O Cangaceirismo e a Rixa entre "Arrudas" e "Moreiras" em Aurora Por:João Tavares Calixto Junior


Na região sul cearense que compreende os municípios de Aurora e Missão Velha, tendo o distrito de Ingazeiras ao centro, começaram a surgir, no início do ano de 1921, os mesmos comentários que levaram Isaías Arruda de Figueiredo a sair de Cedro (CE): a prática de extravio de gado e saque a pequenos comércios locais.

A primeira queixa registrada após a volta do futuro mandão regional a sua terra natal, Aurora, foi a dos irmãos Moreira, já no fim de 1921, nas proximidades do distrito de Boa Esperança, hoje Iara, município de Barro (Ceará), próximo da fronteira com a Paraíba. Foi assim que se referiu a este fato o ex coletor de impostos José Soares de Gouveia, em interessante artigo sobre o cangaço no Nordeste brasileiro em "O Jornal" (Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1927, p.3):
“(...) Isaías refugiou-se então com sua família na Vila de Aurora, e inimizando-se com a família Moreira, atacou- a no povoado próximo de Boa Esperança com os seus cangaceiros. Roubou e transportou para Aurora todo o estabelecimento comercial do Sr. Antônio Moreira, que hoje cobra do estado do Ceará 140 contos de indenização (...)”. É importante salientar que a questão com os Moreiras se iniciou a partir de queixa prestada por Antônio Moreira, que era negociante, contra Isaías Arruda, então delegado de polícia de Aurora, o que lhe fez ser exonerado logo após isso.

Isaias Arruda
Isaías supôs que o motivo da denúncia se deu em virtude de ter atirado e causado tumulto no dia da eleição, em 21 de fevereiro de 1921, o que lhe fez ter perdido o cargo, o seu primeiro emprego, na realidade. Antônio Moreira de Oliveira era amigo e compadre do Dr. Daniel Cardoso, que havia se candidatado e perdido a eleição para deputado, ocorrida em fevereiro de 1921 e por isso ficou ressentido pelo prejuízo que este candidato sofrera (BRAZIL, 1923).
Depois disto, Isaías intrigando-se com Antônio Moreira, continuou com perseguições e hostilidades que culminaram com o saque realizado em seu comércio em dezembro de 1921. Para os Arrudas, foi este um “acerto de contas” pelo prejuízo que Moreira dera a Isaías em virtude da exoneração.
Em 6 de janeiro de 1922 Isaías Arruda entra em confronto com policiais nas proximidades do mercado público em Aurora, no que se acreditou ter sido vingança dos Moreiras, vinda de Boa Esperança.
Isaías, acusado de atentar contra a força policial da vila e contra a vida do soldado Francisco Paulino Sobrinho, viu ser aberto processo contra ele e alguns dos seus, dois dias depois; e já no dia 30, foi expedido mandado de prisão preventiva pelo suplente de juiz substituto em exercício da vila d’Aurora, Justino Alves Feitosa, o mesmo que iria ser padrinho de sua filha Orlandina, em 1924. Foram apontados, além de Isaías Arruda, o seu irmão Lino Arruda, seu primo José Cardoso de Figueiredo, seu sobrinho Manoel Furtado de Figueiredo, Antônio Padeiro, José Bernardo e Vicente do Carmo.

Joao Tavares Calixto Junior e Manoel Severo

Cinco testemunhas foram intimadas e ouvidas neste processo: Antônio Jaime Araripe, comerciante, 29 anos de idade, natural de Jardim; Eduardo da Silva Leite, proprietário na vila d’Aurora, natural do Rio Grande do Norte; Gabino Bezerra de Barros, solteiro, comerciante, natural do Pernambuco; Alfredo de Castro Jucá, solteiro, 18 anos, comerciante, natural de Iguatu e Moisés Vilela de Oliveira, solteiro, de 32 anos, comerciante e natural da vila d’Aurora.
Após ouvidas as testemunhas, aos 13 de janeiro (1922), o promotor de justiça adjunto Emídio Cabral de Almeida resolve não dar prosseguimento à denúncia e o inquérito foi arquivado.
Nos depoimentos, informaram as testemunhas que Isaías Arruda encontrava-se na calçada dos fundos do hotel de Gabino Bezerra de Barros (hoje Av. Santos Dumont, Centro da cidade), quando se aproximaram cerca de seis soldados, que adentraram ao comércio de Gabino afim de comprarem aguardente e cigarros. Na entrada, um deles cumprimentou Isaías de forma cordial, tendo um outro, demonstrado hostilidade ao se referir a Isaías, e com isto, houve discussão seguida de troca de tiros. Foram unânimes, as testemunhas, ao se referirem à seguinte sequência de eventos:
1 – Que houve discussão na calçada de Gabino Bezerra entre Isaías e os policiais; 2 – Que houve tiros de revólver após a discussão; 3 – Que houve descarga de vários tiros de mauser e rifle; 4 – Que houve tiros nas paredes da casa de Isaías (que ficava próxima ao local do desentendimento), e que foram quebradas as portas da casa, inclusive as do interior.


Antônio Jaime Araripe, primeira testemunha a depor, informou que soube estar acompanhado de Isaías Arruda apenas o seu irmão Lino Arruda, além de Vicente do Carmo e quanto aos outros, não sabia se estavam no confronto. Gabino Bezerra afirmou que viu as mulheres da família de Isaías pedindo socorro e afirmando que não havia ninguém no interior da casa, estando elas sozinhas. Disse também que antes do tiroteio Isaías estava na casa dele, testemunha, que este estava desarmado e que depois que quebraram as portas da casa ouviu dois soldados discutindo entre si, tendo dessa discussão resultado dois tiros. Daí, segundo Gabino, chegou o tenente Raimundinho e levou os policiais para o quartel.
Moisés Vilela de Oliveira informou que na hora do crime estava na casa de Firmino Leite, quando passaram pela rua, de seis a oito soldados. Com ele, Moisés, estava José Bernardo, a quem os soldados lhe perguntaram se já era cangaceiro, ao que José Bernardo respondeu que não, dizendo aos soldados que estes tinham vindo de Boa Esperança, sob encomenda.
Pela leitura dos depoimentos das testemunhas, principalmente os de Antônio Jaime Araripe e Moisés Vilela, o promotor concluiu que a luta que travou Isaías Arruda e algumas praças do destacamento policial da vila foi provocada pelos policiais, e não por Isaías Arruda. Para o promotor, houve agressão por parte dos soldados a Isaías, o qual foi obrigado a se defender.
“A primeira testemunha alegou também que uma das praças aludidas, ao mesmo tempo que um seu companheiro dava a Isaías respeitosamente dirigia ao denunciado palavra insulta, ao que se seguiu o conflito referido, vendo-se Isaías obrigado a lançar mão de revólver para se defender. Assim sendo, impossível considerá-lo, assim como aos demais denunciados, como incursos na sanção do art. 294 do cod. Penal, combinado com o art. 13 do mesmo código.
Não se enquadra neste processo a figura jurídica do crime de tentativa de homicídio por não estar conforme a prova dos autos e pelas circunstâncias de que se cercou o fato delituoso. Nenhuma das testemunhas afirmou ter sido o soldado Francisco Paulino
Sobrinho, ferido por Isaías nem tão pouco os demais denunciados terem atacado o destacamento policial, fazendo diversas descargas de rifle. Além do mais, a 5ª testemunha depôs por ouvir dizer que depois do tiroteio houve luta entre dois soldados, os quais chegaram a atirar um contra o outro. Dou parecer, pois, que não havendo provas dos autos pelas quais se possa afirmar que os denunciados sujeitos á sanção do art. 294 do código penal combinado com o art. 13 do mesmo código, que os mesmos sejam
impronunciados, baseado não só nos depoimentos das testemunhas, como também no princípio de que na incerteza ninguém deve ser punido”. (Autos do Inquérito policial e processo-crime contra Isaías Arruda de Figueiredo e outros, Aurora, 1922, p.14-16).
No entanto, conforme consta no processo (p.2) foi procedido exame de corpo de delito no soldado Francisco Paulino Sobrinho, que era natural de Fortaleza e nada tinha de parentesco com os Paulinos de Aurora. Reinaldo Leite de Oliveira foi nomeado para proceder como escrivão ad hoc e intimar José Dias Neto e Luiz Altino de Andrade para atuarem como peritos no exame de corpo de delito, a pedido do delegado militar Crisóstomo Borges.
Em depoimento, o soldado afirma que no dia e hora já ditos, ele e outros do destacamento foram ao mercado a fim de fazerem uma refeição ao que encontraram com Isaías Arruda. Sem conhecê-lo, deu “boa noite”, ao que lhe respondeu Isaías Arruda: “Vocês sabem com quem estão falando, cachorros? ”, e foi logo sacando um revólver, de onde começou a enrasca.
De certo, não houve confronto sangrento entre Moreiras e Arrudas em 7 de janeiro de 1922, na sede da vila d’Aurora, como anunciado, inclusive, pelo próprio presidente do Estado Justiniano Serpa, que ao falar por telegrama com o Presidente da República sobre um outro episódio com tiroteio e mortes ocorrido em Lavras, justifica este, de Aurora.
Esclareça-se, aqui, que a data do confronto foi 6 de janeiro e não 7 de janeiro, no mesmo dia da hecatombe de Lavras episódio sangrento que ficou conhecido também como dia do barulho. O combate de Aurora foi travado com policiais e não com os irmãos Moreira que, no entanto, tiveram seus nomes apontados como mandantes da vindita contra Isaías Arruda, fato este, que se utilizou o Promotor de Justiça para requerer o arquivamento do processo contra os Arrudas.
João Tavares Calixto Junior, pesquisador e escritor
Conselheiro Cariri Cangaço, Juazeiro do Norte-CE

BRAZIL. Anais da Câmara dos Deputados. Congresso
Nacional, vol, 2, Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa
Nacional, 1923.
CALIXTO JÚNIOR, J.T. Vida e Morte de Isaías Arruda - Sangue dos Paulinos, abrigos de Lampião. Fortaleza, Expressão Gráfica, 2019

Um comentário:

t disse...

Dr junior, revivendo os fatos históricos com muita ética e profissionalismo, almejo um dia ser seu aluno. Valeu professor!!