Os Pequenos Por:Cristiano Ferraz

Cristiano Ferraz  e Manoel Severo

O sertão pernambucano forneceu muitos homens para as fileiras dos grupos de cangaceiros e volantes. A região banhada pelo rio Moxotó, riacho do Navio e rio Pajeú se destacou neste sentido. Entre as figuras de destaque como cangaceiros podemos citar Antônio Silvino, Lampião e Cassimiro Honório. Como volantes podemos citar o Major Teophanes Ferraz Torres e os nazarenos.

Cassimiro Gomes da Silva, ou Cassimiro Honório (falecido em 17/11/1920 na sua fazenda Riacho do Meio), vivia em terras da fazenda Juá (ou Barra do Juá) que ficava em uma caatinga de difícil acesso entre as cidades de Floresta e Betânia (hoje emancipada) na ribeira do Navio. Honório chefiou homens conhecidos pela bravura, destacando-se os irmãos Joaquim, João e Luiz Rajado, Antônio Matilde, Izídio e Antônio Honorato, Angelo Carquejo (Anjo Novo), Marcula do Juá, Joaquim Cariri (seu genro, casado com Melania, que fora roubada por Zé de Souza) e os Pequenos, ou Caboclos do aldeamento Jacaré (às margens do riacho de mesmo nome em Floresta) e da Fazenda Saco (hoje Betânia à época pertencente a Floresta).

Serrote usado por Lampião no Fogo das Caraíbas

Faziam parte do grupo dos Pequenos o velho Firmino, seus filhos Manoel (e seu filho Antônio), José, Luiz (conhecido como Formiga) e Jesuíno Pequeno, Abílio e Quirino (presos em 21 de maio de 1921, em Mata Grande-AL), Antônio Marreca (participou do ataque à Serra Vermelha e à fazenda Tapera, ocorridos em agosto de 1926), Gregório Pequeno (comparsa do célebre José Pequeno) e Januário Sebastião Souza (O Januário Pequeno), estes dois últimos, presos em Floresta em maio de 1927.

Além de Cassimiro Honório, os Pequenos também serviram a Lampião e a Ildefonso Ferraz em algumas oportunidades. A primeira questão que se conhece enfrentada pelo grupo ocorreu em 1919 e envolveu Antônio Tomás, proprietário da fazenda Craibeiro, vizinha ao aldeamento Jacaré. Conta-se que Tomás à época tinha 40 anos e era casado com uma senhora bem mais jovem e muito simpática. O casal não tinha filhos. Certo dia, Jesuíno Pequeno, filho do velho Firmino, um dos chefes da família, encontrando a esposa de Antônio Tomas sozinha, fez-lhe uma proposta indecorosa. A mulher repeliu o insulto e contou ao marido.

Sepultura das vítimas do combate das Caraíbas

Antônio Tomás procurou o velho Firmino e o encontrou na roça, consertando uma cerca. Explicou-lhe o ocorrido, pediu-lhe que refletisse sobre o caso e pelo menos afastasse o filho dali por algum tempo. O velho Firmino não se alterou enquanto ouvia a narrativa, continuando o serviço sem sequer olhar para ele, o que já demonstrava desatenção. Terminando a narrativa, Tomás viu o interlocutor levantar-se e encará-lo dizendo:

- Antônio Tomás, o Jesuíno foi uma besta! Não soube fazer o serviço como devia ser feito!... Se tivesse sido comigo, você hoje estaria contando a história de outra forme. Porque eu teria resolvido logo o caso a meu favor, por bem ou por mal. Quero dizer, teria passado logo da palavra à ação. Está entendendo?! E levou o punho cerrado às proximidades do rosto do interlocutor, acrescentando com arrogância ameaçadora:

- E vou lhe dizer mais uma coisa, curta e certa, Antônio Tomás! Você não assinará mais bezerro no Craibeiro!... Creio que me fiz entender, e por enquanto é só!...

Antônio Tomás perplexo, sentiu fugir-lhe o sangue das veias e a terra dos pés. O fazendeiro compreendia o perigo que representava abrir luta contra tal corja de selvagens, porém com sua honra em jogo, as cartas estavam lançadas. Fazendo um esforço sobre-humano para conservar, não sua calma habitual, mas não desesperar, retrucou ao agressivo e provocador velhote:

- Na verdade, velho Firmino, eu o entendi muito bem! Agora, mais do que nunca, eu me convenci de que não assinarei mais bezerro no Craibeiro! Mas vou lhe dizer também “uma coisa curta e certa”: é que um caboclo eu assinarei!...E retirou-se desapontado. Chegando em casa, armou-se e voltou ao encontro do velho Firmino, descarregando-lhe o rifle seis vezes consecutivas.Antônio Tomás tinha muitos moradores a seu serviço e partidários, os quais, como não podia deixar de ser colocaram-se a seu lado, dispostos a partilhar da sorte que lhe coubesse.

Antônio Tomás fuzilou o velho Firmino no final da manhã, e às primeiras da tarde os Caboclos cercaram-lhe a casa em numeroso grupo e fechou-se o tempo. Travou-se, então, furioso tiroteio que prolongou-se pelo resto do dia sem intervalo. No início da noite levantaram o assédio levando quatro mortos e uma dezena de feridos. Os sitiados, em boa posição defensiva, tiveram apenas um morto e três feridos sem gravidade.

Para dirigir as hostilidades, assumiu o comando da quadrilha o velho Manoel pequeno, um dos mais conceituados daquela tribo. Em menos de dois meses o fazendeiro foi derrotado em combates encarniçados e sucessivos, com muitas baixas de parte a parte. De um dos últimos tiroteios, Antônio Tomás saiu gravemente ferido, sendo obrigado a procurar refúgio fora do alcance do inimigo. Suas propriedades ficaram abandonadas à mercê dos adversários que saquearam tudo que foi possível, incendiando ainda aquilo que não podiam carregar. A propriedade de Antônio Tomás foi completamente arrasada. O gado vacum e caprino foi arrebanhado pelos inimigos para a cidade de Mata Grande, em Alagoas, onde tudo foi apurado livremente durante semanas.

Cariri Cangaço na Fazenda Favela

Em Mata Grande, num pequeno sítio chamado Capim-Açu, vivia o casal de septuagenários Antônio Benvindo-Maria Coité. Dada a vida de recolhimento que levavam os dois velhinhos, criara-se em torno deles a lenda de possuidores de dinheiro amealhado. Vivia ali perto um indivíduo de nome Alexandre de Tal, elemento visivelmente indesejável, e portador dos piores antecedentes. Este, ouvindo falar na suposta “fortuna” do casal de anciãos premeditou assalta-lo. Para isso juntou-se a outro desclassificado de nome Miguel, cuja melhor credencial que podia apresentar era a de haver sido expulso por Sinhô Pereira, a bem da moral do bando.

Numa manhã de sábado de agosto de 1919, os dois facínoras, Alexandre e Miguel, invadiram a residência do casal de velhinhos e os subjugaram na ponta dos punhais, exigindo-lhes a entrega do dinheiro que diziam saber possuir. Os pobres velhos juraram nada possuir do que alegavam. Findaram assassinados a tiros e facadas.

Era dia de feira em Mata Grande e o fato foi imediatamente levado ao conhecimento das autoridades pelos vizinhos do casal. Na ocasião encontrava-se na cidade um grupo de quarenta e tantos caboclos, como sempre, vendendo a criação e os haveres roubados a Antônio Tomás. Um deles, Antônio Pequeno, ouviu o relato que faziam da ocorrência à polícia. Vendo que os responsáveis pela segurança faziam corpo mole, se ofereceu para seguir sozinho no encalço dos assassinos. O oferecimento foi aceito pelo substituto do tenente Agripino, atual comandante do destacamento.

Antônio Pequeno saiu por volta do meio dia. Após pegar a pista dos bandidos, andou a tarde toda, ora pela estrada, ora pelo mato rastejando. Conhecedor profundo da terra, onde anoiteceu pernoitou. Sabia que os fugitivos não agiriam diferente. Ao amanhecer, quando a claridade já lhe permitia distinguir os rastros, reiniciou a marcha. Seguia as pegadas dos bandidos já a cinco ou seis léguas, agora definitivamente embrenhados na caatinga. Tendo andado pouco mais de uma hora, encontrou o local em que os dois haviam dormido. Estavam mais perto do que esperava.

Era por volta de sete e meia e a essa altura já haviam passado além da povoação de Espírito Santo. A região continuava plana e arenosa, só que agora a vegetação mudara um pouco, tornando-se menos densa e variada. Era composta de Catingueira, Jurema-preta, Quebra-faca, rompe gibão e algumas bromeliáceas. Foi então, ao sair nessa clareira, que Antônio Pequeno surpreendeu os dois celerados. O bandido assestou o rifle nas costas de Miguel, por ser este o de maior periculosidade. Alexandre vacilou entre a fuga e a reação e ocorreu-lhe pegar o rifle do companheiro, visto estar armado de bacamarte. Mas a arma ficara presa sob o corpo deste que caíra de costas. Diante da impossibilidade de pegar a arma, disparou o bacamarte a esmo e correu caatinga adentro escapando de ser morto.

Antônio Pequeno então, aproximou-se do local onde Miguel agonizava, disparou-lhe mais quatro tiros e tirou-lhe os pertences deixando o corpo insepulto. Retornando a Mata Grande entregou um rifle papo-amarelo de doze repetições, calibre 44; dois bornais contendo 118 cartuchos do mesmo calibre; um punhal de cinquenta centímetros de lâmina com a respectiva bainha; um par de alpercatas de rabicho e um chapéu de couro ao tenente Laje (substituto de Agripino) comandante do destacamento policial. Pouco tempo após esses episódios, os irmãos Ferreira, Virgolino, Antônio e Livino se uniram aos Pequenos após o ataque a Pariconha e a morte de José Ferreira. Não permaneceram juntos por muito tempo, embora, esporadicamente se juntassem em algumas ações.

Uma dessas ações foi o ataque ao fazendeiro Marcolino Folhiço, a quem Manoel Pequeno havia enviado uma carta exigindo a quantia de cinquenta mil réis. A resposta foi que não mandaria o dinheiro porque tinha rifle e balas pra se defender. Os Folhiços residiam em duas fazendas na região: Jurema e Tabuleiro. Na fazenda Tabuleiro, os irmãos Manoel, Cícero, Constantino e Pedro Marcolino de Souza escaparam de um massacre por parte de Lampião e dos Pequenos que os atacaram com violência. Dali os cangaceiros seguiram para a fazenda Jurema onde assassinaram Marcolino Folhiço e seu filho.

Cristiano Ferraz no Cariri Cangaço Floresta

Pouco depois da morte de Marcolino ocorreu o combate das Caraíbas em quatro de fevereiro de 1926 (quinta-feira) contra as volantes de Higino José Belarmino e Optato Gueiros. Destas faziam parte diversos nazarenos entre os quais estavam Manoel Neto, Manoel Flor, Euclides Flor e Davi Jurubeba. O combate durou do início da manhã até o final da tarde.

Os cangaceiros emboscaram a volante dividindo-se em três grupos, tendo um deles, comandado por Lampião, ficado num serrote junto à margem oposta do riacho São Brás, outro grupo, do qual fazia parte Manoel Pequeno, ficou em frente a este junto às barrancas do lado oposto do riacho próximo à estrada por onde a volante passaria e outro escondido na caatinga. As forças se viram cercadas pelos cangaceiros em três frentes de fogo num ataque envolvente e minuciosamente planejado por Lampião.

Manoel Neto aproximou-se pelo lado esquerdo do riacho, na direção do serrote, onde estavam Lampião e Antônio Ferreira, e, assim que os cangaceiros o viram ficaram chamando o militar, tentando se passar por companheiros. Manoel percebeu a armação, sendo avisado também do perigo pelo soldado João Jurubeba de Sá Nogueira, o “João Gato”, da família nazarena. Mesmo sabendo da presença dos bandidos no serrote, Manoel Neto entrou em combate se expondo demais, sendo alvejado por um disparo no braço direito, colocando-o fora de combate. 

A luta tornou-se mais acirrada, com os cangaceiros entrincheirados no serrote, respondendo aos tiros da Volante. Euclides Flor gritou para seus companheiros que preferiria morrer que deixar os cangaceiros donos da situação e que iria desalojá-los. Deixou Manoel Flor com cinco soldados enfrentando os bandidos e seguiu com outros nove para a perigosa empreitada.


O grupo de Euclides adiantou-se por dentro do córrego, fez uma manobra rodeando uma elevação chegando por trás dos facínoras, atacando pela retaguarda. Com o tiroteio da Volante Lampião decidiu abandonar o esconderijo e fugir. Após a saída do bando, a Volante contou suas perdas, totalizando três soldados mortos: Antônio Benedito Mendes (de Carnaíba-PE), o florestano Aristides Panta da Silva e Benedito Bezerra de Vasconcelos. Além dos mortos, sete militares foram feridos: o Tenente Higino, o Anspeçada Manoel de Souza Neto, o “Mané Neto”, o rastejador Antônio Joaquim dos Santos, o “Batoque”, João Pereira dos Santos, Altino Gomes de Sá, João Cavalcanti e João Pinheiro Costa.

Os corpos dos soldados mortos foram sepultados na margem esquerda do riacho da Maravilha, próximo ao local onde o riacho do Jacaré se une àquele. O riacho da Maravilha é atualmente a divisa entre os municípios de Floresta e Betânia. Outro episódio envolvendo os Pequeno foi a morte de José Pequeno na fazenda Favela em Floresta. O cangaceiro enfrentou duas vezes alguns “cabras de Ildefonso”. O primeiro combate se deu no córrego do Vitalino (nome do cangaceiro morto que acabou dando nome ao local). Esse combate foi coordenado por Toinho Ferraz, irmão de Ildefonso, que não concordava com a constante passagem dos cangaceiros por ali.

Zé Pequeno reagiu levando o rifle do companheiro, após ser baleado na mão. Na fuga, passou na fazenda Poço do Boi de Zeca da Barra, onde pediu uma cebola, que cortou e amarrou na mão ferida. No segundo combate, Zé Pequeno não teve a mesma sorte.  De passagem pela fazenda Favela, arranchou com a companheira Enedina, outra mulher e o cabra Aristides (alcunhado Fogo Pagou) perto da casa do proprietário, José Quincas de Souza Ferraz. Sinhô, filho de José Quincas, foi até  a fazenda Curral Novo e avisou a Ildefonso Ferraz, que mandou chamar Zé Liberato na fazenda Jatobá, de Manoel Marques de Sá (Sinô).

Agora residindo na fazenda Jatobá, Zé Liberato era convocado por Ildefonso Ferraz para ajudar a eliminar o cangaceiro Zé Pequeno. Quando ia saindo, alguém notou que estava calçando uma alpercata velha, sem rabicho, e ofereceu-lhe outra. Liberato recusou, dizendo não ser necessário. E explicou:

            - Eu não vou lá pra correr; essa serve...

Um grupo foi formado e ficou à espera dos cangaceiros em um local previamente combinado com Sinhô que voltou ao rancho dos cangaceiros e os convenceu a se retirar dali, pois aquele local era perigoso devido ao trânsito de pessoas e ser muito próximo à sede da fazenda. Os bandidos então se deslocaram até o local onde estavam Zé Liberato e seus companheiros emboscados à sua espera.

Sinhô os deixou arranchados, e voltou para casa. Ildefonso tinha dito que quem conseguisse pegar primeiro as armas dos cangaceiros ficaria com elas. Avistados os bandidos — dois homens e duas mulheres —, abriram fogo e rapidamente foram mortos o cangaceiro Zé Pequeno e seu companheiro Aristides que ainda conseguiu correr mas caiu dentro de um banco de macambira de onde foi retirado. Liberato avançou. Foi o primeiro a chegar onde ficaram estendidos os corpos e logo se apoderou de um rifle que pertencia a Zé Pequeno. Uma das mulheres (Enedina), de uma valentia indescritível, foi presa. 

Ângelo da Jia chegou poucos momentos depois. Reconheceu a arma tomada dos cangaceiros. Disse ser dele e a pediu. Liberato não quis entregar, só o fazendo após a intervenção de Ildefonso, que lhe prometeu outro rifle. Os corpos dos dois cangaceiros mortos foram levados para Floresta em lombo de burro, sendo apresentados à polícia e sepultados.

Cristiano Luiz Feitosa Ferraz, Pesquisador e Escritor

Floresta, Pernambuco - Maio de 2020

Bibliografia Consultada: Carvalho, Rodrigues de - Serrote Preto, Lampião e seus sequazes. 2 ed., sedegra s.a. - Gráficos e Editores. Rio, 1974

Ferraz, Marilourdes - O Canto do Acauã, Das memórias do Cel. Manoel de Souza Ferraz (Coronel Manoel Flor). 3 ed., Comunigraf Editora. Recife, 2011

Ferraz, Cristiano Luiz Feitosa e Sá, Marcos Antônio de - As Cruzes do Cangaço – fatos e personagens de Floresta. TDA Gráf., 2016

 

2 comentários:

Unknown disse...

Excelente texto. Muito informativo e esclarecedor, para quem.se dedica ao estudo dos fatos ligados ao cangaço, acontecidos na região de Floresta e redondezas.
Meus parabéns ao amigo Cristiano Ferraz e ao Cariri Cangaço, pela parceria.👏👏👏

Odilon Nogueira disse...

Muito bom Cristiano Ferraz, no aguardo do seu próximo livro!