A Lendária Casa de Pedra ! Valdir José Nogueira de Moura

Ao sopé da Serra do Reino, no meio da caatinga, na zona rural, paralela a estrada velha do Carmo adormece um pedaço da história de São José do Belmonte. Entre marmeleiros e canafístulas frondosas ergue-se um paredão e o esqueleto de pedra de uma casa. Estima-se que a famosa Casa de Pedra, bastante referenciada em documentos antigos, tenha sido construída no ocaso do século XVIII. Pertenceu ao Coronel Simplício Pereira da Silva. Foi ele quem deixou a propriedade de herança para sua neta Antônia Pereira da Silva (falecida a 17/05/1907 aos 53 anos de idade), casada com o coronel José Sebastião Pereira da Silva (Cazuzinha da Cachoeira), 1º Prefeito de São José do Belmonte e segundo dono da fazenda. Sede patriarcal, construção em alvenaria de pedra e barro, essa casa foi edificada por escravos e vaqueiros. Fazenda sede das mais antigas da região, localizada no latifúndio da Fazenda Coroas, e uma das 7 fazendas que originou o município de São José do Belmonte, a fazenda Cachoeira no princípio, foi propriedade dos Viscondes da Casa da Torre de Garcia D’Ávila da Bahia, e onde também se fixou um dos principais núcleos da família Pereira do Sertão do Pajeú.

Grande vulto da história sertaneja, Simplício Pereira da Silva nasceu em 1784 e faleceu na fazenda Cachoeira a 10 de janeiro de 1859, este senhor tornou-se uma lenda em sua época, os seus feitos são extensos, participou ativamente no sertão de várias convulsões políticas que se sucederam após a abdicação de D. Pedro I, tendo recebido a aprovação a tenente-coronel da "Guarda Nacional" no dia 19 de novembro de 1842, quando prendeu os implicados na "Revolta de Exu" que denominamos de "Pré-Praieira". 


Além da fazenda Cachoeira onde residia, o coronel foi também proprietário em Belmonte da fazenda Olho d'Água da Boa Vista, cuja fazenda foi ofertada como dote de casamento a sua filha Generosa Pereira da Silva. Por sua pequena estatura, foi apelidado de "peinha de mão". Simplício meteu-se em muitas aventuras. Ao que relatam, gostava de matar índios. Entre batizados e pagãos, matou até perder a conta. Não satisfeito, o "peinha de mão" entrou de rijo na rude política do tempo, lutando com um bando de cabras do Pajeú contra o coronel-de-milícias Joaquim Pinto Madeira, o homem da coluna do Trono e do Altar, que sonhou um dia restaurar Pedro Primeiro. Simplício foi um dos principais "desencantadores" das Pedras do Reino Encantado del-rei dom Sebastião. Da fazenda Cachoeira, em maio de 1838 marchou ao encontro dos seus irmãos para destruir o arraial sebastianista, massacrou o quanto pôde os fanáticos da inusitada monarquia, vingando a morte de dois irmãos, Alexandre e Cipriano.
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A Casa de Pedra da Fazenda Cachoeira por várias vezes acolheu Sinhô Pereira e Luiz Padre durante as suas incursões pelo cangaço. Em volta dela, contam-se que tempos depois foram desenterradas várias botijas.
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O coronel Simplício Pereira da Silva foi casado duas vezes, a primeira com Maria José Barbosa e a segunda com Ana Joaquina do Amor Divino (filha de Aniceto Nunes da Silva, e falecida em 12/6/1878 aos 74 anos de idade, na fazenda Baixa Grande, freguesia de Jardim-CE e sepultada no cemitério de Belmonte. Esta não deixou descendentes). Do primeiro casamento com Maria José Barbosa nasceram dois filhos: Antônio Simplício Pereira da Silva e Generosa Pereira da Silva, esta era mãe de Antônia Pereira da Silva, herdeira da fazenda Cachoeira e esposa de José Pereira da Silva (Cazuzinha da Cachoeira), 1º Prefeito de São José do Belmonte. Leal ao Império do Brasil e membro do Partido Conservador, José Sebastião Pereira da Silva recebeu a comenda imperial da Ordem de Cristo em 24 de janeiro de 1872, pela princesa Imperial Regente Dona Izabel de Bragança. Cazuzinha faleceu na Cachoeira no dia 25 de dezembro de 1892 em pleno mandato de prefeito.
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Ao contrário do que se pode imaginar, a vida na fazenda Cachoeira em tempos idos estava longe de ser tranqüila, principalmente nos períodos de seca. Algumas tribos indígenas da nação Cariri, que viviam na região da Serra do Catolé, julgando de sua propriedade tudo que a terra produzisse ou sobre ela vivesse, atacaram inúmeras vezes a fazenda Cachoeira, matando vaqueiros, gados, escravos e até incendiando-a. Durante décadas foram travadas diversas guerras pela região, em que os indígenas, incapazes de fazerem frente ao poderio bélico dos fazendeiros, eram severamente perseguidos.

Na velha fazenda também foram celebradas várias cerimônias de casamentos, dentre as quais o casamento de dona Generosa Pereira da Silva, com 19 anos de idade (filha do coronel Simplício Pereira), realizado no dia 21 de novembro de 1845, com José Nunes Pereira, seu primo legitimo, também com 19 anos de idade, filho do Comandante Superior Manoel Pereira da Silva. Foram testemunhas das bodas, Vitorino Pereira da Silva e Sebastião Pereira da Silva.
A Casa de Pedra da Fazenda Cachoeira por várias vezes acolheu Sinhô Pereira e Luiz Padre durante as suas incursões pelo cangaço. Em volta dela, contam-se que tempos depois foram desenterradas várias botijas. 
Até ser devorada pela ação do tempo, os últimos moradores da Casa de Pedra foram os filhos do coronel Cazuzinha da Cachoeira: Sebastião (Baiãozinho), solteiro; Simplício, solteiro; Generosa (Sinhazinha), solteira; Arcôncio, casado com Januária filha de Lúcio Pereira e Francisca Pereira, e Antônio (Toinho da Cachoeira), solteiro, morto no dia 22 de outubro de 1922, durante o assalto à casa do coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz . 
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Machado de Assis deu o nome de Relíquias da Casa Velha a um livro de contos, mas bom seria que tivesse escrito um belo conto com esse nome, pois as casas velhas, e até as ruínas de uma casa velha como as ruínas da Casa de Pedra da Fazenda Cachoeira guardam histórias, lembranças, segredos, tristezas, alegrias e às vezes tragédias. 
No passado, a Fazenda Cachoeira foi marcada por histórias de gerações da família Pereira, fundamental para a memória de São José do Belmonte.

Valdir José Nogueira de Moura
Pesquisador e Escritor
Presidente da Comissão Local
Cariri Cangaço São José de Belmonte
E vem ai...

Quem Matou Chico Chicote? Por:Hérlon Fernandes Gomes

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Hoje, no aniversário de Brejo Santo, compartilho com vocês do primeiro capítulo de Quem Matou Chico Chicote? Uma novela sobre o "Império do bacamarte" (ou seria um romance?), que explora o episódio do Fogo das Guaribas, ocorrido em 1927. Boa leitura.
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CAPÍTULO I - INFÂNCIA 
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Donina pôs a mão no peito para segurar a dor daquela visão. Sentia que ia desfalecer. Manuelzão vinha às pressas com seu filho nos braços, Chico, de doze anos. Acompanhavam-nos um séquito de mais uns seis homens, todos envolvidos na escavação de uma cacimba ali nas proximidades. A senhora pôde observar, também, que Domingos, o moleque de mandados e de recados, trazia arrastada pela estrada uma cobra morta. - Uma cascavel, Donina. A traiçoeira tava entocada num pé de juá. Pegou o menino. Só ouvimos o grito. Mas ele tá vivo!
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A mãe, aflita, nada conseguia verbalizar. Em sua cabeça só aparecia a figura de Araci, uma velha índia mestiça, grande curandeira daquelas bandas, tantas vezes lhe socorrera em situações difíceis. - Mandem buscar Dona Araci, já! Minha Nossa Senhora! Coloquem o menino na cama. O garoto estava mais para outro mundo do que para este. Uma febre alta fervia seu corpo. Donina lembrava que há menos de um ano uma cobra igual dera fim a um cavalo da fazenda... O pensamento fazia-a intensificar os argumentos de suas orações, para todos os nomes de santos e anjos que surgiam na memória.
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O marido chegou esbaforido. Tinha sido informado do acidente. Encarou o desespero da mulher, tentou exprimir um olhar de confiança, embora soubesse que só um milagre salvaria o filho. Em um discurso mental, repreendia o filho. Que menino mais atentado! Poderia estar na escola, como os irmãos! Incutiu de se meter com as coisas dessa cacimba. Não fazia dois meses que quase havia morrido naquela peraltice de tirar mel de um enxame... Agora de novo... Se tivesse lhe dado ouvidos... Jovino percorria a estrada em trote largo. O patrão lhe entregou o melhor cavalo. De longe pôde divisar Araci a varrer o terreiro. A velha fez um olhar de insatisfação ao receber aquele portador, pois lhe adivinhava que precisava deixar sua tapera e a calma da sua solidão. Mas era o dever chamando.
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Arrumou um pequeno matulão com seus saquinhos de ervas e vidros com suas poções misteriosas e, por último, sua memória centenária lembrou que precisava cumprir uma diligência no meio do caminho, em busca da cura. Era um preparo difícil, ela não tinha mais idade para rituais dessa espécie...Pediu para que o desconfiado capataz a suspendesse na garupa do burro. Recomendou prudência com a velocidade, pois suas juntas enferrujadas de artrite poderiam não suportar. Um sacrifício desses, só sendo pra Donina. A caridosa senhora lhe compensava com justeza as rezas que fazia nos seus filhos.
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Em determinada parte do caminho, ordenou que o rapaz parasse o cavalo e a arriasse nas proximidades de um brejo, onde se empoçava a água de um riacho. O encarregado sem indagar, cumpriu o pedido da velha. No seu vagar, a senhora levantou a barra do vestido até pouco acima dos joelhos e entrou na água lamacenta. Permaneceu em silêncio por cerca de cinco minutos. Jovino, em busca de entender o que acontecia, benzia-se sem parar. Dona Araci era cheia de magia, respeitada e temida naquelas bandas. Ou se salvavam por suas rezam, ou se perdiam nas suas pragas. Que tipo de oração era aquela? Surpreendeu-se ao ver as pernas da rezadeira, ao sair da água, apinhada de prastadas negras, que a ela destacava uma a uma, deixando fios de sangue nos cambitos engelhados. Eram sanguessugas.
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- São suficientes. Vou precisar de pelo menos uma dúzia dessas para limpar o sangue do garoto. Se houver tempo...Os horrendos bichos foram depositados dentro de uma cabaça com água. - Se apresse e me ajude, Jovino.
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Desde quando foi avisada do que havia sucedido ao menino, sabia que era caso difícil, mas não poderia dizer impossível. Às vezes os santos, com a intervenção das coisas sagradas podiam conseguir uma segunda chance, um milagre, uma saída. Era o jeito ouvir o que tinham a dizer os espíritos da mata. Achegou-se perto da cama, tomou o pulso do menino, sentiu a temperatura de seu corpo: crepitava em febre e respirava imperceptivelmente. O veneno já lhe arroxeava a brancura da pele. Era preciso agir rapidamente. Avaliara a necessidade de se fazer umas sangrias na criança, para isso, meteu-se à caça das sanguessugas.
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Juntou um molho de galhos de pinhão roxo, fez o sinal da cruz e passou a encampar uma batalha invisível sobre o corpo desnudo de Chico, interrompida por suores intensos e um eterno balbuciar de palavras, nomes sagrados de um linguajar ininteligível. Abriu os olhos, acendeu um boró, e passou a dispor as sanguessugas em uma simetria misteriosa no corpo do infante. Aquele veneno maldito e peçonhento misturava-se ao sangue do menino, misteriosamente forte, afinal, a cobra não sobrevivera ao próprio bote. Estranho tudo aquilo. O menino tinha um sangue valente. Seu destino se desenhava trágico... A índia sentiu os velhos espíritos da mata lhe segredarem coisas horríveis: um mar de sangue... Após horas e horas de transe e dezenas de folhas de pinhão murchas espalhadas pelo chão, a última sanguessuga despregou-se morta do corpo de Chico.
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Exausta e cambaleante, a centenária apoiou-se no braço de Donina e vaticinou: - Seu menino tem uma luta difícil a travar pelo resto da vida. Ele tem um destino... Agora esse veneno temperou-lhe o gênio. Há certas coisas na vida que não podemos evitar. Entregue-o às bênçãos de uma Santa Maria para que não lhe falte luz. Queime essas folhas secas de arruda, deixe essas janelas abertas. Amanhã ele estará bom novamente. A mãe pouco prestou atenção àquele mistério. Bastava-se lhe a tranquilidade daquela promessa, de que ele estaria bem.
O menino acordou fraco, mas sem febre. A primeira pergunta que fez foi sobre se já tinham terminado de cavar a cacimba. O pai riu, Donina passou a recomendar que o filho caçula, depois daquele livramento, tivesse uma rotina de vida igual a dos quatros irmãos, de escola e catecismo. Chico prometeu cumprir o pedido materno, todavia, duas semanas depois, seus pais receberam a visita do professor Mino Krebs, preocupado com a saúde do menino, afinal, há dias os irmãos Manuel, Joaquim e João informavam que o irmão não comparecia porque estaria doente.o

A inesperada visita acabou delatando as mentiras de Chico e lhe rendeu uma surra do pai. Afinal, descobriu-se que o filho faltava às aulas, para jogar pião e empinar pipa com as crianças, em um campo de várzea, onde todos tinham como única preocupação a brincadeira. Para comprar o silêncio dos irmãos, prometia-lhes piões e pipas que arrebataria nas competições às quais se destacava como exímio ganhador. 
Diante desse cenário, após se aconselhar-se com o Padre Abath, Donina convenceu Francisco que o filho deveria ser educado em um ambiente mais rígido de disciplina e, a contragosto do menino, mandaram-no ao Seminário do Crato, cerca de vinte léguas de casa.
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Seminário Episcopal do Crato, 13 de Abril de 1894
Ilustríssimo Senhor Capitão Francisco Pereira de Lucena,
Por meio desta missiva que segue com o portador, venho explicar os motivos que levaram a direção a afastar o menino Francisco, seu filho, do quadro de alunos desta casa de venerandas e ilustres tradições.

Com efeito, a vocação sacerdotal é um chamado, do qual o seu filho não aparenta aptidão. Ontem, tive de intervir energicamente contra uma contenda envolvendo seu filho que, após discussões frívolas com o também interno Horácio Teixeira, se armou de um punhal, passando a investir contra a integridade física do outro garoto, não consumando seu intento porque me pus entre os adversários.
Este lugar é um ambiente em que a paz deve ser regra de ouro, firme nos ensinamentos do Pai, motivo pelo qual tenho a desagradável incumbência de informá-lo sobre a expulsão do discente Francisco Pereira de Lucena, por conduta incompatível 
com os preceitos deste Seminário.
Deus abençoe a V.M. e a toda sua família.

Dom Quintino Rodrigues de Oliveira
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De volta ao lar, o menino Chicote sentiu que poderia respirar novamente, longe daquele ambiente sufocante de paredes altas e silêncio mórbido, cheio de rotinas enfadonhas e atividades que não lhe rendiam nenhum prazer. Nascera para correr livre, para montar seu cavalo. Estava livre. Prometera a si mesmo, pela milésima vez, que se comportaria; tentaria segurar seus impulsos de raiva e altivez que lhe renderam por último aquele desgosto dado ao pai. No lombo de Furacão, percorreu as terras da família avaliando os descuidos que sua ausência, de poucos meses, trouxe. O velho pai tinha era é de ter consciência que ele era muito mais útil ali, para executar com zelo os comandos que precisavam ser feitos.
O velho Francisco, entretanto, respeitado pela comunidade inteira por sua patente de capitão, temia aquele espírito indomável e beligerante do filho, em sempre querer impor as próprias vontades a tudo. É bem verdade que o rapazinho não era preguiçoso. Realmente nascera para os negócios. Encaminhara o menino ao Seminário por insistência de Donina, apegada à crença de que a fé nos ensinamentos cristãos abrandassem aquele temperamento inconsequente.
Continua...
Hérlon Fernandes Gomes
Pesquisador e escritor
Brejo Santo, Ceará

Decapitações Entre os "Meninos" Por:Geziel Moura

Narciso Dias, Geziel Moura, Jorge Remígio e Jair Tavares
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O escritor e pesquisador Alcino Alves Costa em sua obra "Lampião em Sergipe" fez interessante discussão sobre o método das decapitações, utilizados pelas volantes nos cangaceiros, principalmente objetivando comprovar o feito, para futuras premiações de sus autores.Entretanto, Alcino também ressaltou, que este uso e costume, embora pouquíssimas vezes, ocorreram entre os cangaceiros, sendo que o objetivo era diferente, geralmente para obter salvo conduto diante da polícia.Este autor aponta, pelo menos, três casos de assassinatos com decapitações cujos autores foram seus próprios companheiros, temos portanto:

1 - O primeiro que se tem registro foi o cangaceiro Cocada, que fora morto e decapitado pelo companheiro, Esperança, sendo que este o matou, com tiro de fuzil pelas costas, e ato continuo levou a cabeça daquele para a polícia em Várzea da Ema (BA), para tentar sair da vida bandoleira, a pedido de sua mãe;
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2 - Outro registro de traição e decapitação, foi em 5 de junho de 1938, na região do povoado Caboclo (AL), região de Pão de Açúcar (AL), em que o cangaceiro Barreira, assassinou e decepou a cabeça de seu companheiro Atividade, para também obter atenuantes, de seus crimes;
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3 - O terceiro exemplo, que se tem noticia, foi realizado pelo cangaceiro Penedinho, logo após o acontecimento de Angico, em que, aquele assecla, assassinou e fez a decapitação no cangaceiro Canário, companheiro de sua prima Adília, e levou o troféu para o Ten. Zé Rufino na Serra Negra (BA), hoje município de Pedro Alexandre.
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É possível pensar que as leis do cangaço, não seguiam padrões de condutas, não havia lógicas em seus procedimentos, não há dúvida que Lampião e seus companheiros, surpreendiam em seus atos criminosos.
Geziel Moura
Pesquisador, Belém-PA

A Verdade Sobre os Cabras de Lampião Por:Raul Meneleu

Manchete 15 de Novembro de 1969 Cristina Mata Machado escreveu um livro a respeito do cangaço e, para provar que não mentia, trouxe do Nordeste cangaceiros, 
seus filhos e netos.
Aos 27 anos, Cristina Mata Machado não pode ver sangue. Em criança, morria de medo quando lhe contavam histórias de cangaço. No entanto, ela acaba de escrever um livro chamado As Táticas de Guerra dos Cangaceiros e, para lançá-lo, reuniu nove remanescentes do bando de Lampião e descendentes de seu chefe. Labareda, o velhinho sorridente de 71 anos, é um desses homens que vivia pela caatinga, lutando, fugindo ou perseguindo inimigos. Entre seus pertences, há o antigo bacamarte que data do tempo de Lampião. Hoje, ele é vigia e porteiro em Salvador. Sua aparência serena e seus hábitos tranquilos vêm em apoio à tese de Cristina: "O cangaceiro não é bom nem mau. Ele era apenas um sertanejo injustiçado, que entrava na ilegalidade por falta de qualquer outro caminho."Para Expedita e Verinha, o cangaço não passa de uma notícia. A filha e a neta de Lampião e Maria Bonita cumpriram o início da vida conforme determinou o Capitão Virgulino: — Cangaço não é lugar para criar filho. Expedita foi levada, ainda um bebé, para a fazenda de Manoel Severo, um amigo de seu pai. Da mãe ela não se lembra nem vagamente. Lampião a visitou algumas vezes, de raro em raro, e nessas ocasiões percebeu que Expedita o temia. Só uma vez a beijou. Expedita cresceu e casou. Está viajando com a filha mais nova, Verinha, que não gosta de falar sobre cangaceiros, nem considera algo importante seu avó ter sido o mais famoso deles. Suas preocupações giram todas em torno dos estudos. Quer cursar Medicina — o irmão mais velho, Djair, quer ser engenheiro — mas vê o futuro com incerteza: acha que tanto ela quanto o irmão só poderão passar pela universidade se ganharem bolsas de estudos.
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Com Cristina, na foto à esquerda, Sila, Ana e seu marido, Criança, Dadá, Labareda, Marinheiro, Pitombeira, Volta Seca e Balão. À direita, fotografia feita por 
Melquíades da Rocha em julho de 1938
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Trinta e um anos depois da morte de Lampião, os herdeiros do cangaço estão pobres. Como diz Labareda: — No cangaço a gente tinha dinheiro mas não tinha o que comprar. Agora a gente tem o que comprar mas não tem dinheiro. A grande pretensão de Cristina Mata Machado é desmitificar, em seu trabalho, a figura do cangaceiro, restituindo-lhe uma imagem humana, de defeitos e virtudes: nem um anjo, nem um demônio.
Cristina dá a data do atestado de óbito do cangaço no Brasil: 28 de julho de 1938. Foi numa fazenda no sertão de Sergipe, a 12 quilometros da fronteira de Alagoas. Angicos aparecia encravada entre duas serrinhas, com um córrego de muitas pedras, formando grotas bem cobertas e resguardadas. No centro dessa quase-fortaleza, espalhadas entre as moitas de xique-xique, as barracas do acampamento de Lampião, armadas há vários dias. Balão. homem de confiança de Virgulino, lugar-tenente de Corisco, estava lá e conta como foi. — Já fazia cinco dias que a gente estava em Angicos, onde chegamos numa sexta-feira. O dia do mês não me lembro, porque não tinha folhinha. Quando chegou terça-feira, o Capitão resolveu partir (a intuição de perigo iminente era o grande trunfo de Lampião). Mas de manhãzinha chegou um sobrinho dele, de nome José, para se juntar ao bando. O Capitão resolveu adiar a viagem, para equipar o menino. De tardinha chegou ao coito um homem por nome Pedro de Cândido, que foi logo contando que "tem muito macaco em Piranha", um lugar lá perto.
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Noto emoção e um brilho mais profundo nos olhos de Balão, quando se refere a Pedro de Cândido. E logo percebo que nesse homem duro persiste o mesmo horror à delação e à traição. — Foi daí que o capitão disse a ele: "Pedro, volte lá e sonde para que lado vão esses macacos." Pedro foi e voltou de noitinha, coisa assim de oito horas, e contou: "Eles foram para o sertão de Pernambuco; pode ficar tranqüilo." 

Mas ele tinha trazido a volante. Todos os macacos ficaram escondidos em volta. Até às 11 da noite ficou bebendo e conversando com a gente. Aí disse que precisava ir embora. E ainda avisou: "Capitão, amanhã eu volto, lá pelas 9 horas, para me despedir do senhor." — Naquela quarta-feira, levantamos às cinco da manhã. O capitão chamou todos para rezar o ofício, como acontecia todos os dias. E, quando terminou, pediu a Amoroso que descesse até a bica e fosse buscar água para fazer o café. Amoroso não chegou a enfiar o cantil dentro do riacho. O primeiro tiro de um macaco matou Amoroso ali mesmo. Dai foi só fuzilaria. Tinha mais de cem macacos, cercando por todos os lados e quatro metralhadoras varriam o xique-xique.
O capitão morreu com um tiro na cabeça. A vinte metros dele morreu Maria Bonita. Nós éramos 36 e cada qual cuidava de sair vivo. Luís Pedro, o homem mais chegado a Lampião, furou o cerco, mas ouviu gritarem que o capitão tinha morrido e voltou. Ele jurou que ia morrer com Lampião e veio de peito aberto. Recebeu uma rajada de metralhadora e caiu morto. O fogo cerrado durou mais de meia hora. Ficaram mortos, no chão de Angicos, Lampião, Maria Bonita, Amoroso, Nedina, Quinta-feira, Luís Pedro, Elétrico, Mergulhão, Caixa-de-Fósforos, Jítirana e Cajarana. Eram 11 cangaceiros. Mas morreu muito mais macaco.
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Ângelo Roque, o Labareda
Labareda; que está do lado, ouvindo, resolve interferir na narração. — Pois está certinho. A volante diz que só morreu um macaco no ataque, Mas chega-ram em Piranha 28 fuzis sem dono (Labareda não estava em Angicos, mas numa fazenda perto de Piranha). Faça as contas: se morreram nove cangaceiros — as mulheres não usavam fuzil — o resto tinha de ser de macaco morto, e se chegaram 28 fuzis em Piranha, morreram 20 macacos, pois o fuzil de Amoroso os companheiros conseguiram levar.
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Morto Lampião, o bando se desintegrou e nunca mais se reagrupou. Alguns foram mortos em outras ocasiões e outros se entregaram. Em 1939 o cangaço acabava de vez. Um herói que arregimenta sertanejos para uma revolta popular ou um frio e sádico assassino, que saqueia e mata por prazer: essas as duas imagens extremadas que até hoje têm sido feitas dos cangaceiros. 

As Táticas de Guerra dos Cangaceiros pretende reduzir essas duas fantasias às suas verdadeiras dimensões. Por isso, para lançar seu livro em São Paulo, a historiadora Cristina Mata Machado, de 27 anos, fez questão das singulares presenças de Dadá, Sita, Zé Sereno, Labareda, Criança, Marinheiro, Volta Seca, Balão e Pitombeira, nove remanescentes do bando de Lampião. Cristina pesquisou em mais de cem lugares e pequenas cidades do sertão nordestino e chegou à conclusão de que a verdadeira imagem do cangaceiro nunca foi divulgada: — Nem herói, nem sanguinário: apenas um sertanejo comum, forçado a desligar-se de seu lugar e de sua gente, impelido a matar para poder continuar vivo, querendo a paz e não podendo obtê-la. 
Logo no primeiro parágrafo de seu trabalho, Cristina diz que Lampião foi "um homem como todos os outros do Nordeste".
"O fato de haver entrado para a história e de ser conhecido fora das fronteiras do país não o torna único, diferente ou original. Ele apenas surgiu na hora certa, viveu um momento histórico e morreu quando já era um mito no sertão nordestino. Lampião simbolizava e simboliza o sertanejo rebelde, desconfiado, astuto, destemido, forte e livre, capaz de viver na mais dura caatinga, capaz de sobreviver lutando, capaz de amar, capaz de seguir e perseguir um objetivo, capaz de lutar contra tudo e contra todos, no momento em que julgar isso necessário."
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Muitos assim existiam e existem no Nordeste. Lampião não pode ser visto como um fato isolado, mas como resultado de uma época em que se processava uma luta surda, empreendida pelo vaqueiro contra o senhor da terra. Dai se explica, talvez, porque Lampião — "uma fera humana" segundo a imprensa da época — era quase venerado pelas populações mais pobres. Ele realizava em segundos aquilo que cada um gostaria de fazer, mas tinha medo."
Cristina Mata Machado aponta o surgimento do cangaço como um episódio marginal ao desenvolvimento sócio-econômico do Nordeste: "A palavra cangaceiro coincide com o aparecimento da palavra coronel: em fins do século XIX, quando a estrutura do coronelismo começa a enfraquecer, o coronel tenta mante-la. Sua primeira opressão é contra o vaqueiro que, apesar de trabalhar para o coronel, era quase livre (num sistema chamado de quatriação, o vaqueiro ficava com uma entre quatro crias, formando o seu próprio rebanho, dentro de alguns anos. A primeira providência do coronel foi extinguir a quatriação e passar o vaqueiro à condição de assalariado).
Maria Cristina explica porque não havia reivindicação política no cangaço: "Eles não lutavam por uma causa, mas para 
vingar uma afronta"
Segundo Cristina, três motivos básicos transformavam um sertanejo em cangaceiro: — Roubo de terras, desonra ou assassínio de algum parente. Atingido por um desses dramas, o sertanejo toma uma atitude, quase sempre a de matar o agressor. Feito isso, passa a ser perseguido pela polícia ou pelos jagunços do coronel atingido. Na fuga, não lhe sobram alternativas: tem de ir para o cangaço. A grande prova desse esquema é a inexistência, em qualquer época, de uma consciência de massa, de uma visualização do problema geral: cada um via o seu problema individual, lutava por causa dele. Não havia no cangaço uma causa pela qual lutar: havia uma afronta pessoal a vingar.
Anistiados por Getúlio — depois da tragédia dos Angicos — os cangaceiros remanescentes do bando de Lampião e Corisco saíram da caatinga buscando a volta à legalidade e à paz. Temerosos, desconfiados, procuraram, em maioria, sair do Nordeste, buscando os lugares onde pudessem substituir os seus nomes de guerra pelos de batismo. Hoje, reunidos em São Paulo, êles voltam a se chamar pelos apelidos pelos quais eram conhecidos no cangaço. As lembranças dos velhos tempos estão vivas, mas todos agradecem que sejam apenas lembranças, pois querem a todo custo manter a paz que conseguiram.
Labareda — Antônio Roque, o mais velho déles — deve ter a mesma idade que Lampião teria, se fosse vivo — 71 anos. Mas insiste em dizer que só tem 58. Hoje, é vigia do Hospital do Câncer e porteiro do foro, em Salvador. Tem uma vida bem diferente daquela da caatinga: — Vivia pelo mato, bebendo água de umbuzeiro, dando carreira, levando carreira, às vezes comendo só farinha molhada com água e de outras comendo até peru com arroz. Acampado, só conversava baixinho, dormia em barracas, passava dias sem brigar e às vezes tinha cinco brigas num dia só.
Porque Labareda entrou para o cangaço? — Foi em Quixabá, numa fazenda onde eu morava. Um soldado por nome Horácio violentou minha irmã Sabina. Depois, ele desapareceu.... Eu o matei. A policia começou a me perseguir, eu me escondi na caatinga muito tempo, até que um dia me juntei com o bando do Lampião na fazenda Arrastapé. Fiquei 17 anos com o capitão. Quando ele morreu, fiquei dois anos pelo mato, sem saber da anistia. Quando soube, me entreguei.
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Balão
Balão é o mais falante de todos. Orgulha-se de ter 17 filhos. Sete ainda moram com ele em São Paulo, onde exerce a profissão de perfurador de poços artesianos, com 61 anos de idade. Nele perdura a velha desconfiança que não lhe deixa declarar o nome de batismo, nem o endereço. Qual a sua razão para unir-se a Lampião? — Naquele tempo, não tinha escolha: ou entrava para a volante ou virava cangaceiro.
Eu morava em Riacho do Meio. Um dia Lampião passou por lá sem maltratar ninguém. Atrás dele vinha uma volante, que perguntou para onde o capitão tinha ido. Ninguém sabia. Por isso a volante espancou todo mundo. Homem que tem natureza não apanha de rêlho na cara. Um dia Corisco passou por lá com mais sete cabras. Quando saiu, tinha mais um. Era eu.
Criança perdeu o apelido há muito tempo. Agora ele é apenas Vitor Rodrigues de Lima, vendedor ambulante de verduras em São Paulo. Era um menino de 15 anos quando entrou para o bando. Saiu quando tinha 22 e, durante todo esse tempo, com pouco mais de metro e meio de altura, era considerado o cangaceiro de melhor pontaria. — Lá em Feira do Pau, a perseguição era muita. A gente apanhava dos macacos para contar onde estavam os cangaceiros. Mas quando Lampião passava, ele agradava os moradores. Um dia eu segui com ele.
Foi Criança quem ajudou Sila a furar o cerco de Angicos: — Vínhamos eu, Sila e Nedina, quando uma bala de fuzil acertou Nedina na cabeça. O vestido de Sila ficou vermelho com o sangue dela, que caiu aos meus pés, Pitombeira, que os colegas da Prefeitura de São Paulo só conhecem como José Soares, foi para São Paulo em 1940.
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Foi um dos primeiros a entrar para o bando, mas sua razão foi das mais fortes. — Um dia os macacos chegaram em Esperança, onde eu morava, perguntando se Lampião tinha estado por lá. De fato, tinha, mas ninguém sabia para onde tinha ido. A volante não se conformou e começou a espancar. Um macaco montou meu irmão, queria que ele pulasse como cavalo. Meu irmão acabou todo rasgado de espora. Oito dias depois, meu irmão Luís morreu, como morreu meu tio Emídio, de tanta pancada da volante. O grupo de Diferente passou e eu fui com eles.
Sila e Zé Sereno conheceram-se e casaram-se no cangaço. Ambos escaparam do cerco de Angicos, ao fim de nove anos de lutas na caatinga. Desde 1942 estão em São Paulo. Ele é porteiro de um colégio e ela faz o que gosta: costura e cuida dos três filhos. Sila costurava toda a roupa do bando. José Ribeiro da Silva tem o máximo cuidado em falar do passado, para não delatar ninguém. Quando lhe pergunto quem vendia as armas para os cangaceiros, Me responde: — Não, moço, isso eu não falo. Quem vendia pode ter morrido, Mas as famílias ainda estão lá. Pode haver vingança e eu não quero complicar a vida de ninguém.

Sila se lembra de como encontrou o marido: — Eu tinha 13 anos. Estudava num colégio de freiras e estava passando férias numa fazenda, quando os cangaceiros apareceram. José resolveu que eu ia com ele e eu fui. Um pouco por medo, um pouco por aventura.
Grupo de Zé Sereno
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Dadá — a Sra. Sérgia da Silva Rodrigues, casada, mãe de vários filhos — perdeu uma perna no dia em que mataram o seu primeiro marido, Corisco. Ela também não gosta que se fale da origem das armas: — Não se cospe no prato em que se come.
Marinheiro entrou para o cangaço com menos de 13 anos de idade: — Eu sou irmão de Sila. Ela havia seguido com o Zé Sereno. Por causa disso, a volante resolveu me matar. Não tinha saída. O jeito era seguir o rumo de onde estava Lampião e me juntar a ele. Menos de dois anos depois da adesão de Marinheiro, o cangaço morreu. Andou escondido durante algum tempo, e depois se entregou. Em 1942, mudou-se para São Paulo onde se iniciou na profissão de metalúrgico. Foi vivendo sua vida de operário até que um dia se apaixonou. por uma moça do Nordeste e ela por ele. Poucos dias antes do casamento ele soube que ela era filha de um macaco e ela soube que ele era um ex-cangaceiro. Nesse ponto a paz era inevitável.
Manchete 15 de Novembro de 1969 Reportagem de FERNANDO DEL CORSO
Postado por Raul Meneleu
Conselheiro do Cariri Cangaço

O Alvorecer da República em Pombal Por:Jose Tavares de Araujo Neto

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Com a Proclamação da República, ocorrida em 15 de novembro de 1889, foi promulgada a Constituição de 1891, também denominada Constituição Republicana, que perdurou até o fim da República Velha, que se encerra em 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao Poder. A Constituição de 1891, marca o início de uma tímida autonomia dos municípios e das províncias, que passam a ser denominadas Estados, sendo os chefes do Poder Executivo denominados "Presidentes de Estado”.
Ao longo da República Velha (1889/1930), a Paraíba foi dominada por três forças oligárquicas: Comandas por Venâncio Neiva (venancismo), Álvaro Lopes Machado (alvarismo) e Epitácio Pessoa (epitacismo). O venancismo teve pouca duração, iniciou em 1989 e terminou em 1892. O alvarismo, no qual Álvaro Machado alternava o poder com o seu grande aliado Monsenhor Valfredo Leal, teve início em 1892 e foi até 1912, com a inesperada morte de Álvaro Machado, que se encontrava em pleno exercício do mandato de senador. Durante o período de 1912 a 1915 Epitácio Pessoa e Valfredo Leal dividiam a liderança do PRC (Partido Republicano Conservador), ocasião do rompimento entre os dois líderes, marcando o início, em 1915, o epitacismo, que se prolonga até 1930.
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Venâncio Neiva 
Embora monarquista, logo após a proclamação da República Venâncio Neiva aliou-se aos republicanos da Paraíba e, por influência do general paraibano José de Almeida Barreto, foi nomeado presidente do Estado pelo chefe do governo provisório da República, marechal Deodoro da Fonseca. Venâncio Neiva governou a Paraíba por dois anos, entre 6 de novembro de 1889 e 27 de novembro de 1891. Em sua breve passagem no comando da política paraibana, Venâncio Neiva, que já havia exercido o cargo de Juiz em Pombal, dá uma sobrevida a oligarquia comandada pelo coronel Cândido José de Assis, que já perpetuava por mais de quarenta anos frente ao comando da oligarquia local, revezando a chefia do poder municipal com seus filhos Francisco José de Assis, Leandro José de Assis, Joaquim José de Assis e Álvaro José de Assis.
José de Almeida Barreto
Na verdade, o velho coronel Cândido José de Assis já havia herdado o espólio político de seu genro, o todo poderoso coronel João Dantas de Oliveira, Comandante Superior da Guarda Imperial, que, em 1874 se debandou de Pombal, após ser processado sob a acusação de ter mandado os seus filhos assassinarem o professor Juvêncio Vulpis-Alba, que o havia denunciado por ter dado condição estratégica para que o cangaceiro Jesuíno Brilhante praticasse o espetacular assalto a cadeia de Pombal. O bando comandado por Jesuíno Brilhante resgatou 43 presos, inclusive o seu irmão Lucas e o temível Manuel Pajeú, remanescente do bando do cangaceiro pombalense Cabé Brilhante, tio de Jesuíno.
Em 23 de novembro de 1891, o marechal Deodoro da Fonseca, sob fortes pressões, renunciou à presidência da República e a vaga foi assumida pelo vice-presidente Floriano Peixoto, que destituiu os governantes estaduais que apoiavam Deodoro. Na Paraíba, Venâncio Neiva foi substituído inicialmente por uma junta governativa que, no dia 18 de fevereiro de 1892, repassou o governo para o político areiense, também major efetivo do exército, Álvaro Lopes Machado, primeiramente nomeado, depois confirmado por eleição indireta presidente do Estado.
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Álvaro Machadoo

Em Pombal, a chegada de Álvaro Machado à presidência do Estado da Paraíba marca a decadência da supremacia dos monarquistas, capitaneados pelo coronel Candido José de Assis e seus filhos (venancistas) e a ascensão dos republicanos, comandados pelo coronel João Leite Ferreira Primo (alvaristas). Inconformados, os Assis se recolhem as suas propriedades rurais, levando as chaves da Casa da Câmara, sede dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Indiferentes, os republicanos arrombam as portas do paço municipal, adentram no recinto e realizam as posses dos novos conselheiros (cargos equivalentes a vereadores) Manoel Firmíno de Medeiros, João Leite Ferreira Primo, Lindolfo Vicente Leite, Antônio Justiço de Oliveira e o Dr. Enéas Pedro de Souza, bem como a posse do capitão Antônio Vieira de Torres Bandeira, no cargo de intendente (equivalente a prefeito). Após a solenidade de posse, os republicanos realizaram uma efusiva passeata pelas ruas da cidade, comemorando a sua tardia chegada ao poder municipal. Foi este o primeiro evento comemorativo com a participação popular na história republicana de Pombal.

José Tavares de Araújo Neto
Pesquisador, Pombal-Paraíba

O Monsenhor Afonso Pequeno e a velha rixa de Carvalho e Pereira Por:Valdir José Nogueira

Monsenhor Afonso
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Filho do coronel Antônio Teixeira Pequeno e de dona Maria Antero Pequeno, ambos naturais de Icó (Ceará), o Monsenhor Afonso nasceu nessa cidade no dia 24/07/1871. Sacerdote exemplar e culto assumiu a Paróquia de Belmonte no dia 06 de janeiro de 1903, ficando encarregado também das Paróquias de Vila Bela e Floresta. Desde o distante ano de 1901, inaugurou-se no Cariri, sul do Ceará, um período de inquietação política e social, que perdurou por duas décadas. Naquele mundo de canaviais, os “coronéis” alimentados pela rapadura, fizeram valer a força das armas, porquanto os mais fortes eleitoralmente nem sempre tinham como evitar a sanha dos seus adversários (inimigos), quase sempre mais fortes pelo bacamarte.
Proveniente daquele mundo de caudilhos, mas precisamente do Crato, quando chegou à Vila Bela e Belmonte, o Monsenhor Afonso Antero Pequeno, logo pediu as lideranças políticas locais armas, munição e cangaceiros para ajudar ao primo “coronel” Antônio Luiz Alves Pequeno na luta pela deposição do “coronel” José Belém de Figueiredo, que na época ocupava o cargo de vice-presidente (vice-governador) do Estado do Ceará. “Coronel” Antônio Pereira, líder na época da família Pereira, negou-se categoricamente a participar dessa bravata.
A família Carvalho concordou com o Monsenhor em tudo e decidiu mandar Antônio Clementino de Carvalho (Antônio Quelé) com um grande contingente armado, tendo à frente o próprio sacerdote.Iniciado o tiroteio, em dias do mês de junho de 1904, só após 55 horas de combate, o “coronel” Belém recuou e fugiu. Vitorioso, o Monsenhor Afonso  volveu à Belmonte e Vila Bela, decidido a hostilizar a família Pereira. Logo participou da eleição municipal de Vila Bela, elegendo-se prefeito. Numa visita que lhe fizera, Antônio Quelé assassinou em praça pública o delegado de polícia Manoel Pereira Maranhão. No júri de Quelé, além do advogado que contratou, o Monsenhor participou pessoalmente da tribuna de defesa. O Monsenhor renunciou ao mandato de Prefeito e retirou-se para Garanhuns. Antes, porém, segundo alguns, o sacerdote conseguiu reacender a fogueira de ódio entre as famílias Pereira e Carvalho.
As gestões políticas do Monsenhor Afonso Pequeno em Vila Bela e Belmonte foram com toda evidência, as grandes responsáveis pelo estado beligerante deflagrado na ribeira do Pajeú, “a ribeira medonha”. Alguns historiadores afirmam que tudo degenerou em banditismo, com a formação de grupos de cangaceiros para defender a própria família e por fim, o de Lampião, que perturbou a vida dos sertanejos em 07 estados da federação. Outros afiançam que foi o Monsenhor Afonso o responsável pela fase do obscurantismo no Pajeú no período de 1904 a 1930. O Monsenhor Afonso Antero Pequeno permaneceu na Paróquia de Belmonte até 12/03/1907, tendo falecido na cidade de Garanhuns no dia 26/03/1918. Para homenageá-lo, uma das antigas ruas de Belmonte possui o seu nome.
Valdir José Nogueira, pesquisador e escritor
e vem ai...



Condenação e Absolvição de Antonio Quelé Durante o Confronto de Carvalho com Pereira Por:Valdir José Nogueira

Antônio Quelé

Em 5 de julho de 1905, Antônio Clementino de Carvalho (Antônio Quelé), vindo de sua fazenda Santo André, chegou a Vila de Belmonte acompanhado de dois homens de sua confiança Vitorino e Juriti. Dirigia-se às feiras de gado de Pesqueira e Vitória de Santo Antâo, onde esperava receber a importância de umas boiadas vendidas a prazo. Como era natural naquele tempo, viajando dias e dias a cavalo, conduzindo dinheiro, não podia se deixar de andar acompanhado. E como os homens de confiança de Quelé estivessem armados, dele se aproximam Cassiano Pereira (Ciba) e seu irmão Cincinato, exigindo-lhes que entregassem as armas. Desobedecendo a intimação, Vitorino e Juriti foram recuando. Perseguidos pelos dois Pereiras, entram na casa do coronel Moraes (José de Carvalho e Sá Moraes), primo de Quelé e chefe político local, a quem solicitaram providências contra o vexame que sofriam. Nisso, o coronel José Pereira de Aguiar, primo de Cassiano e Cincinato Pereira, intervém na contenda e se entende com o coronel Moraes, providenciando a retirada dos homens de Quelé, ponderando aos primos que não deviam desarmá-los, pois iam de viagem garantindo o patrão.
Seguiu Quelé, e de volta em Vila Bela, estando a conversar com alguém na feira, dele aproximou-se Isidoro Aguiar, membro da família Pereira, que o interpelou sobre o atrito ocorrido entre ele (Quelé) e seus primos, em Belmonte. Quelé passou a historiar o que havia ocorrido. Como a conversa era em altas vozes, em virtude do sussurro natural dos feirantes, entendeu Antônio Pereira Baião, que por perto passava, tratar-se de uma alteração acalorada entre eles. Receoso de que houvesse um atrito mais sério, foi comunicar o que presenciara a seu primo Manuel Pereira Maranhão, conhecido por Né do Baixio, delegado de Polícia até então. É que, embora constasse haver sido exonerado, não havia confirmação do fato.
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Né do Baixio, homem valente, dirigiu-se imediatamente ao local da suposta discussão e, sem dizer água vai, segurou Quelé pelas costas, bradando-lhe enérgico: “Não se mexa que o duro aqui sou eu mesmo.” Nisso, Vitorino atraca-se com Manuel Pereira, o qual, largando Quelé, saca um punhal e investe contra Vitorino. Ao ver que seu “cabra” podia ser morto, Quelé faz uso de sua arma, uma mauser, e alveja Né do Baixio, ferindo-lhe no dorso. Chamando seus “cabras”, Vitorino e Juriti, dirige-se para a residência do monsenhor Afonso Pequeno, vigário das freguesias de Vila Bela e Belmonte, a quem narra o que acontecera.
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Monsenhor Afonso Pequeno
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Vários membros da família Pereira cercam a residência do monsenhor, tentando prender e trucidar Quelé, mas o padre, postando-se à porta, pediu-lhes que se acalmassem, garantindo que Quelé se entregaria à Justiça. Ainda houve tiros, um dos quais atingiu o quadro do Papa Leão XIII, na sala de visitas, mas tudo terminou com o recolhimento de Quelé e seus cabras à cadeia local.
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Quelé e seus companheiros por interferência do major Ernesto Lopes de Carvalho, que não confiou deixar o primo exposto à sanha da família Pereira na cidade de Vila Bela, foram remetidos para a cadeia de Flores. Três vezes foi este submetido a julgamento. Só na terceira vez é que foi absorvido e posto em liberdade, juntamente com seus dois cabras. 
Quando foi condenado pela primeira vez, o monsenhor Afonso Pequeno, indignado com a sentença, encaminhou ao juiz da Comarca de Flores a seguinte correspondência (Registrada no Livro de Notas nº 2, do Cartório do 2º Ofício da Comarca de Belmonte):

“Vila Bela, vinte de outubro de mil novecentos e cinco.
Senhor Salustiano
Meus cumprimentos

Só agora tenho vagas para responder a tua carta em que me pedias que te recusasse. Não fiz o teu pedido porque não adivinhara que o major Francisco Vieira juraria suspeição, pois eu ainda podia recusar um. Podia ter te recusado em lugar do coronel Marçal, mas confiava na tua palavra e não te tinha na conta de traidor. Não precisei de ti e espero em Deus não precisar nunca. Quando porém, precisares de mim estou à tua ordem. O perjuro que absolve a Antônio Leite e outros a mando do chefe não podia absolver Antônio Quelé que usou de legítima defesa? Tu foste coerente. Eu era que estava iludido pensando que tinhas consciência. Pilatos condenou a Nosso Senhor Jesus Cristo depois de confessar que Ele era justo e ter declarado que as testemunhas nada dispunham contra o Divino réu. Tu condenastes a Antônio Quelé depois de ter dito a meio mundo que Antônio Quelé procedera como homem, e depois de ter ouvido as testemunhas que nada dispuseram contra ele. Pilatos condenou com medo do povo e de César. Tu com medo de meia dúzia de cangaceiros e com medo de Antônio Pereira. Pilatos caiu depois no desprezo do povo. O povo também te despreza porque foste covarde e traidor. Pilatos foi por César deposto da Presidência Judia. Antônio Pereira também te dará um dia a paga que mereces. Nosso Senhor Jesus Cristo perdoou a Pilatos; eu de minha parte te perdou, e como sinal de perdão, venho te aconselhar que chores o teu pecado de perjúrio, para não teres a sorte de Pilatos que está no inferno, como todos os juízes covardes. Que necessidade tinhas tu de te mentires Salustiano? Dissestes que foi para vingar-te daquele sermão em que para bem de tua alma e exemplo de todos, censurei uma tua miséria. Vingaste-te condenando cada vez mais a tua alma. Não te vingastes e se queres vingar-te, arrepende-te e salva-te, porque assim te vingas do inimigo de tua alma. De mim, quiseste vingar-te de mim que só te desejo o bem? Amigo é tempo. Eu perdou a tua traição, o teu perjúrio. Fazes com que Deus te perdoe também. Se quiseres, recebe o abraço que te envio como amigo que sou. De teu amigo afetuoso.

Monsenhor Afonso Antero Pequeno.”
o?opoooooo
Antônio Clementino de Carvalho (Antônio Quelé), era filho de Clementino Alves de Carvalho e Sá (da fazenda São José) e de Gertrudes Maria de Carvalho (da fazenda Santa Cruz). Ficou conhecido por sua extrema valentia ao longo do confronto entre Carvalho e Pereira. Diziam que, sugestionado talvez pelos contos dos folhetos de cordel, possuía o dom da magia, podendo se encantar, desaparecer e reaparecer quando bem quisesse. Foi casado com Marota (filha de David Bernardino de Carvalho e Sá) e não deixou descendentes. Conta-se que quando estava no leito de morte, ao receber a extrema-unção, o padre lhe mostrou a imagem de Cristo, porém, Quelé afirmou que não conseguia vê-lo, em virtude de ter realizado crimes.
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Valdir José Nogueira, pesquisador e escritor
Presidente da Comissão Local
Cariri Cangaço São José de Belmonte

e vem ai...