durante vários anos, das árvores e dos matos rasteiros não ficaram folhas. Tudo era preto, como se tivesse passado um grande fogo. As árvores ficaram completamente descascadas de cima abaixo, de balas”, verdadeiramente um cenário de guerra...
 Escombros da antiga casa da Fazenda Maranduba
 Aderbal Nogueira, Lívio Ferraz, Afrânio Gomes e Mucio Procópio na 
Caravana Cariri Cangaço na Maranduba. 

Como em Serra Grande, o que poderia ter sido determinante para a fragorosa derrota das forças volantes em Maranduba ? Mesmo de maneira empírica, ficamos por várias horas olhando aquela imensidão de caatinga, relva rala, vegetação rasteira e mesmo compreendendo as mudanças que o tempo invariavelmente impôs ao lugar, parecia que era realmente uma loucura a investida do grupo militar em circunstancia tão adversa de terreno e localização. Será que mesmo depois de tanto tempo perseguido e combatendo Lampião, homens experimentados como Manoel Neto, Liberato de Carvalho, Zé Rufino dentre outros valorosos volantes, haveriam de mais uma vez menosprezar a capacidade estratégica de combate do rei dos cangaceiros ?

Pouco tempo antes havíamos tido o episódio das "ferrações" na vizinha Canindé do São Francisco, tendo como personagem principal Zé Baiano. Será que a perversidade do selvagem ato dos cangaceiros unido ao cansaço de longa perseguição ao bando acabou de alguma forma interferido na lucidez e zelo dos comandantes das tropas diante da eminente possibilidade de "pegar" Lampião ? Novamente o fator numérico se fez de rogado e a superioridade numérica dos soldados não se mostrou eficaz...

Manoel Neto

Muito se fala do espetacular senso estratégico de Virgulino, sua sagacidade em combate e sua lucidez que acabam se confirmando novamente em Maranduba. O confronto se deu lá pelo meio dia e se prolongou até o final da tarde. Relatos indicam que o bando estava se preparando para comer distribuídos entre os sete famosos umbuzeiros e as pias; depressões naturais nas rochas; fonte preciosa de água . Até que ponto e em que momento crucial Lampião identificou a aproximação das volantes e que tempo teve para "arquitetar" a ação de seus homens ? Em nossas visitas ficávamos a imaginar como poderia ter se dado...

Mané Neto comandava seus homens, dentre esses; inúmeros Nazarenos, já cansados da longa jornada desde Jatobá e estavam na vanguarda do combate. Em seguida se aproximavam os baianos de Liberato de Carvalho, dentre esses, Zé Rufino, que estavam na Malhada da Caiçara quando souberam do acontecido em Canindé ... As tropas desesperadas no encalço de Lampião acabariam envolvidas pelo gênio beligerante de Virgulino que acabou deixando os soldados sob várias linhas de tiro e que durante cerca de cinco horas haveriam de decretar mais uma vexatória derrota das volantes.

Ex-Cangaceiro Ângelo Roque

Vamos nos remeter ao depoimento de Labareda; cangaceiro Ângelo Roque que participou nesta batalha, prestado a Estácio Lima e publicado no livro O Mundo Estranho dos Cangaceiros, descreve o que aconteceu, neste dia, no seu linguajar típico: “... Nóis cheguêmo na caatinga de Maranduba, pru vorta di maio dia, i tratemo di discansá i fazê fogo prôs dicumê, i nóis armoçá. Mas a gente num si descôidava um tico, i nóis sabia qui as volante andava pirigosa. Inquanto nóis discansava, botemo imboscada forte, di déiz cabra pra atacá us macaco qui si proximasse. Nóis cunhicia us terreno daqueles mundão, parmo a parmo. Us macaco num sabia tanto cuma nóis. Todos buraco, pedreguio, levação, pé di pau, pru perto, nóis sabia di ôio-fechado, i pudia tirá di pontaria sem sê vistado. Nisso, vem cheganou’a das maió macacada qui tivemos di infrentá. I us cumandante todo di dispusição prá daná: Manué Neto, qui us cangacêro tamém chamava Mané Fumaça, Odilon, Euclides, Arconso e Afonso Frô. Tamém um Noguêra. Nesse bucadão di macaco tava u Capitão ou Tenente Liberato, du izérto. Dizia us povo qui ele era duro di ruê. I era mesmo. Brigava cuma gente grande, i marvado cumo minino. Mas porém, valente cumo u capêta. Di nada sirvia a gente gostá i tratá com côidado um mano qui êle tinha na Serra Nêga. Essa Força toda dus macaco si pegô mais nóis na Maranduba. Nóis era trinta e dois cabra bom. U Capitão Virgulino tinha di junto, nessa brigada, us principá cangacêro: Virgino, Izequié, Zé Baiano, Luiz Pêdo, i seu criado Labareda. Dus maiorá só fartava mesmo Curisco sempre gostô di trabaiá sozinho, num grupo isculido dicangacêro, mais Dadá. Briguemo na Maranduba a tarde toda i nóis cum as vantage cumpreta das pusição, apôis us macaco num pudia vê nóis. A volante di Nazaré deve tê murrido quaji toda. Caiu, tamém, matado di ua vêis, um dus Frô, qui si bem mi alembro, foi u Afonso. Cumpade Lampião chegô pra di junto do finado i abriu di faca a capanga dêle, i achô um papé qui tinha iscrito um decreto dizeno qu ele já tinha dado vinte i quatro combate cum u cumpade Lampião. Veio morrê nu vinte i cinco. A valia qui tivemo nessa brigada foi us iscundirijo. Morrero, aí, trêiz cangacêro i trêiz ficô baliado. Us istrago qui fizemo nessa brigada foi danado ! Matemo macaco di horrô !”

Alcino Alves  Costa e Manoel Severo, retornando da Maranduba ainda em 2009.

O olhar sereno e perdido do mestre Alcino Alves Costa, parecia vislumbrar as nuances e detalhes da batalha, a qualquer momento poderíamos ouvir os estampidos do emblemático confronto. E o Caipira de Poço Redondo confessa: "Severo, esse Virgulino era mesmo genial !" E humildemente precisei me render ao velho amigo.

Hoje Maranduba mantem os velhos umbuzeiros, testemunhas mudas da grande batalha, do horror e da genialidade do rei Lampião, ali ainda podemos ver a "Cruz dos Nazarenos", onde foram sepultados 4 homens de Nazaré: Hercílio de Souza Nogueira e seu irmão Adalgiso de Souza Nogueira (primos dos irmãos Flor), João Cavalcanti de Albuquerque (tio de Neco Gregório) e Antônio Benedito da Silva (irmão por parte de mãe de Lulu Nogueira, filho de Odilon Flor).

Alguns Flagrantes do Cariri Cangaço Piranhas 2015 em visita a Maranduba

Vendo de perto a lendária Maranduba, sua geografia, vegetação, pisando aquele chão, vendo in loco como as tropas da policia se posicionaram e se aproximaram, o recuo estratégico dos cangaceiros;  o cerco, a emboscada, só assim, vamos entender o quanto foi surpreendente o desempenho e a resistência dos 32 homens de Virgulino contra as forças de baianos e pernambucanos de Manoel Neto e Liberato de Carvalho. Realmente a intrigante Maranduba ficou para a história...

Manoel Severo
Curador do Cariri Cangaço

Lampião na Serra Grande Por:Louro Teles

Quando celebramos os 90 anos do Combate de Serra Grande e após a Expedição dos confrades Louro Teles e Marcelo Alves, nos permitam rever um momentos marcantes referentes a esse que sem dúvida se configurou como o maior combate do cangaço.


Fonte: Youtube

Expedição Serra Grande , 90 Anos de História Por:Marcelo Alves

Louro Teles e Marcelo Alves na Serra Grande

No dia 26 de novembro de 1926 por volta das 8:00 da manha se dava início ao maior combate da história do Nordeste... Os livros falam que Lampião contava com aproximadamente 60 cangaceiros porém em pesquisa local do amigo Louro Teles o número era um pouco maior e cada um verá no seu livro que será lançado em breve.
Se Falando em cangaço e dos combates seria impossível não mencionar o episódio de Serra Grande, pois esse foi a maior vitória de um grupo cangaceiro sobre uma volante da história. E para homenagear o aniversário de 90 anos do combate iremos narrar aqui essa subida:
Por volta das 5:00 da manha se deu a arrumação das coisas: água, gandola do exército, chapéu e muita disposição, e saí de Princesa Isabel-PB onde dormi com destino a Calumbi-PE que tem distância aproximadamente de 35 KM e logo observamos a obliquidade de diferentes serras por todo o caminho.


 Marcelo Alves e Louro Teles rumo a Serra Grande 
Chegando em Calumbi fui direto ao encontro do amigo Louro. Logo observei que dentro de Calumbi ou ele era dono de tudo ou era a família por que tudo tinha seu sobrenome. Teles bar... Farmacia Teles... Etc.
Saindo de lá Louro foi mostrar uma região onde se deu o trajeto de Lampião até chegar na serra. De lá voltamos até Calumbi e lá atravessamos a pista onde paramos o carro pois de lá não existia mais acesso pois havia sido construído uma ferrovia. Então trilhamos o resto do percurso a pé e de motocicleta até as proximidades do pé da Serra Grande.
Chegando lá nosso ponto de parada foi no juazeiro das 7 covas, como assim é chamado pois depois do combate foram enterrados 10 volantes sendo 7 deles numa cova coletiva e que haviam sido mortos em combate. 

Então começamos o trajeto feito pelos volantes até chegar ao topo da serra, primeiramente fizemos entender os trajetos feito pelo tenentes Arlindo rocha que pegou a direção da beira do Boqueirão e onde existia um olho d'Água e não existia saída sendo então denominado de curral das volantes. Diz-se que o trajeto de Arlindo rocha até o curral foi cantado e "aboiado" pelos cantos e tiros do cangaceiro Genesio vaqueiro que aos berros animava os outros cangaceiros e amedrontava e aterrorizava a volante de Arlindo que teimava em querer subir . Já o outro trajeto foi do tenente Manoel neto que pegou rumo a subida por uma região de mais difícil acesso sendo ambos os tenentes logo baleados no início do combate, Arlindo levou um tiro de fuzil a nível da boca e Manoel neto nas pernas. Dizia-se que Lampião gritava pra não matarem Manoel neto e que era pra pegar ele vivo . Então seguimos subida fazendo a pesquisa e sempre encontrando objetos como chumbada, espoleta, casca de fuzil ano 1912e 1913, que foram doados pelo padre Cícero a época e por isso Lampião estava tão bem armado, casca de bala 44 que eram das volantes, um botão de gandola, uma presilha acessória de oficial, etc. 


Tnascrição do telegrama de Theophanes Torrres, para o Comando da Força, por Geraldo Ferraz: "Boletim Geral nº 262, dia 01 de dezembro - Serviço para 02. Telegrama (grafia da época):

Villa Bella,30. Communico-vos fallecimento tiroteio Serra Grande 26 mez findo soldados seguintes:
Destacamento de Salgueiros - 3º Batalhão Luiz Torres Bandeira, Severino Pereira da Silva, Pedro Aureliano da Silva e Targilindo Rocha; ainda do 3º Octavio de Sá Araujo, pertencente força Tenente Lemos; 
De Floresta, ainda da referida unidade, soldados João Terto, de Afogados de Ingazeira e José Dias dos Santos, de Villa Bella, Angelo Ignacio da Silva que era o bravo insubstituivel rastejador e ainda do 3º Batalhão soldados José Arconcio dos Santos e Antonio Braz de Lima, ao todo 10 homens.
Foram feridos mesmo combate bravo 2º Sargento Arlindo Rocha e Cabo Manoel de Sousa Netto aquelle de Salgueiros e este de Floresta ambos inspirando cuidado estado saude. Feridos gravemente soldados do 2º Batalhão Vicente Ferreira de Lima, destacado em Villa Bella, dito do 3º Eduardo Pinheiro de Sousa da Força do Tenente Lemos, de Salgueiros ditos Cicero Aristides Pereira pertencente Força auxiliar Sargento Arlindo Rocha, dito da C.M.M. José Francisco Bezerra aqui estacionado. Feridos levemente ditos do 3º José Caetano de Sousa, Antonio Alves de Lima, aqui destacados, Florentino Fernandes da Silva, pertencente Salgueiros, Agamenon Coelho Magalhães, pertencente Triumpho e 2º Sargento José Olinda de Siqueira Ramos, pertencente a Afogados de Ingazeira, ao todo 14 feridos. Saudações. Major THEOPHANES TORRES. Commandante Geral Forças Interior.”

 
 Expedição a Serra Grande e reliquias da batalha de 1926
 
 


Na subida sempre destacamos o difícil acesso e a diversidade da fauna e da flora da caatinga, encontramos uma diversidade de plantas típicas como favela, palmatória, xique-xique, mandacarú, quipá, etc. E de animais encontramos um bando de macacos pregos que estavam se alimentando e quebrando o coco catolé, além de uma cobra corredeira que estava engolindo uma lagartixa, resquícios de alimentação de porcos caititu, e uma diversidade de pássaros como Gavião carijó, gavião carcará, cancão , casaca de couro, galo de campina, golados, maria fita, etc.

Casa do Srº Francisco Braz no Sitío Tamburil,para onde foram levados os soldados baleados na Serra Grande e neste pilão foram preparadas as primeiras doses de remédio para os soldados feridos, todos os pintos do terreiro foram pisados com água no pilão e dado para os soldados beberem.

Há 90 anos este lugar foi marcado como o cenário da maior batalha do cangaço, neste juazeiro foram sepultados os 10 soldados mortos neste confronto 7 deles em uma cova coletiva .

Então seguimos a subida até chegar ao topo da serra onde observamos o ponto estratégico que Lampião ficou onde existia um olho d'Água e que dava pra observar toda a região. Além de ver o local que manteve o seu refém o "Mineirinho". Lampião ainda pós término do combate e com o escurecer da noite desceu pra sangrar todos os volantes feridos e que haviam ficado embaixo Pós combate. 

Depois na mesma noite desceu pelo outro lado da serra e esperou todo o grupo se juntar novamente e tiraram sentido a Betânia-PE sendo finalmente o mineirinho libertado. Lampião voltou então para um conjunto de serras no sentido Flores-PE/Calumbi-PE onde permaneceu até por volta do dia 08 de dezembro de 1926 enganando assim todas as tropas que achavam que ele estava no rumo de Betânia.




Marcelo Alves, pesquisador
Paraiba

Um Brinde ao Cariri Cangaço Por:José Cícero


José Cícero, Adailton Macedo e Manoel Severo no Cariri Cangaço Aurora 2013

Que bom que AURORA já se inseriu definitivamente na rota de discussões do Seminário Cariri Cangaço; inclusive como protagonista, dado os acontecimentos que até hoje marcam a própria história do Cariri. Trata-se por conseguinte de um dos eventos privados de cunho colaborativo de maior conceito e relevância no cenário nordestino no que se refere à história, a cultura e outros temas afins que permeiam até hoje o cotidiano do Nordeste brasileiro. Discussões temáticas e visitações técnicas que na sua grande maioria não se passam na mídia convencional que, por uma série de interesses alheios à sociedade foram durante muito tempo colocados à margem da verdade e do nosso dia a dia.


Razão porque o Cariri Cangaço é agora um acontecimento sem fronteiras, cuja missão é fazer com que a geração hodierna possa conhecer, estudar, resgatar a sua própria história. Um verdadeiro grito de "Basta" à chamada memória do esquecimento. Por isso o sucesso. Momento em que centenas e centenas de pesquisadores, estudiosos, acadêmicos, escritores e demais aficcionados dos temas sertanejos e nordestino(a exemplo do Cangaço) acorrem todos os anos a este evento singular para prestigiarem de perto todas as discussões pertinentes. Diria, por fim que, cada um que participa do seminário Cariri Cangaço onde quer que aconteça, há de retornar como um pouco mais de conhecimento na bagagem. Eis o grande barato deste evento magno e inteligente, cuja realização não está baseado em nenhuma forma de lucro ou vantagens dos seus idealizadores. 

Caravana Cariri Cangaço no Tipi de Marica Macedo, Aurora em 2013

Que os deuses da sabedoria façam com que Aurora e o Cariri Cangaço consigam prosseguir de lanterna em popa iluminado os caminhos e os rastros da nossa história; prestando assim um imenso serviço a nossa sociedade contemporânea. Notadamente porque a nova geração não há de aceitar tão facilmente, a morte da história. Oxalá!


José Cícero Silva, Sec. de Cultura e Turismo - Aurora - CE
Pesquisador, escritor, poeta - Conselheiro Cariri Cangaço

Dona Chiquinha Pereira Por:Jorge Remígio

Relembrando o memorável Cariri Cangaço 2013, no município de Barro, quando o Conselheiro Cariri Cangaço, Jorge Remígio, prestava homenagem a Dona Chiquinha Pereira, por ocasião da inauguração de monumento na Praça do Santuário de Barro.



Fonte: Youtube

Coronel João de Sá e a Fazenda Nossa Senhora de Brotas


A Fazenda Nossa Senhora de Brotas, que pertenceu ao poderoso coronel João Gonçalves de Sá e abriga a capela em homenagem à santa e a antiga mansão do mais conhecido chefe político de Jeremoabo tem destino incerto. Desde que foi comprada pelos empresários Marco Dantas, Deri e Beto do Caju não se sabe o que será feito com este patrimônio histórico e cultural.

Quando a fazenda instalada em terras registradas desde o século 17 foi vendida na primeira década dos anos 2000, circulou na cidade que ela seria transformada em universidade e museu. A realidade hoje é bem diferente. O local foi loteado e estão sendo construídas imóveis que serão colocados à venda no entorno da parte histórica, onde está a Mansão dos Sá e a Capela de Nossa Senhora de Brotas.

De acordo com o ex-secretário de Educação do município, Pedro Son, a prefeitura deveria ter comprado a propriedade há anos, mas isso não foi feito. Pedro cogita que os donos da fazenda pretendem ganhar tempo para negociar com o município a residência do coronel, que está fechada e tem partes em ruínas, e a igrejinha. Na fazenda, um vigia, que também coordena as obras em andamento, informa que os patrões estão viajando e que não sabe o que será feito do local, onde a visitação é permitida.

A história do que viria a ser a fazenda dos Gonçalves de Sá começou no início do século 17 quando foi construída a primeira capela de Nossa Senhora de Brotas. No local, padres catequisavam os índios. Em março de 1669, porém, Francisco Dias D’Ávila, neto de Garcia D’Ávila, que chegou à Bahia com Tomé de Souza e tomou posse das terras que margeavam o rio São Francisco, estendendo-se para o norte pelos sertões de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, incendiou a igreja. A ação foi represália aos missionários que se recusavam a escravizar os indígenas.
Por volta de 1778, quando a freguesia de São João Batista de Jeremoabo do Sertão de Cima possuía apenas 32 casas e 252 habitantes – apenas cinco eram brancos – uma nova igreja dedicada à mesma santa servia como local de refúgio e devoção para os escravos.
De mansão construída ao lado da capela, João Sá (1882-1958) avistava toda a dimensão de seu canavial. Sua casa também servia de palco de grandes festas e para receber visitantes ilustres trazidos do Rio de Janeiro pelo filho do coronel. Um deles, foi o médico e compositor mineiro Joubert de Carvalho, que passou uma temporada em Jeremoabo, compôs o hino da cidade e teria se apaixonado pela filha do coronel.
O coronel João Gonçalves de Sá também ficou conhecido por ser um dos mais importantes “coiteiros” de Lampião e seu bando. Com patente da Guarda Nacional, exercendo o cargo de deputado estadual pelo PSD (depois seria prefeito de Jeremoabo), Sá conheceu o cangaceiro na localidade de Sítio do Quinto, quando viajava para Salvador, em 1928. Lampião propôs que ele e o pai, Jesuíno Martins, fizessem parte de sua rede de protetores em troca de favores. Pediu também 200 mil réis, que foram dados pelo coronel.
A partir daquele momento, toda vez que o cangaceiro chegava em Jeremoabo, se escondia por trás da serra numa caverna e mandava seus homens buscarem mantimentos para o bando na propriedade do coronel. O político tirava vantagem do acordo feito com Lampião. Segundo moradores mais antigos da cidade, Sá mandava o cangaceiro ameaçar os fazendeiros que se recusavam a vendê-las por baixos valores. A opção era entregar a propriedade ou morrer.

Foto de Paulo Oliveira -Fonte: meussertões.com.br

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Brigas entre Famílias no Brasil Colônia Duram até Hoje Por:Moacir Assunção

Moacir Assunção

Largo da Matriz, São Paulo de Piratininga. Naquela manhã de fins de agosto de 1640, gritos e impropérios trocados entre dois homens poderosos, Pedro Taques e Fernando de Camargo, o Tigre, tomam o centro da vila, transformada rapidamente em um campo de batalha. Parentes, agregados e índios - escravos das famílias Pires, à qual Taques era ligado, e Camargo - juntam-se à contenda e enfrentam-se armados de espadas, lanças e adagas. A pancadaria invade becos e largos vizinhos num torvelinho de sangue. "De repente era Romeu e Julieta, Ato I, Cena I", afirma Roberto Pompeu de Toledo em A Capital da Solidão - Uma História de São Paulo das Origens a 1900.

Há vários mortos e feridos, mas os brigões originais escapam ilesos. Ambos representam os mais importantes clãs da região, chefes políticos e militares, donos de enormes fazendas de trigo na serra da Cantareira. A rivalidade na disputa pelo comando da Câmara era a razão primeira do conflito. Um ano depois, distraído, conversando com um amigo ao lado da mesma igreja, Taques foi morto pelo Tigre com um golpe de adaga nas costas.

A contenda entre os Pires e os Camargos se arrastaria por duas décadas. E é só a primeira de sucessivas lutas sangrentas entre famílias na história do Brasil. Principalmente no período colonial, por causa da distância da metrópole portuguesa e da influência limitada de seus representantes, em muitos casos cabia aos "sobrenomes" aplicar alguma forma de justiça. Segundo o sociólogo Luiz da Costa Pinto, autor de Lutas de Famílias no Brasil, a coroa tinha sérias dificuldades para impor sua vontade no vasto território brasileiro. Especialmente no sertão, a vingança privada se sobrepunha com sobras à atuação da administração colonial, concentrada nas capitais e cidades litorâneas.

Havia uma hipertrofia de clãs ligados por laços de sangue. Os mais poderosos montavam verdadeiros exércitos particulares de escravos negros e índios, muito bem equipados e armados, para fazer valer seus interesses uns sobre os outros.


Perto de 1650, outro episódio levou a rixa entre os Pires e os Camargos ao ápice. (Dizem que o ódio dos últimos era tanto que nas suas casas os adereços de louça usados sob as xícaras de café foram abolidos). No início das festas de entrudo (o avô do Carnaval), o jovem Alberto Pires brincava com sua mulher, Leonor de Camargo Cabral, quando, sem querer, matou-a com uma pancada na testa. Para encobrir o crime, convidou o cunhado, Antônio Pedroso de Barros, bandeirante casado com sua irmã, para visitá-lo e partilhar a diversão. Quando apontou na entrada da fazenda, Antônio foi morto numa tocaia, a disparos de bacamarte, e seu corpo arrastado para o lugar onde estava o de Leonor. Alberto, então, chamou os familiares e mostrou os dois cadáveres, dizendo que os flagrou em adultério e matou para limpar a honra. Os Pires até aplaudiram o feito. O assassino era filho de Inês Monteiro de Alvarenga, a Matrona, e Leonor, sobrinha do Tigre. Os Camargos, irredutíveis e dispostos a vingar a morta, sitiaram a fazenda de Inês em Juqueri, aliados aos Barros. Queriam sangrar Alberto "ou pelos fios do ferro das espadas ou pelas bocas das espingardas", no relato do cronista do século 18 Pedro Taques de Almeida Pais Leme, descendente do homônimo citado alguns parágrafos antes.

A viúva Matrona apareceu na porta empunhando um enorme crucifixo de ferro e pediu, em lágrimas, que seu filho fosse poupado. Os membros do cerco acabaram aquiescendo e somente prenderam Alberto para que o Tribunal da Relação, em Salvador, o julgasse. Acompanhado por alguns inimigos, o assassino foi levado a Santos, de onde partiria de barco para a Bahia. Nesse ínterim, sua mãe, a cavalo, juntamente com a milícia particular, se preparava para, quem sabe, resgatá-lo em Parati, onde a barcaça pararia antes de seguir viagem. Ao ter notícia da chegada da mulher, os Camargos enforcaram o assassino e o jogaram ao mar.

A partir daí, era a guerra. A capitania de São Paulo dividiu-se em duas tal o poder dos rivais. Só em 1660 o representante d’el Rei, o ouvidor Pedro de Mustre Portugal, conseguiu fazer os líderes Fernão Dias Pais, o caçador de esmeraldas, e José Ortiz de Camargo assinarem um acordo efetivo de paz. Nele estava expresso que os clãs, esgotados pela batalha, repartiriam igualmente os cargos na Câmara e o controle da vila. Um grupo de Camargos já havia se deslocado para a vizinha Santana de Parnaíba e para Taubaté na tentativa de se afastar da polêmica.


As guerras de famílias, marcas distintivas de sociedades rurais, são tão velhas quanto a Humanidade. No sul brasileiro, os estudiosos deram às disputas o nome de vendeta, numa referência aos episódios da tradição europeia, ocorridos principalmente na Itália, Córsega e Espanha. No Nordeste, chamam-se questão ou guerras de parentelas e se faziam em brigas por terras, aguadas (cursos de água), poder político ou em razão de desfeitas de um líder a outro. "Nessas regiões, o Estado não estava presente. São áreas distantes, de difícil acesso. O poder estatal (colonial, imperial ou republicano) só aparece em momentos de crise. O poder central e suas instituições são vistos como algo externo àquelas comunidades", afirma o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

No século 18, entre muitas ocorrências, estranharam-se Montes e Feitosas, do sertão dos Inhamuns, no Ceará. O líder dos primeiros era o capitão-mor Geraldo de Monte Silva, de Penedo (AL), que arrebanhou, a troco de presentes, um grande número de tribos a seu serviço. Entre os adversários, o pernambucano Lourenço Alves Feitosa dava as ordens. Ligados por laços de casamento, os clãs logo se desentenderam numa disputa de terras e "por razões de negócio de honra de família", escreveu o sociólogo Costa Pinto. Francisco Feitosa firmou aliança, então, com os índios jucás. Os índios inhamuns, por sua vez, integravam a vasta clientela dos Montes e, ao lado deles, lutaram com grande valentia.

A disputa perdurou por quase todo o século. De tão renhida, mudou até o nome de acidentes geográficos da região. Um atentado contra o ouvidor José Mendes Machado, que deu a vitória final na Justiça aos Feitosas, fez com que o lugar do ocorrido ficasse conhecido como Emboscada - até hoje. Não foi o único. Também há registros de paragens com os curiosos nomes de Riacho de Sangue, Riacho do Juiz (onde foi atacado pelos Montes outro magistrado tido como parcial aos Feitosas) e o sítio das Tropas, entre outros. Em uma das batalhas mais violentas, na fazenda das Cabaças, no Piauí, nove integrantes da família Monte foram mortos de uma só vez.
Pernambuco é, talvez, o estado onde mais houve lutas de famílias. E a mais famosa só terminou recentemente, em 1981, e opôs os Alencares aos Sampaios e Saraivas, em Exu, na fronteira entre o Ceará e o Piauí. Iniciada em 1949, quando José Aires de Alencar, o Zito, matou Romão Sampaio Filho, o coronel Romãozinho, depois de uma discussão banal, a contenda entre os ricos grupos levou a 33 mortes de ambos os lados. Houve vítimas no Recife e no Rio de Janeiro, numa demonstração de que a rixa não tinha fronteiras. A pedido do rei do baião Luiz Gonzaga, parente distante dos Alencares, o então vice-presidente da República, Aureliano Chaves, acionou o governador, Marco Maciel, que mandou desarmar os representantes de cada lado uma semana depois do apelo.

Em Recife, ainda sem saber de nada, Gonzagão foi desaconselhado por um amigo a viajar para Exu: "Não vai não, que os caras lá tão querendo te capar". As tropas estaduais haviam acabado de invadir as fazendas para recolher armas. O sanfoneiro deplorou a guerra na música Rio Brígida. Antes da intervenção estadual, um acordo entre as famílias, patrocinado pelo arcebispo primaz do Brasil, dom Avelar Brandão Vilela, havia suspendido as hostilidades só por dois meses. Outra tentativa, feita pelo Exército, também tinha fracassado. Em 1990, o prefeito José Peixoto de Alencar foi o primeiro a terminar o mandato na cidade sem registro de mortes.


Cerca de um século antes, desde 1894 até 1923, enfrentaram-se os Pereiras e os Carvalhos na terra natal de Lampião, Serra Talhada. Os primeiros descendiam de Andrelino Pereira, o barão de Pajeú, enquanto os demais eram prósperos comerciantes e fazendeiros. "Em geral, as lutas terminam pela exaustão econômica de um dos contendores ou por mudança no zoneamento. Na guerra entre os Pereiras e os Carvalhos, por exemplo, os Pereiras acabaram se fixando no campo, enquanto os Carvalhos se tornaram mais urbanos e mercantis, passando a viver na cidade", diz o historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor de Guerreiros do Sol, que trata do banditismo nordestino.

Entrevistado pelo pesquisador Leonardo Mota na Penitenciária de Fortaleza, um Pereira, preso acusado de matar um dos desafetos, resumiu assim a situação: "Só possuo uma vida e essa é livre. Sou homem de honra e acostumado a falar de cabeça erguida. Essa primeira humilhação que estou sofrendo não me enfraquece e não há governo que dê jeito na minha luta com os Carvalhos. Isso é uma questão de sangue! Só quando Deus acabar com o último Pereira é que Carvalho deixa de ter inimigo nesse mundo. O senhor quer saber de uma coisa? Lá no meu Pajeú, quando um menino da família Pereira começa a crescer, vai logo dizendo: tomara já ficar homem para dar cabo de um Carvalho. A mesma coisa dizem os meninos deles". E nem parentes em comum eram capazes de interromper esse ciclo vicioso. O que, aliás, se repetia nas contendas de muitas outras famílias.
Iniciada em 1913, a guerra entre os Novaes e os Ferraz, em Floresta do Navio, também levou a várias mortes. Em 2000, o assassinato do soldado da Polícia Militar Carlinhos Novaes (em represália à execução do prefeito Oscar Ferraz Filho) parece ter sido o último lance do conflito. Para Mello, o caso diverge um pouco dos anteriores porque é mais uma disputa política que de sangue. Até hoje, na Igreja do Rosário de Floresta, Ferraz se sentam à direita e Novaes à esquerda. Mas, como prova de pacificação, a atual prefeita chama-se Rosângela Maniçoba Novaes Ferraz. "Faço questão de dizer que sou Rorró Maniçoba. Essa briga entre as famílias é de um pequeno grupo. Não faço parte dessa rixa", afirma a primeira mulher a comandar a cidade, no sertão do rio São Francisco.
Também duelaram em Pernambuco Morais e Cabrais, em Garanhuns, e Honoratos e Barros, no sul do estado. Omenas e Calheiros lutaram em Alagoas, assim como os Fortes Nunes e os Maltas. No Ceará, além dos Montes e Feitosas, combateram Mourões contra Moquecas e os Geraldos e os Leites. Brilhantes e Limões e Viriatos e Morais brigaram no Rio Grande do Norte, Cavalcanti Aires e Nóbregas combateram na Paraíba e os Maias estranharam-se com os Suassunas no eixo CE, RN e PB. No Sudeste, em Patos de Minas (MG), há registros de embates sangrentos entre Barcelos e Quintinos.

Há uma relação das lutas entre famílias com a milenar Lei do Talião, o "olho por olho, dente por dente"? O historiador Frederico Mello explica: "A guerra entre clãs é mais primitiva ainda, até porque a desproporção entre a ofensa e a vingança é muito grande. Em pouquíssimas ocasiões, o dano causado ao inimigo não superou a perda inicial".



Alguns dos principais personagens da historiografia sertaneja estiveram, de uma forma ou outra, envolvidos em lutas de famílias. Virgulino Ferreira da Silva apoiou os Pereiras em sua luta contra os Carvalhos em Serra Talhada. A própria trajetória de Lampião no cangaço se iniciou após uma questão entre sua família, Ferreira, com os vizinhos Barros, mais conhecidos como Saturninos e aliados dos Carvalhos. Já os Ferreiras tinham parentesco com os Pereiras. Também o cangaceiro potiguar Jesuíno Brilhante se iniciou no banditismo após matar Honorato Limão. A vítima era líder de uma família rival, em guerra contra os Calados, clã do qual Jesuíno fazia parte. Antonio Silvino, antecessor de Lampião, cujo nome verdadeiro era Manuel Batista de Moraes, foi outro que estreou no cangaço por questões de parentela. Antonio Vicente Mendes Maciel, o Antonio Conselheiro, antes de se tornar líder messiânico, esteve indiretamente envolvido na luta entre os Maciéis e os Araújos em sua Quixeramobim natal. Os Araújos eram uma família poderosa da região que, súbito, viu seu poder ser contestado pelos rivais, gente pobre, mas valente.

O Gênesis, no Antigo Testamento, descreve a vingança radical de Simeão e Levi contra Sichem, filho de Menor, que deflorou Dinah, filha de Jacó. Os irmãos da moça trucidaram a família do infeliz. Confúcio, o sábio chinês, estabelece em suas prédicas: "Não vivas sob o mesmo céu com o assassino do teu pai; se o encontrares na feira ou na reunião, não percas tempo em voltar e buscar armas". A China foi um dos lugares onde mais prosperou a vingança privada. No Egito, diz Luiz de Aguiar Costa Pinto, havia um costume semelhante: "Não mates para que não te matem. O que matar será morto, e o que der ordem de morte morrerá também".

Nas regiões rurais da Espanha, Portugal e Itália, as contendas familiares eram comuns. A guerra entre os Médicis e os Sforzas, no Renascimento, ficou famosa. Na Albânia, sobrevive até hoje o Kanun, um código de honra não escrito, que determina aos familiares de um homem assassinado "lavar a honra" com o sangue do inimigo ou de seus parentes, num ciclo sem fim. O fenômeno é descrito por Ismail Kadaré no livro Abril Despedaçado. O Kanun, que existe há mais de 500 anos, foi declarado ilegal durante o governo do ditador comunista Enver Hoxha. Mas, após a sua morte, em 1985, a prática voltou com força no país. Desde 1991, o Comitê Nacional de Reconciliação trabalha para acabar com as rixas familiares. A ONG calcula que 9,5 mil pessoas foram mortas, nas últimas décadas, com base no código.

Moacir Assunção, pesquisador e escritor
Artigo postado em 08/03/2012
Ilustração: Elly Walton
Fonte:http://guiadoestudante.abril.com.br



Em Julho, o Cariri Cangaço vai aprofundar o entendimento sobre um desses conflitos emblemáticos em nosso Nordeste...
Sampaio, Saraiva e Alencar...EXU!
De 20 a 23 de Julho
Cariri Cangaço Exu 2017