Religiosidade e Messianismo na Cultura Nordestina Por:Urbano Silva

Beata Maria de Araujo

Marca indelével da sociedade rural nordestina, a religiosidade e em sequência o messianismo são capítulos grandiosos que nos convidam para o aprofundamento da pesquisa e debate, com o objetivo de entender a nossa identidade regional. Em linhas gerais, nomes da grandeza de Ibiapina e Cícero Romão, sacerdotes católicos, e Antonio Vicente, popularmente denominado Conselheiro, moldaram as bases de uma religiosidade que transpôs as regras eclesiásticas e quebrou a fronteira entre o sermão e o fazer social.
Contemporâneos, esses três homens transpassaram mais de um século com atividades sociais que inquietaram os poderosos da monarquia, os mesmos que transformaram o Brasil em República, mas seguramente não tiveram em seus atos políticos, o alcance social dos referidos nordestinos. Seguidores do lema bíblico: a fé sem obras, é morta, foi a ação plenamente humanitária que salvou milhares de sertanejos da sentença de morte, do flagelo das secas constantes, das epidemias de varíola, cólera e outras mazelas, que certamente teriam transformado o nordeste num gigantesco cemitério de pessoas e a sua pecuária, dizimados por fome e secas. O viés político do fazer social, a reboque de uma religiosidade que propunha a construção de consciência humanitária, foram duas características que alicerçaram o delicado equilíbrio que impediu uma explosão de violência, - alimentada pela miséria e injustiça social - sofrida por uma região quase sempre relegada a planos inferiores na administração pública.
Professor Urbano Silva em apresentação no Cariri Cangaço em Juazeiro do Norte
Onde os governos foram omissos, os espaços foram preenchidos pelo socorro em nome da fé, nem que fosse o binômio pão e água, a base da alimentação para manter o corpo com vida. Como parte da complexidade antropológica da conviência humana, os benfeitores dos sertões foram perseguidos por aqueles que se sentiam donos de pessoas e bens, e por isso mesmo ameaçados de perda do poder de mando. Coronéis latifundiários, donatários, militares, e alguns religiosos formaram uma corrente de várias dobras e assumiram uma frente de oposição que assustou pela truculência dos atos, fosse nos palácios ou na realidade das roças. O ato mais violento foi o genocídio contra Canudos, um modelo de sociedade que estabeleceu a igualdade das classses, com a preservação da nossa identidade cultural, culminando com a morte (por questões de saúde) do líder Conselheiro.

Cícero, o padre, foi excomungado pelo clero que ele tanto amou e serviu, e transitou entre política e religiosidade com a mesma desenvoltura. Carisma, fé e caridade moldaram a memória do mito. Ibiapina, o mais diplomado dos três, direcionou a sua inteligência para o fazer social aos menos favorecidos. Certamente a sua sapiência foi fundamental para transitar entre senhores e servos, na sua desafiadora jornada que uniu educação, religião, doação, consciência política e qualidade de vida. Viva o nordeste e a grandeza dos nossos personagens. Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo (frase atribuída ao Ibiapina).

Urbano Silva
Professor, pesquisador do Cariri Cangaço
Caruaru, Pernambuco
E vem aí,
Religiosidade e Messianismo no
26 a 29 de Abril de 2018... 

Um comentário:

Izilda Antônia de Sá disse...

Brilhante exposição e acurada visão da alma sertaneja e seus mitos, mais ainda dos Homens que fazem esta história.