O Chôro do Gado Por:Napoleão Tavares Neves

Jadílson Bin Laden ao lado do Mestre Napoleão Tavares Neves



O gado descia mansamente da planura araripana para as verdes pradarias do sertão, enfastiado do capim agreste da Chapada do Araripe e sedento do verde capim mimoso com que as primeiras chuvas do inverno revestiam as chapadas das fazendas dos sertões do Cariri. Os trovões já reboavam no horizonte chamando o gado para o sertão. E o gado obedece!Eraproximadamente 200 reses. A melodia dos aboios dos vaqueiros era reforçadapelo tintilar dos chocalhos das vacas paridas e amojadas.Tudo muito alegre e sonoro!Na guia do gado ia meu pai, no coice ia eu, adolescente e de cada lado dois vaqueiros evitavam que algumas reses mais ariscas se desgarrassem
Ao atingirmos o Lambedouro do Mulungú, lugar onde o gado sempre matava a sua carência de sal, lambendo a terra salgada daquele rincão, uma cena para mim inusitada: um touro mestiço do pescoço grosso parou, deu um forte esturro como se fora um grito de guerra, levantou as patas dianteiras e ao baixá-las, retorcia com os chifres as moitas do mato verde e cavava o chão jogando a terra para traz! Instintivamente, todo o rebanho o imitava. Paramos todos! Os vaqueiros deixaram de aboiar! O vaqueiro Zé Feliz, muito místico, levou o chapéu de couro ao peito e parou também.


Esta dolente cena durou alguns segundos ou minutos.

Em seguida, o touro mestiço parou e tomando a frente do gado, começou a caminhar, seguido por todo o rebanho, mostrando que sua liderança era inconteste. Curioso, fui ver a causa de tudo aquilo e boquiaberto, vi que ao pé da moita de mato retorcida pelos chifres do touro estava a ossada de um rês recentemente morta, ainda com pedaços de couro pregada nos ossos cuja limpeza os urubús de plantão ainda não haviam concluído.

Meus pelos estavam eriçados pela emoção daquela bucólica cena que igual jamais vira antes.A natureza tem os seus mistérios e suas lições!Jamais vira eu os humanos chorarem tão convulsivamente os seus mortos!Eu tinha 13 anos e nunca esqueci até hoje cena tão tocante.

Napoleão Tavares Neves
Barbalha-Ceará
Conselheiro Cariri Cangaço

Um comentário:

ADERBAL NOGUEIRA disse...

Mestre Napoleão. O amigo teve a sorte de viver em um sertão ainda primitivo,deve ter visto coisas que estão além da imaginação das gerações de hoje.
O invejo no bom sentido,quem dera também pudesse ter observado cenas como essa.
Abraço.
Aderbal Nogueira