O Caipora Por: Alcino Alves Costa


O Caipora, aquele ente fantástico da mitologia tupi tem a sua lenda gravada na memória de todas as culturas sertanejas, desde aquelas dos tempos primitivos até as dos dias atuais. O “rei da flora” sempre foi o terror dos que viviam da caça. Entretanto, uns poucos caçadores tinham o privilégio de manter uma relação de amizade com o senhor das selvas, conseqüentemente gozar de sua proteção. 

Histórias do Caipora despertavam inusitado interesse no povo do Rio Pequeno. Quem foi e de onde veio este ente misterioso? Seu Calixto tinha orgulho e prazer em gastar todo o seu repertório sobre a fabulosa lenda nascida de uma velha tradição. Os contos que discorria sobre os mirabolantes feitos daquele ser mitológico eram reservados para as noites da Semana Santa, ali no pé do cruzeiro, aboletado de gente. No entanto, o contador de fábulas era quase sempre intimado a narrar às origens do caipora. Como nasceu e viveu no meio dos animais e finalmente se tornando no senhor absoluto daquele mundo selvagem; o mundo da onça e do veado, do gato do mato e do caititu, da ema e da seriema; enfim de todos os bichos silvestres. Como se fosse um mestre o caboclo narrava o nascimento e a vida do Caipora.

O conhecimento do bondoso caipira sobre a lenda deste ente fantástico vinha desde a sua meninice. Porém, só veio a se interessar por ela quando já homem feito, vivendo em São Paulo, começou a ouvir uma moda de viola da autoria do magistral poeta e compositor Sulino, que contava a origem do misterioso ser das caatingas, e que fora batizada com o título de “O Caipora”. Assim narrava o contador de causos do Rio Pequeno.


Diz uma velha tradição que depois do dilúvio, aquela inundação universal que durou quarenta dias e noites e que acabou com os viventes da terra – escapando apenas Noé e seus familiares, além de alguns animais – o Senhor ordenou que o cataclismo parasse e a arca, empurrada por uma força misteriosa, fosse levada pelas águas até o Monte Ararat, na Armênia. 
Deus, então, ordenou a Sem, Cam e Jafé, os filhos de Noé que saíssem da sagrada embarcação e fossem povoar a terra.

Os três irmãos se dividiram em tribos e com o passar das eras surgiram vários grupos tribais, cada um tomando rumos diferentes e seguindo o seu próprio destino. Foi numa daquelas tribos errantes que uma mulher teve um filho no meio da mataria. O bebê nasceu forte e sadio. Porém a pobre mãe, não resistindo a uma forte hemorragia, faleceu horas depois. Seguindo um impiedoso costume daquela gente primitiva, a criança foi abandonada no meio da caatinga. 


Aderbal Nogueira ao lado do inesquecível Alcino Costa

Ali bem perto uma macaca sofria a dor da perda de seu filhote. Já noite alta escutou o choro do bebezinho nos ermos da selva bruta. Aquilo era estranho para ela. Curiosa, seguiu na direção de onde vinha o choro e encontrou o recém-nascido. Se por instinto maternal ou por lembrar do filhinho, se acercou da criança e com muito amor e carinho começou a amamentá-la com o leite de seu peito. E assim o menininho teve proteção e guarida pelos cuidados da macaca. Criado na selva bruta o menino cresceu valente e veloz. Suas unhas ficaram enormes, afiadas, pareciam anzóis. A fera que ele atacava não conseguia escapar de suas poderosas garras. Costumava amarrar os bichos ferozes com cipós, surrá-los, e depois soltá-los, rindo de sua perversa brincadeira.

Daquele tempo pra cá, conforme diz a história, aquele homem selvagem, se tornou o dono dos animais e o todo-poderoso das selvas. Montado num porco espinho percorria todos os sertões, era um duende que tinha o poder de surgir aqui e acolá, nos mais distantes recantos sertanejos ao mesmo tempo e na mesma hora. Com espantoso poder dominava todos os bichos que dentro da selva moravam. O seu nome se tornou num mito que ultrapassa todas as gerações. Quem já não ouviu falar no duende que se convencionou em chamá-lo de “Rei da Flora”?

Alcino Alves Costa
Caipira de Poço Redondo
Fonte: Histórias e Lendas do Sertão

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