Lançamento de "O Padre Azul" hoje em Fortaleza Por: Wilton Dedê


A AFAC-Associação dos Filhos e Amigos do Crato, convida todos a prestigiar o lançamento do documentário 
" O PADRE AZUL".
Curta metragem sobre o Padre Agio Moreira, Fundador de uma orquestra de camponeses em Crato, 
e da Sociedade Lirica do Belmonte.
 
NOME: O PADRE AZUL 
DATA: 30 de junho de 2015 
LOCAL:Assembléia Legislativa do Ceará, Auditorio Murilo Aguiar
HORA: 20 horas
 

A Sombra de Lampião Por:Manoel Severo



Recebi em meu apartamento, aqui em Fortaleza, a partir da enorme gentileza do autor: "Corisco - A Sombra de Lampião"; uma das mais espetaculares obras sobre a historiografia do cangaço, com a marca do pesquisador e escritor Sérgio Augusto Dantas, que desta vez vem nos presenteando com a saga de um dos mais importantes personagens do cangaço, Cristino Gomes da Silva Cleto.

Estilo inconfundível. Responsabilidade, retidão, elegância e clareza; essa são as marcas fortes das obras de Sérgio Dantas; sem falar no rigor com relação ao cruzamento das inéditas revelações que a obra traz. Sérgio Dantas em seu mais novo livro, sonho acalentado ha muitos anos, realizou mais de 100 entrevistas, relatos aos quais agregou o zelo da pesquisa nos inúmeros arquivos públicos disponíveis sobre a figura do segundo homem dentro da hierarquia do cangaço, no ciclo de Virgulino Ferreira; Corisco - O Diabo Louro... A Sombra de Lampião. O compromisso com a verdade histórica, característica dos trabalhos de Sérgio, impõem à sua obra, um valor incalculável, tanto para os amantes da temática como para todos aqueles que buscam conhecer mais de perto este que foi um dos fenômenos mais marcantes de nossa história.


Aderbal Nogueira, Manoel Severo e Sérgio Dantas

Relatos com remanescentes da época; memórias vivas daqueles tempos de dor e aflição se unem aos conjunto de informações contidas nos jornais, nas publicações oficiais; boletins, relatórios e notas da própria policia, confrontadas pelo rigor ético e pelo talento do grande pesquisador nos proporcionam uma obra espetacular. Com suas 334 páginas de leitura fácil e dinâmica, acaba por se tornar mais um dos livros indispensáveis para os apaixonados pelo cangaço.

Pela grandeza da Obra e pelo inconfundível talento do autor, Corisco - A Sombra de Lampião é mais do que recomendável, é imprescindível !

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O Cangaço e seus Segredos Por: Sabino Bassetti



"Lampião - O Cangaço e seus Segredos"
o mais novo lançamento do espetacular pesquisador e escritor SABINO BASSETTI

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A Verdade sobre o Cangaço...Por:Jornal da Tarde em 1973

Virgulino Ferreira e família, em Juazeiro - 1926

Dizer que Padim Ciço, um santo, fez Virgulino Ferreira um bandido é um sacrilégio. Mas o santo fez o bandido virar capitão, sim, embora historiadores do cangaço omitam esse episódio em seus livros. Há outras omissões. Embora os personagens da História ainda estejam dispostos a depor para a História. Por enquanto, porque estão todos muito velhos.

O coronel aposentado Higino José Belarmino, o homem que mais combates travou com Lampião e seu bando, durante a primeira fase do cangaço, até 1928, desistiu de ler qualquer livro, jornal ou revista que trate desse assunto. Tem dois motivos para isso. O primeiro é pessoal: até hoje, segundo ele, ninguém descreveu corretamente a morte dos dois irmãos de Virgulino Ferreira, Antônio e Livino, considerados por todos como mais violentos, ferozes e ousados do que o irmão. Prova é que morreram logo, em combates com o então tenente Higino. O segundo motivo – e o que mais irrita o coronel – é a sua obsessão pela minúcia. “Já perdi a conta dos doutores (escritores, jornalistas, sociólogos) que vieram aqui falar comigo. E esta é a segunda vez que trazem a maquininha (gravador)”. A maioria dos entrevistadores do coronel conversava horas – até dias – com ele, anotando um dado ou outro, geralmente datas. “Um negócio feito assim só pode sair torto”, diz ele. O coronel está alertando, com muita seriedade, todos os estudiosos do assunto.


Coronel Higino Belarmino


A maioria dos livros históricos – que fique claro: a maioria – ou ensaios sobre cangaceirismo parte de premissas discutíveis (alguns até partem de preconceitos) ou escolhem, a esmo, um determinado ângulo do fenômeno. Então temos livros que, sem maiores explicações, rotulam Lampião de “revolucionário”, vestem-no de Robin Hood, tratam as volantes como “forças opressivas” e, no fundo, descrevem o velho lugar comum que leva o leitor a identificar o bandido como mocinho e vice-versa. 

Se a intenção é politica, esses escritores perdem, nos seus preconceitos, ótimos detalhes que até ajudariam a defesa de suas teses; que, por exemplo, os métodos usados pela polícia na luta, em nada, mas em nada mesmo, se diferenciam dos métodos dos cangaceiros. Quando o coronel Higino diz que “eu era um boi”, fica claro sua identificação com os inimigos. A volante, enfim, seria um grupo de cangaceiros funcionários públicos. Igualmente ferozes e ingênuos. Outros pontos: não é possível pesquisar o cangaço sem o conhecimento profundo da República Velha, das condições socioeconômicas do Nordeste, na época, da psicologia do seu povo, das complicadíssimas árvores genealógicas, os clãs, os feudos, as pequeninas máfias. Como falar de cangaço sem o entendimento das relações estado-igreja-povo?

A função dos beatos, o messianismo, o compadrismo político, tudo isso contribuindo direta e indiretamente para a formação dos bandos sanguinários, na verdade manuseados por uma série de elementos que vão desde o cínico senhor feudal às relações econômicas do Nordeste com o Centro-Sul. Há um exemplo edificante, de um homem que pesquisa o assunto há mais de vinte anos e ainda não escreveu o seu livro: o paulista Antônio Amaury C. Araújo.

Antonio Amaury em foto no Cariri Cangaço de 2010


À medida que ele avança no conhecimento do cangaceirismo, mais dados lhe são exigidos. Talvez uma pesquisa dessas, que além de muita cultura e paciência, obriga a gastos inestimáveis de dinheiro, nunca venha a ser feita no Brasil. A solução poderia estar num trabalho de equipe, financiado por uma riquíssima instituição cultural. E alguém teria realmente interesse de esmiuçar tão obsessivamente um período regional da História do Brasil? É fácil concluir que um trabalho assim é impossível, mas não se pode perdoar a desonestidade (ou o despreparo, vá lá) de alguns autores. Como é possível perdoar um “historiador” que, pelo simples fato de venerar o Padre Cícero do Juazeiro, omita da sua “história do cangaço” o episódio da “promoção” de Virgulino Ferreira a “capitão”?

Alguns personagens desta página – todos da primeira fase do cangaço, a mais desconhecida, que vai de 1914 a 1928, quando Virgulino atravessou o rio são Francisco e foi brigar na Bahia – estão dispostos a testemunhar, depor. Ainda podem chegar à minúcia. Mas os historiadores bem intencionados devem se apressar: a média de idade dessa primeira fase está por volta dos oitenta anos. A arteriosclerose começa a apagar a memória de muitos. A morte natural está bem próxima. E logo agora que se descobre que cangaceirismo está longe de ser um assunto esgotado pela História, como dão a entender os representantes do sensacionalismo escrito, falado, filmado e televisionado.


Fonte: Jornal da Tarde - O Estado de São Paulo
Edição de 31.07.1973
Gentileza da divulgação - Facebook - Antônio Correa Sobrinho

Lampião em Antônio Martins Por:Romero Cardoso e Marcela Lopes

Antônio Martins - RN

Quando da formidável marcha do bando de Lampião pelas veredas do oeste potiguar, intuindo objetivo maior, qual fora, atacar Mossoró, na época já considerada a segunda cidade do estado do Rio Grande do Norte, nenhum lugarejo sofreu mais que a localidade de Boa Esperança (hoje município de Antônio Martins).


Em 12 de junho de 2015 estivemos visitando a aprazível cidade, quando constatamos que continuam vivas as marcas deixadas pelo sinistro bando, não obstante mais de oitenta anos assinalarem a verdadeira faina maldita que deixou sinais evidentes de que as tristes horas jamais se apagarão da memória da simpática gente, embora a maioria não estivesse presente naqueles fatídicos momentos de terror e apreensão, tendo em vista que os mais velhos se responsabilizam pela transmissão dos fatos verificados naquele longínquo ano de 1927 .

Conversando com pessoas do lugar, houve ênfase ao que literato como Raul Fernandes, em A marcha de Lampião: Assalto a Mossoró, imortalizou em letras garrafais, pois, transmitidas de geração a geração, as histórias da presença do bando de Lampião em Antônio Martins denotam a perpetuação da memória sobre os mais absurdos atos ignominiosos perpetrados pelo banditismo rural sertanejo contra a indefesa população do lugar.

José Romero Cardoso

Boa Esperança em seu bucólico cotidiano esperava a banda da vizinha cidade de Martins, pois aproximava-se a festa do padroeiro Santo Antônio. Ao invés dos acordes amistosos, executando músicas tradicionais e conhecidas, despontou célere o bando de Lampião.O lugarejo passou a ser literalmente revolvido, com cangaceiros se apossando de tudo e de todos, destruindo tudo que encontravam pela frente e praticando atos deliberados de vandalismo.


Cidadão de nome Vicente Lira foi aprisionado quando chegava à cidade. Lampião em pessoa colocou-o na frente da alimária. Pisoteado nos pés pelo animal montado pelo rei do cangaço, Vicente Lira segurou firme nas rédeas. Lampião não gostou, tendo desferido diversas cutiladas do seu punhal de lâmina perfurante no desditado sertanejo. Escapou milagrosamente, tendo morrido de morte natural muitos anos depois.

Irmãos que há tempos não se falavam foram amarrados em formigueiro. Seresteiro descontraído teve o violão enfiado cabeça a dentro, ficando o mesmo como espécie de colarinho. Melancias foram atiradas contra frágeis cabeças, enquanto pulos do gato foram ensaiados, os quais consistiam em atirar para cima infelizes criaturas, para que as mesmas conseguissem, sem sucesso, a mesma performance dos cangaceiros quando das lutas nas caatingas. Conceituado cidadão de nome Augusto Nunes teve armazém depredado, queimado, destruído na expressão literal do termo. Prejuízo incalculável que colocou por terra anos de trabalho árduo.


A esposa deste, de nome Rosinha Novaes, era preparada para seguir o bando, como refém. Já estava em cima de um burro quando gritou desesperada que se fosse na terra dela aquilo não aconteceria.Indagada sobre qual terra era natural, tendo respondido ter nascido em Floresta do Navio, berço de cangaceiros e coiteiros, pertencente ao ramo dos Novaes, prima de Emiliano Novaes, serviu de senha para que o suplício maldito terminasse.

Lampião, avisado por Sabino Gório sobre a presença de uma pessoa da família Novaes em Boa Esperança, deu por encerrada a sessão de horror perpetrada pelos cangaceiros contra aquele povo pacato e trabalhador.
Boa Esperança deveu muito a Dona Rosinha Novaes pelo fim do terrível sofrimento que foi imposto pelo bando de Lampião quando de sua passagem inglória pelo simpático lugarejo.

A memória da população está acesa no que diz respeito aos malditos momentos que seus antepassados passaram nas garra do bando de Lampião, pois é consenso geral as amarguras deixadas pela horda comandada pelo mais audacioso cangaceiro de todos os tempos.

José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UERN).

Marcela Ferreira Lopes. Geógrafa-UFCG/CFP. Especialista em Educação de Jovens e Adultos com ênfase em Economia Solidária-UFCG/CCJS. Graduanda em Pedagogia-UFCG/CFP. Membro do grupo de pesquisa (FORPECS) na mesma instituição.

O irmão invocado de Volta Seca Por:Robério Santos

Antonio Alves de Sousa, o Volta Seca

Muitos pesquisadores não se importam com as ramificações familiares que existem dos antigos cangaceiros, mas deveriam, pois existem histórias interessantes influenciadas pelos parentes famosos. Bandoleiros, na sua imensa maioria, já mortos por causas diversas, até as naturais (quem diria!). Volta Seca ficou famoso desde sua saída do Saco Torto, na época, povoado de Riachuelo, no final da década de 20. Mas, para trás ele deixou um magote de irmãos, tios e conhecidos. Depois da sua entrada no bando, Lampião deu suas voltas pelo agreste sergipano, chegando muito perto do que conhecemos hoje como Malhador e que antes não passava de um povoadinho pequeno com duas ruas e uma pequena capela sendo construída. Mas, Lampião, numa destas passagens pelo agreste daqui despertou a curiosidade dos moradores.

O fazendeiro João Barbosa, conhecido como Joãozinho da Lema, irmão de Gentil Barbosa, morava numa modesta fazenda entre o que ia desde o Rio Jacaracica (Cajueiro Antigo) até a região que hoje situa o grupo escolar do Povoado Cajueiro, onde tudo era Itabaiana Grande. Obrigatoriamente, Lampião e seu bando passavam por estas terras, aproveitando e recebendo de Joãozinho muitos mantimentos, poucos armamentos, pois eles não tinham com frequência. Também havia um tanque enorme, com o minadouro ao lado, onde os cangaceiros se abasteciam. Era uma região com muitos recursos, bem diferente de outras que eles já haviam passado. As pessoas tinham medo dos cangaceiros, mas quando os viam pessoalmente chegavam à conclusão que “não eram tão maus”, assim dizem alguns mais velhos que moram ainda naquele trecho. Havia um acordo: Lampião seria sustentado pelo fazendeiro e em troca não praticaria atrocidades com o povo da região. 
Trato feito. 



Numa dessas passagens, esteve com Lampião o menino Volta Seca. Este ficou descabreado, pensativo e falou pouco, mas todos se espantavam pela pouca idade. Lampião comentou até que o pequeno era da região, mas não podia deixar o cangaço para não entregar os segredos. Nenhum segredo foi revelado aos curiosos que se aproximavam sem medo e até proseavam com alguns dos cangaceiros. Era um misto de medo e curiosidade. 

O tempo foi passando, as conversas se alongando e o mito Lampião se consolidou. Mas, quem roubou a cena mesmo depois de sua prisão foi Volta Seca. Os jornais do país inteiro noticiavam a prisão do pequeno. Foi aí que um desses jornais da capital Rio de janeiro chegou até o Saco Torto (talvez enrolado num mamão da feira de Itabaiana), grande curiosidade se instalava. Um dos irmãos de Volta Seca se chamava Aprígio dos Santos, apelidado de Aprígio Capuchinho ou Aprígio Carrapeta e foi ele quem ficou com o jornal. 

Décadas e décadas se passaram e os anos 60 chegou. Aprígio já não morava no Saco Torto, havia se deslocado mais a norte nas proximidades do povoado Malhada Velha, no povoado João Gomes, perto do Carvalho em direção ao Zanguê. Casado com Joana (mulher corpulenta, que foi rebatizada de Joana Baleia, pelos meninos da região), pai de vários filhos, ele era temido por todos na região. Moravam numa casa do tio de Manoel Messias de Jesus, que na época era ainda uma criança e lembra de alguns acontecimentos. Trabalhavam todos juntos, ora na lavoura e também na arte de fazer cestos e caçuás. Aliás, Aprígio era considerado o melhor cesteiro da região e um hábil tirador de mel das famosas “oropas” arranchadas em ocos de pau e em formigueiros. 



Manoel Severo e as Obras de Robério Santos

Aprígio era conhecido na região por ser valente e cheio de mandingas. Ele contava histórias de assombração, de cangaceiros, de brigas, dizia que matou pessoas e de outras coisas que amedrontavam as pessoas do sítio, aliás, naquele tempo, qualquer coisa assustava. Mas, o que mais assustava era o fato de que ele era irmão de um cangaceiro famoso e enchia a boca para dizer nos bares e esquinas que o irmão havia assassinado sete soldados de polícia lá no interior da Bahia. As pessoas temiam que Aprígio fosse igual ao irmão, por isso o respeitava. Não se sabia se por medo ou respeito mesmo, mas todos mudavam de direção quando apontava na vista ele ao longe. 

Uma certa vez, o então jovenzinho João do finado Antônio Sevino, primo do já citado Manoel, estava no sítio, no meio do pasto e Aprígio chegou sem aviso prévio. Nisso, ambos puxaram assunto e ficaram lá por um bom tempo. Não existia mato, nada ao redor deles, só capim baixo, de quase dez centímetros. João assustado com a conversa ouve um barulho no lado oposto, olha rapidamente para trás e ao retornar à vista para a frente, Aprígio havia sumido como num passe de mágica. João começou a tremer e não conseguia sair do lugar, começou a procurar onde o homem estava e nada de encontrar. Não havia explicação lógica para que isso acontecesse. Ele se gabava que conseguia se transformar num topo, numa formiga e até num pássaro, mas ninguém acreditava, até aquele momento. O povo começou a chama-lo de “encantado”, assim como o pessoal do sertão chamava outro místico de João Valentim, lá na cidade de Nossa Senhora da Glória, anos depois. Veio a reaparecer dias depois como se nada houvesse acontecido. 

Aprígio era magro, moreno claro, barba ficando branca, olhos grandes e assustadores. Ele já não é mais vivo, mas seu filho Zé Preto da família dos Pixititas, morador de Malhador atualmente, e guarda seu legado, assim como as memórias de Manoel Messias de Jesus, que inclui Carrapeta no rol dos mitos que colocava criança para dormir, assim como o temível Volta Seca e o mítico Mata Escura que assolaram nosso agreste e ainda estão vivos no imaginário popular.


Robério Santos
Pesquisador, escritor 
Itabaiana, Sergipe

Antonio Conselheiro na Mira da Imprensa Por:José Gonçalves do Nascimento

Conselheiro sob a arte de Demóstenes Fidélis

Inteiramente alinhada com os interesses das classes dominantes, a imprensa assumiu papel assaz significativo no processo de disseminação do discurso anti-conselheirista, responsável pela estigmatização, perante a sociedade brasileira, da imagem de Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido pela alcunha de Antônio Conselheiro.


Conselheiro foi líder e fundador do arraial de Canudos, uma das mais belas experiências de vida comunitária de que se tem conhecimento. Situada às margens do rio Vazabarris, no semiárido baiano, a povoação reuniu milhares de sertanejos provenientes, dos mais diferentes rincões do nordeste. Em apenas quatro anos (1893-1897), Canudos tornar-se-ia um dos maiores aglomerados populacionais do estado da Bahia, adquirindo, inclusive, sua autonomia econômica.


Poucos personagens da história do Brasil foram tão hostilizados pelos órgãos de imprensa quanto Antônio Conselheiro. Tudo começou quando o jornal O rabudo, da cidade de Estância, na edição de 22 de novembro de 1874, publicou uma reportagem sobre a presença do peregrino de origem cearense em terras de Sergipe.

Antonio Conselheiro de José Wilker

Após classificar o Conselheiro como “misterioso personagem”, “aventureiro santarrão”, operador de “mentirosos milagres” e possível criminoso, o informativo sergipano solicitava a intervenção das autoridades, no sentido de que fosse tal “homem capturado e levado à presença do governo imperial, a fim de prevenir os males que ainda não foram postos em prática pela palavra do frei Santo Antônio dos Mares moderno.”

Daquele momento em diante, seria essa a tônica adotada por praticamente todos os jornais que trataram da temática do Conselheiro – antes e depois da fundação do arraial de Canudos. 

Caso típico é o da crônica do jornal Correio da Bahia, publicada no dia 7 de julho de 1876, dois anos após a notícia saída na folha estanciana: “Este indivíduo apareceu em diversos lugares desta província, pregando doutrinas errôneas e desmoralizando as autoridades e até os vigários. Contra esse escândalo reclamou o vigário capitular, que, tendo as mais fundadas suspeitas de ser o indivíduo em questão um dos célebres criminosos do terrível morticínio que se deu no Ceará, em 1872, mandou buscar [Antônio Conselheiro] a esta capital”. 



Anos mais tarde, já estabelecido o peregrino na comunidade de Canudos, repetir-se-ia o mesmo diapasão. Em matéria veiculada no dia 31 de maio de 1893, o Diário de notícias, de Salvador, ao tempo em que chamava atenção para “o célebre fanático, conhecido por Conselheiro”, “indivíduo perigoso” e “elemento de desordem” – tendo se tornado “o terror das autoridades” – reclamava por providências enérgicas “a fim de se evitarem cenas de maior gravidade.” 

A campanha persecutória da imprensa contra o movimento liderado por Antônio Conselheiro culminou com a guerra fratricida de 1896/1897. Naquele reduzido, mas conturbado espaço de tempo, quiçá o mais crítico da história do Brasil, cerca de uma dúzia de jornais de todo o país, a maioria deles a serviço dos interesses governamentais, viria a tomar parte na questão de Canudos. Vários jornais, especialmente de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, enviaram correspondentes especiais para o teatro da luta, a fim de seguirem de perto o desenrolar dos acontecimentos.

Para facilitar a comunicação, uma linha telegráfica foi construída entre Monte Santo e Queimadas, as duas principais bases de operação militar. Era a primeira vez, no Brasil, que se utilizavam os serviços telegráficos para noticiar um conflito armado. Outros eventos ocorridos poucos anos antes, como a Revolta da Armada e a Revolução Federalista, não dispuseram da mesma cobertura.



Do teatro da guerra, as notícias eram despachadas para Monte Santo e dali expedidas via telégrafo para outras cidades do país, em especial Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, onde eram publicadas pelos órgãos de imprensa. Dentre os principais jornais que se ocuparam do caso, destaca-se O Estado de São Paulo, o qual teve como enviado especial o escritor Euclides da Cunha, autor do clássico Os Sertões, uma das principais fontes sobre o abominável confronto.

No plano internacional, diversos periódicos se ocuparam da cobertura dos acontecimentos, cabendo destacar o Vossische Zeitung, de Berlim, o The Times, de Londres, o Le Temps, de Paris, o New York Herald, de Nova York, e o La Nación, de Bueno Aires. Isso faria da guerra de Canudos um tema midiático, não só no Brasil, mas também no exterior, afirma um especialista no assunto, o professor Berthold Zilly. 

Tamanha cobertura jornalística foi, toda ela, operada em oposição ao Conselheiro e seu movimento libertário, concorrendo para o deslanche da guerra fratricida de 1897, quando foram massacrados milhares de brasileiros, entre sertanejos e homens de armas. Para tal fim, contribuiu não só a artilharia militar, mas também o bombardeio ideológico da imprensa brasileira e mundial.

José Gonçalves do Nascimento
Poeta e cronista
jotagoncalves_66@yahoo.com.br

O Homem que Promoveu Lampião Por:Rostand Medeiros

Lampião e família, em foto por ocasião de sua visita a Juazeiro em 1926

A história da famosa promoção a capitão do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”, ocorrida em Juazeiro, no ano de 1926, é de conhecimento de todos e um tema já bastante divulgado. Sobre o homem que realizou este procedimento, Pedro de Albuquerque Uchoa, muito já foi igualmente comentado. Quem primeiro trouxe a história da patente e a figura de Uchoa ao conhecimento geral foi o cearense Leonardo Mota (1891-1947), no seu livro “No tempo de Lampião”. Lançado em 1930, a entrevista transcrita de Uchoa, colocou este funcionário público no centro das atenções.
Três anos após o lançamento do livro de Mota e sete anos depois deste acontecimento “burocrático-cangaceirístico”, Uchoa teceu mais alguns interessantes comentários relativos a este pitoresco episódio da trajetória do Rei do Cangaço.

Matéria com Uchoa

Através da reprodução das páginas de um vespertino carioca, apresentadas na primeira página do jornal sergipano “Diário da Tarde”, de sexta-feira, 29 de setembro de 1933, vamos encontrar o funcionário público Uchoa, aparentemente vivendo na antiga Capital Federal. Pela descrição no jornal, tudo indica que ele não era mais um membro dos quadros do então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Era apresentado pelo jornal como funcionário da “Secretaria do Tribunal”, sem especificar se era um tribunal ligado a justiça Estadual ou Federal.
O jornalista que realizou a entrevista informa que se espantou ao descobrir que estava diante do homem que forçadamente provocou uma interessante querela burocrática e o mesmo, em nenhum momento da entrevista, negou o seu ”feito”.
“- Fui eu mesmo, quando estava no Juazeiro, Ceará”. Afirmou Uchoa.

Pedro de Albuquerque Uchoa. Fonte-2ºSgt Narciso.

Mas como tudo ocorreuPara reavivar a memória de todos, recorro ao excelente livro “Padre Cícero-Poder, Fé e Guerra no Sertão”, de autoria do jornalista e escritor cearense Lira Neto, que no capítulo 11, páginas 463 a 482, traça detalhadamente os episódios que culminaram na criação da patente de capitão para Lampião.
No ano de 1925, o então presidente da República Arthur Bernardes idealizou um plano para derrotar os componentes de uma coluna de oficiais rebelados do Exército Brasileiro, que percorriam os sertões na esperança de insuflar a massa com o seu exemplo de luta, derrubar o presidente e alterar a ordem vigente na nação. Comandados por Luís Carlos Prestes, Isidoro dias Lopes, Siqueira Campos, eram conhecidos na época como revoltosos.

Floro Bartolomeu

Eles estavam no início de 1926 adentrando o Ceará, vindos do Piauí. O presidente da República convoca Floro Bartolomeu da Costa para organizar a resistência aos rebelados no Ceará. Floro era um médico baiano, que vivia em Juazeiro, era deputado federal, muito ligado ao Padre Cícero Romão Batista e que em 1914, havia organizado um movimento sedicioso que culminou com a derrubada do então governador cearense, Franco Rabelo. Parecia o homem certo para a função. Floro procura o Padre Cícero, carismático prefeito e religioso de Juazeiro, e, com uma dinheirama vinda do Rio de janeiro, organizam os chamados Batalhões Patrióticos. Eram mais de mil homens com uniformes de brim azul-celeste e munidos de modernos fuzis privativos das forças armadas. Foram passados em revista pelo Padre Cícero em 9 de janeiro de 1926 e saíram ao encalço dos revoltosos.
Mas a caçada não deu certo. Afeitos as táticas de guerrilhas e ao constante movimento da tropa pelo sertão, os revoltosos conseguiram driblar os membros dos Batalhões Patrióticos e seguiram atravessando o Ceará.

Batalhão Patriótico em Juazeiro.

Desesperado, o Floro pede mais dinheiro ao governo e amplia a já amalucada ideia de Arthur Bernardes. Ele envia um portador para convocar para a “Guerra Santa”, com uma carta do padre destinada a ninguém menos que Virgulino Ferreira da Silva, o famigerado Lampião. No início desconfiado, Lampião acabou aceitando o convite do seu “Padim Ciço”, o homem a quem ele devotava confiança cega e que aparentemente, há algum tempo protegia os seus familiares de vinganças. Virgulino partiu para o Juazeiro. Lira Neto foi muito feliz ao colocar uma frase que exemplifica esta parte desta história; “Deus e o Diabo iriam se encontrar na Terra do Sol”. Mudanças no Meio do caminho. Enquanto Lampião seguia para a “Meca do sertão”, os revoltosos driblavam os Batalhões Patrióticos e seguiam seu caminho de lutas sem nem chegar perto de Fortaleza, ou de Juazeiro, grande temor do Padre Cícero. Neste meio tempo Floro Bartolomeu adoeceu fortemente de sintomas ligados a sífilis e deixou a “frente de combate”.

Coluna Prestes.

Logo a coluna de revoltosos, que entraria para a história do Brasil como Coluna Prestes, passou pelo Rio Grande do Norte (Cidades de São Miguel e Luís Gomes) e seguiu para a Paraíba. Floro Bartolomeu por sua vez rumou para Fortaleza e depois foi de navio para o Rio de janeiro, onde morreria em pouco tempo. Tudo parecia indicar que a tempestade havia passado, mas uma nuvem negra, em formato de um chapéu de couro com a testeira quebrada, se aproximava de Juazeiro. O perigo dos revoltosos poderia ter até passado, mas Lampião vinha cobrar a sua conta para poder “cumprir seu dever cívico”. A princípio o chefe da guarnição policial de Juazeiro pensou em oferecer resistência, mas Padre Cícero não podia aceitar esta situação. Afinal o homem era um convidado e deveria ser bem recebido. Durantes três dias de um final de semana memorável para a cidade de Juazeiro, Lampião e seus homens aproveitaram ao máximo da principal urbe do interior do Ceará.
Na noite de 4 de março de 1926, ocorreu o famoso encontro de duas das mais míticas figuras já produzidas no Nordeste do Brasil. É nessa hora que entra em cena Pedro de Albuquerque Uchoa. Encontro Memorável.
Voltando a reportagem reproduzida sete anos após os fatos, Uchoa comenta que ainda na época em que vivia em Juazeiro, era “muito amigo” do líder político e religioso da cidade. Afirmou que mantinha uma boa relação com o religioso, a ponto de todo dia o Padre Cícero ir tirar um cochilo na sua casa ao meio dia. Nestas horas a casa de Uchoa ficava cheia de romeiros que vinham pedir a benção ao velho padre.

Lampião e seu irmão Antônio Ferreira em 1926.

Sobre os acontecimentos de 4 de março de 1926, Uchoa não narra o que aconteceu antes da chegada de Lampião, mas informa que nesta noite foi acordado por dois “jagunços”, em um sobradinho onde morava com seu contraparente, o cantador João Mendes de Oliveira. Os homens intimaram o funcionário público, afirmando autoritariamente que “-Meu padrinho está chamando o Senhor com urgência”. Uchoa não perdeu tempo e foi logo a casa do Padre Cícero.
Segundo sua narrativa, estes dois homens portavam fuzis a tiracolo, estavam encourados e cheios de “medalhas”. As medalhas no caso, certamente seriam imagens de santos penduradas no peito. Ao escritor Leonardo Mota, Uchoa afirmou que estes homens eram Sabino Gomes e o irmão de Lampião, Antônio Ferreira. Ao chegar a residência do líder de Juazeiro, o Padre Cícero lhe apresentou Lampião e disse, conforme está reproduzido no velho jornal sergipano de 1933.
“- Aqui está o capitão Virgulino Ferreira. Ele não é mais bandido. Veio com cinquenta e dois homens para combater os revoltosos e vai ser promovido a capitão. Olhe, o senhor vai fazer a patente de capitão do Sr. Virgulino Ferreira e a de tenente do seu irmão”.
Evidentemente que Uchoa ficou pasmo, “perplexo” em suas palavras. Fiquei imaginando a cara do pobre coitado do funcionário do Ministério da Agricultura, acordado no meio da noite com esta bomba na mão. Ele ainda tentou argumentar que não podia, mas um dos irmãos de Lampião ponderou na hora.
“- Não, se meu padrinho está mandando o senhor pode”.
O Padre Cícero lhe colocou na condição de “mais alta autoridade federal de Juazeiro” e aí não teve jeito. Com o carismático prefeito ditando os documentos, foram “lavradas” as designações de patente. Segundo Uchoa comentou ao repórter, parte dos termos do documento referente a patente de Lampião foram; “Pelo Governo Federal era concedido a Virgulino Ferreira a patente de capitão do Exército, por serviços prestados a República”. Depois o Padre Cícero foi categórico e ordenou a Uchoa um curto “assine”. Ele colocou a sua firma no controverso documento. Interessante é que em nenhum momento na reportagem, Uchoa pronuncia que concedeu uma patente a um dos mais cruéis e sanguinolentos bandidos de lampião, o famigerado Sabino.
Após os “trâmites burocráticos”, Uchoa afirma que presenciou o temível Lampião, todo equipado, se ajoelhar reverentemente e beijar emocionado a batina do Padre Cícero. Lampião informou ao Padre que se comprometia a “proceder bem”….. Uchoa informou ainda que após o encontro destas duas figuras, Lampião e seus homens receberam suas armas, munições e partiram no meio da noite. Se assim foi, este foi o último ato da visita de Lampião e seu bando a Juazeiro. Um Simples “ajudante de inspetor agrícola”?
A Leonardo Mota, o funcionário público Uchoa afirmou que ao retornar para a sua casa, por volta das onze da noite, tentou argumentar com Sabino e Antônio Ferreira que aquele documento não valia nada e que ele “não passava de um simples funcionário subalterno do Ministério da Agricultura”. Ao que o irmão do cangaceiro-mor do Brasil respondeu secamente que “se o padre dissera que era ele que devia assinar a patente, era porque era ele mesmo”. Uchoa se calou.

O escritor Leonardo Mota.

Ao ler em Mota, que Uchoa se considerava “um simples funcionário subalterno do Ministério da Agricultura”, percebi que na reportagem de 1933, Uchoa informou que era um “simples ajudante de inspetor agrícola”. Ele então se encontrava em um posto mais baixo na hierarquia dos quadros funcionais do Ministério da Agricultura daquela época? Seria obrigatório que um “ajudante de inspetor agrícola”, fosse uma pessoa com formação superior?
A resposta é não necessariamente. Mesmo com o termo “ajudante”, aparentemente esta extinta função do Ministério da Agricultura, conforme se lê em vários exemplares do Diário Oficial da União (D.O.U.) desta época, poderia, ou não, ser exercida por uma pessoa com o título de agrônomo. Encontrei várias transferências publicadas no D.O.U., do início da década de 1930, onde vemos inúmeros “ajudantes de inspetor agrícola” sendo remanejados. Alguns aparecem com o título de “agrônomo” adiante do cargo, em outros não.
Mesmo não tendo encontrado nada designando Uchoa como agrônomo, eu acredito que ele tinha sim esta formação. O interessante é que na entrevista concedida no Rio, sete anos depois do episódio em Juazeiro e reproduzida na primeira página do jornal sergipano “Diário da Tarde”, em nenhum momento Uchoa comenta sua formação superior. Isso em uma época onde o Brasil era tão carente de educação, que quem era “Dotô” fazia questão de dizer a todos sobre a sua superioridade acadêmica e ainda mostrar o seu anel de formatura.
Das duas uma; ou Uchoa era um homem muito humilde, ou o repórter do tal vespertino carioca era muito fraco… Certamente o Padre Cícero, em muito pouco tempo, deve ter se arrependido de dar continuidade à ideia de Floro de trazer Lampião a Juazeiro. Logo Lampião percebeu que de seus “colegas de farda”, estes não viriam até ele com salamaleques típicos de militares e nem com continências. Deles, Lampião só iria receber bala. Sobre a sua luta contra os revoltosos da famosa Coluna Prestes, existem indicações que Lampião e seu bando travaram um pequeno combate, sem maiores consequências, em Pernambuco. Depois o cangaceiro decidiu continuar seu caminho de depredações, saques e violências, do qual era um especialista, deixando de lado a promessa feita ao Padre Cícero.
Mas quem não deixou passar em branco a situação foram os jornais da época, que se mostraram extremamente impiedosos nas críticas ao líder de Juazeiro.
As manchetes do jornal recifense “A Noite”, de 10 de agosto de 1926, aqui apresentadas, dão uma ideia do que o Padre Cícero sofreu. O texto então é pior ainda. Nele encontramos; “E ainda agora, para coroar toda esta obra de misérias que o Padre Cícero vem desenvolvendo ao longo de anos, Lampião passeia a sua impunidade nas ruas de Juazeiro, garantido e hospedado pelo padre satânico”.
Em minha opinião o Padre Cícero não percebeu a extensão do estrago que ocorreria quando decidiu dar prosseguimento ao plano desorientado de Floro Bartolomeu. Alguém se esqueceu de lembra ao padre que seria muito difícil fazer com que certos componentes de volantes que combatiam os cangaceiros, teriam agora de parar a sua luta figadal contra o facínora e seus homens, e ainda mais, teriam de prestar continência ao capitão Virgulino. Isso tudo apenas por uma ordem emanada de Padre Cícero e sacramentada pela “mais alta autoridade federal de Juazeiro”, um “ajudante de inspetor agrícola”.
Para a imprensa do país e certos setores da elite que governava a nação, a ação do Padre Cícero foi considerada, no mínimo, “desastrada” e só serviu para manchar a sua biografia. Sobrou até para o pobre do Uchoa. Segundo a reportagem de 1933, ele teve de prestar contas do ocorrido a ninguém menos que o próprio ministro da agricultura.
Uchoa não informa se foi ao titular da pasta durante a gestão Arthur Bernardes, o baiano Miguel Calmon du Pin e Almeida, que ele teve de narrar os fatos. Ou se prestou contas ao sucessor deste, o paraense Geminiano Lira Castro. Já o paulista Paulo de Morais Barros, que assumiu o ministério depois da Revolução de 1930, na mesma época que ocorreu o lançamento do livro de Leonardo Mota, que tornou o “simples funcionário subalterno do ministério da Agricultura”, em alguém que mereceu um encontro com o titular do ministério.
Com qual ministro se encontrou, não importa. O que importa foi que neste encontro ele falou a autoridade, o mesmo que havia dito a Leonardo Mota; “Naquele momento eu lavraria até a demissão do presidente da República”… Não sei se esta verdadeira “epopeia burocrática” trouxe a Uchoa algo mais do que constar nos livros de história do cangaço.

O maior beneficiado com a visita a Juazeiro foi Lampião.

Sem dúvida alguma, apenas uma pessoa saiu ganhando deste episódio e ele foi Lampião. Além de receber novos fuzis e munições, vaidoso como era, deve ter adorado a sua “patente”. Pois assim passou a assinar seus bilhetes e seus cartões que continham sua fotografia. A partir do dia que Uchoa assinou aquele papel, todos os nordestinos que ficaram diante de Lampião, desde um rico coronel na sua casa-grande, ao simples lavrador na sua tapera, passaram a tratá-lo como capitão.
Uma situação chama atenção. Lampião sabia que nao lutaria mais com a Coluna Prestes? A Coluna Prestes cruzou o Rio Grande do Norte em 4 de fevereiro de 1926, depois foi para a Paraíba e Pernambuco. Lampião só chegou a Juazeiro em 4 de março. É possível que ele soubesse por onde andava a Coluna? Certamente. Os jornais Pernambucanos da época, que estão no Arquivo Público de Pernambuco, dão notícia praticamente dia a dia dos Revoltosos . Se os jornais em Recife sabiam, imaginem Lampião.
Esperto e bem informado, certamente Lampião deveria saber de tudo isto. Mas como diz Lira Neto, foi a Juazeiro cobrar o que lhe foi prometido. Lampião era tão sem vergonha, pilantra, que não ficou satisfeito só com as armas e munições (que já era um grande presente), quis a patente, quis sair de Juazeiro como “oficial” e “oficializado” e aí ocorre o caso do Uchoa. Me chama a atenção que, com o poder que o Padre Cícero tinha em Juazeiro, ele poderia ter mobilizado até as “corujas da torre da igreja” para lutar contra Lampião e este jamais teria pisado em Juazeiro e sei lá o que teria acontecido. Mas ele não fez. Por que?
Creio que o Padre tinha receio de um retorno dos Revoltosos a sua região. Pode ter pensado que podia precisar dos serviços do “capitão”. Não podemos esquecer que nesta época os membros da Coluna já tinham entrado em Piancó e degolado o líder político local, o também Padre Aristides, depois de um forte combate pouco conhecido.
Defesas em Favor do Padre Cícero. Chama atenção neste episódio a forma como ao longo dos anos os defensores de Padre Cícero buscaram, de todas as maneiras, alterar as características deste encontro com Lampião. Dos cantadores de feira, passando pelo sanfoneiro Luís Gonzaga e até na internet dos nossos dias, muita gente buscou dar uma nova versão aos fatos. Durante anos existiram folhetos de cordel, livros, revistas que defendiam a existência histórica do encontro e surgiam os defensores da tese que nada foi daquela forma.

Capa do disco com o show de 1972, com Luiz Gonzaga ao vivo.

Em 1972 o admirador inconteste de Padre Cícero e de Lampião, o sanfoneiro Luiz Gonzaga, de Exu, em Pernambuco, ao realizar um antológico show no Teatro Teresa Raquel, no Rio de Janeiro, defendeu abertamente o Padre Cícero em relação ao seu encontro com Lampião. Nesta época Luiz Gonzaga andava meio esquecido do grande público, devido a Bossa Nova, Jovem Guarda e outros movimentos musicais. Este show foi seu grande retorno, sendo um dos poucos registros de como era Gonzagão no palco. Quando cantou a música “Olha a Pisada”, de sua autoria em parceria com o médico Zé Dantas, fez um “break” e narrou uma história sobre o episódio. Começava com Lampião e a “cangaceirada” entrando de fuzil na igreja “com a boca do cano para baixo” em sinal de respeito. Gonzaga afirmou que o Padre Cícero Não queria que Lampião chegasse muito perto dele e, quando este pediu uma benção, o padre de Juazeiro não lhe benzeu e ainda aplicou com seu cajado uma grande surra em Lampião.
Evidentemente que nada disto aconteceu. Era uma criação fantasiosa do insuperável sanfoneiro, na defesa do Padre Cícero. Atualmente, chama atenção a defesa do Padre Cícero que ocorre no site Wikepedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Floro_Bartolomeu).
Nesta grande enciclopédia da internet, no tópico destinado a narrar a vida do médico baiano Floro Bartolomeu da Costa, encontramos um texto repleto de meias verdades, que em nada ajuda a estudantes que por ventura utilizarem este serviço para uma pesquisa sobre este assunto. O texto comenta que no ano de 1925, Floro havia recebido uma ordem do então presidente da República Artur Bernardes para defender o Ceará da Coluna Prestes. Foram então organizados os chamados Batalhões Patrióticos (verdade). Consta que Floro, teria então usado o nome do Padre Cícero sem que o sacerdote soubesse dos fatos (situação essa muito difícil de ocorrer devido ao prestígio do Padre Cícero).

Juazeiro. Fonte - http://www.skyscrapercity.com

Este então convidou Lampião a fazer parte do Batalhão Patriótico. Lampião, grande devoto do padre, aceitou o convite e partiu para Juazeiro, mas não encontrou Floro, que havia viajado para o Rio de Janeiro por motivos de saúde (verdade). Comenta-se que Padre Cícero ficou perplexo quando soube que Lampião estava em Juazeiro para servi-lo (O Padre Cícero sabia que eles vinham).
Ao encontrar Lampião e seu bando, Padre Cícero os aconselhou a abandonar o cangaço e lhes deu rosários de presente, com a condição de que só usassem depois de abandonar a vida bandida (o Padre Cícero pode até ter dado conselhos, rosários e escapulários, mas as armas e munições foram entregues). Os cangaceiros deixaram então Juazeiro, mas antes Lampião recebeu a patente de capitão do Batalhão Patriótico das mãos de Pedro de Albuquerque Uchoa, funcionário público e integrante do batalhão (Uchoa não afirmou isso nem em Leonardo Mota e muito menos na reportagem de 1933).

Fonte - http://www.skyscrapercity.com

O Padre Cícero Romão Batista era um homem do seu tempo, com virtudes e defeitos. Possui uma biografia feita de altos e baixos momentos, coisa normal que qualquer ser humano passa em sua vida. Para mim, o encontro com Lampião foi um momento de baixa na história do padre.Mas em minha opinião, ele fez sim um grande milagre (e não tem nada haver com a história da Beata Mocinha). O maior milagre do padre Cícero, mesmo tendo sido realizado em meio a religiosidade popular e mística, lances de violência e muita politicagem, foi a transformação de um simples povoado em uma das mais pulsantes e progressistas cidades do interior do Nordeste.
Rostand Medeiros - Fonte -  http://tokdehistoria.com.br