O ataque a Belmonte Parte I Por: Rostand Medeiros

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Rostand Medeiros no Cariri Cangaço 2010

Como já foi bastante comentado, devido as sérias perseguições contra a família de Virgulino Ferreira da Silva, seguido do assassinato do seu pai pela ação desastrosa de um grupo de policiais alagoanos no lugar Matinha de Água Branca, em 9 de junho de 1920, fez com que ele e seus irmãos Antônio e Livino, se transformem definitivamente em cangaceiros.Os irmãos Ferreiras se juntam ao bando conhecido como Porcinos e depois, em agosto de 1920, passaram a servir sob as ordens do chefe cangaceiro Sebastião Pereira, o conhecido Sinhô Pereira. Em meio às ações junto com Sinhô, Virgulino recebe a alcunha de Lampião.A ligação de amizade entre Sinhô e Lampião vai ocasionar, em outubro de 1922, a morte de um importante comerciante chamado Luiz Gonzaga Lopes Gomes Ferraz, da cidade de Belmonte (atual São José do Belmonte), no sertão pernambucano. Este caso, um dos mais emblemáticos do período em que parte do Nordeste foi flagelado pela figura do temido cangaceiro Lampião, teve uma grande repercussão.Muito já foi comentado sobre este episódio, mas no Arquivo Público do Estado de Pernambuco, nas amareladas páginas dos antigos jornais, foi possível encontrar novas informações.

Uma Interessante Carta. No domingo, 11 de março de 1923, foi publicada no jornal recifense “A Província”, uma grande carta vinda da cidade de Belmonte, cujo autor se intitulou “Um Assignante”. Neste volumoso documento ele narra pormenorizadamente o conflito ocorrido na sua cidade em outubro do ano anterior, que culminou na morte do comerciante Gonzaga.Em maio de 1922, segundo o autor da missiva publicada no periódico, se encontrava em Belmonte a volante policial Pernambucana, comandada pelo tenente Cardim. Esta volante estava a caça do grupo de cangaceiros de Sinhô Pereira e tinham informações que estes se encontravam no lugar “Olho D’água”, uma serra próximo a fronteira do Ceará e da Paraíba.

Sinhô Pereira
Para alcançar seu objetivo o tenente Cardim solicitou apoio de uma volante da polícia cearense, que teria em torno de sessenta membros, cujo autor da carta não declina o nome do comandante, mas afirma que este era “um antigo cangaceiro”. Consta que Cardim desejava realizar um cerco contando com o apoio dos cearenses. Mas o comandante desta volante não participou da ação policial e, pior, saiu a praticar toda sorte de atrocidades contra a população, principalmente terríveis surras. Este fato assustou toda a comunidade e alertou o bando de Sinhô Pereira que desapareceu na caatinga. A carta afirmava que Cardim se encontrou com seu colega cearense, dispensou seu apoio, mas antes passou uma ríspida descompostura no seu comandante pela ação dos seus soldados.

Evidentemente insatisfeito com a reprimenda, com a frustrada ação policial no estado vizinho ao Ceará, onde a sua marca principal era a tortura em larga escala na busca de informações, o tenente cearense buscava alguma compensação. Consta que o militar recebeu uma informação sobre um possível coiteiro e parente de Sinhô Pereira e, para não “perder a viagem”, no caminho de volta para casa fez uma “visitinha” a esta pessoa e sua família. A propriedade era conhecida como Cristóvão, pertencia a Crispim Pereira de Araújo, conhecido como Ioiô Maroto, um homem pacato e que vivia longe de complicações, apesar de ser membro da família de Sinhô Pereira.

Segundo comenta a tradição oral da região , e que conseguimos apurar em nossa visita a Belmonte em 2008, o mínimo que posso dizer em relação à visita da volante cearense ao pobre do Ioiô Maroto foi que “o cacete comeu”. Sobrou até para sua já vetusta mulher e suas filhas. Consta que um policial negro, conhecido como “Uberaba”, teria praticado contra as mulheres “toda sorte de misérias e imoralidades, entre a risadaria de todos, inclusive do tenente que achava em tudo muito espirito”. Depois do ocorrido, segundo a versão publicada no jornal de 1923, consta que Ioiô Maroto soube que o oficial da polícia cearense esteve na cidade de Belmonte, onde se arranchou na casa de seu compadre e amigo, o comerciante Luiz Gonzaga Lopes Gomes Ferraz. Foi informado ao fazendeiro ultrajado que Gonzaga declinou ao perverso tenente que Ioiô Maroto era parente de Sinhô Pereira.O autor da carta publicada no jornal, por razões óbvias, não declinou o nome do militar, mas se sabe que ele era o tenente Peregrino de Albuquerque Montenegro.
 
Continua...
 
Rostand Medeiros


O ataque a Belmont Parte II Por:Rostand Medeiros

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Em seu livro “O Canto do Acauã” (2011, pág. 157), a pesquisadora Marilourdes Ferraz dá outra versão para o caso. Ela afirma que o tenente Montenegro recebeu uma carta, onde havia uma denúncia contra Ioiô Maroto, informando ser ele um coiteiro de cangaceiros. Segundo afirma a autora de “O Canto do Acauã”, a dita carta foi falsamente atribuída ao comerciante de Belmonte. Por saber de qual família vinha Maroto, Gonzaga correu a afirmar ao fazendeiro que não tinha culpa neste caso.Já autora de “As Táticas de Guerra dos Cangaceiros”, Maria Christina Russi da Matta Machado (1969, pág. 73), não afirma que Ioiô Maroto e Gonzaga eram amigos e nem compadres, mas que os dois tinham uma desavença antiga. A autora aponta, sem detalhar nada, que o problema entre os dois “foi coisa sem importância” e que Ioiô Maroto não imaginava que Gonzaga aguardasse a oportunidade de “liquidar as contas”, lhe denunciando a volante cearense que lhe desonrou em sua própria casa. Já João Gomes de Lira, autor de “Memórias de um Soldado de Volante” (1990, págs. 77 e 78) tem outra versão. Segundo este antigo membro de volantes que perseguiu cangaceiros, Ioiô Maroto residia em um lugar chamado “Queimada Grande” e durante a surra aplicada pelos militares cearenses, soube da boca do próprio tenente Montenegro que foi o comerciante Gonzaga a pessoa que lhe havia denunciado.



Mas é a própria Marilourdes Ferraz que aponta duas ocorrências, que mostram uma possível solução deste pequeno mistério. A primeira razão teria ocorrido em maio de 1922, quando foi saqueada por Sinhô Pereira e seu bando, composto inclusive de Lampião e seus irmãos, uma carga de tecidos de Gonzaga que era transportada para Rio Branco, atual Arcoverde. Parte da carga foi distribuída entre os bandidos e o resto eles atearam fogo.



A outra razão seria o fato que, depois desta ocorrência, Gonzaga começou a atender as exigências dos cangaceiros que viviam pela região. O comerciante, para se ver livre desta corja de malfeitores, entregava mercadorias e dinheiro. Entretanto, em uma ocasião em que estava ausente, consta que sua esposa, a Senhora Martina, tratou muito rispidamente o portador da mensagem dos bandoleiros. Diante dos episódios ocorridos, a autora afirma que Gonzaga contratou homens para a sua proteção, de sua família, de seus negócios e de suas propriedades.A notícia da desatenção da esposa de Gonzaga e do fato dele contratar homens para sua proteção chegou aos chefes dos cangaceiros causando insatisfação. Estes guardavam muito rancor de quem não lhes atendia seus pedidos e de quem tomava estas atitudes de defesa.

Sabendo destes fatos narrados em “O Canto do Acauã” e lendo o teor do material publicado no jornal recifense “A Província”, em 11 de março de 1923, ao cruzarmos as informações, podemos facilmente deduzir que Gonzaga estando com homens armados para lhe proteger e com o comandante da volante cearense arranchado em sua casa, se sentiu seguro para relatar ao tenente Montenegro os problemas que acontecia consigo e a ligação de parentesco entre Ioiô Maroto e Sinhô Pereira. Depois do fracasso da atuação de sua volante em Pernambuco, da reprimenda do tenente Cardim, não é difícil imaginar que o tenente Montenegro deduziu que fazer uma visita ao parente de Sinhô Pereira poderia lhe trazer alguma vantagem. Evidente que isso é apenas uma dedução e nada impede que a triste sina de muitas pessoas de “botarem lenha na fogueira”, possa ter desencadeado tudo que ocorreu depois.


Virgulino Ferreira,à época do ataque a Belmonte


Lampião Chefe de Bando.No meio de toda esta história, enquanto Ioiô Maroto tentava curar suas feridas e Gonzaga se preocupava com seu futuro, em 4 de junho de 1922, no sítio Feijão, zona rural do município pernambucano de Belmonte, próximo a fronteira do Ceará, Sinhô Pereira informou ao membros do seu bando, que em breve vai entregar o comando a Lampião.Apesar de ter menos de 27 anos de idade, Sinhô alegou problemas de saúde para a sua decisão e que seguia um apelo do mítico Padre Cícero Romão Batista, da cidade de Juazeiro, Ceará, que havia lhe pedido para deixar esta vida e ir embora para o sul do país.Vinte e dois dias depois de receber a notícia que a passagem de comando está próximo, Lampião efetivamente já é chefe de grupo. Neste momento começa a imprimir sua horrenda marca pelo Nordeste e vai se tornar o maior cangaceiro do Brasil. Na edição de 29 de junho de 1922, do jornal “Diário de Alagoas”, afirma que “Cangaceiros, em numeroso bando assaltaram a cidade de Água Branca, penetrando na residência da Baronesa”.

Esta era a octogenária Joana de Siqueira Torres, viúva do Barão do Império Joaquim Antônio de Siqueira Torres. Os cangaceiros chegaram de madrugada entraram pelos fundos do casarão e roubaram o que puderam. Apesar de ocorrer uma resistência das pessoas do lugar, eles escaparam ilesos.No dia 1 de julhos este periódico alagoano informou através de “viajantes vindos do sertão”, que os esforços da polícia para prender os assaltantes foram nulos.Lampião segue para Pernambuco, feliz pelo resultado do saque. Em uma tarde, junto com seus companheiros de rapinagem, dançaram xaxado e cantaram a mítica melodia “Mulher Rendeira” embaixo de uma quixabeira no centro do povoado de Nazaré e o fato foi presenciado por Manuel de Souza Ferraz, o conhecido Manuel Flor. Este se transformaria em um dos maiores perseguidores de Lampião.



Finalmente, no dia 22 de agosto de 1922, Sinhô Pereira parte da fazenda Caraúbas, perto do lugar Bom Nome, em Pernambuco, para o estado de Goiás.Mas antes de partir, Pereira pediu a Lampião que fosse a Belmonte resolver a desfeita sofrida por seu parente Ioiô Maroto. Lampião certamente possuía uma dívida de gratidão com Sinhô Pereira, por tudo que ele havia lhe ensinado em meios as andanças pelas caatingas e jamais iria lhe negar esta solicitação. Além do mais, ele sabia que Gonzaga tinha dinheiro e isto era o que realmente lhe interessava.



Continua...



Rostand Medeiros
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Baronesa de Água Branca

O ataque a Belmont Parte Final Por:Rostand Medeiros

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Gonzaga não Acreditou no Vaqueiro.Marilourdes Ferraz informa que Ioiô Maroto agiu de forma dissimulada e buscou a paz com seu amigo e compadre, que diante desta atitude decidiu dispensar seus guarda costas.A  carta do misterioso “Um Assignante”, publicada no domingo, 11 de março de 1923, dá um informação que se aproxima da versão de “O Canto do Acauã”. Consta que diante da surra em Ioiô Maroto, o comerciante Gonzaga começou a se desfazer de seus negócios em Belmonte, seguindo com a família para a cidade pernambucana de Bom Conselho. Então o próprio Ioiô Maroto teria escrito uma carta a Gonzaga, afirmando que não iria lhe fazer retaliações, que “era seu compadre e amigo”, que a amizade “voltaria a ser o que era”. A carta de “Um Assignante” afirma que Ioiô pediu então, certamente como prova de boa vontade, para Gonzaga dispensar os seis rapazes armados que ficavam em sua casa.



O jornal afirma que às dez da noite do dia 19 de agosto de 1922, um vaqueiro de Gonzaga conhecido como “Manoel Pilet”, foi a sua casa e afirmou ter visto muitos cangaceiros na propriedade “Cristóvão” de Ioiô Maroto, mas Gonzaga não acreditou. O vaqueiro chegou a se oferecer para fazer companhia e proteger o patrão em sua casa na cidade de Belmonte, mas Gonzaga recusou.Sua sorte estava selada.



O Fogo de Belmonte.No livro “Serrote Preto”, de Rodrigues de Carvalho (1961. Págs, 157 a 161), o autor comenta que certa noite, provavelmente um ou dois dias antes da manhã de 20 de outubro, Lampião e seu bando chegaram a propriedade de Ioiô Maroto, prontos para resolverem a questão. Rodrigues de Carvalho afirma que o parente de Sinhô Pereira não queria mais a vingança e que seguiu com Lampião praticamente obrigado.Já a carta publicada no jornal “A Província”, comenta que nesta época a cidade de Belmonte era guarnecida pelo sargento José Alencar de Carvalho Pires e mais 10 praças. Havia uma ordem que, no caso de serem ouvidos disparos, os comandados do sargento Alencar deveriam ir para o pequeno aquartelamento policial para serem tomadas as medidas de defesa. Depois de uma noite de muita chuva, que facilitou o ataque dos cangaceiros, as quatro da manhã do dia 20 de outubro de 1922, uma sexta feira, foram ouvidos tiros espaçados e depois a fuzilaria aumentou. Nesta manhã o sargento Alencar se achava adoentado na casa do seu sogro, o coronel João Lopes, irmão de Gonzaga. Mesmo assim Alencar saiu a rua e disparou contra os cangaceiros “cerca de 40 tiros” e foi para o pequeno quartel para dar ordens ao seu pessoal. Mas no lugar, ao invés dos 10 militares só estavam os praças Manoel Rodrigues de Carvalho, José Francisco e José Oliveira.



A cidade entrou em polvorosa. Pessoas buscavam refúgio em baixo dos poucos móveis existentes nas suas casas. Muitos correram para o mato, deixando tudo para trás e saindo apenas com os familiares e a roupa do corpo.Em pouco tempo chegaram para defender a urbe os soldados Severino Eleutério da Silva e Heleno Tavares de Freitas. Este último foi logo alvejado e morto. Após isso o sargento Alencar distribuiu a munição e saiu a rua acompanhado dos soldados Manoel Rodrigues de Carvalho e José Oliveira. Ele deixou um soldado na casa do coronel João Lopes e outro na casa do escrivão Manoel Medeiros. O militar posicionado na casa do escrivão tinha ordens de abrir fogo contra o prédio do açougue, onde estava alojado um grande número de cangaceiros, pois o sargento Alencar iria atacar o açougue pela retaguarda. A fuzilaria era cerrada e desigual, pois a cidade era defendida, segundo afirma o jornal, por apenas 6 militares, uns poucos civis, contra 65 cangaceiros.Os militares que estavam no quartel, mesmo cercados, mataram Antônio Pereira da Silva, conhecido vulgarmente como “Antônio da Cachoeira” e primo de Ioiô Maroto e Sinhô Pereira.

Belmont em Pernambuco

Pessoas da localidade participavam da defesa. Entre estes estavam Manuel Gomes de Sá, conhecido como Manuel Justino e seu filho João Gomes de Sá, que foi ferido. Um cangaceiro alcunhado “Baliza”, vendo este cidadão em apuros pulou o muro de sua casa disposto a matá-lo. A ajuda veio de Dona Luzia Gomes, esposa de João Gomes, que municiou o rifle e animou o esposo para a luta. João Gomes matou “Baliza” com um tiro no peito. Outro que pegou em armas foi o cidadão Luís Mariano, que junto com outros disparava contra a corja de bandidos de dentro do curral de Tertuliano Donato.

Consta que o sargento Alencar expulsou os cangaceiros do açougue e de uma janela deste estabelecimento comercial, gritava palavras de apoio a Gonzaga e mandava bala contra os cangaceiros. O sargento imaginava que Gonzaga estava resistindo dentro de sua casa. Mas aí, segundo está textualmente descrito no jornal, o próprio Lampião gritou “-Eu levo daqui um comboio de fazenda; eu vou ficar rico!…”. Deixando entender que a situação do comerciante não era das melhores. Alencar percebeu que a única maneira de expulsar os cangaceiros seria atacar pela retaguarda da casa de Gonzaga. Mesmo com poucos homens e a munição acabando, ele seguiu para o local e abriu fogo contra a “cabroeira”.
De dentro da casa eram ouvidos gritos de euforia e de pavor. Dona Martina, a mulher de Gonzaga, suas filhas e outras mulheres que estavam no interior gritavam pedindo proteção aos céus. Quando estive em Belmonte me narraram que um cangaceiro chamado José Tertuliano, conhecido como Zé Terto, e possuindo o vulgo de “Cajueiro”, protegeu as mulheres da família de Gonzaga da sanha de seus companheiros, empurrando-as para dentro de uma dispensa. Ainda dentro da casa os cangaceiros gritavam de euforia, parecendo que haviam alcançado a vitória desejada. Mas para o sargento Alencar e parte do seu valoroso destacamento, o que importava era entrar na residência e expulsar aquela corja para longe de sua cidade. A tática deu certo. Era perto das oito da manhã e depois de um fogo intenso o bando de Lampião saiu de Belmonte cantando a “Mulher Rendeira”.

Provavelmente ao entrar na casa do comerciante, o sargento Alencar entendeu o porquê dos cangaceiros e Ioiô Maroto irem embora cantando.

Saldo do Ataque- Gonzaga Ferraz jazia morto na sala existente logo na entrada. Estava envolto em panos, onde certamente os atacantes iriam atear fogo no falecido e consequentemente na casa. Ele teria tentado se defender da turba que buscava invadir o local pela porta dos fundos. Havia chegado a atirar com o que tinha, mas diante da desvantagem empreendeu fuga indo para o grande sótão. Ao tentar se esconder, ou buscar fuga utilizando uma janela, ele despencou na sala e teria morrido da queda, ou então sido chacinado pelos cangaceiros.



O certo foi que Ioiô Maroto, mesmo ferido levemente, alcançou sua pretendida vingança. Já Lampião e seus homens roubaram o que puderam do comerciante. Para o “Rei do Cangaço” o produto do butim que mais lhe chamou atenção foi a aliança de Gonzaga. O saldo para o povo de Belmonte, além da morte de Gonzaga e do soldado Heleno Tavares de Freitas, foi a morte de um civil, que “A Província” chama apenas como “um velhinho” e que se achava na porta de sua casa quando foi alvejado. Já o jornal “Diário de Pernambuco”, transcrevendo um telegrama enviado pelo delegado Manuel Guedes ao então Chefe de Polícia, Desembargador Silva Rêgo, dá conta que o civil morto se chamava Joaquim Gomes de Lyra.

Luiz Gonzaga Ferraz

Entre os defensores de Belmonte feridos, além do citado João Gomes de Sá, o próprio sargento Alencar estava com um ferimento leve, em decorrência de ter tido sua arma destroçada por um balaço dos cangaceiros. O jornal “A Província” de 1923 dá conta que depois de encerrado o tiroteio, cinco pessoas da cidade vieram “participar da defesa”, ajudando a transportar o “corpo” do sargento Alencar. Como este não estava morto, provavelmente desfalecido devido ao seu ferimento de natureza leve, se levantou e passou a maior descompostura naqueles que só ajudavam “carregando os defuntos”.

Além de “Antônio da Cachoeira” e “Baliza”, os cangaceiros aparentemente tiveram um terceiro homem mortalmente alvejado pelos defensores da cidade. As fontes apontam que poderia ser um antigo membro do grupo de Sinhô Pereira, de alcunha “Pilão”, ou um cangaceiro conhecido como “Berdo”. Já as fontes apontam sempre de forma controversa, que o número de feridos entre os atacantes chegou a até cinco homens e os nomes variam. A unanimidade é o nome do paraibano Cícero Costa, que seria uma espécie de enfermeiro do grupo e em menos de dois anos seria morto no tiroteio da Serra das Panelas.

A notícia do ataque a Belmonte teve forte repercussão na imprensa pernambucana. Uma semana depois do ocorrido, o periódico recifense “Jornal do Commercio” fazia uma severa crítica ao então governador pernambucano, Sérgio Teixeira Lins de Barros Loreto pela falta de segurança no sertão. O jornal traz estampada uma carta da viúva de Gonzaga, datada do dia da morte do seu marido, pormenorizando os fatos e responsabilizando Ioiô Maroto.

Rostand Medeiros
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Casa de Gonzaga

Mais um Jararaca? Por: Marilene Araujo de Barros

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Este senhor será mesmo um dos jararacas?
 
Sou Marilene Araújo de Barros, professora aposentada da Rede Pública de Ensino Estadual de Sergipe, graduada em História e pós-graduada em Gestão Escolar. Resido na cidade de Poço Redondo-SE, desde 1983. Sou natural de Pernambuco, lá do sertão de Águas Belas, nas vizinhanças da Fazenda Nova, do lendário Audálio Tenório. Apesar da proximidade existente entre os dois estados, as atribuições no trabalho, à correria do dia-a-dia, juntamente a outros fatores pessoais, me levaram a ficar por vários anos sem rever o lugar onde nasci e vivi grande parte de minha vida, e que apesar das dificuldades existentes naquela época, a seca como exemplo, viver uma vida totalmente interiorana era tarefa bastante difícil, mas confesso, fui muito feliz naquele solo pernambucano, especialmente durante a minha saudosa infância, é que o viver naquele sertão era regado de um patrimônio cultural que não mais existe nos dias atuais e certamente nos futuros. Sou grata a Deus por ter tido o privilégio e a ventura de nascer naquele mundo, naquela época, e naquele lugar.

Com o passar dos anos chega a minha aposentadoria e com ela a disponibilidade de tempo. Bateu-me uma vontade louca de realizar algumas viagens, especialmente para as terras de Pernambuco, priorizando as localidades em que outrora eu e minha família residimos, e foram tantas que prefiro citar em outra ocasião.

O policial Luiz e o possível ex-cangaceiro Jararaca
 
Em dezembro de 2010, eu, meu irmão Luiz (policial civil), minha irmã Ana, minha sobrinha Lara, filha de Luiz, seguimos para Pernambuco, iriamos rever nossas antigas moradias, além de visitar velhos amigos e parentes. Confesso ter sido uma viagem deveras emocionante. Foi comovente ver a velha casa da fazenda Riacho Fundo, local de meu nascimento. Ditosa e antiga moradia sertaneja, patrimônio de meu avô Manoel de César, e posteriormente, herdade de meu pai, o saudoso e amado Zé de César.
 
O Riacho Fundo, quando pertencia a meu avô, foi atacado por Lampião que desejava justiçar Manoel de César devido o mesmo ser um fiel aliado do governo de Pernambuco. Em minha meninice eu via nas portas do armazém, ao lado da casa-grande, os furos causados pelas balas cangaceiras. Após visitar a velha fazenda Riacho Fundo seguimos até a povoação Garanhunszinho, mais uma de nossas antigas moradias. Naquela localidade que parece não ter avançado e nem retraído no tempo, encontramos algo que nos chamou atenção. Em uma humilde casinha, ao lado de um armazém, nos deparamos com um senhor de provecta idade. A ele nos dirigimos e curiosos dispusemos em fazer-lhe perguntas. Surpresos, notamos que aquele ancião possuía uma memória elogiável.

Em suas respostas o mesmo disse ter nascido no dia 13 de outubro de 1913 e se chamava Aristides Lins Maranhão, nascido lá pras banda de Bom Conselho, também em Pernambuco. Segundo suas palavras, ainda jovem, veio trabalhar na Fazenda Nova, onde tinha a proteção do Dr. Audálio. De repente, aquele velhinho fez uma declaração bombástica que nos deixou admirados e perplexos. Ele asseverou ter sido cangaceiro de Lampião, com o nome de Jararaca.

Discorrendo sobre esta novidade, seu Aristides contou que: em uma das visitas de Lampião a Fazenda Nova, o mesmo simpatizou com ele, surpreendendo ao poderoso homem daquele sertão. O rei cangaceiro pediu que aquele rapaz o acompanhasse, pois havia simpatizado com ele, pedindo assim, permissão ao Dr. Audálio para levar consigo o seu trabalhador.
Lara, filha do policial Luiz, ao lado do senhor Aristides, o possível Jararaca
 
Após grande insistência, o fazendeiro permitiu a ida de seu agregado para a companhia de seu grande e fiel amigo. No entanto, disse a Lampião que a permissão seria de cinco anos e assim que terminasse esse prazo o mesmo fosse devolvido a sua companhia. Lampião concordou e lá se foi Aristides para se tornar mais um dos Jararacas. Segundo os dizeres do ancião, este acontecimento se deu por volta dos anos 30. A promessa foi cumprida. Cinco anos depois Aristides estava de volta e foi viver por muitos anos ao lado de seu tão respeitado e temido patrão. Em fevereiro de 2011 voltei a visitá-lo por mais duas vezes e a sua versão sobre ter sido o cangaceiro Jararaca não havia mudado uma vírgula sequer.

É verdade? Não sei. Com a palavra os pesquisadores e estudiosos do cangaço.

Marilene Araújo de Barros
Poço Redondo - SE
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JULGAMENTO SIMULADO DE LAMPIÃO

Olá, Severo, há pouco foi postado uma matéria de Gerivaldo Alves Neiva sobre o julgamento de Lampião, que achei bastante interessante, e lembrei que há anos atrás, em Serra Talhada, o amigo pesquisador Anildomá Willians (Cabras de Lampião) promoveu o JULGAMENTO SIMULADO DE LAMPIÃO, o qual nós registramos.

Foi bem interessante também, e agora aproveitando o ensejo envio-lhe para os amigos do blog que não tiveram a oportunidade de estarem presentes ao mesmo, de assistirem uma versão compacta do julgamento, onde o saudoso Luiz Lorena foi o promotor do julgamento.

Espero que os amigos gostem. Abraços.
 
Aderbal Nogueira. 


Acervo Laser Video / Aderbal Nogueira

O caipira eternamente apaixonado... Por:Alcino Alves Costa

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Apesar de uma correlação muito forte, enganosa e parecida entre amor físico e amor espiritual, estes dois sentimentos são absurdamente opostos. O amor físico é construído através de paixão ardente, detentora de vigorosas chamas, porém este amor nascido de um sentimento extremado e obsessivo, transformado em um doentio desejo, é puramente sexual, é fugaz, efêmero, passageiro e sem constância nenhuma. Paixão amorosa que prima pelo desejo de um instante de uma conjunção carnal, o prazer esfogueado do sexo, mas que, após algum tempo de verdadeira luxúria cai no desânimo da própria carne e desemboca pelo caminho triste da decepção, do infortúnio e do desprezo de um ou outro parceiro.

A paixão física, que na maioria das vezes se torna aloucada, doentia e ao mesmo tempo frágil, costuma trazer em seu bojo sofrimentos, angústias e aflições sem limites. O inverso é o amor espiritual. Este é calmo, sereno, sublime, duradouro, repleto de prazer e felicidade. Diferentemente dessa paixão, desse amor físico que é um sentimento de muita ardência e de elevado grau de intensidade, mas, quase sempre, voltado para os apelos físicos, o amor espiritual é um sentimento sublime, repleto de magia e encantamento, feito e criado dentro de uma dedicação absoluta, repleto de compreensão, simpatia, amizade e afeição.

Felizes são aqueles que se amam espiritualmente. O amor espiritual, aquele que um ser humano sente por outro é uma dádiva divina, um presente de Deus. É nesta junção, corpo e alma, que se pode perfeitamente afirmar, ser este o verdadeiro amor, o amor na abragência da palavra, o amor perene e quase que imortal. A sublimação do amor espiritual é algo que tem o dom da felicidade; a magia do bem querer e do bem viver das pessoas; este presente de Deus é uma ventura daquele que teve a graça divina de possuir este tesouro da vida.


Mesmo quando o amor espiritual é unilateral, aquele que traz esta sensibilidade afetiva jamais descamba para o abismo do ódio em relação à pessoa amada. Com o passar dos anos, após perder as esperanças, o portador desse altíssimo grau de sublimidade, guarda este tão singelo e afetuoso proceder lá longe no escondido de seu próprio coração. No entanto, este sentimento ficará intacto. Em tempo algum será destruído da história de sua vida. Nada neste mundo fará com que este mágico legado dos deuses do amor feneça, morra ou se retire daquele que um dia guardou em seu coração a magnificência de um verdadeiro amor.

É necessário que se saiba diferenciar a grandiosidade do amor espiritual. Existem aqueles nascidos do próprio sangue, o sagrado amor de pais, filhos e irmãos; aquele amor respeitoso e cheio de sinceridade que existia nos tempos de outrora entre pessoas que se gloriava da palavra amigo, mas que, infelizmente, praticamente inexistente nos dias atuais. Além desses, existia aquele que envolvia de felicidade o homem e a mulher, quando eles dois se amavam com todas as forças de seus corações; quando eles sentiam em seu corpo e em sua alma um amor muito maior do que o desejo do sexo. Não se imagine que o sexo seja algo sem muita importância. O sexo é vital na vida do macho e da fêmea. Mas, o amor que ultrapassa a barreira e a necessidade da carne e atinge os pontos insondáveis e misteriosos do espírito é u m amor muito além desse que é também uma dádiva da natureza, a cópula maravilhosa entre um homem e uma mulher foi, é e será através das eras um especialíssimo presente nos oferecidos pelos poderes divinos.

Nada se compara a uma casal, um homem e uma mulher que se ama verdadeiramente; um homem e uma mulher que sejam plenos de cumplicidade entre eles; um homem e uma mulher que viva a vida do outro com prazer e alegria; um homem e uma mulher que um entregue o seu corpo ao outro num acasalamento perfeito e sublime.


É certo! Eu sei que você sabe, todos nós sabemos que nos dias tortuosos e sem amor em que vivemos tudo isto não passa de uma utopia. Falar de amor, de respeito e de consideração é coisa de um tempo que ficou lá longe, na distância daqueles que viveram os idos do passado; passado que os pobres coitados das novas eras consideram o tempo de um povo inculto e ignorante. A cumplicidade, o bem querer, o amor, a felicidade mútua, são coisas velhas, arcaicas que servem apenas de achincalhe e ironia – assim alardeiam os insensíveis da modernidade.

Todos esses valores culturais caíram no mais completo desuso. A moda é “ficar”, mesmo sem conhecer e nem saber quem é o parceiro ou parceira que irá com ele ou ela para um encontro íntimo, na ânsia de um coito que poderá trazer severas consequências.

Mesmo nos sertões mais distantes e atrasados a mocinha sertaneja, ainda no florir de sua juventude, cuida em perder a sua virgindade porque se sente envergonhada de não conhecer o sexo. O que esta pobre coitada não imagina é que ela está correndo um perigo grandioso de cair nas profundezas de um abismo sem volta; muitas delas com um filhinho nos braços, dependendo da aposentadoria de seus pais ou avós.

Os novos tempos. Os tempos da modernidade em que vivemos. Estes tempos insensíveis e cruéis, quer acabar e assassinar o amor. O amor é imortal e eterno.  Uma pergunta: Você se ama?

Alcino Alves Costa; o Caipira de Poço Redondo
Publicado, no dia 26 de abril de 2011, pelo JORNAL DA CIDADE, Aracaju
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Revelações....

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Existem revelaçoes deveras dolorosas, mas, precisamos estar preparados para tudo.
Com vocês o mais novo casal
das hostes cangaceiras!!

Entrada Grátis no Cariri Cangaço para quem acertar o nome dos saltitantes juninos...

Fonte: paparazziscangaceiros.com.ceara.cariri.brasil.tudoissojunto
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Cariri Cangaço visita Livraria Saraiva, Christiano Câmara e Nirez

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Meu amigo Severo, tive esta semana um dia simplesmente mágico, pois pude desfrutar da companhia de brilhantes amigos, os quais pude levá-los à a de outros dois brilhantes amigos também, onde pudemos ter uma aula de música, cinema, história e muitas outras coisas mais. Pela manhã, junto com Dr. Leandro e esposa, João de Souza, Dr. Amauri e Carlos, fomos à casa do casal mais luminoso de Fortaleza, nada mais nada menos que Christiano Câmara e Dona Dovina, onde passamos momentos mais do que agradáveis na companhia de Christiano que, sem dúvida, cativa a todos que o visitam.

Já à tarde, levei os amigos João de Souza, João Souto, Amauri e Carlos a conhecer o nosso ponto de encontro, que é na livraria SARAIVA, onde todos acharam maravilhoso o local de nossas reuniões. Logo em seguida fomos a uma exposição de Fortaleza antiga, com fotos de outro monstro da nossa cultura, ao lado de Christiano que é simplesmente o Nirez.

Ao sairmos, fomos direto para a sua residência onde não podia ter sido melhor. Ouvimos músicas do cangaço desconhecidas por muitos, olhamos fotografias e falamos sobre a controvérsia 'Abraão ou Albuquerque foi o responsável pela idéia de filmar Lampião?'. Enfim, um dia memorável. Coloco agora essas imagens, para os amigos terem a oportunidade de conhecer um pouco da casa de dois grandes anfitriões: Nirez e Christiano Câmara.
 
Aderbal Nogueira
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Homenagem ao soldado Adrião Parte I - Por Paulo Brito

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Esta homenagem, abaixo, está contida no livro “Como Dei Cabo de Lampião” de autoria do, há época, Capitão João Bezerra da Silva, intitulada como “Homenagem Póstuma do Autor”, logo no início da 1ª Edição do livro, em 1940 e mantida nas duas outras edições.


O soldado Adrião Pedro de Souza, componente da volante do Aspirante Francisco Ferreira de Melo, veio a ser morto, infelizmente, logo no início do combate de Angico. Com a subdivisão da tropa comandada pelo Tenente João Bezerra, para a execução do cerco ao acampamento de Lampião, o grupo liderado pelo Aspirante Ferreira, foi quem primeiro teve contato com os cangaceiros, ao ponto de se verem forçados a dar início a ofensiva. Cessado o combate, constatou-se a morte do soldado Adrião, ferimento no braço do soldado Guilherme Francisco da Silva e ferimento transfixiante na mão e na coxa, com a bala se alojando no quadril do comandante da volante. Em seu livro, o comandante faz o seguinte comentário: “Sofrendo então muitas dores, baleado como estava na perna e na mão, perdendo muito sangue, cansado e sem dormir há mais de 24 horas, via-me em dificuldades para resolver vários problemas que necessitavam ser resolvidos com a máxima urgência.



Foi um momento de agonia aquele! Estávamos num local de difícil acesso à margem do rio São Francisco. Tudo se apresentava com inumeráveis dificuldades. Teríamos de remover enormes obstáculos para nos transportar carregando um soldado morto e outro ferido, e ainda, para maior desgraça, eu não podia andar, tendo de ser carregado pelos meus valentes companheiros. Troquei idéias com o aspirante Ferreira de Melo, assentando que o soldado morto de qualquer maneira não ficaria ali. Mesmo que isto nos custasse os maiores sacrifícios, ele seria transportado para receber as honras da sua dignidade de combatente viril tombado heroicamente na defesa da ordem jurídica, no cumprimento sagrado do dever militar.” Daí, segue-se uma série de procedimentos e de ações paralelas, em decorrência da dimensão do feito e euforia por parte de todo o contingente humano das mais diferentes áreas, sem se negligenciar os procedimentos devidos ao bravo militar morto, conforme citações abaixo:
 
BOLETIM DO II BATALHÃO, Nº 175, DE 30 DE JULHO DE 1938, III ITEM:

“EXCLUSÃO POR FALECIMENTO – Exclúo do estado efetivo dêste Btl. e 4ª Companhia, por falecimento, o soldado nº 665, Adrião Pedro de Souza, por ter quando em combate junto às forças volantes que extinguiram o celebre rei do cangaço o famigerado “Lampeão”, e mais dez comparsas, sido atingido pelas balas mortais dos facínoras bandoleiros, deixando gravado nos corações de todos os seus companheiros o inédito exemplo de heroísmo, de amôr ao trabalho, perdendo a vida pela paz do sertão e engrandecimento de sua corporação, que tão sobejamente deixou gravada a sua recordação. “

 Aspirante Ferreira de Melo

DO DIÁRIO OFICIAL Nº 7.443, de 04 de Agosto de 1938:

“I - ÁTO DO INTERVENTOR FEDERAL – O INTERVENTOR FEDERAL NO ESTADO, por átos de ontem, promoveu, por ato de bravura e na fórma regulamentar, ao posto de 3º sargento o soldado do Regimento Policial Militar Adrião Pedro de Souza, morto na manhã do 28 de julho próximo findo, em combate contra o banditismo; ...”.

CONTINUAÇÃO DO BOLETIM REGIMENTAL Nº 179, DE 12 DE AGOSTO DE 1938: “Não se enganou, portanto, o Exmº. Snr. Interventor Osman Loureiro, nem tão pouco êste comando. A perseguição se iniciou de fórma tenaz e vigorosa, e não tardou a raiar a manhã do 28 de julho, onde um punhado de 45 bravos comandados pelos Capitão João Bezerra da Silva, 1º Tenente Francisco Ferreira de Melo e Aspirante a oficial Aniceto Rodrigues dos Santos, numa arrancada de heróis, atacaram de surpreza, na fazenda “Angicos”, município de Pôrto da Fôlha, no Estado de Sergipe, o grupo do famigerado “Lampeão”, composto de nada menos de 58 bandidos e com êles numa luta tremenda conseguiram abater onze sicários, inclusive o REI DO CANGAÇO, pondo os demais em debandada, sem que tive ssem tempo, os restantes, de conduzir do campo de luta os seus petrechos e material de guerra que abandonaram.

Paulo Britto e esposa, Ane Ranzan

Infelizmente, não há vitoria sem luto e este luto é devéras lamentavel, por que na refrega perdemos um bravo, o soldado Adrião Pedro de Souza, que, por isso, foi promovido, por áto de bravura e na fórma regulamentar, ao posto de terceiro sargento; - para êle imorredouras saudades e um minuto de silencio, em sua memoria, pelos bélos exemplos que nos legou e que servirão de lição aos que aqui militam e aos que nos sucederem. O Capitão Bezerra, comandante geral da tropa recebeu um ferimento, assim como o soldado Guilherme Francisco da Silva, e por pouco, aquêle não ficou no campo da luta, estando ambos sob os cuidados médicos...

Congratulando-me convosco e, muito especialmente com louvôr, com os que tomaram parte na encarniçada luta acima relatada, mando que, nos livros do assentamentos de cada um, se façam constar os elogios a que fizeram jus, ao mêsmo tempo que os concito a prosseguirem, com fé, na luta ingente de libertar, quanto antes, o sertão de Alagôas da hórda remanescente de bandidos que ainda o infesta, convictos de que dias melhores nos esperam e de que a história Militar da Polícia de Alagôas será enriquecida com mais esse serviço à Sociedade Alagoana e, consequentemente, ao Brasil.

Camaradas! Para a frente, por que a vitória é nossa. Slve Alagôas!
Salve a Patria redimida! SALVE!”

Continua...

Paulo Britto
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Homenagem ao soldado Adrião Parte II - Por Paulo Britto

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A famosa fotografia onde aparecem o Comandante João Bezerra e o aspirante Ferreira de Melo

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O Coronel Francisco Ferreira de Melo se refere ao combate e ao soldado em entrevista ao Dr. Estácio de Lima, da seguinte forma: “ – A luta foi difícil Coronel?

"Não tanto, para quem estivesse habituado às guerrilhas sertanejas. Enfrentamos o adversário sem que êle nos esperasse. Levamos a vantagem da surprêsa. E para tantos e tão importantes cangaceiros abatidos, onze ao todo, lastimamos a perda de meu excelente soldado ADRIÃO ou ADRIANO PEDRO DE SOUZA. Também foi baleado o nosso digno Comandante e mais um praça, que teve o braço partido”.

O soldado Adrião Pedro de Souza teve a sua morte reconhecida por bravura, pela sociedade civil, seus pares, instituição a qual pertencia e autoridades, no ambiente devido e apropriado. O palco do combate nos ermos das caatingas, que serviu de jazigo para os cangaceiros, não seria o local apropriado para o antagônico, justamente para aquele que dedicou sua vida a combater os que ali ficaram. Os registros na literatura e, sobejamente nos meios de comunicação já registraram na história os nomes dos que ali combateram, não existindo nenhum demérito, por não haver a materialidade do seu nome exposto no referido local.

O Cruzeiro do Angico
O Coronel João Bezerra, reconhecendo a necessidade de haver um marco, a altura dos que ali combateram (volantes e cangaceiros) e ali ficaram (cangaceiros), teve a iniciativa de mandar confeccionar na oficina da Rede Ferroviária de Piranhas, um cruzeiro (foto abaixo) composto de onze cruzes, com os respectivos nomes, que Estácio de Lima registra em seu livro, como “Mausoléu modesto das onze cruzes”.

Em Angico, o imponente cruzeiro foi colocado em 30/10/1961, afixado em uma grande pedra. Na placa de bronze, no centro deste cruzeiro, tem a seguinte inscrição:

“Aqui jaz o Rei do Cangaço Capitão Lampeão com dez companheiros.

Combate em 28-7-1938. Lembrança do
Capitão Bezerra.
Colocação da Cruz em 30-10-1961”.

 

À materialidade - o registro histórico dos fatos. Aos nossos corações a lembrança e o agradecimento indelével por aqueles que se sacrificaram em defesa do bem.

Paulo Britto
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Lampião e o Cangaço na Paraíba, já disponível para você

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A mais nova obra literária sobre o tema Cangaço já poderá ser adquirida por todos através da internet. O livro "Lampião e o Cangaço na Paraíba" do pesquisador e escritor, coronel da PM paraibana, João Bezerra da Nóbrega, está mais perto de você, e só enviar um email para nosso confrade Narciso Dias e fazer sua solicitação, é isso aí. Valor do exemplar já com frete incluso: R$ 38,00.

(83) 8832-7456 - 9614-0042

NOTA CARIRI CANGAÇO: Louvamos a chegada de mais uma grande obra sobre a temática do cangaço, sobremaneira por enfocar o período de ação de Virgulio Ferreira em terras paraibanas. Aqui o nosso abraço ao amigo Narciso Dias e ao escritor e pesquisador Cel. Nóbrega; ambos já confirmaram a presença no Cariri Cangaço 2011, sejam bem vindos.
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O Julgamento de Lampião Por:Gerivaldo Alves Neiva

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O julgamento de Lampião:Divagações entre o real e a utopia

Bezouro, Moderno, Ezequiel,Candeeiro, Seca Preta, Labareda, Azulão! Arvoredo, Quina-Quina, Bananeira, Sabonete,Catingueira, Limoeiro, Lamparina, Mergulhão, Corisco!Volta Seca, Jararaca, Cajarana, Viriato,Gitirana, Moita-Brava, Meia-Noite, Zambelê!

Quando degolaram minha cabeça passei mais de dois minutos vendo o meu corpo tremendo. E não sabia o que fazer. Morrer, viver, morrer, viver!
 (Sangue de Bairro, de Chico Science)

Virgulino Ferreira da Silva, pelo povo também conhecido como "Lampião", foi preso em flagrante pela "volante" do Tenente Bezerra e apresentado a este Juízo na forma da ilustração de autoria do cartunista @CarlosLatuff. Esta é uma decisão, portanto, que navega entre o virtual e o real, o passado e o presente, entre o possível e o impossível, permeada de utopia, sonho e esperança... O que se verá, por fim, é a evidência da contradição, não insolúvel, entre o Direito e a Justiça. Quem viver, verá. Inicialmente, registro que não costumo me dirigir aos acusados por "alcunhas", "vulgos" ou apelidos. Aqui, todos tem nome, pois ter um nome significa, no mínimo, o começo para ser cidadão e detentor de garantias fundamentais previstas na Constituição brasileira. Neste caso, no entanto, abro uma exceção para me dirigir ao acusado Virgulino Ferreira da Silva apenas como "Lampião", pois creio que assim o fazendo não lhe falto com o devido respeito. Ao contrário, faço valer, ao tratá-lo como "Lampião", a mesma reverência que lhe dedica o povo pobre e excluído do sertão brasileiro.

Em seguida, devo observar que a responsabilidade de julgar "Lampião" é tamanha e me assombra. De outro lado, não aceito como "divino" o papel de julgar. Deixemos Deus com seus problemas. Julgar homens é tarefa de homens. Da mesma forma, tenho comigo que realizar a Justiça é tarefa do homem na história. Assim sendo, passo a julgar "Lampião" como tarefa essencialmente humana e com o sentido de que, ao julgar, o Juiz também pode contribuir com a realização da Justiça ou, na pior das hipóteses, ao menos não impedir que o povo realize sua história com Justiça. Pois bem, consta dos autos que "Lampião" teria sido preso em flagrante sob acusação de formação de quadrilha para a prática de inúmeros crimes contra a vida, contra o patrimônio e contra os costumes. Consta ainda dos autos os depoimentos dos condutores " membros da "volante" do Tenente Bezerra - e a representação da autoridade policial pela decretação da prisão preventiva do acusado, sob argumento da "garantia da ordem pública."

Ao estrito exame das provas apresentadas, por conseguinte, e do que dispõe a lei, parece pacífica a necessidade da segregação preventiva do acusado para garantia da ordem pública, visto que restou provado, em face dos depoimentos colhidos, que o acusado, de fato, representa grave perigo à harmonia e paz social. Isto é o que se depreende do que se apurou até então e do que consta dos autos. Imperativo, por fim, que se decrete a prisão preventiva do acusado, segregando-o do meio social.


Antes de concluir a decisão com a terminologia própria, o tal "expeça-se o mandado de prisão, publique-se, intime-se, cumpra-se...", recosto a cabeça na cadeira, ajeito o corpo, fecho os olhos e ponho-me a pensar quantas vezes já decidi dessa maneira, quantas vezes já decretei prisões preventivas por motivo de garantia da ordem pública...De súbito, enquanto pensava, eis que "Lampião", o próprio, saltitando feito uma guariba, pula da gravura do @CarlosLatuff e invade minha mente. É virtual, mas é como se fosse também real e humano na minha frente. "Parabellum" em uma mão e o punhal de prata, cabo cravejado de brilhantes, em outra. Não tenho medo e nem me assusto. Ele também não diz nada e agora apenas me olha e circula em torno de mim. Somos pessoas e ao mesmo tempo ideias e pensamentos. O texto final da minha decisão judicial, por exemplo, fazendo referência à garantia da "ordem pública", é como se fosse também algo concreto nesta cena, como um pássaro rondando minha cabeça. De repente, com um tiro certeiro de "Parabellum", "Lampião" esfacela esta forma de pensar, que me ronda feito um pássaro, como se matando este meu "senso comum teórico dos juristas", conforme denuncia Warat. Em seguida, ainda atônito e sem mais pensamentos para me agarrar, sinto uma profunda punhalada no coração, mas não sinto dor alguma. Não sangro sangue, mas vejo jorrando do meu peito todos os meus medos de pensar criticamente o mundo em que vivo, as relações sociais e, sobretudo, o Direito.

O que faço? Não tenho mais o "senso comum teórico dos juristas" e também não tenho mais freios no meu modo de pensar criticamente o mundo e o Direito. "Lampião" acabou com eles com um tiro de "parabellum" e uma punhalada com punhal de prata. Agora, sem minhas "defesas", que imaginava poderosas, sou como um morto... Estou morto. Na verdade, estou morto e renascido livre ao mesmo tempo. Vejo, de um lado, meu corpo morto e meu pensar antigo e, de outro lado, sinto-me renascido em outro corpo e outro pensar. Morri para nascer de novo. Agora, nascido de novo, posso pensar diferente; posso pensar um novo Direito e, por fim, posso pensar que a Justiça é possível e que pode ser construída pelo homem novo. Está certo Gilberto Gil. É preciso "morrer para germinar." "Lampião" me matou para que eu pudesse viver e ver. Viva "Lampião"!

E vivendo depois da morte, vejo, agora, com "Lampião" ao meu lado, que aquele antigo modo de pensar, na verdade, foi o fruto do ensino jurídico que incute verdades e dogmas na mente de acadêmicos de Direito, que se tornam advogados, que se tornam juízes, que se tornam desembargadores, que se tornam ministros de tribunais e se imaginam sábios porque aprenderam a reduzir o Direito à lei e a Justiça à vontade da classe que representam. Este é o Direito limitado aos "autos" do processo e à tarefa de manter excluídos da dignidade os pobres e miseráveis; o Direito da manutenção da falsa "ordem" burguesa; o Direito alheio à vida, à pobreza, à miséria e à fome.

Posso ver agora, com "Lampião" ao meu lado, que aquele modo antigo de pensar aprisiona e mutila os fatos nos "autos" do processo. Assim, "autos" não tem vida, não estão no mundo, não tem contradições sociais e transformam homens em "delinqüentes", "meliantes" e "bandidos". Reduz, pois, todas as contradições do mundo e da vida em uma tolice: "o que não está no processo não está no mundo."

Agora posso ver, com "Lampião" ao meu lado, depois de ter morrido para viver, ver e violar dogmas, que "o mundo está no processo". É, pois, no processo que está a desigualdade social, a concentração de renda, séculos de latifúndio, a acumulação da riqueza nacional nas mãos de uns poucos, preconceitos, discriminações e exclusão social. Tudo isso é e está no processo. Isto é o processo.

Vejo, por fim, compartilhando esta última visão com "Lampião", que os autos que me apresentaram não tem mundo e nem vida. Não tem sua vida, "Lampião". Não tem sua história. Não tem seu passado. Não tem sua família. Não tem seus pais e irmãos sendo expulsos da terra que cultivavam. Não tem sua dor e sua revolta. Não tem sua sede e fome de justiça. Não tem sua desesperança na justiça. Não tem sua vida, repito. Não tem nada e de nada servem esses autos. Não servem para um julgamento. Servem para justificar uma farsa, acalentar os hipócritas e fazer da mentira a verdade.

Esses "autos" que me apresentaram, "Lampião", não tem índios escravizados e mortos pelo colonizador; negros desterrados e escravizados nesta terra; posseiros expulsos de suas terras e mortos pelo latifúndio; operários explorados, desempregados e desesperados; crianças dormindo ao relento; os sem-teto, os sem-terra, os excluídos da dignidade. Esses autos não estão no mundo, é um faz-de-conta, uma ilusão...O que faço agora? Estou morto de um lado, mas vivo de outro. Não sei mais o que é virtual e o que é real. Sei que deliro, mas não posso deixar morrer este novo eu. Preciso fazer com que permaneça vivo em mim o que renasceu e deixar morto o que morreu. Não quero ser mais o que era antes de morrer. Quero ser apenas o que renasci.

Luto comigo mesmo e permaneço vivo. Estou vivo, escuto e vejo, agora, mais uma vez, tiros de "parabellum" e golpes de punhal, como se saídos do nada e bailando no ar, furando e cortando em pedaços os "autos" do processo. Agora, não existem mais os "autos" do processo. Papéis picados tremulam no ar. Voam descompassados como borboletas... Preciso manter a lucidez, mas agora é tarde. A loucura tomou conta de mim e me levou com as borboletas para as "lagoas encantadas" do sertão brasileiro. Agora sou pura utopia, sonho e liberdade. Converso com "mães-d"água" à beira da "lagoa" e todas as coisas agora fazem parte de tudo. Nada mais é sem as outras coisas. Somos todos partes de um todo... Neste devaneio em que me encontro, não sei mais o que é o real, o que é verdade, o que é passado ou presente ou se estou morto ou vivo; não sei mais - ou sei? - o que é e para que serve o Direito.


Delirando assim, não posso mais julgar. Estou impedido de julgar. Não posso mais julgar Lampião. Eu não sou mais real, sou sonho apenas. "Lampião", também, não é mais real. É uma lenda, um mito. "Lampião" agora povoa o imaginário dos pobres do sertão. "Lampião" não pode ser mais julgado por um juiz apenas. Só a história e o povo podem julgá-lo agora. Esperem! "Lampião" me foi apresentado preso e eu preciso decidir sobre o flagrante. Preciso voltar... As borboletas me trazem de volta da "lagoa encantada" em que me encantei. Sou novamente real neste mundo virtual. Aqui estou e preciso falar. Assim, enquanto a história não vem, mas inevitavelmente virá um dia, não posso deixar "Lampião" encarcerado. A cadeia não serve aos valentes e aos destemidos; a cadeia não serve aos que, como Marighella, nunca tiveram tempo para ter medo; a cadeia não serve aos que não tem Senhor e aos que amam a liberdade. Homens verdadeiros não morrem presos.

Portanto, "Lampião", a liberdade é tua sina. Vá. Talvez Maria te espere ainda. Talvez teu bando te espere ainda. Talvez Corisco não precise te vingar. Talvez teu corpo não trema por mais de dois minutos depois que degolarem tua cabeça. Vá. É melhor, na verdade, que morra em combate com a "volante" do Tenente Bezerra do que apodrecer e morrer vivo na prisão. Os valentes morrem lutando e escrevem a história. Vá. É a história, somente ela, que tem a autoridade para lhe julgar.

Por fim, agora concluo minha decisão inacabada: "expeça-se o Alvará de Soltura e entregue-se o acusado, Virgulino Ferreira da Silva, "Lampião", ao seu próprio destino." Dato e assino: Gerivaldo Alves Neiva, Juiz de Direito. Depois disso, as borboletas me levaram de volta ao mundo da paz, da harmonia e da solidariedade, onde somos todos iguais e irmãos; de volta às "lagoas encantadas" do sertão brasileiro e aos braços das "mães d"água".

Com viram, ouviram e imaginaram, este julgamento é um devaneio. Mistura de imaginação, passado e presente, sonho, utopia e, sobretudo, esperança inquebrantável na Justiça. Uma noite fria e chuvosa, agosto, 2010.

Gerivaldo Alves Neiva

Juiz de Direito

Web site: gerivaldoneiva.blogspot.com

Indicação do confrade Archimedes e seu maravilhoso Cangaço em Foco
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