Capitão Timótheo e os Viriatos Por: Cícero Pereira de Sousa


No começo de julho de 1878, o Capitão Francisco Timótheo de Sousa recebeu ordens do Governo Imperial para combater os Viriatos, conhecidos bandidos que, homiziados em Boa Esperança, no Ceará, aterrorizavam fazendeiros e populações daquela província e dos vizinhos Rio Grande do Norte e Paraíba. Com apenas 28 anos de idade, embora já integrasse a Guarda Nacional, Francisco Timotheo ainda não havia consolidado sua liderança na região, a ponto de poder organizar com a rapidez que o caso requeria, um contingente capaz de cumprir com sucesso tão grave missão.

Os homens de que dispunha no momento não passavam de trinta e cinco, embora contasse com um bom armamento de fuzis, mosquetões e rifles,além da coragem e lealdade desses valorosos companheiros. Por outro lado, a grande seca de 1877, que ceifou centenas de milhares de vidas naqueles sertões, continuava vitimando famílias inteiras com epidemias e doenças de todo tipo. Para completar, os constantes assaltos de bandos armados que pululavam por todo o sertão, representavam impedimento à ausência daqueles homens de suas próprias casas, ainda que por pouco tempo. Mesmo assim, tão logo pôde, o Capitão os convocou e se organizaram todos para a luta.

Foi nessas condições desfavoráveis que partiram de Bonito-PB, na madrugada de 25 de julho de 1878. Rumaram até São José de Piranhas-PB e, a partir daí, seguiram pela estrada das Cuncas. Era a mais curta, embora acidentada. Seguindo pelo Vale do Piranhas, com suas terras férteis e matas ainda fechadas, rumaram por umas trilhas pedregosas até atingirem o sopé da serra do Bongá. Dalí por diante, em direção ao oeste, tiveram que enfrentar sucessivas ladeiras para chegarem ao sítio Barros, (hoje cidade e à época pertencente ao Termo de Milagres, no Ceará). Gastou-se um dia e meio de viagem até esse ponto. Aí, na fazenda de um amigo, para descanso da tropa e refazimento dos animais, o Capitão resolveu acampar antes de percorrer o último estágio da caminhada até Boa Esperança (Cangati), o reduto do inimigo.

Quando ainda se preparava para essa missão, o Capitão Timotheo teve o cuidado de avisar o seu grande amigo e compadre José Guimarães, um português conhecido como Cazuza Marinheiro, residente em Cajazeiras-PB. Ao receber a mensagem, Cazuza exclamou para o portador: - Meu compadre ficou doido! Enfrentar aqueles bandidos com apenas trintae cinco homens? Volte agora mesmo e diga a ele que eu vou também. Pra vencer ou pra morrer com ele! Comerciante abastado e bem relacionado na região do Rio do Peixe, Guimarães depressa conseguiu recrutar cem homens bem armados e marchou com eles em auxílio do amigo Timotheo.

O COMBATE

Francisco Timotheo acercou-se de Boa Esperança, com os seus comandados, no início da noite do dia 26. No entanto, já tinha decidido que só atacaria na manhã seguinte, pois tinha conhecimento de que aqueles bandidos agiam à noite e dormiam durante o dia(*). Os Viriatos, por sua vez, ao notarem a aproximação daquela pequena tropa, debocharam, mandando repicar o sino da igreja e tocar sanfona, zabumba e cornetas, em clima de festa. (*) José do Patrocínio, em seu livro Os Retirantes, p 84, escreveu: Os Viriatos andam à noite, como as corujas agoureiras, com as onças; assustam e matam sem ver a quem o fazem. Nenhum deles por isso mesmo conhece as suas vítimas, nem é por elas conhecido, e no entanto ficam da passagem dos bandidos rastros de sangue e de cinzas, resultado dos assassinatos e dos incêndios .É noite e chove. Uma raridade nos sertões, durante julho. Um pouco pela chuva, um pouco pela iminência dos combates, ninguém dorme. Todos aguçam os ouvidos. Continuam repicando na escuridão os sinos da Capela da Conceição e as danças ao som das sanfonas e dos zabumbas. Entre os homens do Capitão, o silêncio. Diálogo mudo na treva chuvosa, prelúdio daquele combate histórico que fuzis, rifles e bacamartes travarão, mal desponte o dia.

Na manhã de 27, quando cessou o irônico folguedo na praça centralde Boa Esperança, o Capitão ordenou o ataque, suspendendo o sono dos Viriatos. Não durou muito para que estrugissem repetidos, prolongados e pavorosos viva aos Viriatos e, ao mesmo tempo, o bater dos mourões nas portas e janelas das casas. O espanto e a confusão propagaram-se e, de imediato, em todas as residências, cada um, temendo pela própria sorte, buscava refúgio para não ser atingido. A batalha começou heroicamente, envolvendo os combatentes dos dois lados, com um novo ressoar de cornetas e a vibração do sino daigrejinha. Desta vez, não mais em festa. Após três horas de um cerrado tiroteio, Francisco Timotheo, considerando sua posição de inferioridade em homens e armas, pensou em recuar. Contra ele, com mais de cem mosquetões e bacamartes, a artilharia inimiga, favorecida pela configuração topográfica do terreno, disparava cem cessar. Mesmo nessa condição, o Capitão logo ponderou: - “Uma retirada agora, em plena luz do dia, seria insensatez. E, para onde? Por onde? Seria levar ao sacrifício homens extenuados por dois dias de uma longa caminhada, uma noite sem dormir e horas a fio de intenso combate. – Eu nunca recuei na vida, por maior que fosse o perigo. Não será agora, quando empenhei minha honra e a de tantos companheiros que vou fazê-lo. Portanto, vou prosseguir.” Por volta do meio dia, quando o efetivo do Capitão já oscilava entre o cansaço e o desânimo, chegou o amigo Cazuza Marinheiro com a sua tropa, composta por cem guerreiros, ansiosos por entrarem na luta. -Compadre! – disse Cazuza a Francisco TImotheo. – Os seus homens estão exaustos! Recue para descansar com eles, enquanto eu e os meus assumiremos o ataque.

O tiroteio seguiu por toda a tarde, ora esparso ora mais intenso. Com o reforço de Cajazeiras, foram bloqueados os demais acessos à fortaleza dos Viriatos, do Muquén e de Monte Alegre (hoje um posto fiscal), ficando os bandidos completamente isolados. Favorecido por essa vantagem, metade do batalhão de Cazuza Marinheiro marchou veloz, sob uma saraivada de balas, até o início do arruado onde se entocavam os bandidos, a pouco mais de cem metros da igreja. Em menos de uma hora pisavam no centro de Boa Esperança os primeiros guerreiros do seu valoroso grupo, dispostos a tomar de assalto a cidadela. Alguns tombaram ali mesmo, atingidos pelos tiros do inimigo entrincheirado no interior do casario, que se erguia em torno da praça. Enquanto isso, houve um princípio de desorganização na formatura do combate, por parte das forças do Capitão. De repente, embora extenuados, seus soldados se reanimaram, vendo avançar à sua frente o próprio Francisco Timotheo, manejando seu rifle Winchester com a mesma presteza e velocidade com que os bandidos assomavam e desapareciam nas cumeeiras das casas em volta. Já era madrugada do dia 28 quando o Capitão foi informado da chegada de mais reforços. A boa notícia vinha de Lavras da Mangabeira (distrito de Milagres), no Ceará. Era uma volante composta de cento e quarenta homens da polícia estadual, com ordens para se apresentarem aele e submeterem-se ao seu comando. Com esse novo contingente, as tropas legais resolveram invadir, definitivamente, o reduto do inimigo. 

Acossados, os Viriatos e seus sequazes, que apesar das perdas, ainda somavam quase duzentos homens, fortaleceram suas trincheiras, com certa vantagem sobre os atacantes, uma vez que se posicionavam fora da pontaria destes. Os combates, agora mais organizados e também mais ferozes com a entrada do elemento policial, prosseguiram por mais três horas consecutivas. Sentindo-se perdidos, os bandidos atacavam atônitos, apenas o tempo necessário para uma pontaria malfeita, uma descarga e recuavam. Em seguida, protegiam-se pelas casas adentro, ou então lançavam-se, atrevidamente, sobre os invasores num desespero suicida, empunhando sabres e punhais num corpo a corpo de vida ou morte. Era uma cena dantesca, que provocou inúmeras baixas em seu próprio reduto. Por fim, perdidos e sem mais ilusão de vitória, os Viriatos improvisaram a própria fuga. Liderados por José Vicente Viriato, sob intenso tiroteio, os principais chefes do bando deslocaram-se de suas posições até o interior da capela onde algumas famílias permaneciam em segurança e rezavam. Ali eles rasparam barbas e bigodes, trocaram de roupa com suas companheiras, fizeram turbantes com tiras de pano na cabeça e fugiram disfarçados de mulheres. Muitos outros empreenderam a fuga rompendo as paredes internas das habitações e transpondo-as, uma a uma, até atingir o extremo da rua, por onde se evadiram. A formação dessas casas, todas conjugadas, facilitou essa estratégia de fuga.

Terminado o conflito, Francisco Timotheo dirigiu-se à Capela do lugar para agradecer a Deus pela vitória. Ao adentrar o seu interior, surpreendeu-se com a presença ali de dezenas de mulheres assustadas e em pranto, todas vestindo roupas masculinas. Diante disso, determinou aos seus comandados, que perseguissem imediatamente, e abordassem qualquer bando, ainda que de senhoras, caminhando às pressas, nadireção de Milagres-CE ou de Cajazeiras-PB. Retornando, tranquilizou aquelas criaturas aflitas, prometendo respeitar a integridade física dos prisioneiros e rezou com elas. Deu graças também porque nessa refrega a grande maioria dos seus comandados retornaria ao seio de suas famílias sãos e salvos. Apenas um deles perdeu a vida e seis sofreram ferimentos em combate. Mandou tocar o sino da capela e saiu. Eram 18 horas do dia 28 de julho de 1878.Perseguidos, o mais valente dos Viriatos, José Vicente, resistiu e foi morto. Seu irmão Miguel entregou-se às forças legais e foi conduzido com vários outros prisioneiros para Fortaleza, onde seriam julgados e condenados por seus inúmeros crimes. 

Quase seis meses depois, os jornais do Ceará publicavam as informações oficiais da guerra contra os Viriatos: [...] contavam-se treze mortos, sendo doze dos Viriatos e um das forças legais. Os feridos eram muitos de lado a lado. Ao retornarem para suas bases, os vencedores conduziam vários prisioneiros, cem cavalgaduras e grande quantidade de ouro e moeda, fruto dos inúmeros assaltos dos bandidos.

Cícero Pereira de Sousa, Bacharel em Ciências Jurídicas, escritor e pesquisador, consultor do SEBRAE, Ex Diplomata da ONU / FAO

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