O Cariri Cangaço é o resultado de um grande sonho. Desde menino me encantava com as histórias dos cangaceiros, suas sagas, aventuras, e notadamente o bando de Lampião; sem dúvidas o de maior destaque e de maior longevidade dentre todos. A motivação pelo fascínio daquele menino, ainda com seus oito anos de idade pelo universo do cangaço, talvez se confunda com o fascínio que até hoje o cangaço desperta em todos os amantes e curiosos da temática: Em um primeiro momento, ainda nos tempos de menino; a coragem, valentia, aventuras, sagacidade, destemor, enfim. Com o tempo outras percepções: Senso de adaptação, criatividade, a extensa rede de interesses, a estética, a medicina, o vigor em ambiente tão hostil , a compreensão da importância da imagem, o primeiro "marqueteiro das caatingas", enfim. Virgulino Ferreira da Silva, apesar dos muitos senões, acabava por se tornar um mito.
Já homem feito, me vi reaproximar da literatura do cangaço e acabei por me apaixonar verdadeiramente pelo tema, daí me dedicando sempre a buscar novas fontes; participar dos primeiros seminários seria inevitável, e assim aconteceu. Serra Talhada, Mossoró, Paulo Afonso , e nesse "vai e vem" por entre as terras pisadas por Lampião, acabamos por nos aproximar dos "vaqueiros da história". A cada novo evento um novo companheiro, compartilhando fragmentos da história, homens e mulheres que dedicaram e dedicam boa parte de suas vidas a seguir as pegadas desse que viria a ser intitulado o "rei do cangaço" ou o "governador do sertão", Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião.
Em março de 2009 quando retornávamos da primeira edição do Seminário de Maria Bonita em Paulo Afonso aflorou em minha cabeça a ideia de tentar realizar em nosso estado do Ceará, mais precisamente na região do Cariri; onde desenvolvia minhas atividades profissionais; um seminário onde pudéssemos resgatar um pouco da historiografia cangaceira na região, tão pouco conhecida pela grande maioria das pessoas. Num primeiro momento ouvia muitas indagações e provocações: "Cangaço no cariri?" "Está ficando louco?" "Como realizar um negocio desses aqui, sem nenhuma tradição com o tema?" "Evento para endeusar bandido?" ... Foi aí que alguns ingredientes acabaram se somando e o sonho acabou se tornando realidade: Determinação, perseverança, dedicação e amigos; muitos amigos, inúmeros amigos, de todos os lados e lugares, alguns antigos e outros novos, todos juntos começaram a acreditar que poderíamos fazer...e fizemos.
Mas não poderíamos continuar nossa conversa sem fazer o devido e responsável esclarecimento; explico: Apesar do fascínio que o cangaço exercia no pequeno garoto e exerce até hoje no homem; o Cariri Cangaço , não nasceu com o sentimento de fazer apologia ao Cangaço, cangaceiros, violência, enfim; não "mitifica" e nem procura elementos para "endeusar" Virgulino Lampião nem nenhum outro personagem dessa saga sertaneja tão penosa e cheia de dor. O verdadeiro sentimento que moveu a todos nós foi o de proporcionar um ambiente ainda mais propício para o debate e aprofundamento dessa temática que é tão marcante e capilar em nossa terra e em nossa gente. O incrível acontece; Lampião e o Cangaço que tanto sofrimento trouxe para o ordeiro povo do sertão, hoje promove o encontro, a união e a harmonia na direção da busca da verdade histórica.
Os arquitetos...
O sentimento...
De início tínhamos o desafio de estabelecer o formato do evento, a data, os conferencistas, tudo por tudo. Minha primeira preocupação foi fortalecer o conceito verdadeiro do evento. Era nosso desejo criar um Seminário, mesmo que pequeno, onde pudéssemos de forma responsável, lucida e competente, trazer para nossos convidados e anfitriões, o resgate deste recorte da história do cangaço que poucos conheciam. O cariri cearense era sim um cenário privilegiado do cangaço, notadamente de Virgulino Ferreira. Como desconhecer a ação e episódios como a visita de Lampião a Juazeiro em 1926, a patente de capitão, sua suposta ligação com Padre Cícero; o fogo da Piçarra, a morte de Sabino, a amizade com Seu Tôim da Piçarra; como esquecer os marcantes momentos de Lampião em Aurora, Isaias Arruda, traição, fogo; e personagens como Major Zé Inácio, Sinhô Pereira, Chico Chicote, Irmãos Marcelinos, Coronel Santana, enfim. O cariri tinha sim, muito a contar e ser contado.
O contagio e a construção...
Nada se constroe sozinho! Poucos do universo da pesquisa e estudo do cangaço nos conheciam ; foi um "tiro no escuro" convidar os muitos confrades para virem ao cariri ver o que estávamos querendo fazer. A SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço e o GEEC - Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará, foram de fundamental importância quando resolveram abraçar o evento. Já tínhamos um pequeno grupo de pesquisadores e escritores que haviam aceito o nosso convite para serem palestrantes. Agora precisava contagiar nossa casa; os municípios do cariri, os verdadeiros anfitriões.
Hoje; com dez anos de existência, rompemos as barreiras do Ceará e o Cariri Cangaço se consolida como o mais respeitado e qualificado fórum sobre a temática; presente em 6 estados da federação: Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, já realizou 109 Conferências, reuniu mais de 700 pesquisadores e mais de 50 mil pessoas em todas as suas edições; possui 23 sedes oficiais: Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Missão Velha, Aurora, Porteiras, Barro, Lavras da Mangabeira, Brejo Santo, Quixeramobim, Piranhas, Água Branca, Poço Redondo, Sousa, Nazarezinho, Lastro, Princesa Isabel, São José de Princesa, Floresta, Exu, Serrita, São José de Belmonte e Pedro Alexandre; numa das mais autenticas Festas da Alma Verdadeiramente Nordestina.
Muito Obrigado.
Atualizado em 17 de Março de 2020
Manoel Severo
manoelsevero@bol.com.br