Um olhar sobre Angico Parte II Por:Alfredo Bonessi

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Amaury e Alcino: Mais mistérios de Angico, trazidos por Alfredo Bonessi 

Sobre o combate temos algumas observações que não fogem aos sentidos daqueles que já passaram pela vida da espingarda, do deitar em poças dáguas e tirar um cochilo, sem antes deixar dois cabras de guarda, ou ainda, embora ter deixado dois cabras de guarda, não dormir para ficar cuidando esses dois cabras de guardas para não dormirem, ou então, tirar um cochilo com um calcanhar de um pé, em cima da ponta do outro pé, para que caindo o pé de cima o sujeito acorde, dá uma olhada ao redor, escuta um bocado de tempo, inverta a posição dos pés para voltar a dar um cochilo novamente. Alerta, sempre alerta – pois quem dorme em combate tem o pescoço cortado !

Subindo a força, sem um barulho sequer, sem um tropicão, antes da encruzilhada dando de cara com os animais dos cangaceiros- os animais se assustam, fazem barulho, o comandante gela da cabeça aos pés: acordaram os cangaceiros, é uma armadilha, caímos em uma armadilha, pensa ele. Silêncio. Ali próximo em sua tolda, Zé Sereno acorda com o barulho provocado pelo animais. Tem vontade de levantar e ir ver o que está acontecendo. Escuta. Silêncio. Vira para o lado e volta a dormir. A volante está em cima, menos de cem metros. Daí o Tenente divide o pessoal.

O Aspirante, o bêbado, sai com Pedro e mais dezesseis homens para cruzar o riacho e cercar Lampião pela parte debaixo. Esses são os que matam Lampião, Maria Bonita, Quinta-feira e Mergulhão, e talvez Luiz Pedro.

Cabo Bertholdo desse com sua turma em direção a barraca de Lampião, bem em frente a gruta, que está do lado oposto. O acabo Justino sobe, sobe muito, para cruzar o riacho bem acima e de lá vir por detrás da gruta e cercar Lampião por aquele lado. Não participou da luta. Quando chegou ao riacho a luta já tinha acabado e os mortos já estavam de cabeças cortadas – esses soldados com certezas ficaram pobres, não levaram quase nada.

O Sargento Aniceto ficou bem abaixo, ou bem acima – até hoje ninguém sabe em que parte do riacho ficou – sabe-se que ficou tapando a boca do riacho, ponto de fuga dos cangaceiros – creio que não atirou em ninguém, não tomou parte na luta, na morte dos cangaceiros. Ninguém vê seu nome escrito nos louros do combate. O Tenente reservou para si a melhor tarefa. Subiu muito em ângulo de 30 graus a margem do riacho, quase trezentos metros e daí veio descendo, sem antes recomendar que todos brigassem em pé, e os ferrolhos ficassem abertos, quem deitasse podia se atirado e morto. Veio descendo e houve o primeiro tiro, daí a fuzilaria. Cangaceiros passaram por cima dele e de seu grupo. Ele metralhou muito a sua frente, recebia carregadores para a sua metralhadora e descarregava rapidamente......(em quem ?).

Já quase na margem passa fogo em Elétrico que estava dependurado na beira do barranco. Elétrico recebe a rajada e o fuzil escapa das mãos e ele sai rastejando de atrás da arma que desliza barranco abaixo. A volante cerca ele, e o Tenente pergunta quem é , de onde ele é ? – ele responde: pergunte a sua mãe que ela sabe quem eu sou. O Tenente retruca: eu ia te levar vivo, mas não vou ! – responde o cangaceiro; me levar vivo ? se você me levar vivo eu vou te matar debaixo de tua cama e xinga o Tenente. O Tenente ordena: mate esse homem ! – um soldado volante vem com a faca e pá, pá, pá, pá e o cangaceiro não morre e o Tenente reclama: bando de covardes, vocês são covardes –

 quem mandou esfaquiá esse homem ? se ele estivesse bem eu ia deixar ele lutar com vocês para ver se vocês são homens mesmo !

Quando o Tenente chega em baixo, Lampião ainda se estrebucha. Mergulhão ainda responde: sou.....do........poçoooooo e morre ! O Tenente senta numa pedra. Lampião de lado, recebe um tiro na cabeça e coronhadas que lhe esmagam o craneo . Um soldado ainda alerta outro: não estrague a cabeça, não sabe que é pra cortar !

Do outro lado do Rio, ao amanhecer, Corisco pronto para a travessia escuta o tiroteio. Dadá pergunta o que é, ele responde: é no sítio de cumpadre Lampião. Escuta-se um derradeiro tiro, isolado, final, e Corisco comenta: é algum baliado que tão acabando de matá. Sobre esse tiro muitos estudiosos afirmam que foi em Luiz Pedro; outros dizem que foi na cabeça de Lampião; outros dizem que foi no cachorro de Lampião. Outros afirmam que foi em Mergulhão – ninguém sabe ao certo.

Capitão Alfredo Bonessi

Comentários dizem que quem matou Luiz Pedro foi Mané Véio. Luiz Pedro estava saindo, subindo o barranco quando Mané Véio atirou no meio da barriga dele. Outros dizem que não, que Luiz Pedro e Balão estavam tentando pegar o ouro de Lampião e que várias tentativas foram feitas por ambos, até que Luiz Pedro foi e não voltou mais. Eu fico com essa versão. Outro afirmação dão conta que Maria Bonita, ferida, ainda gritou para Luiz Pedro, lembrando o juramento prestado quando da morte de Antonio Ferreira, sobre o compromisso de que no dia que Lampião morresse ele morreria também. Não acredito nisso, Maria estava com dois tiros e em seguida perdera os sentidos prova está que caiu e não se mexeu mais.

Quem dormia no interior da gruta era Quinta-Feira, segundo a cangaceira Sila, um velhinho. Ele morreu por ali mesmo. Mas teve um cangaceiro em que a polícia atirava e ele corria para um lado e para outro, acabou caindo e ficou com o pé em cima de uma pedra e ainda dando com a mão, isto é fazendo sinal com a mão. Para mim esse é Lampião. Outros dizem que é Mergulhão, outros dizem que essa é Maria Bonita que ficou fazendo sinal com a mão atrás de uma pedra. Mas declarações de alguns policiais dão conta que cessado o tiroteio a força passou entre Maria Bonita e Lampião que estava caídos. Nunca saberemos ao certo.

Nenem, Luiz Pedro e Maria Bonita

O fato que após o combate a tropa seguiu rio acima e Corisco avistou a força subindo. Nesse exato momento o sangue de seu cumpadre e mais dez cangaceiros corria por entre as pedras e penetrava no chão duro da grota de Angicos. Corisco poderia ter dizimado toda a volante, pois era um alvo fácil as três canoas subindo lentamente o rio, e os soldados remando com muita dificuldade. Corisco ficou escondido e procurou saber do resultado da luta. Se abrisse fogo, o tesouro que a polícia conduzia, dinheiro, ouro e as cabeças dos cangaceiros, hoje estariam depositados no leito profundo do Rio São Francisco, juntamente com as carcaças dos soldados. Corisco ainda procurou Joca, coitero seu, para troca de informações e pede a ele que faça algumas compras. Joca acusa o vaqueiro Domingos da morte de Lampião e avisa o Sargento Aniceto sobre Corisco e ambos fazem uma tocaia para o cangaceiro e seu bando, que não comparecem e escapam da morte certa. Corisco, a noite, chega na casa de Domingos e sem falar nada sobre o fato, mata cinco pessoas da mesma família. Se tivesse dialogado, interrogado o vaqueiro, com certeza Joca não teria morrido de velho na cama. Alguns ainda acham que Corisco e Lampião naquela ocasião estavam de amizades azedas pelo assassinato de Cristina de Português, porque a mulher foi mandada embora para a casa dos país e Luiz Pedro, Juriti e mais outro cangaceiro, Candeeiro, cercaram a moça já em viagem e a matam a punhaladas, tudo isso com a aprovação de Maria Bonita, sua amiga.


Na ocasião, Corisco ao ouvir o mugido triste dos animais ainda fez uma privinição: que tristeza essa ! que mugidos tristes, parece que está tudo se acabando ! – dito e feito, trinta dias depois morre Lampião, Maria Bonita e Luiz Pedro e anos depois, Juriti acaba morto, queimado vivo em uma fogueira pelo Sargento De Luz.

A busca maior pelos estudantes do tema é saber o que ocorreu depois da luta em Angicos. Ainda de madrugadinha, deixando o Tenente Ferreira com as armas apontadas para Lampião e Maria Bonita, Pedro deu no pé. Chegou em casa e abriu o jogo com os familiares que preocupados com Durval, de dezoito anos, que ainda não ainda voltara do cimo do morro, estavam aos prantos. Durval fica até o final da luta e assiste a tudo, até que o Cabo Bida dá uma alerta a ele: dê no pé porque agora os soldados vão brigar entre si pelo dinheiro dos cangaceiros – o que ele faz em seguida, dá no pé. No rumo de casa ainda passa por uma roça de melancia, abre uma e sai chupando. Seu espírito alegre ainda aproveita para dar um susto na família aflita, e faz gemido de assobração: uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh para todos, como se estivesse chegando de uma festa de São João. A tarde volta a gruta com Pedro, mas houve um barulho no mato e pensando ser cangaceiros, ambos saem correndo: é a volante de Bezouro que chega ao coito destruído.

O desfecho nas escadarias da Prefeitura de Piranhas

Depois de três dias, pelo que se tem notícias Pedro volta a gruta com a Polícia Científica e aponta todos os cadáveres putrefatos. Lampião é uma chaga só e de seus nervos e tendões escorre um líquido cor de cobre. Fora deixado nú da cintura para baixo e castrado. Maria Bonita é uma chaga só, toda picada pelos urubus, mas há um detalhe, resta uma mãozinha branca, delicada, parece uma louça, que impressiona a todos. Fora deixada com um galho de mato enfiado na vagina. Após a identificação dos cadáveres a polícia sepulta Lampião, Maria Bonita, Luiz Pedro, Quinta-Feira e Mergulhão e talvez Elétrico, por acaso, no mesmo buraco onde haviam sido enterrados os dejetos dos animais que os cangaceiros mataram para se alimentarem naquela semana - para mais de 47 bodes, segundo Durval.

Em cima do corpo de Maria Bonita é colocado por um policial, uma garrafa, acredita-se que seja de álcool ou de cerveja. A fedentina insuportável que se fazia sentir já com um quilômetro de distância quando a Polícia caminhava em direção ao local do combate, agora, era misturada a podridão das carcaças dos animais. Muitos soldados vomitam sem controle. Cinco dias após a chacina é a vez do Tenente Ferreira retornar ao coito, desta vez em reportagem com os jornalistas do Rio de Janeiro. Encontram os corpos insepultos dos cangaceiros, batem fotos, e vão se embora. O coito ainda é um pandemônio, dando a impressão que um furacão varrera aquele local fatídico.

Pedro morre dois anos depois e Durval morreu a pouco tempo em avançada idade. Ninguém se lembrou de perguntar a ele que fim levaram os ossos dos mortos e mesmo, quantas vezes após a luta ele ainda voltou aquele lugar - ou nunca mais voltou ? não é crível que ele não saiba o que aconteceu naquele lugar depois da morte de Lampião. Sabe-se que no mesmo dia da luta, a tarde, Odilon Flor chegou ao coito de Angicos, e ao ver os cadáveres de Lampião e Maria Bonita chorou. Choro esse que não se pode avaliar agora, se foi de alegria, se foi de frustração pelo feito não ser obra sua, choro de final de campanha, choro porque a guerra no sertão tinha acabado, choro de despedida, choro de saudades dos amigos que morreram na luta, choro pelos sofrimentos que passou, pelo cansaço, pelas pessoas que sofreram mortes horríveis nas mãos dos cangaceiros, choro pelo horror que presenciou ante as vítimas deixadas nas passagens do cangaço pelo chão sertanejo. Não se sabe.

O Coronel Lucena, Chefe Geral da Polícia depois do comandante, Capitão Teodoreto Camargo, do Exército, estava em Santana de Ipanema, sede geral da volante, tomando uma sopa, na casa de um amigo, quando o telegrama dando noticias da morte de Lampião e mais dez cangaceiros chegou as suas mãos: ele também chorou.

No fundo daquele grotão, no dia 28 de julho de 1938, ao meio dia, tudo estava consumado. Mais de vinte anos de lutas, sofrimentos, castigos, mortes, dores, prantos, conchavos, calúnias, intrigas, planos, projetos, esperanças, sonhos, furtos, roubos, sede, fome, aflições, irritações, ódios, enganos, engodos, artimanhas, ciladas, armadilhas, suspeitas, injustiças, sangramentos e suplícios - tudo foi lavado pelo sangue que escorreu dos corpos das vitimas naquela decisiva e derradeira batalha entre o bem e o mal.
Virgulino Ferreira

A vegetação espinhenta contrastando com o chão duro e pedregoso daquele lugar horrível, ainda hoje, mais parece a entrada do inferno- e a gruta escancarada, parece ser a boca do próprio demônio, que se abriu em gargalhadas sinistras para as 12 vítimas da morte naquela manhã - número mágico dos signos do zodíaco, número dos meses do ano, número dos apóstolos de Jesus - início de novos tempos e o fim de uma maldita era – a era do cangaço !

O som de uma voz feminina ainda ressoa vagamente pelo leito do riacho, beija uma árvore aqui, beija uma pedra ali, beija uma estrela no fundo do céu, retorna a terra em forma de sereno da noite, cai ao solo em forma de lágrimas de saudades em pingos de chuvas em madrugadas sem fim: Maria Bonita olhando de lado, a noite, véspera da morte, muito triste, faz um lamento ao destino cruel e passa de leve, quase um carinho, a mão sobre a laje fria na qual está sentada e que em breve fará parte do seu túmulo - conversa com ela, sussurra docemente para a pedra que a escuta indiferente: eu queria tanto que esse homem largasse essa vida !

Alfredo Bonessi
Pesquisador, membro do GECC e sócio da SBEC
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Um justo reconhecimento Por: Laser Video

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Há alguns anos, durante o julgamento simulado de Lampião promovido por Anildomá Willians; em Serra Talhada; vim a conhecer aquele que é o atual proprietário daquelas terras que foram da família de Lampião. Na época para mim um desconhecido, fiquei a me perguntar, 'o que um carioca queria comprando terras no sertão pernambucano?', 'terras que foram da família de Lampião?'

Estávamos eu e Paulo Gastão fazendo algumas entrevistas para o vídeo "Julgamento Simulado de Lampião", quando eu disse: - Paulo, vamos entrevistar o cara que comprou as terras, para saber qual é a dele. Achei que era só investimento, mas para minha agradável surpresa, logo nas primeiras palavras pude ver que me enganara redondamente, pois vi e senti que aquele homem, até então desconhecido, tinha algo que faltava em tantos outros que se dizem amantes da história, ou seja sensibilidade e honestidade nas palavras que ele dizia.





Tenho essas imagens guardadas há bastante tempo e acho que chegou a hora de torná-las públicas, pois é justo que todos os amigos saibam que tipo de pessoa é Carlos Eduardo. Parabenizo a ele e tenho certeza que a opinião de todos deve ser a mesma também.

Aderbal Nogueira - Laser Vídeo
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Aos Ventos que Virão... Por: Alcino Costa

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Cineasta Hermano Penna

Poço Redondo está sendo palco da filmagem do longa metragem “Aos ventos que virão”, filme que tem em Hermano Penna o seu diretor, ainda André Lavener como diretor fotográfico e Ana Clara Rafaldi, na condição de produtora executiva. O filme é estrelado pelo ator Rui Ricardo Diaz, aquele mesmo que fez o papel do presidente Lula no filme sobre a sua vida, ainda pelas atrizes globais Neuza Borges e Emanuelle Araújo, além do nosso sergipano Antônio Leite e outros atores da Bahia.

Este é o terceiro filme que Hermano Penna faz em Poço Redondo. Anteriormente, na década de 70, aconteceram duas filmagens em nosso município: “Mulher no cangaço” e “Sargento Getúlio”, este teve como ator principal o lendário Lima Duarte que passou alguns dias em nosso município, nos dando a honra de sua ilustre presença em nossa cidade.  Foi naquela época que Hermano, ao ler o livro de minha autoria “Lampião além da versão” ficou encantado com a história de Zé de Julião, no capítulo intitulado “Zé de Julião – a grande vítima do destino”.

Aquela comovente epopéia do moço de Poço Redondo nunca mais saiu da cabeça do extraordinário cearense do Crato, porém radicado há muitos anos em São Paulo. Hermano havia jurado consigo mesmo que um dia iria levar para o cinema aquele extraordinário épico de um homem que viveu uma vida de terríveis provações até ser assassinado naquele lutuoso dia 19 de fevereiro de 1961.

Zé de Julião é um famoso e saudoso filho de Poço Redondo. O seu pai, Julião do Nascimento, era o único homem daquele então arruado das brenhas sertanejas de Sergipe, possuidor de muitos bens, de vez que era proprietário de várias fazendas e um rebanho bovino avultado. Mesmo assim, o filho do fazendeiro, então recém casado com Enedina, numa decisão de extrema infelicidade, porém temeroso pela perseguição que as volantes lhe moviam, ingressou no bando de Lampião, levando consigo a sua querida esposa, que perdeu a vida ao lado de Lampião, Maria Bonita, e os demais oito companheiros no célebre cerco à Grota de Angico pelo tenente João Bezerra da Silva. Os anos se passaram. O projeto jamais saiu da cabeça de Hermano. Eis que, após muita luta e sacrifício, o sonho está sendo realizado. As filmagens tiveram seu início na semana passada, dia 19. O filme não segue propriamente a história e os acontecimentos da vida de Zé de Julião, segue o seu próprio caminho tão peculiar nos enredos e produções cinematográficas. Os nomes foram mudados. Zé de Julião passou a ser Zé Olímpio, e Enedina se tornou Lúcia. Enedina não vai morrer, ela acompanhará o marido até a sua morte em 1961.

Alcino Costa entre Juliana Ischiara e Ana Lúcia

O enredo do filme é emocionante. Por que “Os ventos que virão”? Vivia-se a esperança de Brasília, o então novo eldorado brasileiro. Naquele chão goiano estava sendo construída não só uma nova capital, mas as aspirações e os desejos de um povo. Recuperar a sua vida de empreiteiro naquele gigantesco canteiro de obras passou a ser o sonho de Zé de Julião, o nosso Zé Olímpio do filme. Aquela nova vida passaria a ser os ventos benéficos do futuro do homem que se tornou a grande vítima do destino. E assim, em sua sensibilidade artística, Hermano colocou o título “Aos ventos que virão”, aliás que nunca chegaram para Zé de Julião, na película por ele produzida.Deixando de lado a fantasia do filme que nasceu da mente arejada de seu produtor, necessário se faz falarmos um pouco da verdadeira história do real personagem que fez florescer o enredo de “Os ventos que virão”. Zé de Julião, nasceu José Francisco do Nascimento, naquele dia 19 de abril de 1919. O seu pai era um abastado fazendeiro para os padrões de Poço Redondo. Ainda muito moço contraiu matrimônio com uma parenta de nome Enedina. Na primeira quadra do ano de 1937 foi para a companhia de Lampião, levando ao seu lado a sua jovem esposa. No cangaço recebeu o nome de Cajazeira.

No pandemônio da Grota de Angico, vamos encontrá-lo naquele inferno. A sua esposa ali perdeu a vida. O cangaço morreu e Zé de Julião, após casar com uma irmã de Enedina, uma moça chamada Estela, arribou para as terras do sul, indo residir em Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro. Com a morte do pai foi obrigado a retornar ao Poço Redondo que ele tanto amava com a finalidade de cuidar dos bens deixados pelo genitor. Poço Redondo é emancipado em 1954. Zé de Julião se candidata a prefeito. A eleição terminou empatada entre ele e o seu opositor Artur Moreira de Sá. Por ser mais velho Artur ficou com os louros da vitória.

Na eleição de 1958 voltou a ser candidato. No entanto, uma medida compreensível da justiça eleitoral desgraçou a sua vida e ela chegou com a obrigação de se cadastrar todos os eleitores para adquirir novos títulos. Esta nova lei foi à desgraça de Zé de Julião. Nenhum de seus adeptos recebeu seu título. Desesperado, no dia da eleição roubou as urnas. Foi perseguido como se fosse um cão danado. No dia 19 de setembro de 1959 foi preso e recambiado para a Penitenciária do Estado, em Aracaju. Após ganhar a sua liberdade, carregando o sonho dos ventos benéficos de Brasília, viajou para a nova capital. Eis que, misteriosamente, no aeroporto de Salvador, na Bahia, alguém cujo nome a história desconhece, o convenceu a não seguir a viagem tão sonhada para seguir o seu destino de dor e sofrimento, retornando ao Poço Redondo, aonde foi assassinado naquele dia 19 de fevereiro de 1961.  Que o nosso Hermano Penna, ao lado de sua competente equipe e de seus atores e atrizes tenham muito sucesso neste “Aos ventos que virão”, pois ele faz parte de nossa história sofrida e ao mesmo tempo bela deste tão amado Poço Redondo.

Em tempo: Você, meu leitor amigo, prestou atenção na repetição misteriosa do número 19 na vida e no destino de Zé de Julião? Nasceu em um dia 19, foi preso em um dia 19, morreu em um dia 19 e o filme baseado em sua saga começou num dia 19. Ainda mais, o nome de guerra, Cajazeira, tem nove letras.

Alcino Alves Costa
O Caipira de Poço Redondo
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A ira de João Gabiru Por: Antonio Carlos Olivieri

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Antonio Moraes do blog do Sanharol

Sexta-feira, sete e meia da tarde, fazia muito calor. Eu andava pela Barra-Funda. A esmo, apreciando o que sobrou de antigo no bairro, despreocupado com o resto do mundo. Empapado de suor, pelo resplandecente sol do horário de verão, entrei num boteco de esquina, o primeiro que encontrei e pedi uma cerveja no balcão, urgente.– Uma Brahma, pelo amor de Deus! É pra já, meu querido – respondeu, do outro lado do balcão, o rapaz de avental, com esse modo íntimo, embora nunca tivesse me visto antes. – No capricho!Depois do primeiro copo, um homem novinho em folha, respirei fundo e passei a apreciar o interior do botequim, que não via uma reforma desde os anos 60. Balcão e bancos de fórmica, azulejos, lâmpadas fluorescentes. A gente só se dava conta de estar em 2005 devido à opulenta nudez de Juliana Paes, nos cartazes da Antártica.Para não me apaixonar por uma mulher impossível, voltei à atenção para a conversa de dois tipos ao meu lado.

Os dois também bebiam e se divertiam depois de um dia de batente, contando casos um para o outro, com delicioso sotaque pernambucano. Um deles, o mais velho, parecia mesmo um repentista, pelo vozeirão grave e a eloqüência narrativa, que se traduzia em uma vasta gama de expressões e gestos.O tema dos casos era sua terra natal, a que não iam há muito tempo. Inacessível às suas posses, porém, o sertão se franqueava às suas lembranças. Era quase ali (no bar em que os três bebíamos) o mais remoto cocuruto de serra, do sertão de Pernambuco. Mas não se tratava do sertão atual, “muderno”, cortado por caminhões de carga, bolsas-famílias e antenas de TV, mas de um sertão de outro tempo, mitológico, onde os versos épicos dos cegos jamais se calam e o cangaço é eterno. Nos alto-falantes pendurados nos quatro cantos do recinto, a voz de Luiz Gonzaga inspirava os narradores.

As doses de cachaça com que intercalavam os grandes goles de cerveja tornavam-nos cada vez mais eloqüentes. Os enredos se sucediam, agrestes. Um deles me chamou a atenção.Major de patente comprada, o fazendeiro Luiz Antonio Feitosa, de Cajarana, sertão da Bahia, devia muitos favores a Lampião. Entre eles, o de ter aumentado em muitas léguas os limites de sua propriedade. O rei do cangaço o auxiliou em rixas, intimidou e eliminou vizinhos. Pressionou juízes a favorecê-lo em pendências agrárias. Em troca, o Major lhe fornecia mantimentos e munições, bem como o acoitava sempre que o cangaceiro atravessava o São Francisco, fugindo das volantes de Pernambuco e Paraíba.Certa ocasião, o Major tomava a fresca da manhã no copiá da casa-grande, quando avistou um cabra batendo alpercatas na estrada, caminhando em sua direção. Feitosa apurou a vista e reconheceu o homem, ainda distante. Era o negro Vicente do Outeiro, um cabra do eito, gente sua, mas que só o procurava nas ocasiões em que Lampião aparecia naquelas paragens, trazendo recados do cangaceiro.

Bom dia, Major Feitosa – saudou Vicente, sem subir os degraus da varanda, olhando de baixo para cima. – Tenho um pedido para vosmecê.– Pois se achegue aqui, homem de Deus, não faça tanta cerimônia – respondeu o fazendeiro, bonachão, embora remendasse, resmungando para si mesmo, entre dentes: – Os recados que você me traz, é melhor que sejam dados ao pé do ouvido.O negro aproximou-se, tirando o chapéu de palha.Major, o Capitão Virgulino mais três cabras estão aqui perto, no sitiozinho que o senhor conhece, perto do Tanque, atrás do bosque de oiticicas. Os homens vêm de um combate danado que toparam há três dias lá para as bandas de Triunfo. Foi tiroteio de mais de cinco horas, que começou bem para o capitão. Até que apareceu, não se sabe de onde, uma tropa federal com 150 praças que deram sustento ao fogo da volante do tenente Maurício. Os cabras de Lampião estavam cercados.Não me diga... – fez o Major, apreensivo.– Mas os cangaceiros conseguiram furar o cerco – prosseguiu o negro, impressionado com os fatos. – Se meteram na caatinga e conseguiram escapar dos macacos. Mas havia muitos feridos: Jararaca, Beiço Lascado, Cobra Verde... Lampião achou melhor separar seus homens, mandando cada grupo para um coito seguro, em lugares diferentes.

Ele mesmo achou que era melhor atravessar para a Bahia e me procurou ontem à noite, para mode saber se pode acoitar-se uns vinte dias cá na sua propriedade.Vicente se calou, aguardando uma resposta. O Major permaneceu em silêncio por não mais que um simples instante. No entanto, este lhe pareceu o maior dos instantes que conheceu em toda a sua vida. Só que não devia demorar em responder ao negro:Vá dizer ao Capitão que me espere onde está – declarou, resoluto. – Vou encontrar com ele no início da tarde.– Senhor, sim, Major Feitosa – obedeceu o outro e voltou pelo caminho por onde viera, batendo mais rápido as alpercatas, até desaparecer na distância da capoeira. A sinfonia de uma revoada de juritis encheu o céu de Cajarana. Os bogaris, plantados em frente aos esteios da varanda, adocicavam o ar do verão que, a essa altura, já estava quente como o inferno.Em contraste com o sol que brilhava acima da casa-grande, a expressão que tomara conta do rosto do Major era sombria, grave, repleta de nuvens e trovoadas.

Na verdade, naquele momento, a demanda de Lampião o colocava num impasse delicadíssimo. Uma rixa com o coronel Napoleão da Fonseca, de Queimadas, havia levado Feitosa a ingressar na política, filiando-se ao partido do governo. O Major tinha agora a pretensão de candidatar-se a deputado estadual e a proximidade com cangaceiros podia constituir uma montanha instransponível no seu caminho para a Assembléia do estado. Por outro lado, dizer não ao rei do cangaço era a mesma coisa que assinar um atestado de óbito para si mesmo, a mulher e os filhos. Sem falar nos agregados, que eram a cunhada dona Amelinha, o sobrinho Vitorino e o primo José Amaro.Se em algum momento o sentido da palavra diplomacia lhe interessou na vida de mandos e desmandos, foi naquele. O que fazer?, ruminava, aperreado.

Sua plataforma de campanha – que empolgava os eleitores – era justamente o combate ao banditismo, tanto o dos cangaceiros, quanto dos tenentes de volante que os perseguiam (além das obras de combate à seca). Puxou um charuto encorpado que lhe mandaram do Recôncavo, mastigou-o numa das pontas e o acendeu com uma pederneira. As nuvens azuladas de tabaco fertilizaram seu raciocínio. Em pouco tempo, ordenava para o afilhado Bentinho, o filho da comadre Vivi:– Esse menino, me traga aqui o João Gabiru. Preciso conversar com ele, o mais rápido possível.Gabiru era uma espécie de pau para toda a obra, na fazenda do Major Feitosa. Tinha um jeitinho para tudo. Nada ganhava com isso, exceto um teto, roupa e comida. Para ele, porém, era o que bastava. Mais uns goles de cachaça nos fins de semana e se dava por muito satisfeito. Além disso, dedilhava a viola e era um primor no repente. Quando ia a Cajarana, nos dias de feira, vinha gente de várias cidades das redondezas para ouvi-lo. Apesar de baixinho, franzino, cabeça grande e o rosto mal traçado, ao tocar a viola, conquistava a atenção até das morenas faceiras que acompanhavam as mães às compras.

Pouco depois do chamado, Gabiru chegou ao copiá, onde o Major Feitosa o aguardava, aflito. Ao vê-lo, o patrão nem lhe desejou bom dia e foi direto ao ponto: Lampião pedira coito, favor que naquela ocasião não estava em condições de prestar ao cangaceiro. Porém, como podia dizer não a Virgulino Ferreira da Silva, sem produzir conseqüências desastrosas? Gabiru matutou, matutou, mas não encontrava saída.O patrão também não lhe concedeu muito tempo para pensar, ordenando em seguida:– Vá imediatamente encontrar o Capitão. Tente explicar que aqui, neste momento, ele não estará seguro. Melhor que fique mesmo na caatinga, no sitiozinho onde já se instalou, pegado ao Tanque. Posso mandar-lhe mantimentos e tudo que for de sua precisão. Mas recebê-lo em minha casa é impossível. Invente que estou esperando a visita do governador, acompanhado por militares de alta patente e pelo próprio chefe de polícia. Sei lá! Assunte bem o terreno, veja lá como fala e dê um jeitinho. Senão, estamos todos desgraçados!

João Gabiru não aparentou medo, ao aceitar a tarefa. Acreditava que a solução de um problema assim era uma coisa que só se encontrava de repente, num estalo. Confiou-se a São Severino de Ramos. Colocou sobre a cabeça um chapeuzinho de couro, quase sem abas. Foi ao curral e arreou a mula ruça, que pisava macio. Montou, deu-lhe com o cabresto e seguiu caminho. Com a ponta dos pés descalços nos estribos, equilibrava-se sobre o trote da jumenta, gingando como um ginete das velhas ordens de cavalaria.Sob a sombra de uma cajazeira, no sitiozinho do Tanque, os três cabras de Lampião matavam o tempo jogando dominós. Estavam muito concentrados, mas o instinto os fez interromper repentinamente a partida. Ao perceber à distância a aproximação de um cavaleiro, se fizeram nos rifles, espalhando-se aos pés das imburanas. Porém, à medida que João Gabiru se tornou visível, os cangaceiros serenaram e baixaram as armas.

A imagem eqüestre do moleque de recados nada apresentava que lhes pudesse provocar o menor medo. Ao contrário, parecia-lhes um motivo de provável diversão. De cartucheiras trançadas no peito, os três homens ficaram de pé, batendo as coronhas do rifle no chão, como autênticos militares. Receberam o recém-chegado, perfilados, com cortesia galhofeira. Ajudaram-no a descer da jumenta e perguntaram o que um homem daquele porte fazia naquele oco de mundo.Venho da parte do Major Luís Antônio Feitosa – respondeu Gabiru, sério, aparentemente sem perceber que mangavam dele. – Com um recado para o Capitão Virgulino Ferreira.– Pois vossa incelência espere só um minutinho que vou ver se o Capitão pode te receber – respondeu o maior dos três cangaceiros, que era também o mais mal encarado, e entrou na casinha de taipa caiada, onde o chefe descansava.

Voltou poucos instante depois e abriu a porta para o recém-chegado, com uma reverência que despertou a risada de seus dois companheiros. João Gabiru não fez caso disso, entrou na casa e deu de cara com a cozinha vazia, com um fogão de lenha num canto e uma mesa de pinho ao centro, onde pareciam repousar todas as armas do famigerado cangaceiro: um rifle papo-amarelo, uma carabina Comblain, três bornais de balas, dois revólveres Schmidt & Wesson, um punhal e uma facão de mateiro. Mas o rapaz não teve tempo de observar o arsenal com mais atenção, pois uma voz vigorosa o chamou da camarinha.João Gabiru entrou no dormitório onde Lampião, estirado numa rede, fazia sinal para ele se aproximar. Pela janela aberta, o sol do meio dia reluzia no quarto como se estivesse dentro dele. Iluminava a figura ridícula do mensageiro, em todos os seus pormenores. O único olho do capitão mirou o sertanejo com expressão furiosa, como se estivesse ofendido por deparar com semelhante moleque de recados. Como é que o major Feitosa lhe fazia uma desfeita daquelas? Não só mandava alguém em seu lugar, em vez de vir pessoalmente, mas mandava aquela figurinha de baralho lhe dar a resposta que ele, o Feitosa – não aquele cabrito desajeitado – lhe devia?!Isso era um desfeita que a majestade de Virgulino Ferreira da Silva não havia de engolir!

Lampião ergueu-se da rede, com a rapidez que – no gatilho – lhe valeu o apelido. Estava desarmado e completamente a vontade, com as fraldas da camisa para fora da calça de zuarte. Lentamente aproximou-se de Gabiru – a quem olhava de baixo para cima – e sem a mínima cortesia, nem pela mesma mangação dos comparsas, lascou-lhe na cara uma pergunta atrevida:Você sabe o que é a ira de Lampião?Não senhor – respondeu Gabiru, sem deixar de encará-lo.A ira de Lampião – explicou-se o próprio – é uma fazenda arrasada, muitas mulheres graúdas desonradas, dezenas de cadáveres e o sangue correndo como um rio por cem léguas de distância.O sertanejo escutou, humilde, mas respondeu com outra pergunta:Pois vossa incelência sabe o que é a ira de João Gabiru?

O rei do cangaço riu-se da insolência e deu-lhe o troco na bucha:A ira de João Gabiru há de ser o cipó-de-boi comendo no lombo dele, que acabará de volta à casa do Major, mais morto que vivo, se arrastando atrás de sua mula.– É não – contradisse o outro e sacou zunindo uma peixeira que trazia escondida na cintura. – Quando João Gabiru fica irado, como agora, o máximo que pode haver é dois cadáveres, o sangue não corre mais que cinco passos, mas todo o cangaço há de ficar de luto.Com a ponta da lâmina a milímetros de seu pescoço, Lampião não piscou o olho nem moveu um dedo. Mas respirou fundo, antes de responder ao Gabiru:É de cabra assim, com cabelo na venta, que eu gosto, não sabe? Abaixe essa arma e vamos conversar, meu camarada. Tem sorte o Major Feitosa de contar com um macho esperto como tu a seu serviço...

O final da história coincidiu com o fim da minha garrafa de cerveja. Durante algum tempo, esqueci do mundo, nocauteado pelo relato do velho. Ao voltar a mim, os danados dos nordestinos tinham simplesmente desaparecido. Cheguei a me perguntar se os dois haviam estado ali mesmo ou se eu os imaginara numa espécie de delírio. Não consegui chegar a uma conclusão. Fui interrompido pelo rapaz do balcão que queria saber:– Outra Brahma, meu querido?

Cortesia do Amigo Antonio Moraes
Blog do Sanharol
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O Banditismo nos Sertões do Nordeste Por:Lemuel Rodrigues

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Lemuel Rodrigues, Sandro Leonel e Danielle Esmeraldo

O banditismo sempre gerou o interesse e alimentou a fantasia do povo. O homem ou a mulher que vive às margens da lei como um celerado errante desperta na população, atração e admiração, certo fascínio por aquela vida “livre” das restrições impostas pela sociedade. Basta lembrar o que representa Robin Hood para os ingleses, Jesse James, para os americanos, Pancho Villa para os mexicanos e, como não poderia ser diferente, Lampião para nós brasileiros.

A vida desses homens é contada em verso e prosa, sem a preocupação com a história, seus feitos “heroicos”, exageradamente narrados pelos contadores de estórias, ajudaram a mitificar tais personagens. No caso específico do Brasil, as bravuras de Lampião, que são narradas pela literatura de cordel, por exemplo, contribuem sobremaneira para mitificá-lo. Essas narrativas sem uma preocupação histórica exigem uma atenção especial. Ao invés da ênfase ao bandido, era preciso estudar a realidade de suas vidas e a sociedade na qual viveram e morreram. Daí o motivo pelo qual precisamos retroagir no tempo e no espaço e procurarmos entender as ações desses agentes históricos que são os cangaceiros. Tomaremos como referência a colonização, em especial a expansão territorial através da criação extensiva do gado.


As grandes famílias que ocuparam os sertões do Nordeste no período colonial, através da atividade acima citada, mantiveram sob seu controle bandos de homens, muitos dos quais vivendo em suas terras, como “morador” ou “agregado” em troca de “serviços” ocasionais. Eram comuns, entre as famílias que dominavam os sertões, conflitos gerados muitas vezes por questões de terra, gado, liderança política, herança, casos amorosos ou qualquer outra pendenga, o que exigia delas a permanência de “seus homens” sempre em prontidão para uma eventual “guerra de famílias”, como por exemplo, na luta entre os Pereiras e Carvalhos na zona do Pajeú de Flores, em Pernambuco, bem como os Cunhas e Patacas, no Ceará; Dantas e Carvalhos Nóbrega, na Paraíba, e tantas outras espalhadas pelo Brasil.

Destacaremos a titulo de ilustração o conflito entre os Pereiras e os Carvalhos, em Pernambuco, uma vez que foi do confronto dessas duas famílias que nasceu, por volta de 1916, um dos grupos de cangaceiros mais atuantes nos sertões do Nordeste, liderado por Sebastião Pereira (Sinhô Pereira), neto do Barão de Pajeú, e seu primo Luis Padre. Os dois arregimentaram dezenas de homens e passaram a perseguir membros da família Carvalho por serem responsáveis pela morte de membros de sua família. Os Carvalhos, que naquele momento dominava a política em Pernambuco, usavam a polícia e as milícias para se defenderem, acusando seus adversários políticos e inimigos pessoais de “perigosos bandidos.” Nesse cenário de rivalidade entre as famílias, iremos perceber a ligação do cangaço com a política.

Já no período imperial, a existência de dois partidos, o liberal e o conservador, colocava em lados opostos as famílias rivais. Como afirma Queiroz (1997: 24) Quando o Partido Conservador, por exemplo, estava dominante num município ou numa região, as parentelas que compunham o Partido Liberal, seus bandos de capangas, as autoridades que pertencessem ao mesmo partido, eram consideradas “na ilegalidade”. Como tal, viam-se perseguidas, aprisionadas, dizimadas, e as autoridades administrativas destituídas de seus cargos.”


A Proclamação da República e a extinção dos partidos não foram suficientes para superar as diferenças históricas existentes entre as famílias rivais. As lutas continuam, agora enfatizando as querelas pessoais, daí o derramamento de sangue ao longo da chamada república velha em todo o país. É bem verdade que a continuidade das lutas entre as famílias não pode ser vista apenas como frutos de questões pessoais, uma vez que o fim do império e a extinção dos partidos não cessaram as disputas políticas entre os grupos. O que podemos perceber era uma nova disputa, dessa vez interna. Ainda tomando como referência Queiróz (1997: 26) Durante o Império, lutavam Conservadores contra Liberais, partidos políticos que eram nacionalmente reconhecidos. Na 1ª República, passou a existir um partido único, o Partido Republicano. A luta pela dominação local se travou, então, entre os que ocupavam os cargos político-administrativos e neles procuravam eternizar-se (oligarquias), e seus contrários, rotulados por eles como bandidos.

Com o advento da república, a tendência foi o cangaço se tornar independente dos grupos familiares, uma vez que as oligarquias no poder passaram a se utilizar de novos instrumentos de controle local, como a polícia. É bem verdade que a passagem dos grupos de cangaceiros dependentes para independentes não excluía a relação com políticos da região. Os três grandes nomes do cangaço independente, Antônio Silvino, Lampião e Corisco, mantinham boas relações com alguns chefes políticos locais, chegando ao ponto de gozar de certas regalias em suas áreas de atuação. No entanto, isso não tornava os cangaceiros elementos com habitat fixo, pois eram pessoas que viviam às margens da lei e frequentemente perseguidos pelas polícias estaduais.


Lemuel Rodrigues
Presidente da SBEC
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

NOTA CARIRI CANGAÇO: O texto acima faz parte da espetacular apresentação do professor doutor, Lemuel Rodrigues, presidente da SBEC, na abertura do Semínário Cariri Cangaço 2009, com o tema: Cangaço e Religiosidade. Convidamos a todos para acompanharem na íntegra a apresentação acessando o site oficial da SBEC:
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Horácio Novaes e o coronel Santana

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Magérbio de Lucena em noite de Cariri Cangaço

Estamos acostumados a ouvir as maravilhosas histórias do famoso coronel Santana, da Serra do Mato, através do confrade e amigo, pesquisador e memorialista de mão cheia, Bosco André. Hoje trazemos um pouco mais da "dinâmica e atribulada" atuação desse coronel de barranco, um dos maiores líderes de todo o sertão do início do século XX, só que agora, sob as linhas dos grandes pesquisadores Hilário Lucetti e Magérbio de Lucena em seu fabuloso "O Estado Maior do Cangaço".
  
Pelos idos de 1919, Horácio Novaes, bandido conhecido e temido lá do lado das bandas do Riacho do Navio,  chegava ao cariri cearense e ao município de Porteiras trazido pelo primo Afonso Novaes, comerciante prestigiado em toda região. Apesar de já viver chafurdado no mundo do crime, não passou muito tempo e se tornava delegado em Porteiras. Mas, sina é sina, Horácio Novaes também já começava a arranjar inimigos poderosos também no Ceará, um deles o famoso Chico Chicote, o outro: coronel Santana, da Serra do Mato.


Conta-se que na seca de 1919, muitos dos moradores do cel. Santana, para fugir do flagelo subiam as encostas da serra em busca de alimento e acabavam matando criações; Horácio Novaes, dentro de sua função de homem da lei, perseguiu e prendeu muitos desses moradores do Cel. Santana; que diante do ocorrido não pôde fazer quase nada, no estranho código de então, tudo menos roubar! Mas Horácio conseguiria ali um de seus mais ferrenhos desafetos.

Morava na Serra do  Mato como um dos homens de confiança do cel. Santana, um negro destemido e perverso, Cobra Preta, mas que caiu em desgraça diante do patrão. O cel. Santana então urdiu um plano mirabolante para se ver livre do incômodo serviçal. Tramou a morte do negro com a ajuda de um de seus filhos bastardos, Zé Nicolau, homem também de reconhecida valentia.

Certa noite, Zé Nicolau bateu na porta do rancho onde dormia Cobra Preta, o mesmo indagou de dentro quem estava a chamá-lo. Zé Nicolau falou que era um serviço do cel. Santana que precisava ser feito imediatamente. O negro foi abrindo a porta e foi sendo fuzilado a queima roupa. Imediatamente o cel. Santana espalhou a notícia que Cobra Preta havia sido morto por Horácio Novaes, e como diz a dupla Hilário/Magérbio, "testemunhas não faltaram..." Horácio Novaes novamente teve que fugir para o meio do mato e para a clandestinidade. Cel. Santana de uma tacada só havia se livrado de dois desafetos.

Horácio Novaes passou a esporadicamente andar com o bando de Lampião e em 1926, no mês de agosto,  haveria de protagonizar ao lado de Virgulino, uma das maiores chacinas do cangaço: O assassinato da família de Manoel de Gilo, no conhecido fogo da Tapera, no município de Floresta.

Manoel Severo
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UBE em Belo Horizonte

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Escritora Rosa Bezerra e Neli Gonçalves

Em recente viagem a Belo Horizonte, a escritora Rosa Bezerra, que coordena o Núcleo de Estudos do Cangaço da UBE, visitou Neli, a querida Lili, filha dos cangaceiros Durvinha e Moreno, um dos homens de confiança de Lampião.


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Não podemos calar Por:Mário Hélio

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Provocados pela matéria do Aderbal Nogueira e diante dos muitos comentários dos confrades do blog do Cariri Cangaço, resolvi enviar este email a você amigo Severo, espero que possa está contribuindo com o debate, que a meu ver, é extremamente oportuno.

Temos nos acostumado a ver e conviver com uma certa miopia de alguns, quando rotulam os pesquisadores e estudiosos do cangaço, como pessoas que desperdiçam seu tempo em "vangloriar feitos de bandidos". Essa situação, eu mesmo já vivi, embora nunca me apresentei como pesquisador, e não o sou; apenas sou um curioso e dedicado leitor. Mas, acabamos sempre vendo essas situações. Ultimamente temos, a partir desta dinâmica e maravilhosa rede mundial de computadores, um conjunto de sites e blogs que têm distismificado a dita preconceituosa e iverídica máxima. Sites como o Cariri Cangaço, SBEC, Lampiao Aceso, enfim, estão a nos mostrar a importante e imprescindível contribuição, lúcida e séria, dos abnegados estudiosos de nosso cangaço. Sempre com análises criteriosas, questionadoras e que sempre nos trazem um conhecimento crítico a mais.

A despeito do que alguns possam falar, temos por exemplo, os muitos debates promovidos por este prestigiado site do Cariri Cangaço, que já em tão pouco tempo, conquistou seu espaço na mídia eletrônica e já é leitura obrigatória, diária, dos muitos admiradores do tema em todo o país e inclusive no exterior. Quando Aderbal Nogueira nos pede para discorrer sobre a situação atual de violência, me vem a cabeça imediatamente um sentimento de impotência.


A violência por natureza já é mais que perversa; observar a banalidade com que se tem tratado o tema, desde os milhares de programas de televisão até o olhar desinteressado da grande maioria de nossa sociedade, é assustador. Educação, trabalho, renda, família, etc, etc; todas são fundamentais para segurar o cidadão do lado do bem; mas como o próprio Aderbal fala: O que fazer com homens que apertam o gatilho sem remorso, "sem rei e sem lei", trazendo o flagelo e a desgraça para tantas e tantas famílias?

A sociedade e os homens de bem precisam sim se posicionar, sabemos que a responsabilidade é constitucional, passa pelo código penal, pelo Congresso Nacional, mas precisamos nos posicionar, precisamos pressionar, algo precisa ser feito. Como podemos conviver com uma lei que prende hoje e solta amanhã um "monstro" como muitos daqueles que depuseram à revista Veja? Parabéns ao Aderbal e ao Cariri Cangaço pela provocação. Vocês estão no caminho certo.

Respeitosamente,

Mario Helio
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Noite do Xaxado na UBE

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Aconteceu na última quinta–feira na sede da UBE - Pernambuco, Casa Forte, Recife; a Noite do Xaxado. Com muita música, dança e poesias sobre o cangaço, o evento foi uma realização do Núcleo de Estudos do Cangaço da UBE/PE, da Associação dos Realizadores de Teatro de Pernambuco, ARTEPE, e da Fundação de Cultura Cabras de Lampião. Na oportunidade houve o lançamento do livro "Lampião, nem herói, nem bandido" do escritor Anildomá Willians  e o lançamento do documentário/DVD sobre o xaxado.

Escritora Rosa Bezerra
UBE-Pernambuco
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João Pessoa recebe 1º Salão Internacional do Livro da Paraíba

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No período de 20 a 28 deste mês de novembro, a cidade de João Pessoa será a Capital Mundial do Livro. O Governo do Estado, o Ministério da Cultura, o Sebrae em diversos parceiros realizarão o 1º Salão Internacional do Livro da Paraíba – Leitura para Todos - no Espaço Cultural José Lins do Rego.

Da programação constam as seguintes atividades: café literário, arena cultural, arena infantil, visitação escolar, oficinas, workshops, palestras, cinema, teatro, música e sessões de autógrafos. O secretário David Fernandes destaca que grandes nomes da literatura brasileira e de mais oito países marcarão presença no 1º Salão Internacional do Livro da Paraíba. Ele adiantou alguns nomes: Marina Colasanti, Ignácio de Loyola, Afonso Romano de Sant’Anna, Bráulio Tavares, Mário Prata, Pasquale Cipro Neto, Nelida Piñon e Arnaldo Antunes. A entrada é gratuita.

De acordo com o subsecretário de Cultura do Estado, David Fernandes, a abertura oficial do evento será às 10h do sábado dia 20, no Cine Bangüê, com palestra de José Castilho, presidente do Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL. O governador José Maranhão e diversas autoridades e escritores convidados participarão da solenidade.

A Feira Internacional do Livro acontecerá na Praça do Povo do Espaço Cultural de 20 a 28 de novembro no horário das 10h às 21h. No mezanino 4 haverá exposição interativa e a exposição memória e informação no Espaço Cultural. Dias 22 e 23 no Teatro Paulo Pontes será realizado o Fórum Paraibano do Livro, Leitura e Bibliotecas.

O 1º Salão Internacional do Livro da Paraíba oferecerá ainda sarau paraibano e lançamento de livros no Teatro de Arena, com apresentação do jornalista e poeta Linaldo Guedes. A programação terá também encontro de cordelistas, poética da palavra, café com letras, oficinas.

As apresentações culturais ficam por conta de Silvério Pessoa, Adeildo Vieira com homenagem ao poeta Lúcio Lins, Urso Amigo Batucada mais Cabruêra, Nação Maracahyba, Kenedy Costa com homenagem a Jackson do Pandeiro, Aruenda da Saudade, Patrícia Moreira, Paraíba Dixieland, Toninho Borbo, Beto Brito e Tarancón

FONTE:funesc.com.br/cultura
Cortesia enviada pelo Confrade Narciso
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Raquel de Queiroz - O Centenário Por:Manoel Severo

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Esta semana o Brasil comemora o centenário de uma de suas mais festejadas escritoras, neste último dia 17, a cearense Raquel de Queiroz, completaria cem anos de vida. A nossa grande escritrora e poeta, a humilde homenagem do Cariri Cangaço.

"Comecei a escrever uma peça sobre Maria Bonita, mas a força do Cego era tão grande que tomou do conta da peça, daí escrevi Lampião..."

A escritora Rachel de Queiroz (1910-2003) nasceu em Fortaleza, num 17 de novembro. Ainda jovem, aos 20 anos,escreveu O Quinze, livro que lhe seria o principal da sua carreira e um dos grandes do modernismo brasileiro, que teve no Nordeste as suas principais contribuições no gênero romance.

Romance é como gravidez. Aquilo fica dentro de você, crescendo, incomodando, até sair.
"Quando falo que meus livros saem em intervalos de quinze anos, não estou fazendo charme. Esse é o meu tempo. Memorial de Maria Moura, meu último livro, é de 1992. Antes dele, tinha publicado Dora, Doralina, em 1975. Foram, portanto, dezessete anos de intervalo. Outro romance, agora, só daqui a quinze anos."

CARIRI CANGAÇO
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Os últimos dias do Cego em novo Livro na Praça

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Os ùltimos dias de Virgulino Ferreira será o pano de fundo de novo livro de
Sabino Bassetti e Carlos Megale.

Olá Severo.
Saúde para nós todos.

O livro começa praticamente no dia que Lampião chegou em Angico. O livro é baseado em depoimentos de remanescentes, concedidos a nós e inúmeros pesquisadores. Apontamos os exageros na maioria dos depoimentos e tentamos filtrar a verdade e, nos baseando sempre na lógica, no bom senso e nas informações corretas.

Serão encontrados erros no livro? Claro que sim. A historia de Lampião desde sua entrada no cangaço até sua morte é repleta de informações iverídicas e distorcidas, fornecidas por pessoas que quizeram ser aquilo que nunca foram. Me interesso pelo assunto desde a mocidade. Tenho acima de 170 livros sobre cangaço e li mais alguma coisa em livros emprestados e em bibliotecas. Então eu sei tudo? Claro que não. Nem tenho essa pretenção. Mas creio que com a essa parceria com o pesquisador Carlos Megale , esse livro é no mínimo um livro sério, sem rodeios, sem contar coisas mirabolantes. Tentamos nos aproximar o máximo da verdade dos fatos. Aproximar, porque a verdade mesmo jamais se saberá.

SABINO BASSETTI


NOTA CARIRI CANGAÇO: Tivemos a satisfação de receber os originais da obra de Sabino Bassetti e Carlos Megale; quando fomos convidados para fazer a apresentação do novo livro. Na verdade o convite foi mais resultado da generosidade dos amigos escritores, do que mesmo de algum pequeno merecimento que eu possa ter, mas... pela grandeza da obra, o talento do autores e a riqueza do tema, sem dúvidas ficará mais fácil a empreitada.
Manoel Severo
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A arte é do tamanho do coração Por:Manoel Severo

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O Crato é uma grande paixão. Aqui fui acolhido há quinze anos atras e aqui conheci a mulher que amo. Ganhei mais duas filhas, uma infinidade de queridos e respeitosos amigos e aqui comecei a construir um sonho chamado Cariri Cangaço. Na verdade; comecei a falar de Crato para chegar a um desses personagens que fazem a diferença: Wilson Bernardo.
 

Aquele desajeitado homemzarão; sempre sorridente em meio ao tumulto do mundo, sempre com seu par de óculos escuros; seja de dia, seja de noite; sempre com sua companheira inseparável e amiga de muitas jornadas e aventuras: Sua máquina fotográfica. Quando o conheci logo nos primeiros momentos compartilhados me deliciava em tentar decifrar qual a natureza daquela alma incondicionalmente contestadora e invariavelmente talentosa; tão cheia de sinceridade e amor por nossa cidade, por sua gente, por sua cultura e história.

O grande poeta, desenhista e fotógrafo cratense, Wilson Bernardo, começou a consquistar meu respeito e admiração. Com certeza toda a família Cariri Cangaço tem gratas lembranças desse grande artista de nosso Crato. Nas edições de nosso seminário, todos nos acostumamos a vê-lo: Correndo, se curvando, abaixando, passando por cima e por baixo, de cabeça pra cima e pra baixo... sempre sorrindo e captando a melhor luz para as melhores imagens. E com seu talento tivemos sim, as melhores imagens.

Hoje te trago a nossa gratidão grande menino Wilson, tenho certeza que és um verdadeiro artista, e tua arte só pode ser comparada ao tamanho de teu coração.

Manoel Severo
Família Cariri Cangaço

 
WILSON BERNARDO POR DIHELSON MENDONÇA
Nasceu no Crato em 1965, é poeta,desenhista,escultor e Fotografo auto didata,é formado em História,professor de literatura.Já fez inumeras exposições de fotografia e recitais ,e consequentemente em praças publicas,tentando aproximar o publico de uma arte contestadora e engajada.

Porque os bandidos Matam ?! Por: Aderbal Nogueira

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Venho conclamar aos amigos, lerem a revista Veja dessa última semana, pois traz uma matéria que muito tem a ver com o nosso tema Cangaço, intitulada ``Porque os bandidos matam``. Muitos pesquisadores dizem que não podemos comparar o Cangaço com os bandidos de hoje, porém a situação das vítimas ("nós") é a MESMA. Em que situação essas pessoas que pensam assim se sentiriam ao serem vítimas de um bando de bandidos de hoje e de cangaceiros de ontem, com suas vidas e a vida de seus filhos e filhas não valendo nada? Gostaria de saber a opinião dos colegas sobre esse tema tão atual e tão pior do que ontem, muito embora sejamos amantes da história não podemos 'tapar o sol com uma peneira'... Que solução dar a esse problema? Um matador contumaz merece perdão? Perdão para mim é a prisão perpétua.

Não me refiro aqui a um assassinato acidental, a uma briga de trânsito, por exemplo, ou a uma discussão por política ou futebol, e sim àqueles que tem o crime por PROFISSÃO, pois todos nós em situações adversas estamos sujeitos a cometer um crime, isso é fato, nem que esse crime seja para defender alguém, ou numa situação de stress extrema. Refiro-me, como já disse, a assassinos de profissão, não importa a causa, se é que essa existe... a partir do momento que inocentes são mortos, não há justificativas.

Gostaria de saber a reação dos amigos ao lerem os depoimentos da revista. O meu foi de desespero total, muito embora estude esse problema da violência no cangaço há bastante tempo. Confesso que me senti mal, até com ânsia de vômito. Tudo bem que a culpa maior é dos bandidos chefes que tem a caneta na mão, que desviam o dinheiro da saúde, da educação e etc., esses devem pagar também, mas ter complacência com quem aperta o gatilho ou esfaqueia alguém é no mínimo.....

Aderbal Nogueira
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Um olhar sobre Angico Parte I Por:Alfredo Bonessi

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Pesquisador Alfredo Bonessi em sua palestra durante o Cariri Cangaço 2010

Ainda hoje a gente sente o calor do fogo que aqui se deu naquela manhã de 28 de julho de 1938. No entardecer do dia 27 de julho de 1938 , na grota de Angicos, Pedro chega com a mercadoria encomendada por Lampião. Lampião está triste, acabrunhado, esquisito. Tinha recebido notícias que a Força tinha saído ao encalço dele pras bandas do Moxotó. Já é noite e Lampião corta uma melancia e distribui entre Maria Bonita e Sila e após isso elas vão conversar em cima de uma pedra existente na subida do barranco, oposto a gruta, de frente a barraca de Lampião.

Maria se queixa de Lampião, da vida que leva, quer ir embora, largar a vida, mas Lampião não quer. Estavam de brigas, tinham discutido muito. Maria tinha cortado os cabelos. Daí Sila vê algumas luzinhas no alto do morro e pergunta a Maria o que é aquilo, aquelas luzinhas açula ? Ela triste e pensativa responde que é vaga-lume. E só podia ser mesmo, porque naquela hora a volante estava com Joca, o delator, bem distante dali. Maria ainda fala que não tem medo da volante de Alagoas, porque possui nela um parente. Sila diz que não tem medo da volante Sergipana, mas não explica por que. Separam -se cada uma vai para a sua barraca.

Anos depois, Zé Sereno, marido de Sila, afirma que naquela noite derradeira Lampião e Pedro conversaram dentro do mato, sozinhos até as 23 horas. Durval confirma isso. Pedro vai para casa, atravessa o rio de canoa. Chega em casa e pouco depois chega a polícia para buscá-lo. Ele diz que não pode ir. Teve tempo suficiente para pegar a canoa e atravessar de volta para o coito dos cangaceiros, ou mesmo avisar o irmão para que avisasse Lampião. Mas fica em casa, espera. A vida de Lampião está com as horas contadas. Minutos depois a polícia retorna, daí ele segue por terra com o Cabo Bida até onde está a volante. Chegando lá o Tenente Bezerra põe a mão no ombro dele e avisa: eu vim para te matar se você não me der conta dos cangaceiros. Pedro pensa um pouco e entrega tudo, mas não dá a certeza se os homens ainda estão lá na grota – precisa salvar a sua vida - e, temendo que o irmão esteja entre os cangaceiros e possa ser morto pela polícia, indica a polícia o irmão que está do outro lado e para lá seguem. Chegando lá avisa o irmão para que entregue tudo, porque está preso. Durval sem pestanejar confirma: estão lá sim, acabei de chegar de lá e a bem pouco eles estavam aqui pegando bebida. O fim de Lampião estava traçado.

O que não encaixa na história relatada posteriormente por Durval era que o irmão estava com a camisa ensangüentada da ponta do punhal de João Bezerra, ou mesmo com as unhas arrancadas.

Esse relato é para minimizar uma possível ação posterior de vingança dos cangaceiros contra eles. Sabe-se que o Aspirante Ferreira queria matar logo Pedro, coisa que o Tenente Bezerra não deixou. Lógico, era uma estratégia policial para fazer com que ele desse no bico, pois os mortos não falam e Pedro morto não valia nada para a operação e a missão fracassaria. Depois foi a vez de Durval ser amedrontado. Segundo ele, o Aspirante deu uma tapa no lado do seu rosto que ele caiu no terreiro. Em outro depoimento diz que foi apenas empurrões e que o Aspirante queria logo matar a ambos no que João Bezerra saiu em defesa deles, em proteção. Cenas de artistas primários em picadeiros de circo das periferias. Por fim, com os objetivos traçados e a força avisada com quem iria brigar, começam a subir o leito do riacho. Daí o Tenente Bezerra acende uma lanterna e foca a tropa que em coluna avançava, dá um sorriso e pensa consigo mesmo: quantos daí vão morrer ? ora para quem vai enfrentar um número de cangaceiros superior ao número de seus comandados, e ainda em um terreno desconhecido, a noite, sem saber onde estavam os inimigos e acender uma lanterna é uma atitude reprovável, criminosa, leviana, e inexplicável. Estaria avisando a alguém ? Se a força estivesse em campo aberto o foco da lanterna poderia ser visto a mais de um quilometro de distância, e uma saraivada de balas cairia sobre todos e a maioria morreria naquele momento ou ficaria ferida.

Outro fato acontecido nesse momento que foi relatado e hoje está escrito como verdadeiro é que o Aspirante estava bêbado, aponto de não parar em pé. Ora, para quem desce o Rio São Francisco a noite, nas corredeiras, em três canoas amarradas, podendo a qualquer momento bater em uma pedra e ir ao fundo, estar bêbado e equipado é muito contar com a sorte – é ser negligente demais, ou aventureiro mesmo, aqueles das historinhas de gibis. Outro detalhe tido como verdadeiro: o Aspirante estava tão bêbado que não podia levar a metralhadora e deu a arma a um estranho para levá-la. Ora, dar a metralhadora para um paisano desconhecido, para levá-la, sabendo que ele poderia manobrar a arma e matar muita gente ali presente é demais para quem vai atacar um inimigo naquelas horas da madrugada. O fato que bêbado ou não, foi o Aspirante e sua turma que deram fim ao Rei do Cangaço.



Ainda, para esse momento, e poucas horas antes, o mesmo depoente afirma categoricamente que o Tenente que vai atacar Lampião tinha, ao entardecer, mandado pelo seu irmão, um saco de balas para Lampião. Não cola, não fecha. Não existe explicação enviar um saco de balas para quem você vai atacar horas depois, mesmo porque o Tenente não estava em Piranhas, estava em Pedra, e Pedro comprou as mercadorias em Piranhas. Nessa cidadezinha estavam acantonadas as volantes de Odilon Flor, da Bahia, e talvez a volante de Bezouro, também da Bahia. Se o Oficial Comandante estivesse corrompido não iria atacar Lampião naquela madrugada – atacaria no dia seguinte, em plena luz do dia, para ser visto, ou então mandaria uma aviso por algum informante a Lampião.

Entre tantas contradições há uma: que o Tenente não conhecia Lampião, foi conhecê-lo após a morte do cangaceiro, quando o mesmo já estava de cabeça cortada. Puro engano. Ambos eram conhecidos de muito tempo quando o Tenente, por ser agiota, estava afastado da corporação, e então se misturou ao grupo de todo o tipo de gente, caçadores, bandidos, cangaceiros e jogadores, daí então que aprendeu as manhas de lidar com a gente do sertão, incluindo aí os cangaceiros. Afirmam testemunhas que o Tenente Bezerra jogou baralho com Lampião – eu acredito nisso. Tanto é, que após a morte de Lampião, se embalando em uma rede no oitão da casa da fazenda do Tenente Zé Rufino, esse falou a aquele: como é rapaz, você foi matar o seu amigo ? – a que o Tenente respondera: é, foi o jeito ! – quem viu, testemunhou e está escrito.

Outra história bem verídica dessa amizade é sobre o cachorro de Lampião que aprisionado em combate pela força de Zé Rufino e entregue ao Tenente Bezerra em Piranhas, sessenta dias depois o animal estava na posse de Lampião. Essa amizade antiga, esse conhecimento da vida cangaceira, a troca de informações entre vários informantes, a atitude, o comportamento proposital aos olhos de todos, dando a impressão de apatia, desinteresse, de ser conivente, frouxo, tanto da parte dele como do Sargento Aniceto é que concorreu sobremaneira para o aniquilamento de Lampião, porque com certeza Lampião sabia muito bem do temperamento de seu oponente e com isso negligenciou a segurança do grupo e dele mesmo. Facilitou e pagou caro por isso.


Outra questão a ser comentada é com relação ao bando de Corisco. Lampião chegara na grota no dia 20 ou 21 de julho. Convocou todo o pessoal para uma reunião. Estava na posse de uma fortuna , algo em torno de mais de R$ 750 mil reais em jóias (estimativas ao dia de hoje), cinco quilos de ouro,segundo alguns - mas para encher duas bacias de rosto de jóias dão mais ou menos 2,5 quilos de ouro e não cinco. Somente se fosse ouro em barra, aí se poderia estimar esse peso de cinco quilos – analisando por esse lado, esse valor cairia para 350 mil reais. Em dinheiro sim, supomos, sem nenhuma informação, que Lampião estivesse com valores bem acima de 500 contos de réis, valores que daria para adquirir hoje, 10 automóveis, segundo uns, ao preço de 50 contos de réis um automóvel, outros dizem que não, um automóvel custava na época 8 contos de réis. Outros calculam a correspondência entre as moedas: pega-se o conto de réis e divide-se por quatro, tem-se o valor em reais aos dias de hoje. O fato que uma fortuna estava na posse de Lampião naquela ocasião. Maria Bonita possuía 160 contos de réis, daria para comprar quatro fazendas. Luiz Pedro estava com 360 contos de réis (estimativa), fora as jóias, daria para comprar nove fazendas, sem contar os outros cangaceiros que foram mortos, e mais ainda, aqueles que largaram tudo nas toldas e correram, abandonando o local. Era muito dinheiro.

A volante se apossou de tudo e ninguém soube o destino em que foi parar essa fortuna.

Depois da refrega, quem seria doido de buscar explicações com o pessoal da volante sobre o paradeiro dessa riqueza em um tempo em que a polícia fazia o que bem queria e um soldado da polícia mandava mais no sertanejo que um Senador Romano no tempo de Júlio César ? Esses comentários que foi o dinheiro que matou Lampião surgiu agora na década de 60 e somente foi cogitado no século XXI quando os componentes da volante já não existiam mais.

Continua...

Alfredo Bonessi
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