Bandoleiros, cangaceiros e matreiros: Revisão da historiografia sobre o banditismo social na América Latina Parte 1 Por: Norberto Ferreras


O Banditismo Social é uma temática recorrente nas sociedades com forte presença rural, como na América Latina. As literaturas nacionais da região apresentam referências aos tipos rurais e, entre estes, os camponeses revoltados, de forma individual ou coletiva. Entre estas duas formas de resistência, os literatos do século XIX preferiram a individual como modelo. Esses indivíduos revoltados foram a base da construção de arquétipos e, aposteriori, a base de modelos na construção da identidade nacional. Tanto o romantismo quanto o liberalismo analisaram este tipo social como a base da nacionalidade: pessoas violentas lutando contra o irreversível avanço da modernidade, identificadas com os valores patriarcais tradicionais e associadas à liberdade absoluta do bom selvagem.
 
Se analisarmos a América Latina segundo fatores étnicos, teremos que a presença das etnias autóctones pesou na hora da definição do caráter dos homens do campo. Nos locais em que predominaram os indígenas e os escravos, os brancos descendentes de espanhóis, colocaram-se como modelo, como aconteceu no México, Chile e Peru, por exemplo. Os indígenas foram menosprezados pela falta de aceitação da cultura européia. Nas regiões em que os indígenas não eram o elemento principal da população e, portanto, onde o perigo da miscigenação foi menor, o criollo americanizado foi o elemento principal na conformação de uma identidade nacional, de forma positiva ou negativa, como na Argentina.
Desde a década de 1960, as aproximações da História Social ao fenômeno do Banditismo Social estiveram fortemente marcadas pelos estudos desenvolvidos por Eric Hobsbawm. Fernand Braudel tinha feito alguns avanços nesta questão, porém, só quando Eric Hobsbawm publicou Primitive Rebels, em 1959, e Bandits em 1969, o Banditismo Social, como uma forma de resistência camponesa, passou a fazer parte do elenco temático da História Social. Este modelo de análise foi aplicado largamente a distintas realidades e situações, com maior ou menor êxito. Desde o início, este é um tema que aparece como necessariamente comparativo e não restrito a um período histórico e, outrossim, a uma determinada situação histórica.

Segundo Hobsbawm, o Banditismo Social é um fenômeno universal, dado que os camponeses teriam todos eles um modo de vida similar, definido pelo acesso direto à terra e a uma série de recursos naturais e de reciprocidades costumeiras na comunidade; por isto, o Banditismo Social não tem um período definido numa cronologia unívoca. Conforme Hobsbawm, a transição para o capitalismo agrário não acontece num momento histórico específico e depende do momento em que se produz essa transição. Nos países desenvolvidos, esta passagem aconteceu no século XVIII, enquanto nas sociedades da América Latina, no século XX. O momento em que começa o Banditismo Social pode não estar muito bem definido, mas está associado à desintegração da sociedade tribal ou à ruptura da sociedade familiar. É evidente que o Banditismo Social acaba com a difusão do capitalismo industrial e com a consolidação do Estado Nacional, estando relacionado à emergência das classes, e da luta de classes que dão uma nova orientação às lutas dos camponeses.



A análise de Hobsbawm baseia-se na existência de três tipos de bandidos: o bandido nobre, como Robin Hood; os guerrilheiros primitivos; e o vingador, como Lampião. Estas formas diferem segundo as regiões em que o Banditismo Social se desenvolveu, e que não devem ser confundidas com as práticas de comunidades que têm no crime uma forma de vida não diretamente relacionada com a transição para o capitalismo. Se os bandidos alcançam uma certa notoriedade — e em outros locais não temos registros destes grupos —, isto se deve à influência de alguns fatores, como as crises políticas e econômicas da região, as estruturas do poder local e o poder dos proprietários.


O que faz com que estes movimentos de camponeses continuem a ser mais uma das formas de expressão de descontentamento, ou se transformem em movimentos revolucionários, depende de fatores externos. Estes fatores estão relacionados com crises do tipo estruturais, que podem ser provocadas por catástrofes naturais ou por fenômenos irreversíveis, como a emergência do capitalismo. De acordo com Hobsbawm, é nestas ocasiões que o Banditismo Social pode passar a vincular-se a movimentos revolucionários, ou a aceitar a liderança de líderes revolucionários.

Outros dois elementos do modelo de Hobsbawm merecem ser lembrados. Primeiro, temos que destacar a capacidade que seu modelo tem para definir quem estava apto a integrar-se aos grupos de bandidos, o que é uma excelente análise da sociedade camponesa. Não é qualquer um que podia tornar-se um bandido. O bandido não podia ter relações familiares que o apressassem a poder ingressar nessa nova vida, e ao mesmo tempo a sua ligação familiar tinha que ser suficientemente forte para que, uma vez empreendida essa nova atividade, servisse para proteger ou favorecer seu grupo familiar. Em segundo lugar, para formular seu modelo, Hobsbawm baseou-se no folclore e nas narrativas dos feitos desses bandidos. Porém, estas narrativas apareceram reformuladas posteriormente ao desaparecimento dos bandidos, e adaptadas à novas situações.



Desde o momento em que Hobsbawm formulou a sua aproximação ao Banditismo Social, ele sofreu uma série de críticas sinalizando certas dificuldades. O primeiro a questioná-lo foi Anton Blok, especialista no assunto, que em 1972 mostrou as dificuldades existentes no modelo de Hobsbawm que pensava no banditismo como "social", e as simplificações a que foram submetidos os casos escolhidos para construir o modelo. Blok partiu das suas próprias pesquisas sobre o banditismo para dizer que Hobsbawm apelava a generalizações excessivas nas suas análises. O tipo de fontes utilizadas leva implícita uma avaliação positiva do fenômeno, romantizado pelos camponeses e por alguns pesquisadores. Outro questionamento diz respeito ao interesse pelo protesto social, antes que pelos casos em si, e desta forma acabam sendo silenciados outros aspectos da relação camponeses-bandidos, como a utilização da violência contra os camponeses. 

As fontes e o mito são centrais na análise de Hobsbawm e ambos são questionados por Blok. Blok asseverou que o Banditismo Social foi muitas vezes um banditismo anti-social, dado que os camponeses foram muitas vezes vítimas dos bandidos, preocupados primeiro em atender a seus vínculos com os poderosos locais, do que com os camponeses. O autor levantou uma agenda temática para aprofundar estes estudos, preferindo os casos ao modelo. Para isto sugeriu analisar o mundo rural como um todo, a fim de compreender as relações sociais existentes, o que tornaria mais compreensível a opção pelo banditismo. Anton Blok nos chama a atenção sobre as limitações do Banditismo Social para o desenvolvimento de formas coletivas de protesto, em virtude das possibilidades abertas às carreiras individuais.


Hobsbawm entendeu que as críticas de Blok não feriam seu modelo. De fato, em razão das críticas realizadas por Blok, Hobsbawm afirmou que o mito do Banditismo Social tinha que ser analisado, desconsiderando a base do argumento de Blok e reforçando sua posição. Hobsbawm continuou a ser a principal influência para estudos posteriores. O influxo das suas hipóteses tem se mostrado irresistível para as gerações seguintes de historiadores. Depois de alguns trabalhos que seguiram à risca as análises de Hobsbawm, apareceram algumas críticas em periódicos especializados: um destes estudos pode ser considerado como de transição, e Peter Singelmann publicou um artigo sobre cangaceirismo como Banditismo Social, que pretendia reforçar os argumentos de Hobsbawm no debate com Blok.Levantou questões próprias do modelo de Hobsbawm, principalmente no recrutamento do bandido. Mas as diferenças são importantes. 



Singelmann não estava interessado no mito do Banditismo Social, mas nas implicações políticas do cangaceirismo, e para isto analisou a farta bibliografia sobre o coronelismo como sistema político e o cangaceirismo como uma forma de oposição ao mesmo. 

Simultaneamente, ele próprio estabeleceu uma continuidade entre cangaceirismo e coronelismo, como um caminho de mão dupla, fosse na rota da ascensão social, fosse no caminho à oposição política, forçado pela mudança de ventos na política nacional ou regional. 

As críticas mais fortes vieram poucos anos depois com as pesquisas de um outro grupo de historiadores. Em 1987 foi publicado nos Estados Unidos um livro que, em inglês, tinha o sugestivo título de Bandidos, em referência ao Bandits de Hobsbawm. Hobsbawm era a referência óbvia para este grupo, mesmo que fosse para interpelar as suas propostas. Richard Slatta, editor e autor, aceitou as dificuldades de lidar com o mito.Slatta na introdução apontou duas questões que mostravam uma importante diferença da proposta de Hobsbawm: as fontes e a importância das classes médias na construção do mito do banditismo. Sobre a primeira questão, este livro nos proporciona uma renovação importante, trazendo á tona o material produzi do pelas polícias regionais e pelo poder judiciário na perseguição aos bandidos. E quanto à segunda, a preocupação centrou-se nas interpretações que as classes médias urbanas fizeram do Banditismo Social.


Eric Hobsbawm


Os artigos deste livro preocuparam-se com a diversidade do Banditismo Social na América Latina, abordando os bandidos mexicanos do século dezenove, o cangaceirismo no nordeste do Brasil, o banditismo rural argentino e venezuelano, as relações entre banditismo e comunidades camponesas nos Andes. Este livro apresenta, ainda, outras aproximações como as recreações que Hollywood realizou dos bandidos e os estudos realizados pelos criminalistas latino-americanos.


Nas conclusões deste livro, Slatta afirma que é impossível falar de Banditismo Social na América Latina. Estas afirmações resultam da constatação de uma das premissas de Blok: as relações existentes entre os bandidos e as elites rurais regionais dificultam, decididamente, a possibilidade de que o bandido se torne um herói popular ou um defensor dos pobres. Slatta entende que seria preciso utilizar outra terminologia, como bandidos nas guerrilhas ou banditismo político. O banditismo, então, não seria um movimento pré-político, e sim um grupo com objetivos complexos, podendo ou não estar prontos a transformar a sociedade. Entre as motivações estariam a luta contra a opressão, mas também por benefícios pessoais. Os bandidos sociais certamente estariam interessados em si próprios, e alguns chegariam a ser aceitos novamente na sociedade civil sem maiores inconvenien tes. Os rasgos próprios do Banditismo Social, como a distribuição dos roubos entre os camponeses, seriam funcionais às necessidades dos bandidos, antes que um ato de reparação. 

Ante esses argumentos parece difícil continuar a analisar o Banditismo como Banditismo. Mas as reações à análise desse grupo de historiadores não demoraram, e as respostas geraram um intenso debate. O primeiro a se manifestar foi Gilbert Joseph, que não deixou de questionar as principais fontes desse grupo, as fontes oficiais, que acabam sendo parciais, remarcando certos aspectos do banditismo. Joseph também propôs reexaminar as relações sociais nas regiões rurais e as formas da resistência camponesa. Nem todo roubo é um ato de resistência, e ainda a resistência pode estar fora dos grupos de bandidos e em elementos do cotidiano, como pequenos furtos ou apropriações de elementos das classes proprietárias. Estas formas de luta contra os senhores locais mostram que os camponeses tiveram uma tendência ao compromisso maior do que a prevista, e que a baixa intensidade d os conflitos de classe permitem uma convivência relativamente pacífica. A proposta de Joseph retoma a necessidade de analisar o papel das classes médias na criação do mito do Banditismo Social. Ao mesmo tempo, expressa a necessidade de definir novamente o que é o Banditismo Social, em lugar de rejeitá-lo como propunha Slatta.



A resposta de Slatta e de outros foi rápida. No número seguinte da mesma revista, Slatta reafirmou as suas posições, mas admitiu a possibilidade de que os camponeses ajudassem os bandidos. Quando isto acontecia, o apoio era dado por causa das relações de parentesco, amizade ou vizinhança. Sobre a forma de definir o conceito de "Banditismo Social", Slatta optou por uma solução própria da história social, fugiu dos questionamentos foucaultianos de Joseph e partiu para o empirismo, fazendo uma análise de caso. Outro historiador que respondeu ao artigo de Joseph foi o já citado Peter Singelmann, defendendo as posições de Hobsbawm sem fazer outros aportes ou críticas a Joseph, e aparecendo mais receptivo que Slatta sobre a possibilidade de reexaminar o conceito de Banditismo Social.A tréplica de Joseph concentrou-se na necessidade de redefinir a terminologia e os conceitos aplicados à análise do Banditismo Social.

Os debates sobre esta questão não estão concluídos, porém têm sido raras as aproximações em que se tentou uma conceitualização desta temática. De alguma forma a posição de Slatta tem sido a predominante, e não só nestes estudos, a História Social parece ter privilegiado as abordagens empíricas e deixado a teoria de lado.

Continua...

Norberto O. Ferreras


Possui graduação em História - Universidad Nacional de Mar del Plata (1991),obteve o mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense (1995) e o doutorado em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Atualmente é Vice-Presidente da Associação Nacional de História - Seção Rio de Janeiro e professor associado I da Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem experiência na área de História, com ênfase na História da América, atuando principalmente nos seguintes temas: Argentina, América Latina, Trabalho e Trabalhadores e Movimentos Sociais. 


Revista História - Coordenação de Pós-Graduação em História

Lavras da Mangabeira: Primeira parada !

E que venha a Avant Premier do 
Cariri Cangaço 2013 
em Lavras da Mangabeira !

Com conceito de Ruy Gabriel e arte final de Douglas Vais, Lavras da Mangabeira preparou a Arte para acolher o Cariri Cangaço em maio. Para os mais atentos podemos perceber o conjunto forte de significados que compõem a logomarca "Entre Canetas e Bacamartes".

Acima o tradicional chapéu de aba virada, marca registrada do guerreiros do sol... O maravilhoso Boqueirão é a mais feliz manifestação da localização de Lavras da Mangabeira, o Bacamarte nos remete aos tempos de sua mais famosa personagem: Dona Fideralina e por fim o emblemático Rio Salgado como "caminho percorrido".

"Entre Canetas e Bacamartes" mostra a força e a habilidade dos ilustres filhos de Lavras, quando o Bacamarte do século passado foi substituído pela  Caneta, pelas Letras de seus intelectuais que hoje marcam presença na Academia Cearense de Letras, com oito membros, número só inferior ao número de imortais, filhos de Fortaleza...

A toda família Lavrense, a homenagem da família Cariri Cangaço em nome dos amigos Melquíades Pinto Paiva, do Senador Almir Pinto e dos imortais: Josapha Linhares, Joel Linhares, João Climaco Bezerra, Filgueiras Lima, Linhares Filho, Joaryvar Macedo, Batista de Lima e Dimas Macedo.

NOTA CARIRI CANGAÇO: Dias 18 e 19 de Maio, o município de Lavras da Mangabeira recebe a primeira Avant Premier do Cariri Cangaço 2013, tendo a frente o prefeito Tavinho e a secretária de cultura Cristina Couto, é a certeza de um grande evento cultural, histórico e de consolidação de nossas raízes.

O Dia em que o cangaço chorou Por: Inácio Loiola

Inácio Loiola

28 de julho de 1938. Madrugada fria de uma quinta-feira do inverno nordestino que entraria para a história. Há exatamente 74 anos, os cangaceiros Colchete, Marcela, Quinta-Feira, Luiz Pedro, Mergulhão, Elétrico, Alecrim, Moeda, Enedina, Maria Bonita, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, tombam ao barulho ensurdecedor das espingardas escopetas no solo árido da Grota de Angicos, no município de Poço Redondo (SE).

A morte de Lampião e seu bando, embora tenha ocorrido no Estado sergipano, fora planejada e articulada em Alagoas, no governo de Osman Loureiro, que não dava trégua aos cangaceiros. O governador alagoano colocou como ponto de honra a captura desses homens que procuravam fazer justiça com as próprias mãos e aterrorizavam a população do Sertão.

Depois de anos de perseguição, o cerco a Lampião aumentava até que as volantes sob o comando do tenente João Bezerra, aspirante Francisco Ferreira e sargento Aniceto Rodrigues conseguiram o êxito de descobrir o coito (local), onde os cangaceiros se refugiavam para descanso. Quem deu a dica do lugar que ficava às margens do Rio São Francisco, em território sergipano, fora os coiteiros, irmãos Pedro e Durval de Candido, que residiam em Piranhas, na vila Entremontes. Fizeram isso sob a pressão dos policiais.


Alcino Alves Costa e Inacio Loiola

O planejamento de chegar até à Grota de Angicos e surpreender os cangaceiros ocorrera na noite anterior ainda em Alagoas. Detalhado o plano, o passo seguinte fora atravessar o São Francisco de canoa no embalo da correnteza e embrenhar-se na Caatinga. Maria Bonita, ao levantar, fora uma das primeiras a ser atingida pelos tiros. Ela, Lampião e mais nove morreram no local, do total de 36. Os demais se evadiram. Do lado das volantes, morreu o soldado Adrião.

Cessado o fogo, os soldados cometeram a atrocidade de cortar as cabeças dos cangaceiros e levá-las a Piranhas. O município serviu de palco para a exposição das cabeças dos cangaceiros que ainda percorreu algumas cidades sertanejas até serem levadas para o Instituto de Medicina Legal Nina Rodrigues, em Salvador.

A morte do cangaceiro Corisco, que pertencia ao bando de Lampião e liderava um grupo, em Miguel Calmom, na Bahia, em 25 de maio de 1940, em combate com a volante do tenente Zé Rufino marca o fim do cangaço no Nordeste, mas o cangaço entra para a história do Brasil, com Lampião, o mais famoso cangaceiro, que era oriundo de Vila Bela, hoje cidade de Serra Talhada (PE).

Inácio Loiola
Pesquisador do Cangaço
Ex-Prefeito de Piranhas, Deputado Estadual

Lavras da Mangabeira: Avant Premier do Cariri Cangaço 2013!


Chama Acessa Por:Moacir Assunção

Lampião, gravura de Júlio Carvalho

O fogo de uma metralhadora Hot Kiss estrategicamente postada ceifou, em uma madrugada enevoada, a vida de um dos maiores mitos do sertão brasileiro. Na grota de Angicos, município de Poço Redondo (SE), um labirinto de pedras ao lado do rio São Francisco, morriam, em 28 de julho de 1938, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, sua companheira Maria Bonita e outros nove cangaceiros. Considerado "enfeitiçado" e imoral pelos sertanejos, Lampião, que já havia escapado de inúmeros combates e tocaias, morreu sem dar um tiro sequer. Sua fama de imortalidade ficou, junto com o corpo retorcido, no chão do riacho seco que cruza Angicos. As 11 cabeças foram levadas pelos algozes para exposição e estudos no Instituto Nina Rodrigues, de Salvador.

Sessenta anos depois de sua morte, que praticamente pôs termo ao cangaço, a figura de Lampião, morto pelo comandante de volante (grupos móveis de policiais que atacavam os cangaceiros na caatinga) João Bezerra, cresceu muito, até atingir a dimensão de mito.

Personalidade contraditória, Lampião não foi, embora tenha sido pintado dessa forma, inclusive pelos prestigiados jornais "The New York Times" e "Paris Soir", um bandido social. Apesar disso, pesquisadores como Antonio Amaury Corrêa de Araújo, autor de seis livros sobre o cangaço, afirmam que ele teve, algumas vezes, atitudes de Robin Hood, ao dividir o produto de seus saques com a população carente. Ao mesmo tempo em que agia assim, o cangaceiro celebrava acordos espúrios com os reacionários coronéis nordestinos.




Capitão do exército e interventor federal em Alagoas, quando Lampião ainda estava vivo, Eronildes de Carvalho, acusado de fornecer armas e munição modernas ao bandoleiro, foi um dos seus mais notórios defensores. Na Paraíba, Lampião contava com o providencial apoio do coronel José Pereira, personagem central da Revolução de 30, com quem posteriormente se indispôs. Em Alagoas, o cangaceiro também podia ficar tranqüilo. Era protegido por membros da família Malta, antepassados da ex-primeira-dama Rosane Collor de Mello, que davam excelente cobertura a Lampião. Em troca de tanta "generosidade", os cangaceiros eram usados na política local, protegendo coronéis e suas fazendas e, em alguns casos, eliminando adversários incômodos.

Para o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello, um dos grandes especialistas brasileiros no assunto, o fenômeno do cangaço é resultado da colonização violenta e do isolamento cultural do sertão, região semi-árida que corresponde a 49% do território nordestino. "Os homens que colonizaram o sertão, terra ignota até metade do século passado, foram os rudes soldados que derrotaram o poderoso exército holandês da época, negros vindos das minas do sul e bandeirantes paulistas que mal falavam o português. Ao chegar, defrontaram-se com os índios tapuias, que, ao contrário dos mansos tupis do litoral, eram bravos e sanguinários. O choque desses dois grupos só poderia gerar uma raça habituada ao cheiro de sangue", sustenta o pesquisador, que tem um punhal de prata, com detalhes em ouro, que pertenceu a Lampião.

Em alguns momentos, a violência da figura do cangaceiro e o poder de persuasão do líder religioso, outro personagem importantíssimo do sertão, se aproximam. Exemplo típico é a Guerra de Canudos, na qual multidões de sertanejos, entre eles temíveis bandidos vindos das lavras de diamante de Lençóis (BA), reuniram-se em torno do beato Antônio Conselheiro. Aproximações semelhantes ocorreram também com Lampião. Em Juazeiro do Norte (CE), em 1926, o líder messiânico padre Cícero, que já enfeixava considerável poder político, ofereceu, para espanto de autoridades e militares, o título de capitão dos Batalhões Patrióticos ao cangaceiro para que ele enfrentasse um inimigo muito mais temido pelos coronéis: a Coluna Prestes, que circulava pela região. O bandoleiro teve apenas algumas escaramuças com patrulhas do Cavaleiro da Esperança, Luís Carlos Prestes.


Em 1927, após ser derrotado em Mossoró (RN), Lampião cruzou o rio São Francisco e internou-se na Bahia, justamente no Raso da Catarina, área onde atuara Antônio Conselheiro. Grandes guerreiros de Canudos, Pajeú e João Abade, sob cujo comando sertanejos derrotaram três expedições militares, usaram em seus combates táticas de guerrilha semelhantes às que viriam a ser usadas pelos cangaceiros de Lampião décadas depois. Ap
esar de ser um personagem arcaico, que usava patuás e rezas bravas característicos da religiosidade medieval, Lampião, cuja inteligência e bravura eram reconhecidas até pelos inimigos, utilizou vários ardis para se manter tanto tempo no cangaço. As táticas iam desde o suborno de comandantes de volantes até a conquista da simpatia e apoio da população com boas ações isoladas, como fazem, nos dias de hoje, os traficantes dos morros cariocas. "Conversei com vários ex-chefes de volantes que me confirmaram ter recebido dinheiro de Lampião para fugir ao combate", revela o pesquisador Antonio Amaury. Espremida entre os cangaceiros e a polícia, quase sempre tão brutal quanto os bandidos, a população civil não sabia a quem recorrer.

Lampião se sentia tão seguro do seu poder que, em 1925, chegou a mandar um telegrama ao governador de Pernambuco propondo que esse dominasse o estado até Arcoverde (então Rio Branco), enquanto ele governaria o sertão. Embora o fato tenha sido apenas uma brincadeira do Rei do Cangaço, dá uma idéia da sua certeza de impunidade ao atacar vilas do interior.
Polêmica

As comemorações pelo centenário de Lampião e a proposta, aprovada por unanimidade pela Câmara de Triunfo (PE), de construção de uma estátua em homenagem ao cangaceiro dois metros mais alta que o Cristo Redentor serviram para reacender antigos rancores. Um dos mais tenazes inimigos do bandoleiro, Davi Jurubeba passou oito anos perseguindo os cangaceiros na caatinga e se irrita à simples menção da idéia. "Lampião foi um bandido cruel e estuprador. Como podem querer homenagear alguém como ele?", pergunta Jurubeba, que perdeu 17 parentes nas mãos dos cangaceiros. O pernambucano, que garante jamais ter fugido dos bandidos, jura que, se fosse mais jovem, impediria a construção do monumento. Com certeza, obteria sucesso. Quem teria coragem de contrariar o homem que jamais fugiu de Lampião?

Filho de João Bezerra, o comandante da volante que matou o Rei do Cangaço, o administrador de empresas Paulo Brito, acredita que há uma tentativa de transformar Lampião em um herói. "Reconheço sua valentia, mas ele foi um bandido, que jamais poderia servir de exemplo para ninguém", diz ele, que já hospedou em sua casa, em Recife, Vera Ferreira, neta do bandoleiro. Brito lembra que seu pai, apelidado de Cão Coxo pelos cangaceiros, admirava Lampião, que também o respeitava, apesar da inimizade de ambos.

Cangaceiros , como Ilda Ribeiro de Souza, a Sila, e Manuel Dantas Loiola, o Candieiro, morador de Buíque (PE), participaram das homenagens na época; que, na opinião deles, estão corretas. Ambos escaparam da batalha de Angicos. Quando fugia sob cerrado tiroteio, Sila viu a amiga Enedina ser morta com um tiro na cabeça pelos soldados. "Em meus dois anos no cangaço, vi Lampião matar traidores e inimigos em combate, quando as chances são iguais para os dois lados, mas nunca tive notícias de que ele assassinasse inocentes ou desrespeitasse famílias", afirma.


Hoje um pacato comerciante, Candieiro, anos atras se encontrou, no local do massacre, com o velho inimigo Panta de Godoy, matador de Maria Bonita, lembra que Lampião aparentava estar cansado das lutas no sertão. "Ele dizia que só brigava se estivesse num apuro muito grande e não tivesse outro jeito", revela. Vera Ferreira diz ver o avô famoso como um homem que não podia agir de outra forma diante das circunstâncias que o levaram ao cangaço. O pai, José Ferreira, foi morto pelo delegado Amarílio Vilar, inimigo de Lampião. "Ele não foi herói nem bandido. Foi um homem valente, que, junto com seus cangaceiros, enfrentou a injusta ordem social vigente. Se não fizesse isso, seria um omisso, como tantos da época", afirma.

- O matador de Lampião, João Bezerra, morto em 1970, tinha, curiosamente, uma trajetória muito semelhante à de sua vítima. Acusado de ter sido um dos fornecedores de armas aos cangaceiros, Bezerra, entre outras coincidências, nasceu no mesmo dia e ano de Lampião.

- Apesar de ter vivido tanto tempo no cangaço, em alguns casos exterminando famílias inteiras, como os Gilo e os Quirino, Lampião jamais conseguiu matar Zé Saturnino, seu primeiro grande inimigo, e Zé Lucena, responsável indireto pela morte de seu pai, e pela sua própria, como comandante de João Bezerra.

Moacir Assunção

Fonte:http://www.sescsp.org.br

Iconografia do Cangaço !

A história do cangaço brasileiro ganhou o imaginário popular como poucos outros casos de revoltas populares na História do Brasil. Lampião, o grande responsável por tirar o movimento do sertão profundo e levá-lo para os jornais das grandes cidades, soube valer-se dessa grande invenção que se popularizou no início do século XX: a fotografia.

Através dos registros fotográficos, feitos, num primeiro momento, por fotógrafos ocasionais espalhados pelo sertão e, depois, pelo libanês Benjamin Abrahão – autor da série mais significativa dessas imagens –, o cangaço ganhou as páginas dos jornais e a imaginação popular. Com as notícias, que se produziam ora enaltecendo os feitos de bravura, ora narrando enfaticamente a crueldade dos crimes dos cangaceiros, as personagens dessa história foram se encorpando no imaginário do povo. Daí para as canções populares, os cordéis e as lendas sertanejas foi um pulo.

Reunir essas fotografias com qualidade gráfica e sistematização é produzir, além de um documento para a posteridade, uma nova chance de avaliar a importância histórica desse movimento. As fotografias, sobretudo as de Benjamin Abrahão, revelam detalhes das vestimentas, pormenores do cotidiano, costumes e hábitos disso que se convencionou chamar de estética do cangaço. Da riqueza estética ao interesse histórico, este livro propõe uma reflexão sobre o papel da iconografia para a criação de mitos populares, e como, a partir dela, o povo opera seu próprio imaginário de construção de um mito.

Por fim, um brinde ao leitor: o DVD que acompanha o livro traz imagens em movimento produzidas por Benjamin Abrahão, agora numa nova montagem feita por Ricardo Albuquerque, que privilegia as cenas tematicamente e foge à caricatura impressa ao filme Lampião: o rei do cangaço, que reuniu em 1955 as imagens censuradas no final da década de 1930. Além de uma nova montagem, esta nova edição traz também aproximadamente 5 minutos a mais, recuperados, em 2002, pela Cinemateca Brasileira.


Fonte:www.operaprimacultural.com.br

Iconografia do Cangaço - 
Organização, Ricardo Albuquerque
Capa dura, 216 páginas, 23 x 25 cm,  1.3 kg
INCLUI UM DVD COM AS IMAGENS DO FOTÓGRAFO BENJAMIN ABRAHÃO

NOTA CARIRI CANGAÇO: Foi livro de Cangaço o assunto é.. Professor Pereira, 
entre em contato: franpelima@bol.com.br

Quanto custa fazer um santo? Por: Renato Casimiro



Há alguns anos atrás, de uma pessoa que não poderia ser classificada, na época, de fantasiosa ou mentirosa, ouvi uma resposta para a minha preocupação sobre a seguinte pergunta: Quanto custa fazer um santo? A resposta, sem maiores explicações era que rondava por volta de 1 milhão de euros. Achei de pronto que era muito dinheiro para o pretendido. Por estes dias encontro uma resposta mais bem fundamentada. No seu livro Como se faz um santo, D. José Saraiva Martins revela-nos os custos de um processo de canonização. Ele é um cardeal português que entre 1998 e 2008 dirigiu a Congregação da Causa dos Santos, dicastério romano que trata de beatificações e canonizações. Ele está hoje com mais de 80 anos. Diz ele que os emolumentos da Santa Sé, isto é, os custos processuais, não ultrapassam os 6.000 euros e o total dos honorários para médicos, teólogos e bispos que estudam e julgam as causas, anda à volta de 8.000 euros. 

A publicação da Positio, isto é, da causa da beatificação ou canonização, custa mais de 10.000 euros. São numerosas as regras estéticas e de impressão a que está sujeita por imposição da Congregação para as Causas dos Santos. Não se contabilizam milhares de horas de trabalho voluntário de uma equipe que é liderada pelo postulador e vice-postulador, nem as inúmeras viagens que é preciso fazer. O postulador tem de se deslocar ao Vaticano mais de 30 vezes, tendo de suportar viagens e estadias, cujos gastos, mesmo por baixo, nunca são inferiores a 20 mil euros. Na fase de canonização, o número de deslocamentos a Roma pode reduzir-se para metade, 10 mil euros, mas a Positio tem de voltar a ser publicada. Mais 10 mil euros. Assim, para se fazer um santo são necessários, pelo menos, 64 mil euros. Estes números foram propostos por D. José Saraiva Martins em 2009. A preços de hoje, isto gira ao redor de R$163.200,00. Mas, como ele mesmo adverte, há uma porção de outros custos que não são previamente especificados. Logo, o custo pode beirar uns R$300.000,00, dependendo do que será gasto na origem, quando o processo é aberto na Diocese respectiva. O caso da menina Benigna e, eventualmente, do Pe. Cícero não muda muito esta cena.

Renato Casimiro
http://colunaderenato.blogspot.com.br

Por todo Cariri... Por Frederico Pernambucano de Mello


...Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Missão Velha, Aurora, Barro, Porteiras, Lavras da Mangabeira...

"Caro Severo,
Como estou dando fé, 
vosmecê passeia vitorioso por todo o Cariri!
Parabéns e o abraço do admirador"
Frederico Pernambucano de Mello.

E que venha o Cariri Cangaço 2013 !!!

Contribuição inestimável ! Por: Renato Casimiro


Eu dedico uma atenção especial à contribuição histórica de muitos autores que se debruçam sobre documentos e fatos que compõem a memória histórica de seus municípios de origem ou de adoção. Assim, tenho uma vasta prateleira sobre quase todos os municípios do Ceará. Uns mais alentados, outros mais modestos. Interessante que isto nasceu, até este zelo mais típico de bibliófilo, verificando que as questões de maior interesse em Juazeiro do Norte, frequentemente estão lá, por personagens, fatos, imagens, e acontecimentos de destaque. São particularidades que nos ajudam a compreender esta relação que tanto contribuiu para a realidade desta hegemonia que a terra do Pe. Cicero goza. Destaco nesta lembrança recente Venda grande d´Aurora, de João Tavares Calixto Júnior (Expressão Gráfica e Editora, Fortaleza: 2012, 300p, ilus.). O autor a produziu estilizando-a à maneira de uma cronologia, bem sistematizada, à moda de efemérides contadas desde os primórdios do atual município de Aurora, ainda no alvorecer do século XVIII. 

Um primor de trabalho, uma contribuição inestimável que fica para gerações futuras trabalhar em aprofundamentos e complementações com novas fontes. São tão poucas as referências em livro para uma melhor história de Aurora que o autor, ao meu sentimento, abriu enormes espaços para a continuidade destas pesquisas, envolvendo o seu crescimento social, a presença da religião católica, uma vereda para imprensa, etc. No caso de Juazeiro do Norte, a interface se dá, especialmente com a chegada de Floro Bartholomeu da Costa e do conde Adolphe Aquille van den Brule ao município, interessados em prospecção de cobre na região da fazenda Coxá, a sua demarcação e exploração do minério que ali ocorre. Junte-se a isto a participação de líderes políticos do município nos entendimentos para a emancipação e inauguração da vila de Joazeiro. Excelente trabalho que louvo e divulgo. 

Outra contribuição importante também foi dada por Elisandro Pereira de Carvalho ao publicar este Araripe: “lugar onde nasce o dia” – 100 anos de gênese documentada, tomo I (1859-1959) (Bureau de Serviços Gráficos: Juazeiro do Norte, 2011, 156p, ilus.). Neste caso, Araripe começa ter a sua história relatada em livros. Tudo o que importa ao conhecimento da história deste município parece ainda jazer em arquivo e velhos documentos do século XIX, em arquivo públicos. Enalteço o incentivo proporcionado pelo prefeito Humberto Germano Correia que compreendeu o alcance da empreitada de Elisandro Carvalho.     

Renato Casimiro
colunaderenato.blogspot.com.br   

A Chegada de Sinhô Pereira ao Cariri Cangaço Parte II Por: Jorge Remigio

Sebastião Pereira e Luiz Padre

Com o advento do Marechal Hermes da Fonseca à presidência da república em 1910 e a sua “Política Salvacionista,” a qual tinha como lema, moralizar os costumes políticos e reduzir as desigualdades sociais, preocupa-se em derrubar as velhas oligarquias do Partido Republicano Conservador nos Estados, estimulando a substituição dos governadores por militares. É lançada a candidatura do General Emílio Dantas Barreto, então, Ministro da Guerra, ao governo de Pernambuco na eleição de 1911. O chefe político da família Pereira, Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva, o qual fora desprestigiado politicamente pela Oligarquia Rosista, passa agora a apoiar o General Emílio Dantas Barreto, que disputava uma eleição contra o próprio Rosa e Silva, apoiado agora pelo clã dos Carvalho em Vila Bela. 

Em todo o Estado a disputa é fervorosa, principalmente na Capital. Apuradas as urnas, Rosa e Silva ganha com uma margem superior a três mil votos. No Sertão do Estado, o General Dantas Barreto só ganhou em duas cidades: Vila Bela e Salgueiro. É uma amostra de que o Coronel Antônio Andrelino ainda tinha influência e poder na região onde militava politicamente. Houve uma reação imediata do grupo de apoio ao General, em não aceitar o resultado do pleito. Alegavam fraude. O Jornal Diário de Pernambuco era de Rosa e Silva. Os Jornal A Província e O Pernambuco defendia interesses Dantista, os quais reclamavam uma vitória de Dantas Barreto. O clima de guerra generalizou-se em Recife, população amotinada, tiroteios, depredações, a Câmara impossibilitada de reunir-se e com a intervenção de tropas federais, muda-se todo o processo que até então, dava vitória a Rosa e Silva. Anulam-se as eleições de Triunfo e de Águas Belas e em assembléia extraordinária é reconhecida a vitória de Dantas Barreto ao governo do Estado.
                     
General Dantas Barreto
      
Os Pereira readquirem o poder político no município e o Coronel Antônio Andrelino Pereira é alçado novamente ao poder. Porém, essa situação transformou-se rapidamente. Uma campanha sistemática de denúncias enviadas ao governador por telegramas, pelos adversários de Antônio Andrelino, ao menor incidente envolvendo membros da família Pereira, a intervenção nesse processo do Monsenhor Afonso Antero Pequeno, que assumiu uma postura conspiratória, publicando notas nos jornais da capital, alegando que: 

“Dar o poder a Antônio Andrelino, é como dar uma espada para um louco”. 

Como tinha amizade com o Padre Batista Cabral, o qual era membro e tinha força no diretório Dantista estadual, passou o monsenhor a influenciá-lo. Comungando tudo isso a uma postura de conciliação do novo governo, em aproveitar as forças derrotadas, levou rapidamente o Coronel Antônio Alves do Exu à presidência do diretório em Vila Bela, consequentemente a mandar politicamente na cidade e adjacências. Esse ano de 1912 começava realmente nefasto para o clã dos Pereira. Iniciava-se aí a derrocada política e econômica do Coronel Antônio Andrelino, dono da famosa fazenda Pitombeira, herdada do seu pai, o Barão do Pajeú. Os ânimos já bastante acirrados e agora com os Carvalho no poder, isso implicava ter as forças policiais ao seu dispor.
                               
Nessa época, Dona Chiquinha já residia no Barro-CE, com os filhos. O Barro do Major José Inácio de Souza. Manoel Pereira da Silva Filho, o Né Dadu, sempre andava entre o sertão das Alagoas e a ribeira do Pajeú com quatro ou cinco cabras de confiança e era perseguido sistematicamente por membros dos Carvalho em junção com as forças policiais. Os dois clãs familiares eram distribuídos em fazendas, verdadeiros feudos. Os Carvalho tinham na fazenda Barra do Exu, do chefe político Coronel Antônio Alves da Fonseca Barros, o seu “Buck” maior, como também, era sede das discussões políticas. Seguido das Fazendas Umburanas de Jacinto Alves de Carvalho, conhecido por Sindário, Antônio e José da Umburana e a Fazenda Piranhas de Lucas Alves de Barros. Os Pereira com as Fazendas Carnaúba de Manoel Pereira Lins, o Né da Carnaúba e Pitombeira do Coronel Antônio Andrelino Pereira da Silva. Eles eram mais financiadores das empreitadas de defesa e ataque. Entraram no conflito armado em situações extremas, como ocorreu em 1908, quando a Vila de São Francisco foi cercada por grande contingente de jagunços e familiares do Coronel Antônio Alves do Exu, sitiando Né Dadu e vinte e cinco homens que cuidavam da defesa respondendo ao fogo cerrado dos inimigos. Quando os sitiados chegaram a uma situação limite, quase sem munição, chega o socorro salvador dos parentes Manoel Pereira Lins, Antônio Andrelino, Baião Pereira e Cincinato Pereira, com mais de cem homens e após três horas de tiroteio, o cerco é rompido. 

 Sob monumento na Matriz de Santo Antônio do Barro, descansa o corpo de Dona Chiquinha Pereira.

A Vila de São Francisco concentrava os Pereira mais diretamente ligados na vingança, muitos com sobrenome Pereira Valões.  Como era de praxe, a oligarquia que estivesse de cima na política, tinha todas as benesses do poder. Isso só acirrava ainda mais o conflito. É notório, que o acompanhamento de membros da família Carvalho em diligências policiais, geraria constrangimento aos familiares adversários. E foi justamente o que ocorreu em 1915 na Vila de São Francisco, quando Sebastião Pereira, então com 19 anos, foi insultado, agredido por Antônio da Umburana e policiais, como também a sua genitora, Constância Pereira de Sá e uma governanta velha, passando todos por uma situação vexatória.           

No dia 16 de outubro de 1916, Né Dadu é morto covardemente pelo cabra apelidado de Palmeira ou Zé Grande. O assassino tinha trabalhado para os Carvalho e encontrava-se preso por furto. Né Dadu o retirou da cadeia, mesmo os familiares censurando essa sua atitude arriscada e imprudente. Ponderava, alegando que o cabra poderia lhe passar importantes informações sobre os seus inimigos. 

Na primeira oportunidade que teve, Palmeira executou Né Dadu com um tiro de rifle e fugiu na escuridão. A parcialidade de instituições como Polícia e a Justiça eram tamanha, que nem o inquérito policial foi instaurado para apuração do crime. 

...Esse fato extremo foi o estopim final para o
jovem Sebastião Pereira da Silva, então com vinte anos e nove meses, tomar a decisão extrema de formar bando e ingressar no cangaço de vingança.  

Tinha muita disposição para isso, era solteiro e o caçula dos vinte e um irmãos. A princípio, teve o apoio unânime da família. A decisão de migrar para o sul do Ceará, mais precisamente para a Vila do Barro, foi uma atitude pensada, arquitetada, sem o arrebatamento da emoção e da vingança precipitada. A “mão de obra” do trabuco, existente no Cariri Cearense era bastante farta e experiente, como também, o laço de amizade da família Pereira com o Major Zé Inácio de Souza, solidificou-se ainda mais com o casamento da sua filha Virgínia Amélia com José Simplício Pereira, conhecido por Pereirão, neto do Barão do Pajeú e sobrinho do coronel Antônio Andrelino. 

Não entendo qualquer tipo de cangaço, sem a mobilidade necessária. É uma condição “sine qua non” para existência de qualquer bando. Então, Dispondo Sinhô Pereira da proteção importante e de um coito seguro e impenetrável nas fazendas do major José Inácio, isto foi bastante significativo e decisivo para sua militância no banditismo de vindicta, por quase seis anos. Caso tivesse constituído o seu bando com cabras e jagunços das fazendas dos familiares, seria inviável do ponto de vista da mobilidade como falei acima. O bando formado no Barro passou a fazer investidas rápidas contra os inimigos na região do Pajeú e em seguida, retornavam ao coito seguro e impossível de ser molestado naquele momento, dada a força política e o poderio bélico que dispunha o major todo poderoso do Barro.

É evidente, que não existe almoço grátis e, mais na frente, o major José Inácio vai solicitar algum “trabalho” do bando de Sinhô Pereira. O Pajeú pegou fogo no ano de 1917. As investidas do bando comandado por Sinhô e o primo Luis Padre às Fazendas Piranhas e Umburanas foram devastadoras, levando seus donos a migrarem para cidade enquanto organizavam a defesa. Jacinto Alves de Carvalho, o famoso Sindário, constituiu também bando de cangaceiros para defender-se e também investir contra o bando de Sinhô. O governador de Pernambuco, Manoel Borba, mandou para Vila Bela, nesse ano, na tentativa de barrar os sucessivos embates entre o bando de Sinhô e membros da família Carvalho, vários oficiais e um grande contingente de soldados. Os graduados: João Nunes, Teófanes Torres, Optato Gueiros, Lira Guedes, José Caetano, Cardim e Manoel Bigode. 

Teófanes Torres

O bando de Sinhô variava muito o número de componentes, dependendo muito da empreitada a ser cumprida. Quando Luis Padre e Sinhô Pereira tomaram conhecimento do paradeiro do assassino do seu irmão, o famigerado Palmeira, logo rumaram para o Estado de Alagoas na companhia de dois cabras para executar a vingança. Essa foi concretizada à punhaladas pelo próprio Sinhô. Ao retornarem para Vila de São Francisco, tomaram conhecimento que Luiz de França, o assassino do Padre Pereira, estava residindo na Serra Vermelha. Foram incontinenti, fazer-lhes uma “visita”, encontrando-o na hora do jantar. Luiz de França tentou fugir na escuridão da noite, o qual tinha sido ferido à bala, sendo encontrado e morto na manhã seguinte.

É necessário esclarecer, que nessa intriga e luta dos Pereira e Carvalho, não se envolviam todos familiares. Tinham os cabeças, ligados diretamente ao conflito. Os alvos diretos de Sinhô Pereira e Luis Padre, eram: Jacinto Alves de Carvalho, o Sindário, seus irmãos Antônio da Umburana e Mocinho. O Zé da Umburana foi assassinado de emboscada em 1911. O crime não foi atribuído aos Pereira. A vítima tinha deflorado uma moça da localidade São Serafim, hoje Calumbi-PE. Os familiares desta o executaram. João Lucas das Piranhas, esse com parentesco com Pereira. Natinho, João Nogueira, o qual era cunhado de Sinhô, o coronel Francisco Alves do Exu e o irmão Agnelo.  De todos esses inimigos figadais de Sinhô Pereira, só Antônio da Umburana sucumbiu vitimado pela arma pontiaguda do vingador. 

Sinhô teve informações que Antônio da Umburana estava no povoado de Queixada, hoje Mirandiba-PE, então, dirigiu-se até lá com o bando e após várias horas de tiroteio e resistência de Antônio que estava no interior de uma residência, este teve que sair para não morrer queimado após terem ateado fogo na casa. Morreu com várias punhadas desferidas pelo cangaceiro vingador. No ano de 1918, já não era unânime a aceitação dos Pereira, referente às atividades cangaceira de Sinhô e Luis Padre. Existia no seio da família um desgaste psicológico grande, um clima de constante expectativa e sobressaltos, como também, grandes perdas econômicas. Após o falecimento de Dona Chiquinha, no Barro-CE, acometida pela avassaladora epidemia da gripe espanhola, naquele mesmo ano de 1918, resolve os primos: Sinhô Pereira e Luis Padre, abandonar o cangaço e seguirem juntos para o Estado de Goiás. 

 Fazenda do major Zé Inácio do Barro
                        
A viagem transcorria normal até então e, estrategicamente, se dividiram para não despertar a curiosidade de transeuntes ou mesmo de alguma força policial. A intenção era encontrarem-se ainda no Estado do Piauí, próximo da cidade Caracol e seguirem até o destino final, São José do Duro, corruptela de São José D’Ouro, em Goiás, hoje Estado de Tocantins. Porém, o grupo de Sinhô Pereira é surpreendido por uma força policial piauiense, comandada pelo Tenente Zeca Rubens e após dois confrontos sucessivos com baixas em ambos os lados, Sinhô Pereira não teve mais condições de consumar o seu intento, retornando ao palco de guerra no Pajeú e Cariri Cearense.  O crescimento econômico e o poderio político do major José Inácio foram vertiginosos. O seu “modus operandi” é questionável, justificando-se e amparando-se na prática comum à época, que era a deposição de chefes políticos pelo uso da força e atitudes nada civilizadas. 

Na maioria das vezes com a conivência ou omissão do próprio poder estadual, encastelado na capital do estado. Sinhô Pereira já há mais de dois anos dispondo da proteção, munição farta, contingente de homens afeitos àquela profissão, tudo disponibilizado pelo Major José Inácio, é inconcebível que este não se envolvesse nos interesses e questões do protetor e amigo, caso fosse requisitado. Nas ações de interesses do chefe político do Barro, em que tomou partido, desviadas do seu objetivo principal que era a vingança familiar, considero pontuais. Em vinte de janeiro de 1919, na zona rural de Milagres, invade com o bando a casa da senhora Praxedes, viúva do coronel Domingos Leite Furtado, de onde é roubada uma quantia considerável em dinheiro. Um ano depois, vinte de janeiro de 1920, a casa da fazenda do Coronel Basílio Gomes da Silva, localizada no Município de Brejo Santo é saqueada. Este não procurou providências temendo represálias. Dois anos depois, em dezenove de janeiro de 1922, por desavença, interesses políticos e rixa familiar do amigo e protetor José Inácio, Sinhô invade a Vila de Coité, Distrito de Mauriti, reduto e residência do Padre Lacerda, desafeto de José Inácio de Souza. 

 Padre Lacerda

A resistência do povoado é heróica, impossibilitando os invasores de aniquilar o Padre Lacerda que no interior de sua casa com jagunços e amigos, respondeu a altura o intenso tiroteio. Esse episódio é emblemático para a derrocada do Major José Inácio. Iniciam-se as pressões por parte do Presidente do Estado Justiniano Serpa, motivadas por uma enxurrada de denúncias e artigos publicados em jornais da capital, contra o maior coiteiro de cangaceiros de que se tem notícia para as bandas do Cariri. O pacto envolvendo os Estados da Paraíba, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte é concretizado, podendo agora, suas forças policiais ultrapassarem as divisas estaduais em perseguição de bandoleiros, sem a necessidade da autorização prévia. O major José Inácio já planejando retirar-se do seu feudo para terras distantes, arquiteta sua última investida contra os fazendeiros na região de Catolé do Rocha-PB, Waldevino Lobo, Adolfo Maia e Raquel Maia, com o nítido objetivo de usar esse dinheiro em novo domicílio. 

O plano é executado pelo bando de Sinhô Pereira, agregado ao de Ulisses Liberato e muitos cabras do Major. Não chegaram até a fazenda de Raquel Maia. Achou por bem Sinhô Pereira, retornar ao Barro, após saquearem Waldevino Lobo e Adolfo Maia. Logo em seguida, José Inácio é preso, porém, por pouco tempo. Sua fuga, meio que facilitada, encerra-se um capítulo na história coronelística do Cariri Cearense. Os fatos narrados acima ocorreram em um espaço de três anos. Entendo que Sinhô Pereira cometeu muitos “pecados” fora do seu objetivo principal, que era a vingança. Entendo também, que não houve uma transtipificação do seu cangaço, ou seja, não enxergo que tenha feito um cangaço de negócio, meio de vida. O bando não era sustentado com dinheiro de saque. 

 Jorge Remígio

Naquele mundo estranho que foi o cangaço, todos pecaram: Coronéis, Cangaceiros, Coiteiros e Policiais. Com a saída do Major José Inácio do seu território, o cangaço de Sinhô Pereira ficou inviável. As investidas que fazia contra os inimigos no Pajeú e o retorno seguro para o Barro, não existiam mais. 

Lampião praticamente assumiu o grupo no mês de maio de 1922. Não comungo com a ideia de que Sinhô Pereira tenha influenciado no ataque à casa da Baronesa de Água Branca em junho de 1922. Lampião já tinha autonomia sobre o bando. Quando Sinhô parte para sua viagem e abandona totalmente sua vingança, a entrega do bando para Lampião em agosto daquele ano é puro simbolismo. Lampião era detentor do produto do saque em Água Branca. Sinhô teve uma considerável ajuda financeira dos parentes Manoel Pereira Lins e Isidoro Conrado para a sua viagem. O agora ex-cangaceiro partiu ao encontro do primo Luiz Padre e do amigo José Inácio de Souza, com um sentimento de não ter concretizado a sua vingança. Advogo a tese, de que o cangaço é muito mais dependente e ligado ao Coronelismo do que se possa imaginar. Essa ideia vale para qualquer tipo de CANGAÇO.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
- Albuquerque, Ulisses Lins.  UM SERTANEJO E O SERTÃO

- Barreto, Ângelo Osmiro. ASSIM ERA LAMPIÃO

- Carvalho, Rodrigues de. SERROTE PRETO

- Dantas, Sérgio Augusto de Souza. LAMPIÃO, ENTRE A ESPADA E A LEI

- Melo, Frederico Pernambucano de. GUERREIROS DO SOL

- Maciel, Frederico Bezerra. LAMPIÃO, SEU TEMPO E SEU REINADO. vol. I

- Neves, Napoleão Tavares. CARIRI, CANGAÇO, COITEIROS E ADJACÊNCIAS

- Sá, Luiz Conrado Lorena. SERRA TALHADA 250 ANOS DE HISTÓRIA, 

- Sousa, Severino Neto. JOSÉ INÁCIO DO BARRO E O CANGAÇO

- Wilson, Luis. VILA BELA, OS PEREIRAS E OUTRAS HISTÓRIAS

Jorge Remígio