Um Nordestino, sim, senhor ! Por:Frederico Pernambucano de Mello

Antônio Amaury, Frederico Pernambucano de Mello e João de Sousa

Não ignoro a origem caipira de Antônio Amaury Corrêa de Araújo e sua naturalidade paulista, no momento em que Robério Santos me faz chegar a notícia de sua morte aos 87 anos. A reflexão que me vem à mente nessa hora é a de não ter existido nordestino mais visceral do que ele, por adoção espontânea das constantes de caráter presentes no homem do trópico setentrional brasileiro, notadamente o do sertão. Tomou-se de tal encanto pelo palco e pelo drama do homem da caatinga, por seus cantos, por seus contos, religiosidade, mitos, lendas, causos, assombrações, aventuras, sobretudo pelas aventuras, que se mudou para o sertão em espírito, embora mantivesse os pés fincados no São Paulo de berço. E passou a estudar tudo isso, a ponto de desafiar com sucesso um programa de televisão em que respondia a pesado interrogatório sobre os fatos do cangaço e a vida de seu protagonista maior, o Capitão Lampião.

Seus livros são de consulta necessária para quantos estudem o sertão e as correrias que se desenrolaram ali. A violência presente em nosso processo colonial, a bravura do vaqueiro, abrindo o pasto para o assentamento dos currais de gado, o plantio de subsistência nos pés de serra, nas ipueiras e nos brejos de altitude, a resistência não menos valorosa das tribos indígenas na defesa de seus campos, todo o universo de que provém o que tenho chamado de Ordem do Cangaço.

Nesses estudos, guloso dos detalhes, colecionou particularidades sem-fim, filiando-se à corrente positivista da ciência histórica. Fiel ao mestre Auguste Comte, deu as costas às conquistas mais recentes trazidas pela antropologia, pela psicologia, pelo imaginário, pelas mentalidades, por tudo quanto enriqueceu a disciplina histórica no Século XX. Um convicto no seu sistema de estudos.

Vá em paz, Amaury, o Nordeste sentirá sua ausência, atenuada pela leitura das páginas que produziu e que irão permanecer. O chão que adotou não lhe negará o aceno!

27 de Fevereiro de 2021
Frederico Pernambucano de Mello
Historiador da Academia Pernambucana de Letras

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